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Limites da Ciência
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E-book246 páginas3 horas

Limites da Ciência

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Sobre este e-book

A ciência é infinda mas limitada. Além dos limites internos – regras, axiomas, leis, teoremas, etc. – e outros impostos pelos instrumentos e técnicas de medida, os limites mais importantes são de natureza ética, política e económico--financeira. São aqui analisados os quatro CC da ciência: o carácter, as crises causadas pelo mau comportamento científico, o papel do capital e as catástrofes naturais ou causadas por falha humana. Se em 2013 a grande surpresa fora, para mim, a prevalência da fraude na investigação científica, sete anos depois o problema tornou-se gigantesco. Por outro lado, a crescente burocratização do financiamento tem coarctado a liberdade da pesquisa científica; a curiosidade foi substituída pela necessidade de produzir resultados. Neste livro cabem ainda as ameaças que vêm do espaço, os sobressaltos do bioterrorismo e os perigos latentes das nanotécnicas e da (super)inteligência artificial. Às guerras tradicionais em terra, mar e ar juntou-se a guerra travada no ciberespaço. Finalmente, a pandemia de COVID-19 é vista como consequência do nosso uso e abuso da Gaia, o complexo geobiológico que mantém as condições de vida na Terra. Veja o vídeo de apresentação da obra em https://youtu.be/347GGrp6kPs
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de abr. de 2021
ISBN9789899064287
Limites da Ciência
Autor

Jorge Calado

Jorge Calado licenciado em Engenharia Química pelo Instituto Superior Técnico (IST) e doutorado em Química pela Universidade de Oxford, JORGE CALADO tem desenvolvido carreiras nas ciências e nas artes. Professor catedrático de Química-Física do IST e catedrático-adjunto de Engenharia Química da Universidade de Cornell (EUA), dedicou-se à termodinâmica de líquidos moleculares, tendo gerado mais de cem doutoramentos (directos e secundários). Em 2011 (Ano Internacional da Química), publicou Haja Luz! Uma história da química através de tudo. Fundou e dirigiu no Instituto Nacional de Administração os primeiros cursos em Portugal de administração das artes. Crítico cultural do jornal Expresso, iniciou a Colecção Pública de Fotografia e já comissariou cerca de trinta exposições de fotografia em Portugal, Bélgica, França, Inglaterra e EUA. O seu próximo livro, a publicar em 2021 pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, será Mocidade Portuguesa, um retrato do que era a vida em Lisboa nos anos 1940 e 1950.

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    Limites da Ciência - Jorge Calado

    Limites da Ciência

    A ciência é infinda mas limitada. Além dos limites internos – regras, axiomas, leis, teoremas, etc. – e outros impostos pelos instrumentos e técnicas de medida, os limites mais importantes são de natureza ética, política e económico­-financeira. São aqui analisados os quatro CC da ciência: o carácter, as crises causadas pelo mau comportamento científico, o papel do capital e as catástrofes naturais ou causadas por falha humana. Se em 2013 a grande surpresa fora, para mim, a prevalência da fraude na investigação científica, sete anos depois o problema tornou-se gigantesco. Por outro lado, a crescente burocratização do financiamento tem coarctado a liberdade da pesquisa científica; a curiosidade foi substituída pela necessidade de produzir resultados. Neste livro cabem ainda as ameaças que vêm do espaço, os sobressaltos do bioterrorismo e os perigos latentes das nanotécnicas e da (super)inteligência artificial. Às guerras tradicionais em terra, mar e ar juntou-se a guerra travada no ciberespaço. Finalmente, a pandemia de Covid-19 é vista como consequência do nosso uso e abuso da Gaia, o complexo geobiológico que mantém as condições de vida na Terra.

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    Jorge Calado

    Licenciado em Engenharia Química pelo Instituto Superior Técnico (IST) e doutorado em Química pela Universidade de Oxford, JORGE CALADO tem desenvolvido carreiras nas ciências e nas artes. Professor catedrático de Química-Física do IST e catedrático-adjunto de Engenharia Química da Universidade de Cornell (EUA), dedicou-se à termodinâmica de líquidos moleculares, tendo gerado mais de cem doutoramentos (directos e secundários). Em 2011 (Ano Internacional da Química), publicou Haja Luz! Uma história da química através de tudo. Fundou e dirigiu no Instituto Nacional de Administração os primeiros cursos em Portugal de administração das artes. Crítico cultural do jornal Expresso, iniciou a Colecção Pública de Fotografia e já comissariou cerca de trinta exposições de fotografia em Portugal, Bélgica, França, Inglaterra e EUA. O seu próximo livro, a publicar em 2021 pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, será Mocidade Portuguesa, um retrato do que era a vida em Lisboa nos anos 1940 e 1950.

    Limites da Ciência

    logo.jpg

    Largo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 7.º piso

    1099-081 Lisboa,

    Portugal

    Correio electrónico: ffms@ffms.pt

    Telefone: 210 015 800

    © Fundação Francisco Manuel dos Santos e Jorge Calado, Abril de 2021

    Director de publicações: António Araújo

    1.ª edição: Julho de 2014

    2.ª edição: Abril de 2021

    Design e paginação: Guidesign

    Validação de conteúdos e suportes digitais: Regateles Consultoria Lda

    Livro redigido com o Acordo Ortográfico de 1945.

    As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade do autor e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

    A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada ao autor e ao editor.

    Edição eBook: Guidesign

    ISBN 978-989-9064-28-7

    Conheça todos os projectos da Fundação em www.ffms.pt

    Jorge Calado

    Limites da Ciência

    2.ª edição revista e actualizada acrescida de um posfácio sobre a pandemia de Covid-19
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    Conteúdo

    Prefácio

    I Carácter da Ciência

    01. Começos

    02. Ser e não ser

    03. Limites internos

    04. Serendipidade

    05. A língua e a linguagem

    06. O fim da ciência?

    07. Finito mas ilimitado

    08. A ciência terá limites?

    II Crises na Ciência

    09. Ciência e consciência

    10. O pecado original

    11. Ciência e censura

    12. Erro

    13. Mau comportamento científico

    14. A saga Baltimore

    15. Artigos e autores

    16. Online

    III Ciência e Capital

    17. Pagar a ciência

    18. Lucrar com a ciência

    19. Administrar a ciência

    20. A ciência por projecto

    IV Catástrofe

    21. Para o bem e para o mal

    22. Bhopal

    23. Chernobyl

    24. Horizonte de águas profundas

    25. O último século?

    26. Bioperigos

    27. Inteligência artificial

    28. Krakatoa, a oeste de Java

    29. A ameaça que vem do espaço

    30. Fins

    Posfácio

    Bibliografia

    Lista de ilustrações

    Prefácio

    ESTE LIVRO COMEÇOU, COMO HABITUALMENTE COMEÇAM OS MEUS ESCRITOS (jornalismo, palestra ou artigo científico, ensaio sobre arte e ciência, catálogo de fotografia), com um título, uma frase de abertura e uma imagem (ou frase) final. O título sugeri­-o a António Barreto quando este generosamente me convidou a escrever um ensaio sobre tema da minha lavra, para ser publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). A frase de abertura surgiu­-me imediatamente e deriva da minha mania de contrapor as artes às ciências. A imagem final tinha de ser científica: escolhi o fado do Sol como estrela vermelha. Pelo meio ficaram aquilo a que chamei os quatro CC da ciência: carácter, crise, capital e catástrofe (sem segundas intenções). O esqueleto do livro deriva do programa da disciplina Limites da Ciência que fundei e regi no Instituto Superior Técnico (IST), aberta a estudantes de todos os cursos (das engenharias à arquitectura e à gestão industrial), nos anos longínquos de 2002­-2004. Que eu saiba, era a primeira vez que esses temas eram abordados e discutidos no âmbito universitário.

    Em criança já sabia que queria ser cientista. (Evoluí rapidamente do desejo de ser pastor para o de astrónomo.) Física e matemática eram os meus amores; saiu-me a química na rifa da vida. Cresci assombrado pelas possibilidades da física nuclear. Em menino lembro-me de ouvir dizer que a vizinha do 4.º andar, Marieta da Silveira, docente na Faculdade de Ciências de Lisboa, tinha ajudado a fazer a bomba atómica. Percebi mais tarde que a ligação era muito ténue. Silveira trabalhara no Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa sob a direcção de dois físicos promissores (Manuel Valadares e Aurélio Marques da Silva) que se tinham doutorado no Laboratório Curie, em Paris. Eu próprio comecei a minha vida profissional como investigador (químico) da Comissão de Estudos de Energia Nuclear (que, nessa altura, de nuclear só tinha o nome). Admirava J. Robert Oppenheimer — o físico culto, pai da bomba atómica — que se inspirara num soneto de John Donne para dar o nome de Trinity (Trindade) ao primeiro ensaio atómico. E seguira a perseguição e julgamento de que fora vítima — a ‘caça às bruxas’ instigada pelo odiento senador Joseph McCarthy e seus apaniguados nos anos 1950 — através do teatro (político) de Heinar Kipphardt, No caso de J. Robert Oppenheimer (1964). Não era só em Portugal que os cientistas eram perseguidos e demitidos (como foram Valadares e Marques da Silva). Percebi então que os verdadeiros limites da ciência eram morais e políticos.

    Ensino e escrevo para aprender e arrumar as ideias. Sempre senti que a ciência era infinda. Há sempre mais para descobrir. As respostas podem parecer definitivas, mas as perguntas não acabam. A ciência é amoral, não é boa nem má; os cientistas é que são homens e mulheres com as suas qualidades e defeitos — uns heróicos, outros fracos e venais, sem escrúpulos de qualquer ordem. Confesso que as surpresas maiores que tive ao escrever este livro se prendem com a generalização da fraude científica, que é crime. A ciência começou pela curiosidade do Homo sapiens. Para o bem e para o mal, hoje a ciência é um negócio que vale milhões. Se o investimento é grande, querem-se ver resultados e… depressa. A mudança teve vários efeitos colaterais — o mais grave dos quais, uma significativa perda de liberdade científica. Mas não vale a pena chorar sobre leite derramado…

    Sou um optimista no que se refere à ciência, mas um pessimista no que respeita ao bicho-homem. Confio no valor da ciência, mas hoje não confio na sabedoria dos decisores (políticos, económicos, científicos). Foi também por isto que escrevi estes Limites da Ciência: para avisar os leitores portugueses dos perigos e crimes subjacentes à ciência, que só podem ser minorados por uma sociedade cientificamente letrada e atenta aos valores éticos, precisamente aquilo que a sociedade portuguesa não é. Pela primeira vez, desde os começos da ciência moderna no século XVII, a humanidade tem ao seu dispor saberes e técnicas capazes de obliterar a vida na Terra; pelo menos, a das espécies mais evoluídas (entre as quais a humana). E despontam novas invenções — nas nanotécnicas, na inteligência artificial, etc. — com consequências medonhas. Além de que a Terra não está livre de catástrofes naturais e outras causadas por erro humano ou facciosismo terrorista. Como afirmou Lord Rees, existe o risco de o nosso século XXI vir a ser o último século. O fim da história (da ciência).

    A maior parte destes temas foram testados e debatidos nas aulas de Limites da Ciência no IST. Foi, portanto, com a colaboração dos estudantes que aprofundei algumas das questões essenciais do nosso tempo — éticas, sociais, económicas e políticas — ligadas à ciência. Enquanto fui escrevendo o livro, tive a sorte de poder discutir temas e esclarecer dúvidas com João Bordado, João Pedro Conde, Hermínio Diogo e João Fareleira (amigos e colegas do IST), e com João Paulo André (outrotanto, da Universidade do Minho). Aprendi coisas novas e a todos quero testemunhar o meu reconhecimento. Uma vez mais contei com o apoio e a crítica de Joaquim Moura Ramos, colega e amigo de sempre, que aceitou ler as várias secções à medida que saíam frescas da minha mente e do computador. Questionou alguns pontos e fez sugestões que melhoraram consideravelmente a minha argumentação — e, por isso, lhe estou gratíssimo. A António Araújo, director da Colecção de Ensaios da FFMS, quero agradecer o interesse pelo meu trabalho, bem como a confiança e a paciência com que aceitou os vários adiamentos na entrega deste texto.

    Haverá, certamente, pequenos acrescentos e afinações durante a revisão que se segue, mas o ponto final do livro foi aposto no dia do bicentenário de Giuseppe Verdi — o Shakespeare da ópera. É apenas uma coincidência, mas uma coincidência que me deleita.

    Jorge Calado

    Nova Iorque, 10 de Outubro de 2013

    Limites da Ciência

    I Carácter da Ciência

    01. Começos

    A arte foi uma necessidade; a ciência, uma curiosidade. A necessidade de exprimir algo e a curiosidade de compreender tudo. As mais antigas pinturas paleolíticas das cavernas remontam a 40 000 anos. A contagem — a primeira manifestação da aritmética — iniciou­-se com a noção de um (eu), dois (o casal), muitos, que ainda permanece em certas tribos aborígenes do Brasil ou da Austrália, continuou com a correspondência entre os dedos de uma ou das duas mãos e os números cardinais, mas a numeração só teve expressão gráfica (hieroglífica, cuneiforme) a partir de 4000 a.C. A numeração ordinal (primeiro, segundo, terceiro, etc.) é mais complexa e aparece ligada ao estabelecimento de uma hierarquia societal. Todos nascem iguais, mas uns tornam­-se mais iguais que outros…

    A ciência (ou terá sido a técnica?) começou com a agricultura. O arado, as cinco máquinas elementares dos Gregos (roda e eixo, alavanca, cunha, roldana, parafuso) determinaram o paradigma civilizacional. A observação do céu, das estrelas (fixas) e dos planetas, por simples curiosidade ou religiosidade, deu origem à primeira grande base de dados (astronómicos), que está na origem do calendário. A sucessão dos dias e das noites e das estações (Primavera, Verão, Outono e Inverno), conduziria à percepção do mês lunar e do ano solar. Foram estes os primórdios da ciência e da técnica.

    Estabelecidas as bases da língua (matemática) com o desenvolvimento da aritmética e da geometria — pelos Gregos, Árabes, Persas e Chineses — a árvore das ciências pôde crescer e evoluir. Todas as ciências aspiram à condição de matemática e é esta que mede a pureza e dureza das ditas. Conhecimento que não está matematizado, em que não é possível fazer previsões quantitativas, não é (ainda) ciência. As ciências duras são as mais matematizadas, e as moles endurecem com o tempo (como acontece ao pão). A física moderna nasceu em 1609, com Galileo Galilei, e a química moderna (por oposição à alquimia e à iatroquímica) em 1661, com Robert Boyle. Galileo estabeleceu as leis da queda dos graves e do movimento no plano inclinado, observou a Lua e as fases de Vénus e descobriu os satélites de Júpiter, assim confirmando o modelo heliocêntrico do Universo. Boyle começou a racionalizar a química com a publicação (1661) de O Químico Céptico.

    O comércio e a navegação prosperaram com o avanço da física e da astronomia (e vice­-versa). A Revolução Industrial deu um enorme impulso à química (com o entendimento da combustão). A exploração mineira é inseparável do progresso da mineralogia e da geologia, a agricultura potenciou a botânica e a zoologia (esta última também presente no uso dos fertilizantes de origem animal e no combate às pragas). A biologia emergiu mais tarde, em parte por causa da contaminação religiosa. Embora a célula tivesse sido descoberta em 1665 por Robert Hooke (um assistente de Boyle), a teoria das células — uma espécie de teoria atómica da vida — só começou com Theodor Schwann: Tudo o que é vivo é composto de células e dos seus produtos (1839). Foi já em pleno século XIX que se tornou possível separar a ciência da religião, com a aceitação generalizada (embora contraditada, aqui e acolá) de que as forças anímicas e vitais eram, afinal, de natureza fisico­-química. A evolução das espécies através da selecção natural, proposta por Charles Darwin (1859), marcou outra clivagem na metáfora criacionista do Universo.

    A psicologia e outras ciências sociais são um produto do século XX (com antecedentes no século anterior; A Condição da Classe Trabalhadora em Inglaterra, de Friedrich Engels, foi publicado em 1845). Humanas são todas as ciências — fruto da inteligência dos homens e das mulheres. Quanto ao corpo humano, é o primeiro dos laboratórios: um compósito de substâncias químicas em interacção e reacções constantes, mas também uma sociedade organizada de células.

    02. Ser e não ser

    No princípio estava tudo misturado — o chamado sincretismo dos conhecimentos primitivos. A análise e síntese dos saberes gerou a filosofia. Ainda hoje, nos países anglo­-saxónicos, o doutoramento dá pela sigla Ph.D. ou D.Phil. (na Universidade de Oxford): doutor em filosofia, mesmo que se trate de matemática, química ou psicologia. É estreita a fronteira que separa o saber do não saber. Como escreveu Santo Agostinho no Livro XI das Confissões (ca. 400), o que é, então, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se alguém me pergunta e eu quiser explicar o que é, já não sei. Quando uma parcela de saberes se organiza matematicamente em ciência, sai do campo da filosofia. Mas o conhecimento científico apenas abarca uma parte muito reduzida das coisas que interessam à humanidade. O resto é especulação filosófica. Como explicou o matemático e filósofo Bertrand Russell, uma das utilidades da filosofia é manter viva a especulação sobre coisas que ainda não são susceptíveis de tratamento científico.

    Ao isolar a ciência, é mais fácil dizer o que a ciência não é do que definir aquilo que é. A ciência não trata das grandes questões, como as postas pela célebre pintura de Paul Gauguin, De Onde Vimos? Quem Somos? Para Onde Vamos? (1897). Perguntas deste tipo devem ser remetidas para o foro da filosofia e, até, da religião — o terceiro pólo, juntamente com a arte e a ciência, das reflexões humanas. A curiosidade (científica) tem limites. Há perguntas que não se fazem. O mito de Orfeu (ou a identidade de Lohengrin, na ópera homónima de Richard Wagner) está vivo e recomenda­-se no campo das ciências. Orfeu perde Eurídice quando desobedece aos deuses e olha para a amada; Elsa perde o noivo por querer saber quem ele é e de onde vem. Olhar para trás tem consequências fatais (como aconteceu à mulher de Lot, segundo a Bíblia).

    De um modo geral, ciência é conhecimento validado empiricamente (através da experiência). No princípio do século XVII, Francis Bacon apontou o caminho: analisar a experiência e desmontá­-la, e, através de um processo cuidadoso de exclusão e rejeição, chegar a uma conclusão inevitável. Disputando Aristóteles, Bacon valorizou os aspectos práticos e úteis da ciência e celebrou as três grandes invenções ou descobertas: imprensa, pólvora e magnetismo (bússola), que tanto beneficiavam a literatura, a guerra (hoje dir­-se­-ia ‘defesa’) e a navegação. Em Novo Instrumento (Órgão), a segunda parte de A Grande Instauração (nunca completada) onde explanaria o seu Sistema de Filosofia, publicado em 1620, anteviu uma progénie de invenções que superarão, até certo ponto, e mitigarão as nossas necessidades e misérias (Fig. 1). Com Bacon, a ciência deixa de ser uma curiosidade e passa a ser um imperativo social. A ciência é útil. É a era de Galileo e de Boyle: o nascimento da ciência moderna em todo o seu esplendor.

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