Vila Medieval
De Marta Prista
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Sobre este e-book
Marta Prista
Marta Pristas é investigadora do CRIA - Centro em Rede de Investigação em Antropologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Doutorada em antropologia e licenciada em arquitetura, tem trabalhado sobre identidade, memória e usos da cultura a partir do espaço construído, com especial atenção aos campos do património e do turismo.
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Vila Medieval - Marta Prista
Introdução
Não foi fácil escrever este retrato. Não queria silenciar o lugar com descrições das suas pedras ou dos seus itinerários pelos legados do passado. Para isso, é preferível ir lá ver. Há imensas vilas medievais em Portugal e mais de uma centena tem os castelos classificados como património arquitetónico militar, sem contar com a proteção legal de outras tantas muralhas e cercas e núcleos históricos. Basta procurar na internet por vilas medievais e small walled towns, ou aldeias históricas e de xisto, para perceber que elas estão disponíveis para a nossa visita. Mais, há guias de viagem, jornais, blogues e associações que selecionam as que acham ser mais extraordinárias e que aconselham sobre os seus melhores passeios, museus, alojamentos, lojas e restaurantes.
Também não queria perder-me nos enredos que fazem a vida quotidiana e turística da Vila. Corria o risco de me afastar da história deste retrato. É que, por um lado, equipada com o que contavam os registos escritos e visuais dos arquivos históricos, cheguei à Vila Medieval demasiado curiosa por saber como esses relatos e imagens estavam presentes nas memórias das pessoas locais. Tantas vezes fui tentada a escrever sobre outras coisas. Por outro lado, dizia-se que a Vila chegou a ter mil visitantes por dia e, agora, Portugal recebe mais de vinte milhões de turistas por ano. Mesmo que só uma parte muito pequenina visitasse as vilas medievais, era muita gente a chamar a minha atenção e a dos habitantes locais, e nós, seduzidos ou exasperados, podíamos render-nos ao impulso de falar sobre o passado da Vila só a partir do seu consumo.
O que queria, enfim, era que este retrato falasse das várias formas como o passado do presente é imaginado e sensível à experiência, é registado e recontado por palavras escritas e faladas, é significante às vezes e corriqueiro noutras, é salvaguardado mas também vendido, é nosso e é dos outros. Tudo isso faz património. Não um castelo e uma muralha em si, nem só a história que conta este retrato. Fica sempre muito por dizer, e o passado e o presente desta ou de outra vila, mais ou menos medieval, não deixam de ser incansavelmente reimaginados e vividos só porque já viemos embora.
Além disso, comecei a trabalhar sobre a ideia e os usos do passado há mais de uma década, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia*. Visitei esta vila e outras, medievais e modernas, umas em Portugal e outras fora. Conversei com muitas pessoas, andei por vários arquivos, anotei o que pensava, ao mesmo tempo que estudava o tema. Este retrato podia ser entendido como um caderno de campo de todas estas viagens. Mas é, e não é. Primeiro, porque torná-lo presente no texto me obrigou a eleger uns percursos e momentos e personagens e histórias, mas não outros. Depois, porque estou a dar-lhes sentido no tempo presente, e este não é nunca desvinculado do que entretanto vivi, lembrei ou aprendi.
Por tudo isto, a Vila Medieval foi anonimizada no nome, na geografia, na história e nas vozes que fazem dela um lugar real. Aos seus habitantes e visitantes, sempre prestáveis em me assistir e tantas vezes meus cuidadores por andar por ali sozinha, devo aqui toda a minha gratidão. É esta que não me deixa comprometê-los nas tramas de uma história, que foi afinal determinada pelas minhas experiências e pelas escolhas que fiz para retratar o tempo que em tempos passei na Vila Medieval.
Muito obrigada, António Araújo, pela oportunidade de sair do conforto da academia e por todo o apoio nos momentos de apreensão que isso me causou.
P. S.: Catata e Caracolinhos, obrigada também por confiarem em mim, cada um à sua maneira.
«Não era nada como me lembrava»
A caminho da Vila Medieval, logo depois de uma curva larga de uma estrada sem graça, há um momento em que ela nos aparece de frente e de repente. Segura-nos o olhar, que devia estar obrigado à estrada. Distrai-nos. Visitei-a várias vezes, em criança com a família brasileira, e depois adulta com amigos ou um namorado, mas nunca tinha chegado assim, sozinha e atenta. Era bem maior do que eu me lembrava, no topo de um maciço de pedra e terra a muitos metros do chão das várzeas, das estradas, dos rios e das casas de hoje. Sobre este promontório, a Vila Medieval dava forma ao meu imaginário de rainhas e castelos, tornava reais as capas de livros de estórias que me leram em criança, confirmava as ilustrações desenhadas nos manuais de história da escola, lembrava-me uma das lições de Salazar. Quase ouvia aquelas campanhas turísticas a prometer-me uma visita ao passado.
Fiz a viagem de manhã bem cedo sempre debaixo de uma morrinha que combinava com a minha expectativa. Já não ia a passeio, ia concentrada, sem querer perder as finuras de uma cena ou de uma conversa que dessem espessura à forma como vamos construindo o património que parece que sempre esteve lá, às vezes com naturalidade e outras com premeditação. Pela estrada ia lembrando o que era relatado em documentos, escrito por historiadores, retratado em fotografias e filmes a preto-e-branco. Lembro-me hoje de que a autoridade dos arquivos e da academia me dava segurança. Escolhia tomar o texto escrito como retrato da realidade e ainda vacilava perante a ideia de uma história sempre escrita pelas escolhas de vários autores, sempre mediada pelas suas disposições, sempre determinada pelas circunstâncias dos seus presentes, que agora incluíam as minhas e os meus. Não quero antecipar-me, mas depois de sair da Vila Medieval perdi esta angústia. Entre uma história arquivada como verdade comprovável e uma memória matizada por emoções, eu escolhia as duas, com toda a