Em que posso ser útil?
De Pedro Vieira
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Pedro Vieira
Pedro Vieira nasceu em Lisboa, em 1975. Licenciado pela Escola Superior de Comunicação Social, trabalhou no Canal Q, das Produções Fictícias, e, atualmente, é guionista e pivô do programa O Último Apaga a Luz, da RTP3. É responsável pela comunicação do Cinema São Jorge e foi consultor de comunicação na Booktailors. Trabalha como ilustrador freelancer e escreve livros como se não houvesse amanhã.
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Em que posso ser útil? - Pedro Vieira
Em que posso ser útil?
Sabia que, em 2018, quase metade da população empregada tinha apenas o ensino básico completo? Esta é uma das causas da expansão acelerada do sector terciário em Portugal, que responde também ao aumento das necessidades de consumo.
Este retrato é uma pequena viagem pelo universo de quem tem emprego no comércio e nos serviços, com alta rotação e baixas qualificações, em ambientes despersonalizados e virados para a facturação intensiva. Trabalhadores essenciais, na maior parte dos casos mal pagos, estão na linha da frente do atendimento ao público, sujeitos aos humores de quem estão a servir. Como é o dia-a-dia destes anónimos sem os quais já não passamos? Conheça-o através de testemunhos concretos, em várias áreas de negócio e prestação de serviços.
Pedro Vieira
Nasceu em Lisboa, em 1975. Licenciado pela Escola Superior de Comunicação Social, trabalhou no Canal Q, das Produções Fictícias, e, atualmente, é guionista e pivô do programa O Último Apaga a Luz, da RTP3. É responsável pela comunicação do Cinema São Jorge e foi consultor de comunicação na Booktailors. Trabalha como ilustrador freelancer e escreve livros como se não houvesse amanhã.
Retratos*
* A colecção Retratos da Fundação traz aos leitores um olhar próximo sobre a realidade do país. Portugal contado e vivido, narrado por quem o viu — e vê — de perto.
Em que posso ser útil?
Pedro Vieira
logo.jpglogo.jpgLargo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 7.º piso
1099-081 Lisboa,
Portugal
Correio electrónico: ffms@ffms.pt
Telefone: 210 015 800
Título: Em que posso ser útil?
Autor: Pedro Vieira
Director de publicações: António Araújo
Revisão de texto: Ângela Pereira
Validação de conteúdos e suportes digitais: Regateles Consultoria Lda
Design: Inês Sena
Paginação: Guidesign
Fotografia da capa: António Pedro Santos
© Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira, Setembro de 2021
Livro redigido com o Acordo Ortográfico de 1945.
As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade do autor e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada ao autor e ao editor.
Edição eBook: Guidesign
ISBN 978-989-9064-18-8
Conheça todos os projectos da Fundação em www.ffms.pt
Introdução
O país dos empregados de mesa
Ricardo, dez anos a lidar com «o outro»
João e Lurdes, na linha da frente durante uma vida
Marcelo, o self-made boy
Soraia, atendedora à flor da pele
Vanessa, vendedora de alta competição
Os incidentes
Balanços e futuro
Epílogo
Posfácio em tempos de pandemia
Introdução
Odivelas, 9 de Março de 2004, cerca das nove e meia da noite. A mesma hora no Reino Unido, cortesia do meridiano de Greenwich. Janto numa sala vazia, tendo o Delfim, empregado do franchisado Café Nicola, como único acompanhante. A televisão transmite o Manchester United vs. FC Porto, jogo dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. A equipa da casa vence por uma bola a zero aos 89 minutos, e, de repente… milagre. Ou tragédia, consoante a perpectiva e as cores defendidas. Levanto-me de um pulo, punho cerrado no ar, entre a histeria contida — afinal de contas, envergava a farda da livraria — e o festejo mudo a que me habituara desde criança, mercê da escassez de adeptos portistas no meu bairro de Lisboa. Abre-se a boca de espanto ao meu anfitrião, e o bife frito que me habituara a comer em versão menu económico de funcionário do Odivelas Parque arrisca tombar no chão. O mesmo para a cerveja preta meio bebida, até então em modo «desapontamento». Golo. Costinha. Mourinho corre pela linha lateral, eu regresso ao meu lugar de frente para o tabuleiro de plástico. Restam-me poucos minutos para voltar a estar de serviço. Naquele dia, tinha conjugado a minha pausa de refeição com o final previsível da partida, para poder acompanhar os últimos minutos com os olhos postos no ecrã. Fiz a escolha certa, coisa em que à época não era especialista.
Fruto das minhas opções conscientes e de alguma dose de acaso (substantivo tantas vezes presente, veja-se a forma como a bola ressaltou de Tim Howard para o pé de Costinha), trabalhava há cerca de um ano num centro comercial da periferia da capital, organizando a vida por turnos, ganhando pouco dinheiro e atendendo o público, quando este nos obsequiava com a sua visita. Seis dias de infelicidade suburbana por semana, com uma folga à segunda-feira e um fim-de-semana livre por mês. E muitos trajectos na Rodoviária de Lisboa, cujas carreiras despejavam e recolhiam trabalhadores aos cachos naquela espécie de terra de ninguém ao fundo da Paiã, terra que, com o passar dos anos, haveria de sofrer algumas transformações. Lado negativo: quando fechávamos a porta da livraria à meia-noite em ponto, por forma a apanhar o autocarro nos minutos imediatamente seguintes, a carreira a que tínhamos direito não rumava directamente à Pontinha, onde havia acesso ao metropolitano (à civilização, como dizíamos tantas vezes); tínhamos sempre de dar a volta larga por Famões, algo relatado nas palavras sábias de um dos meus camaradas-livreiros da seguinte maneira: «Lá temos nós de ir subir pelas montanhas.» Portanto, felizes aqueles que faziam mais vezes o turno da manhã, o que não era o meu caso.
Ainda assim, o contexto em que ganhava a vida não era exactamente um pastiche do Dickens, tenhamos calma e lucidez. Havia outras nuances a considerar. Lado positivo número um: o ingresso na profissão estava (e está) relativamente facilitado, não implicando especialização de monta, formação particular ou um curriculum vitae recheado; como é natural, os salários acabam por ser um reflexo disso mesmo, sobretudo num país com um défice reconhecido de boas remunerações. Dada a elevada rotatividade, potenciada com frequência pela relativa mobilidade e insatisfação dos mais jovens, a oferta de emprego costuma ser abundante e a hipótese de acesso a este tipo de profissão acaba por ser quase universal. Em Abril de 2003, serviu-me mesmo de bóia de salvação, resgatando-me de um curto período de desemprego. Lado positivo número dois: os poucos clientes que nos visitavam no recém-inaugurado Odivelas Parque (hoje, Outlet Strada), fruto de um período de furor na construção de grandes superfícies, eram cordatos e maioritariamente de bom trato, situação que nem sempre se iria verificar nas minhas experiências atrás do balcão. Ao todo, essas experiências somariam cinco anos de atendimento ao público, em várias livrarias, em vários centros comerciais, em vários sistemas de turnos, folgas e compensações. Da periferia haveria de chegar ao centro da cidade, tendo como único benefício evidente a proximidade de casa e a poupança no passe social (à época ainda não havia cartões Navegante, Andante ou similares nem descontos de encher o olho). Esse aproximar do coração da capital trouxe outros desafios e necessidades de aprendizagem — o facto de ter trabalhado numa espécie de meca do direito obrigou-me a conhecer maravilhas como o Código Civil Anotado, de Abílio Neto — e trouxe igualmente muitos clientes, digamos, carismáticos, para usar um adjectivo que se possa incluir sem pejo nesta colecção «Retratos da Fundação» (outras alocuções mais gráficas serão exploradas no decorrer das conversas com os entrevistados).
Na Grande Lisboa há muitas Lisboas, com graus de alteridade bastante distintos. E essa é uma das razões pelas quais quis pôr este livro em marcha, tirar uma fotografia parcial à capital e às suas periferias — e aos serviços que estas prestam. Isto porque tendo (tendemos) a viver numa bolha social, da qual quis sair, pelo menos parcialmente, destapando o véu a outras realidades, como veremos adiante. Mas foi sobretudo à conta do relacionamento aqui e ali áspero com a clientela que este tema do atendimento e da terciarização do país ficou a bailar na minha cabeça durante tanto tempo, apesar de ter deixado o balcão há quase dez anos. Claro, a vida organizada em contraciclo com a família e os amigos, as bolandas de um relógio biológico pouco amigo dos turnos e o facto de me sentir sob permanente escrutínio durante as horas de trabalho contribuíram para a inquietação e a vontade de expandir a minha curiosidade até às páginas de um livro. O que pensam outras pessoas que trabalham neste registo? O que esperam do futuro e o que as levou até ali? Com que problemas se deparam? Que histórias terão para contar? No fundo, a ideia-base para este «Retrato» passa por dar a conhecer mais de perto aqueles para quem o atendimento ao público é um modo de vida. Numa economia cada vez mais virada para os serviços, há cada vez mais gente a trabalhar em horários desencontrados, sem gozo de fins-de-semana, estando