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É CHIQUE MORAR EM PARIS?
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É CHIQUE MORAR EM PARIS?
E-book231 páginas2 horas

É CHIQUE MORAR EM PARIS?

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Sobre este e-book

É chique morar em Paris? é uma história do nem sempre glamoroso cotidiano na França. Bilíngue, em português e francês, é a nova obra da escritora mineira Marcia Camargos, que vive em Paris desde 2016. Escrito em tom leve, ao estilo de crônica de viagem, procura mostrar as dificuldades diante de uma adaptação que nunca termina.

Sempre na chave do bom humor, o livro convida o leitor a um passeio pelos meandros da burocracia "gaulesa", desmistificando a ideia de uma cidade charmosa, amigável, e sempre de braços abertos para acolher o estrangeiro. Com ironia, em suas páginas a autora revela a diferença entre passar férias, visitando museus e fazendo compras nas Galerias Lafayette, e estabelecer-se de forma definitiva na capital francesa. Baseado na sua própria experiência, enriquecido com relatos de amigos e conhecidos, ele também serve como uma espécie de resposta aos que acham que se torna automaticamente chique, rico e invejável quem resolve radicar-se em Paris. Recheada de ilustrações e de fotos, a obra traz ainda informações históricas e culturais, além de dicas e conselhos para amenizar o caminho dos que imigram.

A nova edição em e-book foi revista e ampliada e traz dicas de como ganhar a nacionalidade francesa.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de jan. de 2023
ISBN9786580672400
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    É CHIQUE MORAR EM PARIS? - Marcia Camargos

    CapaFolha de Rosto

    É chique morar em Paris?

    Copyright © 2019 by Marcia Camargos

    Direção editorial

    Alexandre Staut

    Projeto gráfico de capa e miolo

    Monique Rodrigues

    Adaptação de ilustrações (págs. 15, 84 e capa)

    Anna Catharina Miranda

    Fotos

    Marcia Camargos/reprodução

    Revisão

    Gabriella Scheer

    Catalogação na fonte

    Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166

    C172

    Camargos, Marcia

    É chique morar em Paris? / Marcia Camargos –

    São Paulo: Folhas de Relva, 2019.

    168 p.; 14 x 21 cm

    ISBN 978-65-80672-02-8

    1. Costumes sociais. 2. Civilização moderna – França.

    I. Camargos, Marcia. II. Título.

    CDD 303.48244

    Índice para catálogo sistemático

    1. Costumes sociais: Civilização moderna – França

    Folhas de Relva Edições

    Rua Herculano de Freitas, 263, cj 43, Bela Vista

    São Paulo, SP, 01308-020

    O que dá valor à viagem é o medo e o fato de que,

    num certo momento, quando estamos tão longe de nosso país, somos tomados por um vago receio e pelo desejo instintivo

    de voltar à proteção dos velhos hábitos.

    Mas nesse momento atravessamos uma cascata de luz

    e ali está a eternidade.

    Albert Camus

    Índice

    1. Como era gostoso o meu francês!

    2. Acredite se quiser!

    3. O que nasceu primeiro?

    4. Laico e republicano

    5. Idiossincrasias

    6. Morar no Primeiro Mundo

    7. Como fazer amizade e ficar íntimo do seu vizinho

    8. As quatro palavras mais usadas na França

    9. Lembranças do Cairo

    10. À guisa de posfácio

    11. Terroristas involuntárias

    12. Não se deixe intimidar

    13. Como obter a nacionalidade francesa

    1

    Como era gostoso o meu francês!

    Há cerca de quarenta anos caiu em minhas mãos um livro que nunca mais esqueceria. Não, não se trata desses clássicos que deixam marcas indeléveis, mudando a sua visão de mundo, transformando-o numa pessoa diferente do que era antes de ter mergulhado naquele universo literário. Falo, antes, de um livrinho simples e despretensioso que, por um motivo bem pontual, acabou por encontrar um espaço definitivo nos anais da minha memória afetiva. Refiro-me a How to be an Alien, de George Mikes. Imigrante húngaro radicado na Inglaterra, ele aborda, sem qualquer ranço de amargura, mas com excessivas doses de ironia, as dificuldades em ser aceito entre os britânicos, mesmo depois de decênios no país, onde se casou, teve filhos e criou raízes. Lançado em 1966, o pocket-book de apenas cem páginas, com ilustrações impagáveis de Nicolas Bentley, fez um tremendo sucesso, vendendo trezentas mil cópias em 32 tiragens sucessivas. Nada de se estranhar, para um texto leve, sarcástico e inteligente, que lida com os tópicos relevantes da sociedade inglesa como a hora do chá, o weather e as imprescindíveis boas maneiras à mesa, na contramão da tradicionalmente insossa culinárias da Ilha. Para se ter uma ideia do tipo de humor utilizado, cito o último parágrafo, sobre um diálogo que teria ocorrido durante a II Guerra. Nele, um vizinho comenta que 22 aviões haviam acabado de ser abatidos pelos japoneses. Indignado, o interlocutor pergunta: O quê? Nossos? Ao que o outro retruca, num misto de desprezo e frieza: Não. Nossos.

    Quase meio século depois, voltei a folhear este livreto, que continua tão atual quanto na época em que virou um best-seller, para espanto do autor e dos amigos que o haviam incentivado a escrever. Na ocasião em que eu o li, estava morando em Cambridge, e de imediato identifiquei-me com seu texto, que tão bem explicita o mal-estar de quem vive num solo que não o seu de nascença. Na ocasião, aquele não era o meu caso, pois como simples estudante de inglês, eu logo regressaria ao solo pátrio. Então por que volto a ele, passadas tantas décadas? Porque ele inspirou-me a tentar percorrer caminho semelhante, agora na minha nova fase da vida. Explico: há dois anos, deixei família, incluindo filhos, pai, irmãos e meu cachorro, além de amigos queridos, uma carreira consolidada, para recomeçar praticamente do zero num país onde não sou conhecida, cuja língua falava com certa dificuldade e sem as referências que construímos no dia a dia. Mudei-me para a França de armas e bagagem, reinventando-me como mulher madura e experiente, para redesenhar outra cartografia emocional. Nessa altura da existência, encarei o desafio de conquistar um espaço e exercer minhas potencialidades, dentro de um contexto às vezes inóspito. E como todo processo de reconstrução, ele tem sido trabalhoso e contínuo.

    Com altos e baixos, o aprendizado não termina nunca, consumindo uma quantidade de energia nada desprezível. Árdua tarefa, pois tem a barreira do idioma, da temperatura, com longos invernos gelados e pouco sol. O sotaque isola e estigmatiza. Nós o vivenciamos como uma pequena fragilidade, mesmo se nos garantem que é charmoso e exótico. Mas acima de tudo, há diferenças de cultura, valores, mentalidade. Quem emigra, sabe que não é fácil lidar com o cotidiano, que nos coloca diante de obstáculos constantes a serem superados. Demora até entendermos o mecanismo de funcionamento dos serviços públicos, que vão dos passos iniciais para obtenção do titre de séjour à transferência da carteira de motorista, passando pela abertura de conta no banco, assinatura do contrato de aluguel ou de trabalho, contratação de seguro, energia elétrica e internet. Casar então, nem se fale. Quem vivenciou, sabe o verdadeiro calvário que se atravessa antes de dizer o sim, ou melhor, Oui, je le veux, durante a cerimônia laica e republicana, realizada na prefeitura do seu bairro.

    Às informações desencontradas soma-se a falta de boa vontade, um eufemismo para denominar o caráter taciturno do francês em geral, e do morador da capital em particular. Dizem que parisiense mal-humorado, é pleonasmo, e isso não constitui exagero. A postura dura e pouco amistosa deles afeta profundamente quem veio de um lugar descontraído e caloroso como o Brasil. As pequenas malcriações e agressões gratuitas de cada dia vão acumulando-se e acabam por transformar a vida num inferno. Bastante gente cai em depressão, e as histórias que escuto dariam para preencher as páginas de uma enciclopédia. Esta fama tornou-se a marca registrada dos habitantes da Cidade Luz.

    As brincadeiras e gozações sobre o tema são impagáveis. Uma das últimas ocorreu durante a Copa do Mundo de 2018, em torno do jogador Neymar que, em agosto do ano anterior, fora transferido do Barcelona para o Paris Saint-Germain, pela bagatela de 222 milhões de dólares, a maior da história do futebol até aquele momento. Radicado então na França, o craque foi alvo de memes e comentários irônicos nas redes sociais, devido ao seu comportamento em campo, com excessiva pose e pouca eficiência. Não demorou para que a imprensa internacional relacionasse sua falta de educação aos maus modos dos moradores da capital francesa. Uma das piadas correntes lembrava que a mídia britânica não entendera nada ao afirmar que Neymar era mimado, resmungão, dramático e trapaceiro. Na verdade, ele agia daquele modo simplesmente porque se tornara um típico parisiense…

    Do meu lado, de tanto sofrer hostilidades improcedentes, fui pesquisar e desenvolvi uma teoria: acho que o azedume teria a ver com a ocupação nazista durante a II Guerra. Paris ficou sob as botas alemãs após o acordo assinado entre o marechal Pétain e Hitler. E foi uma das cidades que mais sofreu. O povo passava fome, suportando uma humilhação de que ninguém faz ideia. Eles tiveram que submeter-se aos boches, como eram pejorativamente chamados os nazistas, e abaixar a cabeça ao longo de todo o conflito. Por isso, creio que essa doença do fígado tem, ao menos em parte, ligação com a herança degradante do conflito armado. O que explica, mas obviamente não justifica…

    Contudo, antes de finalizar este preâmbulo, gostaria de sublinhar que adoro a França. Tanto que optei por passar aqui os melhores anos da minha vida. Amo os franceses. A prova disso é que escolhi fincar raízes e, inclusive, enfrentar a burocracia insana e fazer todos os procedimentos para obter minha nacionalidade francesa. Ao mesmo tempo, consegui realizar o antigo sonho de frequentar a Universidade da Sorbonne. Ali, afinal, conclui um pós-doutorado sobre os modernistas brasileiros em Paris nos anos loucos, transformado em livro em ambos os idiomas. Ou seja, meu envolvimento com essa terra dos bravos gauleses não poderia ser maior. Nem mais forte. Portanto, com estas linhas não estou desmerecendo nem menosprezando o lugar que me recebeu de braços abertos. Sou consciente de que, como todo país, a França tem suas idiossincrasias, contradições e características próprias, com qualidades e defeitos. Continuar morando aqui, apesar de todos os obstáculos e dores de cabeça que enfrentamos, é a prova maior de que amamos este país. Pois diferentemente do local de nascença, sobre o qual não temos como interferir, podemos, sim, escolher o lugar onde fixamos residência. E quanto a mim, em nenhum segundo lamento a opção de me radicar na capital francesa.

    No mais, este texto também serve como uma espécie de resposta aos que enxergam a cidade como sinônimo de puro requinte, sem qualquer senso crítico. A fixação é tão intensa que resolvi pesquisar o motivo da reputação de Paris, na tentativa de compreender porque ela aparece no imaginário verde amarelo como o Eldorado, que abrigaria a nata da nata da nata. Uma das hipóteses aponta para a fase da ditadura militar, quando artistas, professores, estudantes e músicos, que formavam a elite intelectual brasileira, foi forçada a exilar-se para escapar da perseguição após o golpe militar de 1964. Refugiadas na França, estas pessoas formavam círculos cultos, projetando no cenário internacional uma imagem de cidadãos intelectualmente sofisticados.

    Residiriam aí as raízes do fascínio, da quase obsessão? Pois parece que, ao aterrissarmos nos aeroportos de Orly ou Charles de Gaulle, tornamo-nos instantaneamente belos, elegantes e ricos. Tem-se a impressão de que morar na capital francesa faz de você alguém notável, um ser humano privilegiado, que todo santo dia toma champanhe com caviar no petit déjeuner, almoça foie gras com croissant e janta ostras regadas ao melhor vinho de Bordeaux. Deslumbrados, esses indivíduos nem desconfiam como estão a léguas dos fatos! Não lembram que somos obrigados a fazer todo o trabalho doméstico, do mais leve ao mais pesado, quase sempre sem ajuda extra. Desde varrer, arrumar a cama e preparar as refeições, até desentupir a privada ou o ralo do chuveiro, já que os encanamentos não foram projetados para banhos diários. Pintar paredes, trocar o sifão da pia da cozinha ou as válvulas da descarga, tudo recai nas nossas costas. O mais aconselhável é fazer você mesmo, em vista dos preços proibitivos praticados no mercado.

    Portanto, temos que pegar no batente como qualquer reles mortal; nos espremer na hora do rush no vagão de metrô superlotado, ao lado de passageiros cuja higiene passa a léguas de nossos padrões; às vezes sofrer em filas intermináveis sob um frio polar. E quando digo frio, não estou me referindo ao camarada inverninho tropical, com dois ou três dias de temperatura baixa, entremeados por semanas amenas, quase de verânico, quando basta jogar um xale ou o casaco para dar um toque elegante no visual. Falo de oito meses sem trégua de um tempo gelado, com neve, rajadas de vento, chuva e dias que escurecem no meio da tarde e deixa não poucos imigrantes desanimados e até mesmo deprimidos. Aquela sensação térmica abaixo de zero que parece nunca ter fim, tornando as tarefas simples do cotidiano ainda mais pesadas. A incômoda história de sobrepor camadas de roupas, arrematadas com cachecol, gorro, luva, meia calça de lã e botas, fazendo com que, para sair, sejamos obrigados a adicionar ao menos dez minutos para nos vestir!

    O tempo vai passando até que, no final de março, início de abril, saudamos o solzinho faceiro como uma dádiva divina. Pela primeira vez colocamos o pé na rua sem um manteau, achando que dali para a frente nossa vida vai ser diferente, mas nos deparamos com mais uma decepção. Pois quando, ao sair cantarolando, após recuperar os óculos escuros esquecidos na gaveta e enfiar as malhas grossas no fundo do armário, pensando que dentro em breve tentaríamos entrar naquele vestidinho decotado, que deve ter encolhido após mais de um semestre entupindo-se de queijo, vinho, baguetes e chocolate, então os céus nos passam uma rasteira e somos brindados por quedas brutais de temperatura. E lá retornamos às roupas que acreditávamos estarem aposentadas pelos meses seguintes, experimentando uma sensação de derrota tão bem ilustrada por um ditado popular, que segue mais ou menos assim:

    Em abril não se descubra de nenhum fio, em maio, faça o que bem quiser.

    Apesar disso, quantas vezes escutamos indiretas com pontadas de inveja, criticando o fato de morarmos em Paris, e que, em consequência, não temos direito de dar palpite nos rumos políticos do Brasil, por exemplo? Eu mesma fui vítima desse preconceito dezenas de vezes. Nas redes sociais, quando posto algo sobre a luta necessária pela democracia, sei que virão comentários do tipo:

    Fácil falar, para quem mora na França! Queria ver se estivesse aqui! Que delícia, fazer oposição aí de longe, por que não volta pro Brasil? Nossa, vejam só, ela está teclando de… PARIS!

    Como se o fato de eu habitar nesta cidade tirasse a legitimidade das minhas posições político-ideológicas. Como se, nas manifestações, a polícia anti-motim daqui não fosse violenta, lançando bombas de gás lacrimogênio feito confete, e disparando balas de borracha que podem ser letais. Como se, havendo imigrado, eu tivesse perdido minhas raízes, minha capacidade de julgamento e passasse, de uma hora para a outra, a integrar uma elite social e econômica, como se presenteada com uma chave de ouro para abrir as portas do grand monde – o jet set internacional.

    Ora, sabemos que não há nada mais longe da realidade. Uma coisa é passar férias visitando museus e fazendo compras nas Galeries Lafayette; outra, bem diferente, é mudar-se definitivamente para outro país, seja ele qual for. Na França, as comunidades refletem, portanto, o caleidoscópio populacional dos lugares de origem do imigrante, bem como a multiplicidade das respectivas classes sociais. Com os brasileiros não é diferente. Assim, temos desde os pós-graduandos, a maioria bolsista da Sorbonne, que fala francês fluentemente, é de esquerda, lê a imprensa alternativa, promove debates, manifestações e frequenta o circuito cultural de vanguarda, até os trabalhadores

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