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Precedentes Judiciais e o Direito de Família: Reflexões a Partir da Multiparentalidade
Precedentes Judiciais e o Direito de Família: Reflexões a Partir da Multiparentalidade
Precedentes Judiciais e o Direito de Família: Reflexões a Partir da Multiparentalidade
E-book433 páginas6 horas

Precedentes Judiciais e o Direito de Família: Reflexões a Partir da Multiparentalidade

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Sobre este e-book

Uma das principais alterações promovidas pelo Código de Processo Civil (2015) foi o reconhecimento que determinados precedentes judiciais devem ser obrigatoriamente observados. Neste livro, a partir da aproximação teórica aos precedentes judiciais, investiga-se a compatibilidade do sistema precedentalista com a dinâmica imanente ao direito de família, aproximando o olhar tópico-casuístico que os litígios familiares demandam às técnicas de construção de precedentes judiciais — pautadas, entre outros, na objetivação das decisões e na formação de razões de decidir em matéria de direito, e não precipuamente sobre fatos. Analisando decisões judiciais proferidas desde setembro de 2016 sobre multiparentalidade, discute-se se efetivamente há uma cultura de respeito aos precedentes judiciais em direito de família, discorrendo-se sobre algumas controvérsias e dificuldades que alguns tribunais vêm enfrentando sobre a matéria. Ao final, sugere-se a adoção de alguns comportamentos aptos a consolidar uma cultura precedentalista no Brasil.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de dez. de 2022
ISBN9786525025919
Precedentes Judiciais e o Direito de Família: Reflexões a Partir da Multiparentalidade

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    Precedentes Judiciais e o Direito de Família - Gabriel Percegona Santos

    0014480_Gabriel_Percegona_Santos_16x23_capa.jpg

    Precedentes judiciais

    e o direito de família

    reflexões a partir da multiparentalidade

    Editora Appris Ltda.

    1.ª Edição - Copyright© 2022 do autor

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.

    Catalogação na Fonte

    Elaborado por: Josefina A. S. Guedes

    Bibliotecária CRB 9/870

    Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT

    Editora e Livraria Appris Ltda.

    Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês

    Curitiba/PR – CEP: 80810-002

    Tel. (41) 3156 - 4731

    www.editoraappris.com.br

    Printed in Brazil

    Impresso no Brasil

    Gabriel Percegona Santos

    Precedentes judiciais

    e o direito de família

    reflexões a partir da multiparentalidade

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço à minha avó Swami (in memoriam).

    À minha família, em especial, à minha mãe, Cristiane, e ao meu pai, Anilton, aos meus tios Osvaldo, Giovane e Mara, e aos meus primos Arthur e Giovana.

    Agradeço, ainda, à minha companheira, Alice Lana, por compartilhar comigo os sonhos deste livro e tantas e tão importantes reflexões.

    Ofereço especial gratidão ao professor Elimar Szaniawski, pela dedicada e inspiradora orientação no trabalho que deu origem a este livro, e às professoras Ana Carla Harmatiuk Matos e Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos, por contribuírem imensamente com o refinamento das reflexões deste texto e pelas renovadas gentileza e inspiração.

    À Universidade Federal do Paraná, ao Virada de Copérnico, meus mestres e amigos.

    APRESENTAÇÃO

    Com muita honra, recebemos a grata missão de apresentar à comunidade jurídica a obra de Gabriel Percegona Santos intitulada Precedentes judiciais e o direito de família: reflexões a partir da multiparentalidade, que ora vem a público pela Editora Appris.

    A satisfação dessa agradável empreitada é dupla. Inicialmente, pelo fato de termos participado com o autor de elevadas discussões sobre a nova categoria do direito processual civil brasileiro, a dos Precedentes Judiciais, incorporados ao texto do Código de Processo Civil de 2015 e sua aplicabilidade no direito das famílias. Tratam-se de categorias jurídicas específicas do processo civil e da multiparentalidade familiar, disciplinas básicas que informam o presente livro, longamente discutidas nos seminários realizados em nossa disciplina sobre os Novos Temas de Direito Civil, do Programa de Pós-graduação em Direito, pós-doutorado, doutorado e mestrado, da Universidade Federal do Paraná, tendo o autor sido nosso aluno, concluindo a mencionada disciplina com louvor. Em segundo lugar, por ter Gabriel Percegona Santos obtido o grau de mestre em Direito, mediante brilhante defesa de sua dissertação de mestrado, perante qualificada banca multidisciplinar, e que ora surge como livro.

    Constituída por cinco capítulos e a conclusão final, o autor realiza um primoroso estudo sobre os precedentes judiciais e sua possível aplicabilidade no direito das famílias brasileiro.

    Na Introdução à obra, o autor apresenta sua principal proposição, que consiste na reflexão sobre a compatibilidade entre o sistema de precedentes judiciais e o direito das famílias, especificamente em relação à categoria jurídica da multiparentabilidade.

    O livro procura responder a algumas importantes indagações sobre a aplicabilidade dos precedentes judiciais, em especial, a tormentosa pergunta dos operadores do direito das famílias, se existiria alguma incompatibilidade entre o sistema de precedentes judiciais e o direito das famílias?. Tendo em vista as peculiaridades e a natureza casuísta da matéria familiarista, cujos pressupostos, para a constituição de precedentes, afastam-se, em parte, daqueles exigidos pelo direito comum, pelo fato de que os precedentes são construídos a partir de um caso-paradigma ou um conjunto de casos concretos semelhantes, cujas decisões são, também, semelhantes. A arguição de uma eventual incompatibilidade se encontraria no fato de que os elementos e fatos familiares são peculiares e próprios e que, por isso, não poderiam constituir um parâmetro decisório para um outro caso concreto, visto que esse possui suas próprias peculiaridades.

    Esse é o desafio que o autor enfrenta no presente livro.

    No Capítulo 2, o autor realiza um instigante estudo da Teoria dos Precedentes Judiciais no direito brasileiro e comparado. Analisa o tema dos precedentes judiciais no common law inglês e no common law norte-americano, destacando as peculiaridades e as diferenças de cada sistema. No mesmo capítulo, estuda a adoção da Teoria dos Precedentes Judiciais no Brasil, ponderando os argumentos favoráveis e contrários para essa adoção pelo nosso direito. Nessa discussão, destaca, ainda, as características do sistema do civil law brasileiro e o fato de que a origem do direito no common law se dá mediante a construção do direito pela jurisprudência, a partir dos casos concretos, ao passo que a construção do direito pelo civil law é normativa, oriunda do processo legislativo estatal. A própria categoria dos precedentes judiciais no Brasil não tivera sua gênese mediante construção e evolução jurisprudencial, porém, foi instituída pela norma processual estatal. Assim, tem-se, no dizer do autor, que precedente é a decisão judicial que, enfrentando os principais argumentos levantados pelas partes, se revela como paradigma, pretendendo-se dotada de universalidade, pois seu núcleo essencial pode servir como diretriz para julgamento posterior de casos semelhantes.

    Ao final de suas ponderações, demonstra Gabriel Percegona que não se fazem presentes as incompatibilidades entre o sistema precedentalista do common law e o direito brasileiro. Tendo em vista ser irrelevante o fato de o precedente ser oriundo da lei ou dos costumes. O precedente é assim considerado, a partir do reconhecimento de que a decisão a ele correspondente, possui os elementos informadores de um precedente, tornando-se, consequentemente, sua eficácia obrigatória.

    No Capítulo 3, o autor se debruça sobre o estudo da categoria da multiparentalidade, sua localização no direito das famílias e a afetividade como elemento paradigmático da constituição da parentalidade, principalmente no que diz respeito à paternidade sociafetiva. Realiza um autêntico percurso da multiparentalidade no Brasil, a partir do desenvolvimento histórico e da evolução do direito de filiação brasileiro.

    A seguir, examina o autor a percepção da multiparentalidade pelo Supremo Tribunal Federal, detendo-se no exame do Recurso Extraordinário n.º 898.060/SC, desenvolvendo sua análise no sentido de ser esse recurso um precursor dos Precedentes Judiciais do Supremo Tribunal Federal. Conclui o autor, com sensível argumentação, que a decisão proferida no Recurso Extraordinário n.º 898.060/SC e a edição da tese de Repercussão Geral n.º 622, pelo Supremo Tribunal Federal, constitui-se em um precedente judicial, possuindo eficácia vinculante ao próprio Tribunal e a todos os tribunais que lhe são hierarquicamente inferiores.

    O Capítulo 4 é dedicado ao estudo dos impactos do Recurso Extraordinário n.º 898.060/SC nos tribunais brasileiros. Para o autor, é importante identificar os limites e as possibilidades de aplicação do precedente e como ele vem sendo interpretado pelos tribunais.

    O autor parte da análise de decisões judiciais prolatadas por alguns tribunais brasileiros, verificando como esses tribunais têm interpretado e aplicado os precedentes judiciais. Apresenta, ainda, os desafios à implementação de uma cultura precedentalista no direito das famílias, abalizando as diversas vias que encaminharão à sua concretização. Denuncia, outrossim, as divergências interpretativas que surgem na aplicação do precedente pelos tribunais, nos casos em que o mesmo vem sendo aplicado.

    Tendo-se por base os resultados obtidos em momento posterior à consolidação do precedente e direcionando o estudo à categoria da multiparentalidade, apresenta também os desafios à implementação de uma cultura precedentalista no direito das famílias, procurando apontar os caminhos para sua concretização em matéria filial e na edificação de uma cultura precedentalista.

    No Capítulo 5, estuda, especificamente, o respeito aos precedentes judiciais no direito das famílias. Destaca-se, inclusive, uma indagação fundamental para este trabalho: realmente há uma cultura de respeito aos precedentes judiciais no direito das famílias? Para tanto, inicia o presente analisando a teoria dos precedentes judicias e sua aplicabilidade no direito das famílias, observando todos os aspectos positivos e negativos que as peculiaridades desse ramo do direito apresenta, tal como a imensa subjetividade da matéria e as questões de natureza existencial. Nesse sentido, demonstra Gabriel Percegona que, embora um precedente se constitua em uma decisão paradigmática, a autonomia do juiz não lhe é retirada por ele. O magistrado deverá ponderar a matéria posta em causa, a fim de verificar se o caso permite a aplicação do precedente ou não. Verificando o juiz a existência de similitude entre os casos, paradigma e o caso a ser julgado, deverá acolher o precedente judicial e aplicá-lo ao caso concreto. Em sentido contrário, deve ser afastando o precedente, quando estiver ausente a similitude dos casos ou se apresentem situações incompatíveis com o precedente paradigmático.

    Dessa maneira, defende o autor que não há qualquer incompatibilidade entre o direito das famílias e a teoria dos precedentes judiciais, uma vez que a formação de um precedente no direito familiar deve observar as mesmas regras gerais aplicadas em outras áreas do direito.

    A análise do autor em relação ao comportamento dos tribunais inferiores e do próprio Superior Tribunal de Justiça mostra a ausência de afinidades de muitos julgadores com a teoria dos precedentes vinculantes. Concluindo que a visão dos magistrados, em relação à teoria dos precedentes, não seria uma questão de desconhecimento das técnicas do precedente, mas, ao contrário, demonstra a não identificação deles com a teoria precedentalista.

    Em virtude de todas suas percepções, finaliza o autor seu primoroso estudo, pugnando pelo desenvolvimento de uma cultura precedentalista vinculante no Brasil que, ainda, mostra-se ausente, atribuindo essa tarefa, principalmente, ao ensino jurídico a ser ministrado nas faculdades de Direito, mediante a internalização dessa temática nas ementas dos cursos de graduação, como capítulo da disciplina de direito processual civil.

    Ao finalizar, convidamos os magistrados, advogados, membro do ministério público, demais operadores do direito e leitores em geral para compartilhar as lições e propostas de Gabriel Percegona Santos na aplicação da teoria dos precedentes judiciais vinculantes no âmbito do direito das famílias, pontuadas pela preocupação com a justiça e a dignidade da pessoa humana.

    Janeiro de 2022.

    Elimar Szaniawski

    Doutor e mestre em Direito pela UFPR.

    Professor titular de Direito Civil e de Biodireito da Faculdade de Direito da UFPR. Advogado.

    PREFÁCIO

    Exclusão, preconceito, autoritarismo, indignidade, desigualdade foram desvalores vivenciados historicamente pela sociedade e, sobretudo, pelos filhos, em menor ou maior grau, a depender de sua origem.

    Alguns poderiam pensar que o confortável horizonte das conquistas empreendidas em prol do tratamento igualitário do sistema jurídico de parentalidade e filiação no Brasil não necessita mais de esforços, ledo engano. A obra de Gabriel Percegona denota o quão são relevantes a pesquisa qualificada e a reflexão da literatura jurídica para os desafios contemporâneos em torno da concepção da multiparetalidade.

    O trabalho é fruto de sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná na área de concentração de Direito das relações sociais, orientada pelo professor Elimar Szaniawski.

    O texto se destaca pela interface entre a atual processualistica, notadamente sobre o sistema de precedentes, e o Direito das Famílias. Além disso, aborda com seriedade as questões da análise fática tão importante para adequada hemenêutica na temática.

    Desde logo, expõe a interdisciplinaridade de sua abordagem, enfrentando com qualidade a doutrina dos precedentes judiciais. Adequadamente trata de suas origens históricas no sistema da common law inglesa, com destaque a passagem da eficácia meramente persuasiva para o caráter vinculante (surgimento da stare decisis doctrine). Trata igualmente das especificidades da teoria no âmbito da common law estadunidense.

    Além do primor como enfrenta as acepções diversas dessa doutrina, discorre, para apropriada compreensão e aplicação, sobre as noções a ratio decidendi, o obiter dictum, o distinguishing e o overruling.

    O autor, ao apresentar o debate do contexto brasileiro, perpassa tantos os argumentos utilizados para justificar a implementação precedentalista quanto aqueles contrários à sua adoção. Desse modo, as próprias ideias põe-se a prova, ao dialogar dialeticamente com as principais críticas. Também marca seu posicionamento teórico meritosamente, com seriedade elogiável.

    Ainda, constata que a teoria objeto deste estudo prescinde de uma identidade entre os fatos do caso-paradigma e os do caso sub judice, bastando haver uma suficiente similitude, diferentemente que um conhecimento mais equivocado pode gerar.

    Tal aspecto é especialmente relevante para as especificidades próprias do Direito das Famílias e sua inter-relação com a faticidade na doutrina analisada (que se apresenta mais robusta nos momentos de distinguishing e overruling), daí o diferencial da presente obra. Além disso, a falta de afinidade com as técnicas, especialmente a da distinção é claramente demostrada num conjunto de decisões, bem como são apresentados julgados que se alinham à teoria dos precedentes obrigatórios.

    Percebe-se, pois, que perpassa com qualidade as trajetórias das duas especialidades de área que se propõe, Direito Processual Civil e Direito das Famílias, num compor de conteúdo e reflexões que dão especial base e sentido, tornando este texto único nesse trilhar.

    O trabalho tem também um contexto-base que se desencarrega de marcar as transformações sociais e históricas das famílias, de modo a se valorizar a função instrumental do Direito. Assim, tratou o direito de filiação no Brasil, com a abordagem da superação do paradigma biológico e da consolidação da socioafetividade como elemento informador do conteúdo desse direito. Tal giro valorativo bem ilustra a relevância da produção da literatura jurídica e das decisões para o Direito das Famílias brasileiro e da força produtiva dos fatos sobre o Direito.

    Nesse influxo, enfrenta a construção jurídica da multiparentalidade propriamente dita, analisando inclusive as recentes Resoluções do Conselho Nacional de Justiça que permitiram o reconhecimento extrajudicial da pluriparentalidade. A trajetória dos argumentos estruturantes desemboca nas razões pelas quais é possível conceber o Recurso Extraordinário n.º 898.060/SC como um precedente judicial.

    Na análise das divergências encampadas pelos votos dos ministros Edson Fachin e Teori Zavascki, o autor mantém o apreço pelo debate que expõe a grandeza os argumentos, inclusive quando se ocupa do processo de formação da Tese de Repercussão Geral n.º 622. Além disso, identifica nesse precedente o fundamento que consignou a inexistência de hierarquia apriorística entre as formas de filiação e possibilitou a abertura hermenêutica à multiparentalidade.

    Tal caminho foi trilhado com consistência teórica e uma criteriosa pesquisa de vários julgados (do Superior Tribunal de Justiça e de dez Tribunais de Justiça estaduais, além de analisar de que modo suas razões vinculantes têm sido manejadas pela própria Suprema Corte), ou seja, a metodologia de considerar o precedente e seus elementos não se tratou apenas de hipótese doutrinária, mas, sim, testada na realidade vivida dos casos brasileiros. Assim, o pulsar dos sujeitos de carne e osso também protagonizam a oportuna revisão bibliográfica, dando contorno único e muito aplicável ao primoroso texto.

    O trabalho encontra seu ápice ao analisar quais seriam os fundamentos determinantes do precedente, ou seja, que fundamentos podem ser interpretados como razões de decidir e quais se sustentam como obiter dictum. Sim, urge a necessidade de uma cultura de precedentes apta a conferir resposta e tratamento isonômico a casos próximos ou com substancial equivalência fática, distinguindo-os dos demais.

    Assim, firmado o piso de seu contexto teórico, impulsiona, mediante conexões dos saberes interdisciplinares, articulações únicas, sem sombra de dúvidas. Como se observa, a contemporaneidade revela desafiadora para a construção do saber jurídico pelos precedentes num viés de prospecções e nessa toada se encontra a presente obra tão plena de méritos, conforme leitor poderá verificar.

    Desejo que as ideias aqui desenvolvidas sigam amplos horizontes em prol de um Direito das Famílias renovado e renovador, na articulação do direito material com o processual, na dinâmica das realidades vividas.

    Ana Carla Harmatiuk Matos

    Doutora e mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Derecho Humano pela Universidad Internacional de Andalucía. Tutora in Diritto na Universidade di Pisa-Itália. Professora na graduação, mestrado e doutorado em Direito da Universidade Federal do Paraná. Vice-presidente do IBDCivil. Diretora Regional-Sul do IBDFAM. Advogada. Conselheira Estadual da OAB-PR.

    Lista de abreviaturas OU siglas

    Sumário

    1

    INTRODUÇÃO

    2

    APROXIMAÇÃO TEÓRICA AOS PRECEDENTES JUDICIAIS

    2.1 BREVE INTRODUÇÃO À TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS

    2.1.1 Common Law inglês

    2.1.2 Common Law estadunidense

    2.2 PRECEDENTES NO BRASIL: ARGUMENTOS PARA SUA ADOÇÃO

    2.2.1 Argumentos favoráveis

    2.2.2 Argumentos contrários

    2.2.3 Panorama acerca dos precedentes judiciais no Brasil

    2.2.4 Elementos do precedente: ratio decidendi, obiter dictum, distinguishing e overruling

    3

    PERCURSOS TEÓRICOS-JURÍDICOS DA MULTIPARENTALIDADE

    3.1 O RECURSO 898.060/SC ENQUANTO PRECEDENTE JUDICIAL

    3.2 A VISÃO DA MULTIPARENTALIDADE NO STF

    3.2.1 Os fundamentos determinantes do precedente judicial

    4

    IMPACTOS DO RECURSO 898.060/SC NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS

    4.1 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

    4.2 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

    4.2.1 Da incorreta aplicação da teoria dos precedentes obrigatórios 

    4.2.2 Da correta aplicação da teoria dos precedentes obrigatórios 

    4.2.3 As interpretações do precedente

    4.2.3.1 É possível o reconhecimento de multiparentalidade em casos de adoção?

    4.2.3.2 Considerações sobre afetividade na multiparentalidade

    4.2.3.3 A paternidade biológica também tem que ser afetiva?

    4.2.3.4 Efeitos jurídicos próprios da parentalidade biológica e a questão patrimonial

    4.2.3.5 Distinção entre direito à filiação e direito ao conhecimento da própria origem genética

    5

    PERSPECTIVAS SOBRE O RESPEITO AOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO DIREITO DAS FAMÍLIAS

    5.1 PRECEDENTES E O DIREITO DAS FAMÍLIAS

    5.2 HÁ UMA CULTURA DE RESPEITO AOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO DIREITO DAS FAMÍLIAS?

    5.3 CAMINHOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA CULTURA DE PRECEDENTES

    5.3.1 Ensino jurídico

    5.3.2 Fomento à visão institucional do magistrado

    5.3.3 Desenvolvimento de instrumentos de accountability

    5.3.4 Redução da importância das súmulas

    6

    CONCLUSÃO

    REFERÊNCIAS

    1

    INTRODUÇÃO

    Com o advento do Código de Processo Civil, em 2015, ganham relevo os debates acerca da inserção dos precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro. Diversas foram as perspectivas pelas quais o tema foi abordado, como a compatibilidade dessa teoria com o sistema de civil law, a inclusão dos precedentes no ordenamento por meio da legislação, e não pela construção de uma tradição jurídica, a possibilidade de atribuição de eficácia vinculante e obrigatória aos precedentes judiciais ou sua dotação apenas de eficácia persuasiva, se o rol de precedentes previsto no artigo 927 do estatuto processual é taxativo ou exemplificativo, entre outras discussões.

    Uma questão que particularmente interessa é saber se existiria alguma incompatibilidade entre o sistema de precedentes judiciais e o direito das famílias, tema que foi mais bem abordado no item 5.1 deste livro. Essa dúvida surge no momento que, no âmbito familiarista, é forte a máxima de que cada caso é um caso, e importaria averiguar o direito incidente sobre a hipótese em concreto, perdendo força uma acepção sistemática do ordenamento jurídico. A incompatibilidade, em tese, residiria no fato de que o precedente se erige a partir de um caso-paradigma (ou um conjunto de casos, na compreensão de dworkiniana de precedente enquanto romance em cadeia), com contornos fáticos próprios, e que não poderia, em virtude disso, servir como parâmetro decisório para outro caso, com limites situacionais também peculiares.

    Ocorre que a teoria dos precedentes prescinde de uma identidade entre os fatos do caso-paradigma e os do caso sub judice, bastando haver uma suficiente similitude. Ademais, a despeito da importância da faticidade na doutrina precedentalista (que se apresenta mais robusta nos momentos de distinguishing e overruling), ressalta-se que as razões vinculantes dos precedentes judiciais dizem respeito a questões de direito que, por sua natureza, são mais genéricas, abstratas e objetivas.

    Assim, por ora, é suficiente ponderar que não há qualquer razão para que não se aplique a teoria precedentalista no âmbito familiarista.

    Indo adiante — e tendo essa compatibilidade como pressuposto —, pretende-se responder a seguinte questão: existe uma cultura de respeito aos precedentes judiciais na prática do direito das famílias brasileiro? Como hipótese, por sua vez, apresenta-se a percepção de que essa cultura estaria em construção, sendo ainda bastante incipiente.

    Almeja-se desenvolver essa compreensão, fornecendo subsídios quantitativos e qualitativos que permitam firmá-la ou questioná-la. Para tanto, estabeleceu-se como fio condutor das reflexões aqui realizadas o precedente do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 898.060/SC, julgado em setembro de 2016, que, entre outros fundamentos, consignou a inexistência de hierarquia apriorística entre as formas de filiação e possibilitou a abertura hermenêutica à tese da multiparentalidade.

    Optou-se pela abordagem do direito de filiação, pois ele contempla diversos aspectos do desenvolvimento da personalidade humana. Veja-se: é possível ostentar a situação jurídica de filho de diversas formas — por meio da reprodução humana assistida (homóloga ou heteróloga), pela fecundação natural, pela adoção ou pela posse de estado/socioafetividade. Enfim, parte substancial da vida individual passa-se na condição de filho ou, de outra banda, na condição de pai ou mãe, transpassadas por diversos feixes de direitos, deveres, ônus, faculdades, impedimentos.

    Na medida em que ela desempenha papel fundamental no desenvolvimento humano, a consolidação de um precedente judicial que tem em seu núcleo a própria filiação (e o próprio direito de filiação), é relevante e adequado tomá-lo como fio condutor para análise da relação entre teoria dos precedentes e direito das famílias.

    Assim, para avaliar a existência ou não de uma cultura de respeito aos precedentes, observou-se a recepção da paradigmática decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e de 10 Tribunais de Justiça estaduais, além de se analisar de que modo suas razões vinculantes têm sido manejadas pela própria Suprema Corte.

    Entre setembro de 2016 e março de 2021, a partir dos critérios de pesquisa utilizados, foram recolhidos 453 julgados, dos quais foram descartados 195 deles, de modo que 258 decisões foram efetivamente analisadas, por tratarem da multiparentalidade em seu mérito, e não meramente como debate acessório ou secundário no julgamento. Os critérios metodológicos adotados na pesquisa foram descritos com minúcia no item 4.1 deste livro.

    O levantamento jurisprudencial permitiu identificar algumas questões que derivaram do caso-paradigma ou que, já existentes na prática forense, não foram respondidas pelo precedente e ganharam novos contornos a partir dele. Foi possível demonstrar por quais razões é possível concluir que inexiste uma cultura de respeito aos precedentes judiciais no direito das famílias, indicando-se os pontos em que a prática judicante pode ser aperfeiçoada.

    Assim, este estudo se divide em quatro seções.

    No primeiro capítulo, realiza-se uma aproximação teórica à doutrina dos precedentes judiciais. Abordando as origens históricas dessa figura no sistema da common law inglesa, seu nascedouro por excelência, trata-se com especial atenção o momento em o precedente deixa de ter eficácia meramente persuasiva e passa a ser norma de caráter vinculante (surgimento da stare decisis doctrine). Por relevante, estabelece-se o desenvolvimento dessa teoria no âmbito da common law estadunidense, apontando-se as particularidades da doutrina no país americano, advindas, em especial, da convivência com uma Constituição nacional e a autonomia jurídico-legislativa dos Estados-membros.

    Aproximando o debate do contexto brasileiro, apresentam-se os argumentos usualmente utilizados para justificar a implementação dos precedentes judiciais no ordenamento jurídico nacional e aqueles contrários à sua adoção. No subitem seguinte, é apresentado o panorama normativo dos precedentes judiciais no Brasil, desde a criação da Lei n.o 8.038/1990, passando por outros dispositivos legais até a edição do Código de Processo Civil, no ano de 2015.

    Nesse ponto, aprofunda-se o debate sobre o rol de precedentes previsto no artigo 927 do mesmo código, argumentando que se trata de lista meramente exemplificativa e que podem existir precedentes judiciais vinculantes além dos previstos no dispositivo. Ilustram-se alguns conceitos de precedente judicial que podem ser assimilados para sua correta aplicação.

    Por fim, indica-se quais seriam os principais elementos dos precedentes judiciais, ou seja, aquelas figuras parcelares cuja correta leitura é essencial para o domínio da técnica precedentalista — quais sejam, a ratio decidendi, o obiter dictum, o distinguishing e o overruling.

    No segundo capítulo, discorre-se com minúcia sobre o fio condutor das reflexões que subsidiam o estudo. No tópico denominado Percursos teórico-jurídicos da multiparentalidade, é desenvolvida a temática do direito de filiação no Brasil, com a abordagem da superação do paradigma biológico e da consolidação da socioafetividade como elemento informador do conteúdo desse direito. Em seguida, trata-se da forma como os tribunais brasileiros decidiram situações em que se apresentava um conflito de parentalidades até a construção jurídica da multiparentalidade, propriamente dita. Por fim, faz-se menção às recentes Resoluções do Conselho Nacional de Justiça, que permitiram o reconhecimento extrajudicial da pluriparentalidade.

    No item 3.2, sob distintas perspectivas, são estabelecidas as razões pelas quais é possível conceber o Recurso Extraordinário n.º 898.060/SC como um precedente judicial vinculante, o que justifica sua abordagem como paradigma para as reflexões projetadas neste estudo.

    Em seguida, analisa-se especificamente o precedente supramencionado, apontando o contexto fático sobre o qual se erigiu, bem como os debates havidos na Corte para construção da decisão. São apresentados os votos de cada ministro, salientando a divergência encampada pelos ministros Edson Fachin e Teori Zavascki. Após, ocupa-se na indicação do processo de formação da Tese de Repercussão Geral n.º 622.

    Ao final da seção, explicita-se, a partir das leituras doutrinárias e jurisprudenciais, quais seriam os fundamentos determinantes do precedente, ou seja, que fundamentos podem ser interpretados como razões de decidir e quais se sustentam como obiter dictum.

    No capítulo seguinte, são analisados os impactos da decisão proferida no Recurso Extraordinário nos tribunais brasileiros, partindo do método quantitativo-qualitativo explicitado anteriormente. Para estabelecer os parâmetros analíticos, são enunciadas quais decisões aplicam incorretamente a teoria dos precedentes judiciais, tratando-as sob a perspectiva de incorreção externa, ou seja, com a própria teoria precedentalista, sem ali analisar se seu conteúdo é contrário às razões determinantes do precedente.

    Nesse ponto, discutem-se as decisões que negam a autoridade do precedente, ou aquelas que não o mencionam ou o indicam superficialmente, sem enfrentar com maior qualidade seus fundamentos. A incorreção, sob essa perspectiva, encontra-se na leitura incompleta ou equivocada da teoria dos precedentes judiciais, enquanto, quando se analisa o mérito, notam-se decisões que equivocadamente leem as razões determinantes, a demonstrar falta de afinidade com

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