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Muhammad Ali: O boxe como arte e promoção pessoal
Muhammad Ali: O boxe como arte e promoção pessoal
Muhammad Ali: O boxe como arte e promoção pessoal
E-book129 páginas1 hora

Muhammad Ali: O boxe como arte e promoção pessoal

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Sobre este e-book

O que têm em comum Richard Nixon, Ted Kennedy, Aristóteles Onassis, Yasser Arafat, Mao Tse-Tung e Muhammad Ali? Na primeira metade dos anos 1970, todos eles foram tema de livros da Coleção Hoje, lançada nas bancas pela Editora Três. Cada volume trazia o perfil de uma dessas personalidades, cuja influência e importância ultrapassava todas as fronteiras do globo. Para escrever sobre Muhammad Ali, o organizador Paulo Mendonça convocou o jornalista Alberto Helena Jr., já naquela época dono de uma das penas mais habilidosas do jornalismo brasileiro.
Escrito em 1974, logo após a vitória de Ali sobre George Foreman, no Zaire, o livro aborda com correção e franqueza a vida, a carreira e as polêmicas do campeão mundial dos pesos-pesados. Aqui, temos um instantâneo real de sua complexa figura sem a revisão quase hagiográfica a que seria submetida com o passar dos anos.
O lançamento deste livro nas comemorações dos 80 anos de Muhammad Ali é uma homenagem ao lendário boxeador e uma reverência ao mestre Alberto Helena Jr., agora também octogenário. Afinal, não é apenas a idade que os aproxima. Um com as luvas, outro com a caneta, ambos sempre flutuaram como uma borboleta e ferroaram como uma abelha.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de dez. de 2022
ISBN9788566683097
Muhammad Ali: O boxe como arte e promoção pessoal

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    Muhammad Ali - Alberto Helena Jr

    1

    A GLÓRIA, UM SONHO

    Joe Martin levantou os olhos e mediu o garoto de cima para baixo. Era primavera e um ar leve começava a tomar conta da velha delegacia de polícia do bairro mais pobre de Louisville, Kentucky, naquele ameaçador ano de 1954. A Guerra Fria atingia seu ponto máximo e os negros começavam a organizar-se no Sul, a princípio em sociedades de amparo mútuo. Mas já se falava em desordens lá pelos lados da Carolina.

    Joe, um robusto policial de 33 anos, há dez anos percorria as ruas de Louisville acariciando seu 38 cromado e luzidio e enfrentando encrencas de toda espécie. Seus olhos experimentados, porém, lhe diziam que esse não era o caso: o garoto, um negro alto para seus doze anos de idade, magro mas musculoso, certamente estava fora de si, mas parecia não ser perigoso.

    — Uma coisa eu lhe digo, tira; se encontrar quem fez isso, vou matá-lo a socos.

    Os olhos do garoto brilhavam de ódio, mergulhados nas lágrimas que ainda escorriam em seu rosto. Joe lembrou-se de um dia quando tinha a mesma idade. Seu pai, então, sem tirar os olhos do jornal, disse-lhe apenas:

    É melhor você aprender a lutar ou então sair das ruas.

    Joe sorriu para o garoto e repetiu o conselho:

    — Antes de tentar bater em alguém, menino, você precisa aprender a boxear.

    Cassius Marcellus Clay Jr., pois, assim se chamava o garoto, saiu da delegacia sem sua bicicleta novinha que havia ganho na véspera de seu pai e que lhe roubaram enquanto assistia um Show na feira do Ginásio de Columbia, mas acabara de fazer amizade com o homem que lhe iria dar as primeiras e fundamentais noções da arte que o transformaria, anos depois, num dos mais ricos, temidos e famosos homens do mundo.

    Para o garoto Cass, a bicicleta, porém, naquele momento, era a coisa mais importante do mundo. Seu pai, Cash, era um pintor de cartazes, e sua mãe, Odessa Grady Clay, uma pequena mulher com pele sardenta castanho- amarelada, ajudava o marido como podia para manter a família decentemente instalada na velha casa vermelha de cinco cômodos e um andar. A bicicleta de 60 dólares fora o produto desse esforço conjunto e um presente de aniversário que Cass jamais esqueceria, pois dias antes havia perguntado a seu pai por que eles não poderiam ser ricos. O velho Cash mostrou suas mãos sujas de tinta e disse-lhe:

    — Olha aqui. Por isso você não poderá ser rico.

    Cass não disse nada, mas não deixou de sonhar. E seu sonho repetia sempre a mesma cena: ele se via numa carroça em plena Walnut Street, em dia de festa, e todo mundo diria: Aí vai Cassius Clay. As meninas bonitas também lá estariam, e ele respiraria a fragrância das flores e sentiria o doce calor do ar noturno. As garotas olhariam para ele, mas seus olhos virariam para o outro lado. Ele só as conheceria no dia em que elas o quisessem conhecer e esse dia não demoraria muito.

    Odessa, a mãe, na verdade nunca se preocupou muito com os sonhos de grandeza de seu filho. Ao contrário: esse ar superior, essa crença no futuro e na sua força interior de construí-lo a seu jeito, deixavam-na desvanecida. Cass não era um bom aluno, certamente, mas desde pequeno sempre comandara as brincadeiras, mesmo que delas tomassem parte garotos maiores e mais velhos. Afinal, não foi esse mesmo Cass que mal completando seus dezoito meses dera um soco na boca de Odessa e até hoje ela ainda sente dores no local?

    — Ele foi marcado pelo destino, diz hoje, mamãe Odessa. Querem ver uma coisa? Ele ainda não sabia falar e já balbuciava gee-gee.

    (Para os americanos, segundo Odessa, essas são as iniciais de Golden GlovesLuvas de Ouro, um dos mais populares programas de boxe da tevê americana. Recentemente, seu amigo de infância, Bundini Brown, deu uma nova versão: O que ele queria dizia era God’s Gift , dom de Deus.)

    Protegido ou não pelo destino, Odessa desvelava-se em cuidados com seu garoto, o que talvez servisse para lhe incendiar ainda mais a imaginação. Certa vez, quando ainda multo pequeno, Cass escapou pelo portão da casa vermelha e deu uma volta no quarteirão sozinho, ludibriando a vigilância da mãe, Odessa zangou-se e o mandou para a cama mais cedo. No dia seguinte ele contava para todo mundo ouvir que havia sonhado a noite inteira que dera milhões de voltas no quarteirão.

    Falava e falava, contava histórias, inventava-as, mas sua retórica não era bastante para levá-lo a uma boa performance na escola: formou-se no Louisville Central High School só aos dezoito anos, em 376.° lugar, numa turma de 391. Tampouco se comportava como um bom menino: um dia jogou uma bola de neve na cabeça de um professor e teve de apresentar-se ao Conselho da Escola. Lá, desculpou-se rapidamente, mas antes de sair fez um aviso em ar teatral:

    — Guardem bem as minhas palavras. Eu serei o campeão mundial dos pesos pesados.

    Mas ninguém na cidade chegava a se irritar ainda com seu falatório. Os Clay eram uma família muito querida, ao menos entre os negros da comunidade. Afinal, ela se estabelecera em Louisville há seis gerações e herdara o nome de seu feitor, um general-fazendeiro chamado Cassius Marcellus Clay e que fora embaixador de Abraham Lincoln na Rússia.

    A família Clay, porém, levava a sério as pretensões de Cass. Rudolph Valentino Clay, hoje, Rahaman Ali, irmão de Cass: Meu irmão nasceu de meu pai e de minha mãe por vontade de Deus para ser o campeão do mundo. Para ser conhecido por seu povo. Para libertar o seu povo. Ele é quase sobrenatural, sua inteligência é quase sobrenatural e sua missão é maravilhosa.

    Cash, o pai: Eu fui o pai certo para ele, pois não sou imbecil como a maioria dos pais. E ele nasceu para ser um líder.

    Odessa, a mãe: Ele saiu do meu ventre para dedicar-se ao boxe. Nunca foi um aluno brilhante, apenas regular, nem se interessou jamais por qualquer outro esporte. Sua vida é o boxe.

    E o garoto Cass começou a nascer para o boxe naquela tarde de primavera quando conheceu Joe Martin, o duro e inflexível policial que nas suas horas de folga dedicava-se a ensinar boxe à garotada do bairro. Segundo ele, essa era uma boa terapia social, preventiva, para evitar que aqueles meninos, a maioria de negros, pobres, atiçados diariamente pela sedução dos anúncios de tevê, das vidas deslumbrantes de gente famosa contadas num programa chamado Sua Vida, Sua Glória, que cortava o país de costa a costa – um programa que só encontrava audiência similar no tradicional Luvas de Ouro, onde se apresentavam os candidatos à fama que tentavam atingir o topo a custa de seus murros bem dirigidos.

    E era assim que o garoto Cass iria começar a moldar o seu futuro: não com as palmas das mãos sujas de tinta como seu pai, mas com seus punhos fechados, batendo sempre na direção certa.

    2

    PRIMEIRO A DEFESA

    Uma noite, Joe Martin voltava para a sua casa quando viu dois ladrões remexendo em suas coisas. Eles tentaram fugir, mas Joe não lhes deu tempo: matou-os bem ali nos degraus da frente.

    Joe ainda conta essa história sem alterar a voz nem contrair um músculo do rosto endurecido pela crença de que a violência só pode ser combatida pela violência. Essa filosofia ele começou a aprender em sua própria casa e desenvolveu nas ruas de Louisville enfrentando ladrões, viciados, rufiões, enfim, todas as gamas que compõem o quadro noturno de uma cidade pequena, pobre e violenta dessa região da América.

    E ali estava, dois dias depois do roubo da bicicleta, o garoto Cass, de doze anos, com seu irmão Rudy, diante de Joe, o homem que lhe prometera dar as primeiras lições de vida. Joe disse isso apenas uma vez e não mais precisou repetir durante os seis anos seguintes enquanto burilava o talento de Cass para a arte de bater e não apanhar:

    — Eu sou um policial e um disciplinador. Portanto, andem direito comigo!

    A advertência, porém, era desnecessária: tanto Cass quanto Rudy eram dois meninos que sabiam muito bem andar na linha. Uma linha rígida de conduta delineada por sua mãe Odessa, que todas as noites os acompanhava ao ginásio de boxe e os levava de volta para casa, depois das lições.

    — Seu pai era um pouco maluco, conta hoje Joe Martin. — Mas a mãe os mantinha sob rígido controle. Não fumavam nem bebiam. Muito menos andavam metidos com drogas como era comum entre os meninos da redondeza.

    Na verdade, os extremos cuidados de Odessa, especialmente com Cass, talvez tenham desenvolvido no garoto uma preocupação quase patológica de evitar os murros de seus oponentes.

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