Limites da Ciência
De Jorge Calado
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Sobre este e-book
Jorge Calado
Jorge Calado licenciado em Engenharia Química pelo Instituto Superior Técnico (IST) e doutorado em Química pela Universidade de Oxford, JORGE CALADO tem desenvolvido carreiras nas ciências e nas artes. Professor catedrático de Química-Física do IST e catedrático-adjunto de Engenharia Química da Universidade de Cornell (EUA), dedicou-se à termodinâmica de líquidos moleculares, tendo gerado mais de cem doutoramentos (directos e secundários). Em 2011 (Ano Internacional da Química), publicou Haja Luz! Uma história da química através de tudo. Fundou e dirigiu no Instituto Nacional de Administração os primeiros cursos em Portugal de administração das artes. Crítico cultural do jornal Expresso, iniciou a Colecção Pública de Fotografia e já comissariou cerca de trinta exposições de fotografia em Portugal, Bélgica, França, Inglaterra e EUA. O seu próximo livro, a publicar em 2021 pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, será Mocidade Portuguesa, um retrato do que era a vida em Lisboa nos anos 1940 e 1950.
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Limites da Ciência - Jorge Calado
Limites da Ciência
A ciência é infinda, mas limitada. Alguns limites são internos: as regras, leis, princípios, teoremas, etc., que a própria ciência produz. Outros, impostos pelas técnicas e instrumentos de medida, são provisórios. A língua (matemática) e a linguagem científicas também podem ser obstáculos à comunicação. Os verdadeiros limites da ciência são, porém, de natureza ética, política, económica e financeira. Neste ensaio são analisados os quatro CC da ciência: o seu carácter (nomeadamente a serendipidade da descoberta científica), as crises causadas pela censura e pelo mau comportamento científico (erro, plágio, fraude), o papel do capital (financiamento e administração da ciência) e as catástrofes (naturais, como a erupção da Krakatoa, em 1883; ou devidas a falha humana, como Bhopal, Chernobyl e Golfo do México). São também discutidas as ameaças vinda do espaço, os sobressaltos do bioterrorismo e das nanotécnicas e o destino do lixo nuclear. Numa época em que a guerra se trava já no ciberespaço, o leitor é alertado para os perigos latentes da (super)inteligência artificial.
Jorge%20Calado%202.tifLicenciado em engenharia química pelo Instituto Superior Técnico e doutorado em química pela Universidade de Oxford, JORGE CALADO tem desenvolvido carreiras nas ciências e nas artes. Professor catedrático de química-física do IST e catedrático adjunto de engenharia química da Universidade de Cornell (EUA), dedicou-se à termodinâmica de líquidos moleculares, tendo gerado mais de cem doutoramentos (directos e secundários). Em 2011 (Ano Internacional da Química) publicou Haja Luz
– Uma História da Química Através de Tudo". Fundou e dirigiu, no Instituto Nacional de Administração, os primeiros cursos, em Portugal, de administração das artes. Crítico cultural do jornal Expresso, iniciou a Colecção Nacional de Fotografia e já comissariou mais de vinte exposições de fotografia em Portugal, Bélgica, França, Inglaterra e EUA.
Largo Monterroio Mascarenhas, n.º 1
1099-081 Lisboa,
Portugal
Correio electrónico: ffms@ffms.pt
Telefone: 210 015 800
Título: Limites da Ciência
Autor: Jorge Calado
Director de publicações: António Araújo
Design e paginação: Guidesign
© Fundação Francisco Manuel dos Santos e Jorge Calado, Março de 2016
Edição original – Agosto de 2014
O autor desta publicação não adoptou o novo Acordo Ortográfico.
As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade do autor e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada ao autor e ao editor.
Edição eBook: Guidesign
ISBN 978-989-8838-21-6
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JORGE CALADO
Limites
da Ciência
logo.jpgÍndice
Prefácio
I Carácter da Ciência
01. Começos
02. Ser e não ser
03. Limites internos
04. Serendipidade
05. A língua e a linguagem
06. O fim da ciência?
07. Finito mas ilimitado
08. A ciência terá limites?
II Crises na Ciência
09. Ciência e consciência
10. O pecado original
11. Ciência e censura
12. Erro
13. Mau comportamento científico
14. A saga Baltimore
15. Artigos e autores
16. Online
III Ciência e Capital
17. Pagar a ciência
18. Lucrar com a ciência
19. Administrar a ciência
20. A ciência por projecto
IV Catástrofe
21. Para o bem e para o mal
22. Bhopal
23. Chernobyl
24. Horizonte de águas profundas
25. O último século?
26. Bioperigos
27. Inteligência artificial
28. Krakatoa, a oeste de Java
29. A ameaça que vem do espaço
30. Fins
Bibliografia
Lista de ilustrações
Prefácio
ESTE LIVRO COMEÇOU, COMO HABITUALMENTE COMEÇAM OS MEUS escritos (jornalismo, palestra ou artigo científico, ensaio sobre arte e ciência, catálogo de fotografia), com um título, uma frase de abertura e uma imagem (ou frase) final. O título sugeri-o a António Barreto quando este generosamente me convidou a escrever um ensaio sobre tema da minha lavra, para ser publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). A frase de abertura surgiu-me imediatamente e deriva da minha mania de contrapor as artes às ciências. A imagem final tinha de ser científica: escolhi o fado do Sol como estrela vermelha. Pelo meio ficaram aquilo a que chamei os quatro CC da ciência: carácter, crise, capital e catástrofe (sem segundas intenções). O esqueleto do livro deriva do programa da disciplina Limites da Ciência
que fundei e regi no Instituto Superior Técnico (IST), aberta a estudantes de todos os cursos (das engenharias à arquitectura e à gestão industrial), nos anos longínquos de 2002-2004. Que eu saiba, era a primeira vez que esses temas eram abordados e discutidos no âmbito universitário.
Em criança já sabia que queria ser cientista. (Evoluí rapidamente do desejo de ser pastor para o de astrónomo.) Física e matemática eram os meus amores; saiu-me a química na rifa da vida. Cresci assombrado pelas possibilidades da física nuclear. Em menino lembro-me de ouvir dizer que a vizinha do 4º andar, Marieta da Silveira, docente na Faculdade de Ciências de Lisboa, tinha ajudado a fazer a bomba atómica. Percebi mais tarde que a ligação era muito ténue. Silveira trabalhara no Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa sob a direcção de dois físicos promissores (Manuel Valadares e Aurélio Marques da Silva) que se tinham doutorado no Laboratório Curie, em Paris. Eu próprio comecei a minha vida profissional como investigador (químico) da Comissão de Estudos de Energia Nuclear (que, nessa altura, de nuclear só tinha o nome). Admirava J. Robert Oppenheimer – o físico culto, pai da bomba atómica – que se inspirara num soneto de John Donne para dar o nome de Trinity (Trindade) ao primeiro ensaio atómico. E seguira a perseguição e julgamento de que fora vítima – a ‘caça às bruxas’ instigada pelo odiento senador Joseph McCarthy e seus apaniguados nos anos 1950 – através do teatro (político) de Heinar Kipphardt, No caso de J. Robert Oppenheimer (1964). Não era só em Portugal que os cientistas eram perseguidos e demitidos (como foram Valadares e Marques da Silva). Percebi então que os verdadeiros limites da ciência eram morais e políticos.
Ensino e escrevo para aprender e arrumar as ideias. Sempre senti que a ciência era infinda. Há sempre mais para descobrir. As respostas podem parecer definitivas, mas as perguntas não acabam. A ciência é amoral, não é boa nem má; os cientistas é que são homens e mulheres com as suas qualidades e defeitos – uns heróicos, outros fracos e venais, sem escrúpulos de qualquer ordem. Confesso que as surpresas maiores que tive ao escrever este livro se prendem com a generalização da fraude científica, que é crime. A ciência começou pela curiosidade do Homo sapiens. Para o bem e para o mal, hoje a ciência é um negócio que vale milhões. Se o investimento é grande, querem-se ver resultados e… depressa. A mudança teve vários efeitos colaterais – o mais grave dos quais, uma significativa perda de liberdade científica. Mas não vale a pena chorar sobre leite derramado…
Sou um optimista no que se refere à ciência, mas um pessimista no que respeita ao bicho-homem. Confio no valor da ciência, mas hoje não confio na sabedoria dos decisores (políticos, económicos, científicos). Foi também por isto que escrevi estes Limites da Ciência: para avisar os leitores portugueses dos perigos e crimes subjacentes à ciência, que só podem ser minorados por uma sociedade cientificamente letrada e atenta aos valores éticos. Pela primeira vez, desde os começos da ciência moderna no século XVII, a humanidade tem ao seu dispor saberes e técnicas capazes de obliterar a vida na Terra; pelo menos, a das espécies mais evoluídas (entre as quais a humana). E despontam novas invenções – nas nanotécnicas, na inteligência artificial, etc. – com consequências medonhas. Além de que a Terra não está livre de catástrofes naturais e outras causadas por erro humano ou facciosismo terrorista. Como afirmou Lord Rees, existe o risco de o nosso século XXI vir a ser o último século. O fim da história (da ciência).
A maior parte destes temas foram testados e debatidos nas aulas de Limites da Ciência
no IST. Foi, portanto, com a colaboração dos estudantes que aprofundei algumas das questões essenciais do nosso tempo – éticas, sociais, económicas e políticas – ligadas à ciência. Enquanto fui escrevendo o livro, tive a sorte de poder discutir temas e esclarecer dúvidas com João Bordado, João Pedro Conde, Hermínio Diogo e João Fareleira (amigos e colegas do IST), e com João Paulo André (outrotanto, da Universidade do Minho). Aprendi coisas novas e a todos quero testemunhar o meu reconhecimento. Uma vez mais contei com o apoio e a crítica de Joaquim Moura Ramos, colega e amigo de sempre, que aceitou ler as várias secções à medida que saíam frescas da minha mente e do computador. Questionou alguns pontos e fez sugestões que melhoraram consideravelmente a minha argumentação – e, por isso, lhe estou gratíssimo. A António Araújo, director da Colecção de Ensaios da FFMS, quero agradecer o interesse pelo meu trabalho, bem como a confiança e a paciência com que aceitou os vários adiamentos na entrega deste texto.
Haverá, certamente, pequenos acrescentos e afinações durante a revisão que se segue, mas o ponto final do livro foi aposto no dia do bicentenário de Giuseppe Verdi – o Shakespeare da ópera. É apenas uma coincidência, mas uma coincidência que me deleita.
Jorge Calado
Nova Iorque, 10 de Outubro de 2013
Limites da Ciência
I Carácter da Ciência
01. Começos
A arte foi uma necessidade; a ciência, uma curiosidade. A necessidade de exprimir algo e a curiosidade de compreender tudo. As mais antigas pinturas paleolíticas das cavernas remontam a 40 000 anos. A contagem – a primeira manifestação da aritmética – iniciou-se com a noção de um (eu), dois (o casal), muitos, que ainda permanece em certas tribos aborígenes do Brasil ou da Austrália, continuou com a correspondência entre os dedos de uma ou das duas mãos e os números cardinais, mas a numeração só teve expressão gráfica (hieroglífica, cuneiforme) a partir de 4000 a.C. A numeração ordinal (primeiro, segundo, terceiro, etc.) é mais complexa e aparece ligada ao estabelecimento de uma hierarquia societal. Todos nascem iguais, mas uns tornam-se mais iguais que outros…
A ciência (ou terá sido a técnica?) começou com a agricultura. O arado, as cinco máquinas elementares dos Gregos (roda e eixo, alavanca, cunha, roldana, parafuso) determinaram o paradigma civilizacional. A observação do céu, das estrelas (fixas) e dos planetas, por simples curiosidade ou religiosidade, deu origem à primeira grande base de dados (astronómicos), que está na origem do calendário. A sucessão dos dias e das noites e das estações (Primavera, Verão, Outono e Inverno), a percepção do mês lunar e do ano solar. Foram estes os primórdios da ciência e da técnica.
Estabelecidas as bases da língua (matemática) com o desenvolvimento da aritmética e da geometria – pelos Gregos, Árabes, Persas e Chineses – a árvore das ciências pôde crescer e evoluir. Todas as ciências aspiram à condição de matemática e é esta que mede a pureza e dureza das ditas. Conhecimento que não está matematizado, em que não é possível fazer previsões quantitativas, não é (ainda) ciência. As ciências duras são as mais matematizadas, e as moles endurecem com o tempo (como acontece ao pão). A física moderna nasceu em 1609, com Galileo Galilei, e a química moderna (por oposição à alquimia e à iatroquímica) em 1661, com Robert Boyle. Galileo estabeleceu as leis da queda dos graves e do movimento no plano inclinado, observou a Lua (1609) e as fases de Vénus e descobriu os satélites de Júpiter (com a confirmação do modelo heliocêntrico do Universo). Boyle começou a racionalizar a química com a publicação (1661) de O Químico Céptico.
O comércio e a navegação prosperaram com o avanço da física e da astronomia (e vice-versa). A Revolução Industrial deu um enorme impulso à química (com o entendimento da combustão). A exploração mineira é inseparável do progresso da mineralogia e da geologia, a agricultura potenciou a botânica e a zoologia (esta última também presente no uso dos fertilizantes de origem animal e no combate às pragas). A biologia emergiu mais tarde, em parte por causa da contaminação religiosa. Embora a célula tivesse sido descoberta em 1665 por Robert Hooke (um assistente de Boyle), a teoria das células – uma espécie de teoria atómica da vida – só começou com Theodor Schwann: Tudo o que é vivo é composto de células e dos seus produtos
(1839). Foi já em pleno século XIX que se tornou possível separar a ciência da religião, com a aceitação generalizada (embora contraditada, aqui e acolá) de que as forças anímicas e vitais eram, afinal, de natureza fisico-química. A evolução das espécies através da selecção natural, proposta por Charles Darwin (1859), marcou outra clivagem na metáfora criacionista do Universo.
A psicologia e outras ciências sociais são um produto do século XX (com antecedentes no século anterior; A Condição da Classe Traba- lhadora em Inglaterra, de Friedrich Engels, foi publicado em 1845). Humanas são todas as ciências – fruto da inteligência dos homens e das mulheres. Quanto ao corpo humano, é o primeiro dos laboratórios: um compósito de substâncias químicas em interacção e reacções constantes (e também uma sociedade organizada de células).
02. Ser e não ser
No princípio estava tudo misturado – o chamado sincretismo dos conhecimentos primitivos. A análise e síntese dos saberes gerou a filosofia. Ainda hoje, nos países anglo-saxónicos, o doutoramento dá pela sigla Ph.D. ou D.Phil. (na Universidade de Oxford): doutor em filosofia (mesmo que se trate de matemática, química ou psicologia). É estreita a fronteira que separa o saber do não saber. Como escreveu Santo Agostinho no Livro XI das Confissões (ca. 400), o que é, então, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se alguém me pergunta e eu quiser explicar o que é, já não sei
. Quando uma parcela de saberes se organiza matematicamente em ciência, sai do campo da filosofia. Mas o conhecimento científico apenas