Como Demiti Meu Chefe: Um caminho de reinvenção para quem quer se tornar CEO da Própria Vida
De Ian Borges
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Sobre este e-book
Existem muitos mais chefes a serem demitidos do que apenas o seu superior no trabalho. São chefes na família, nos relacionamentos, nos ambientes que frequentamos, dentro da nossa cabeça... Chefes e mais chefes direcionando sua vida num teatro de marionetes em busca de aplausos. Agora, imagine... E se você demitisse seus chefes e assumisse a liderança da própria vida? O que mudaria? Em uma narrativa sensível e empolgante, Ian Borges compartilha emoções e aprendizados como filho e irmão dedicado e sua trajetória até se tornar campeão mundial de vôlei de praia, trazendo um relato visceral sobre sua transição de carreira, quando passou a ser executivo de multinacionais, e o que o levou a se libertar de seus chefes para levar uma vida com mais sentido e liberdade. Nessa jornada, ele revela uma série de estratégias empreendedoras e ferramentas práticas que vão ajudar você a questionar as suas escolhas até hoje e a derrubar a primeira peça do dominó em busca do trabalho, das relações e da vida que deseja, para que você seja o CEO da própria vida.
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Como Demiti Meu Chefe - Ian Borges
Copyright © 2022 por Ian Borges
Editora responsável
Raquel Benchimol
Revisão de texto
Guilherme De Lello
Renata Lima
Ilustrações
Fernando Rocha Aguiar
Projeto gráfico e diagramação
Ligia Camolesi
Bibliotecária
Leticia Priscila Azevedo de Sousa
CRB 9/2029
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
[2022] 1ª edição | Brasil
Para a reprodução deste livro — total ou parcial —
é imprescindível a prévia autorização do autor.
Skoobooks@skoobooks.livros
www.skoobooks.com.br
Dedico este livro ao meu pai, Álvaro, e ao meu irmão, Vitinho, grandes professores que tive na vida e que reencontrarei em outro plano…
Sumário
Prefácio
Como tudo começou
PARTE 1 | Pés na areia
Começo do jogo
Tal pai, tal filho
Campeonato Mundial
Reviravolta
Despedida
PARTE 2 | Pés calçados
O sonho internacional
Vive la France!
Jogos políticos
Viver para a empresa
It’s a Match!
Crise dos 30
PARTE 3 | Pés descalços
De volta à realidade
Coronas e decisões
Racionalizando a minha mudança
Demitindo meu chefe
O primeiro fracasso a gente nunca esquece…
O mundo como quintal
Unindo forças
Turista não: viajante!
Nasce o CEO da Própria Vida
Reinvenção
Questionar
Despertar
Reconectar
Planejar
Inter(agir)
PARTE 4 | Sob nova direção
Agora é com você!
Cultura | A alma do negócio
Valores | Olhando para o que realmente importa!
Propósito | Hum… de novo esse assunto?
Estratégia | Em francês, Stratégie
Modelo de negócio | Preciso de um?
Objetivos e metas | Dá pra viver sem?
Recursos necessários | Armas para a batalha
Plano de ação | Agora é pra valer!
Ritmos de acompanhamento | Seguindo nos trilhos…
Recursos humanos | Também conhecido como pessoas
Recrutamento | Diga-me com quem andas que te direi quem és
Treinamento e desenvolvimento | Escola sem fim
Retenção | Quem você quer ao seu lado?
Demissões | Sempre difíceis, mas necessárias
Operações | A fábrica não pode parar
Rotinas e processos | Dá pra ser prazeroso?
Consolidando novos hábitos positivos | Simples assim!
Padronizar antes de otimizar | Não coloque a carroça na frente dos bois
Meu ritual matinal | Esse é meu… e o seu?
Rituais de produtividade | Não temos tempo a perder!
Marketing | Yes, baby!
Posicionamento | O que você defende?
SWOT pessoal
Proposta de valor único | Qual é o seu mojo?
Público-alvo | Sem ele, você não é ninguém
Concorrência | Será?
Vendas | Todos somos vendedores
Apresentação de produto | A primeira impressão é a que fica
Iniciando uma conversa | Qual é o seu superpoder?
Canais de distribuição | Espalhando sua mensagem
Finanças | Sim, senhor!
Fundamentos das finanças | Back to basics!
Planejamento financeiro | Planos A, B… Z
Lucro | Qual é o seu?
E agora?
Eles já demitiram seus chefes
Negócios on-line minimalistas
Agradecimentos
Referências
Prefácio
Meu primeiro contato com Ian Borges foi noturno, espontâneo e virtual. Inverno na Europa, uma hora da manhã, estou tentando entender como funciona o Instagram e ultrapassar o tédio provocado por aquela autopromoção sem fim. Vou desistir, quando me deparo com um vídeo diferente. Lá estava um carioca com cara de viking, falando em demitir seu chefe, em levar uma vida de nômade digital, com genuíno entusiasmo, descontraído, engraçado, comunicando sem artifícios. Mandei uma mensagem dizendo que seu post era um refresco, um raio de bom humor. Fui dormir, me questionando sobre o sentido de cometer atos espontâneos nas redes digitais em noites frias de inverno.
No dia seguinte, Ian respondeu. Suas primeiras palavras foram: Oi, Pauline, que sincronicidade!
. Ele desejava escrever seu primeiro livro e havia ouvido falar do meu trabalho de mentoria de escrita por um amigo comum. Eu estava indo para o Brasil. Marcamos uma reunião.
O primeiro encontro com alguém que vou acompanhar no processo de escrita é muitas vezes revelador. Gosto de deixar fluir a conversa até acontecer um brilho no olho, um embargo na voz, um silêncio diferente, até a pessoa se conectar com uma emoção que fala da sua essência. Acredito que quando escrevemos, falamos a partir da nossa essência, aquele núcleo íntimo, aquele lugar só nosso. Não significa que devemos escrever coisas íntimas, apenas que pode ser um ponto de partida e um porto seguro. A cada vez que nos perguntamos do que quero falar?
ou por que estou escrevendo isso?
, é nesse núcleo que estão as respostas. Com Ian, isso se deu rapidamente. Ele estava aberto, disponível, curioso. Após algumas perguntas, ele disse meu pai
e o tom da voz, o olhar, a postura mudaram. Fiz uma proposta para iniciar o trabalho. Apesar de surpreso, ele topou.
Ian manteve essa flexibilidade, sensibilidade e inteligência do processo ao longo dos dezoito meses em que trabalhamos juntos, aliadas a uma sólida autodisciplina e a um gosto alegre pelo esforço adquiridos quando atleta. Com essas cartas na mão, ele foi fundo no seu projeto sem se furtar a nenhuma etapa ou obstáculo.
Escrever pode ser um extraordinário trabalho de descoberta de si, um garimpo de tesouros internos esquecidos ou ignorados. Sentar-se para escrever é marcar um encontro com si mesmo. Com todas as possíveis características de um encontro: tímido, empolgante, desajeitado, sincero, impaciente, assustador, fusional, irritado, arrepiado, vertiginoso, venturoso…
Como demiti meu chefe foi um dos processos de mentoria mais felizes que experimentei. Deu-se num ambiente de confiança que tornou tudo muito fluido e acertado. Ian sempre acolheu propostas, comentários e questionamentos. Encarou todos os desafios sem perder a classe, o ânimo ou o humor (mesmo as mais cabeludas discussões sobre relacionamentos, capitalismo ou mundo digital). Como em todas as trocas verdadeiras, o aprendizado foi mútuo.
Acompanhei seu questionamento quanto às suas reais motivações, vi como confrontou e superou fórmulas ou caminhos únicos para, através de suas próprias experiências, compartilhar de maneira sincera e vulnerável seus medos e conflitos durante os processos de transição de carreira. Quando Ian Borges diz que é possível liderar sua reinvenção, ele sabe do que está falando, pois já trilhou o caminho. Ao descrever sua busca de formas mais verdadeiras e livres de encarar o papel do trabalho, Ian oferece ao leitor um passo a passo inspirador, assim como ferramentas práticas para que cada um possa demitir seus chefes, sejam eles quem forem, externos ou internos.
Pauline Alphen
Escritora franco-brasileira de ficção, tradutora e mentora de escrita.
Como tudo começou
Durante trinta anos, estive escravo de prisões que eu mesmo havia construído, mas não sabia. Foram prisões mentais, emocionais e profissionais que me fizeram buscar o inatingível numa corrida sem vencedores.
Uma corrida por mais amor, mais aceitação, mais sucesso, mais prazer… mais e mais. A felicidade parecia estar sempre na próxima esquina, e assim fui navegando sem um GPS próprio, ludibriado pelas coordenadas que a sociedade me indicava. Fui perfeitamente domesticado para receber nota dez na graduação da vida e, como bom aluno, decorei o máximo de matérias para passar com excelência. No entanto, das provas para as quais os professores haviam me preparado, as reais se mostraram muito mais desafiadoras. E isso tudo começou dentro de casa.
A fim de preencher de felicidade os corações abalados dos meus pais, fiz de tudo para ser perfeito. Essa busca desesperada por aceitação, principalmente do meu pai, foi o combustível que impulsionou os primeiros quatro setênios da minha vida. Nada que tenha sido desejado ou imposto por eles, mas, inconscientemente, meu complexo de salvador me escravizou nessa busca por ser o filho, aluno, esportista e profissional perfeitos.
Conquistei tudo que parecia ser sucesso pensando em ocupar seus corações, mas fui eu que me senti vazio. Foram trinta anos de ilusão até começar a refletir que eu não precisava ser perfeito para meu pai, nem para ninguém. Nesse momento, decidi ser perfeito para mim e demitir meus chefes.
Você vai perceber que existem muito mais chefes a serem demitidos do que apenas o seu superior no trabalho em que você não vê mais sentido. São chefes na família, nos relacionamentos, nos ambientes que frequentamos, dentro da nossa cabeça… Chefes e mais chefes direcionando nossa vida como se fôssemos simples marionetes num teatro em busca de aplausos.
O que me levou a escrever este livro foi minha revolta em ver uma apatia voluntária de pessoas que se acomodaram no conforto da mediocridade das fórmulas de sucesso empurradas goela abaixo. Pessoas que escolheram morrer aos trinta anos e estão esperando para ser enterradas aos oitenta, desperdiçando toda a potencialidade que a aventura de uma vida com mais sentido e liberdades pode nos oferecer. Essa revolta nasceu em mim porque estive preso nesse mesmo sistema durante a maior parte da minha vida e simplesmente não percebia. De campeão mundial de vôlei de praia a executivo de multinacionais, e depois empreendedor, pude errar e aprender o suficiente para demitir aos poucos meus chefes com mais sabedoria e me tornar o CEO da minha própria vida.
Essas experiências me ajudaram a formular melhores perguntas, a questionar mais do que me conformar… e esse será o meu papel ao seu lado. Vou carinhosamente desafiar você a entrar em movimento e desenhar caminhos diferentes dos trilhados até então.
Agora imagine comigo… E se você assumisse a liderança da sua própria vida? O que mudaria?
O gatilho para essa reinvenção aconteceu quando tive a epifania de olhar para a minha vida como se fosse uma empresa. Durante quinze anos como executivo e consultor, ajudei times em grandes empresas, de até setenta mil funcionários, e CEOs (Chief Executive Officer, uma maneira gringa de dizer poderoso chefão) a criarem organizações mais produtivas e felizes. Porém não era capaz de fazer o mesmo comigo. Quando comecei a customizar as mais avançadas ferramentas de transformação de empresas para a transformação de um único indivíduo, pude perceber que estava criando algo especial e que merecia ser compartilhado.
Comecei testando em mim mesmo. Gostei. Percebi que redesenhar minha vida olhando para cada área como dentro de uma organização – cultura, estratégia, recursos humanos, marketing, vendas… – trazia mais resultados e felicidade.
Passei a acreditar que todos têm direito a uma vida mais livre dos seus chefes autoritários. Talvez uma crença utópica, mas algo pelo qual definitivamente vale a pena lutar. Mesmo que sua liberdade signifique escolher suas próprias prisões
, seja numa nova carreira, numa nova empresa ou empreendendo.
Não sei como as pessoas vão interpretar e reagir à minha jornada, mas minha intenção é que você aja. Neste livro, eu me abro e divido o que funcionou para minha reinvenção profissional da maneira mais sincera possível. Talvez dê certo para você, mas nunca tome a minha palavra como verdade única. Não há fórmulas universais, nem caminhos únicos. Pode ter certeza que tudo o que compartilho ainda está em plena evolução, e sempre estará.
Por meio dos meus conflitos e aprendizados, este livro é um convite para você refletir sobre as suas escolhas até hoje e, quem sabe, isso será aquele empurrão para derrubar a primeira peça de dominó em busca de um trabalho com mais sentido e liberdade.
O primeiro objetivo desta obra é inspirar, interrogar, tocar você por meio da minha história. O segundo objetivo é ajudar você a liderar de forma mais verdadeira e prática a sua transição de carreira. Vou apresentar estratégias para que seja possível redesenhar seu caminho de forma mais alinhada com o que é importante para você, como se sua vida fosse uma empresa da qual você se torna o CEO.
Se conseguir um desses objetivos, minha missão estará cumprida. Se conseguir os dois, pode ter certeza de que isso me fará uma pessoa muito realizada. Obrigado pela oportunidade!
ESTE LIVRO É DEDICADO PARA QUEM…
se sente perdido na carreira e quer encontrar um novo norte
se sente perdido na carreira e quer encontrar um novo norte
sente que seu potencial criativo está sendo mal explorado
acredita que possui muitos chefes a serem demitidos
quer assumir uma atitude mais protagonista diante dos desafios e oportunidades no trabalho
tem um sonho de empreender e não sabe por onde começar
quer desenhar um plano de transição de carreira com mais segurança através de ferramentas práticas
deseja liderar sua carreira em busca de mais sentido e liberdade
Infelizmente, nove em cada dez pessoas estão insatisfeitas se sentido presas no seu trabalho. Se você acredita que esse livro possa agregar valor na vida de pessoas em busca de uma reinvenção de carreira, eu tenho um pedido para você: compartilhe suas impressões deixando uma avaliação na Amazon. Isso fará com as mensagens desse livro cheguem a ainda mais pessoas, e assim, você terá um papel central no desenho de um mundo mais livre. Basta escanear o QR Code. Muito obrigado!
qr-pag-novaPARTE 1
Pés na areia
Minha maior perda apesar de ter sido campeão
areiaComeço do jogo
Nunca houve um sol que alimentasse a minha alma como o das sete horas na praia de Icaraí, em Niterói. Religiosamente, todo fim de semana meu pai me levava para jogar vôlei. Ficava esperando ansiosamente para acompanhá-lo e ser um dos primeiros a pisar na areia, ainda fresquinha pela manhã. Na época, tinha nove anos e ainda não tinha conquistado o direito de jogar entre as estrelas. O ritual de montar a rede já era suficiente para nutrir minha crescente paixão por aquele esporte que Álvaro tanto idolatrava. Um ritual que me acompanharia por muitos anos na busca por preencher espaço no coração frustrado do meu pai.
Esticar a rede de náilon azul entre os dois postes parecia um trabalho artístico de pescador. Meu pai fazia um nó na ponta da corda e me dava para enlaçar o poste — uma das tarefas mais difíceis. Após algumas tentativas, finalmente conseguia enganchar a parte de cima da rede, daí era só calibrar a parte inferior para que atingisse a altura e a rigidez perfeitas. Depois precisava desembrulhar as linhas de marcação e posicioná-las com alta precisão, indicando os limites da quadra. Em seguida, instalava as antenas alinhadas com a marcação, checava a pressão das bolas de couro — nem tão cheias, nem tão vazias — e começava a molhar a areia com a mangueira para preparar a arena para o calor que começava a brotar.
Eu fazia questão de participar de cada etapa, aprendendo com meu pai e admirando aqueles gigantes. Ficava maravilhado com seus movimentos coordenados e explosivos que configuravam um verdadeiro balé de brutamontes. Ainda mais quando meu herói marcava um ponto e olhava para mim dando uma piscadela de essa foi pra você
. Aquilo era arte, e eu me sentia dentro de uma pintura com uma das vistas mais lindas do mundo: o Pão de Açúcar.
No intervalo de suas partidas, meu pai batia uma bola comigo na lateral da quadra. Esses minutos de treino eram suficientes para o meu dia valer a pena. Aquele era o nosso momento. Não existia mais nada ao meu redor… Éramos só nós dois. Ao final, sempre dávamos um mergulho no mar, apesar de a água da Baía de Guanabara estar longe de ser limpa.
Meu pai era o meu herói invencível. Eu ouvia suas histórias, convivia com seus amigos das antigas e, como ele, queria seguir meu caminho nos esportes.
O que no início era apenas um momento entre pai e filho, em que eu buscava sua aprovação e seu amor, foi se tornando uma intensa paixão. Não só para mim, mas também para toda a família.
_
Eu tinha dois irmãos. Vitinho era dois anos mais velho e Natasha, dois anos mais nova. Vitinho nascera prematuro de sete meses, com apenas dois quilos, e teve que ficar no hospital por um mês sob cuidados especiais. Assim que Vitinho foi para casa, as coisas não melhoraram muito. Ele não dormia direito e chorava praticamente todo o dia. Aquilo não era normal.
Meus pais foram conversar com o pediatra amigo da família que havia feito o parto. Sentiram o médico hesitante, como se soubesse de algo, mas não tinha coragem de contar. Ele acabou diagnosticando que Vitinho havia arrebentado três hérnias devido aos choros contínuos nesses dois meses e que precisava ser operado. Meus pais suspeitavam que havia algo mais.
Vitinho foi levado para operar com outro médico especialista conhecido da família. Antes da operação, ele sugeriu fortemente que o levássemos a um neurologista, pois achava que havia algo estranho com a formação do seu cérebro. Ao passar a mão pelo topo da cabeça, dava pra sentir uma leve cavidade, diferente da cabecinha redonda dos outros bebês.
O neurologista, que mais parecia um açougueiro manuseando um pedaço de carne, pegou a fita métrica encardida no fundo da gaveta e começou a medir as dimensões da cabeça do Vitinho. Depois, seguiu com uma bateria de exames até concluir que Vitinho tinha microcefalia e paralisia cerebral. O anúncio para meus pais foi devastador. O médico explicou que ele nunca seria capaz de enxergar, falar, fazer qualquer tipo de movimento, nem expressar sentimentos. Ele dependeria 100% de outras pessoas para fazer absolutamente tudo. Finalizou sua explanação da seguinte forma: Se em dois anos essa ‘coisa’ estiver viva, vocês podem voltar
. Meus pais nunca se esqueceram dessa frase.
Álvaro sumiu do hospital e só foi voltar para casa no final do dia. Precisava de um momento sozinho. Naquela noite, meus pais haviam amadurecido mais do que esperavam. Dali em diante, entenderam o quão especial Vitinho era. Eles se comprometeram a cuidar e amar de forma ainda mais incondicional aquele anjinho que havia surgido em suas vidas.
Minha mãe era formada em administração e trabalhava como chefe de setor numa prestigiada concessionária de carros no pé da serra de Petrópolis. Apesar de ter, naquele momento, um melhor salário do que meu pai, Sheyla decidiu renunciar a sua carreira para dar todo o amor e carinho para seu filho em tempo integral. Aproveitou a oportunidade do programa de demissão voluntária e, com esse dinheiro mais a venda do carro, conseguiram comprar a casa própria.
Depois da compra da casa – até então meus pais viviam de aluguel num pequeno apartamento no centro de Petrópolis –, não sobrou nenhuma economia, e Álvaro teve que reformá-la praticamente sozinho. Todo dia, meu pai caminhava durante uma hora – distância entre o apartamento e a nova casa – e passava a manhã capinando, cuidando do jardim, plantando hortênsias, pintando as paredes… Era a sua terapia matinal. Sempre acompanhado de sua dogue alemã, Roma.
Naquela época, meu pai trabalhava apenas alguns dias na semana como professor de técnicas agrícolas para o município do Rio de Janeiro. Por isso, tinha mais flexibilidade de horários para se dedicar à reforma da nova casa, enquanto minha mãe cuidava do Vitinho.
Tudo aconteceu muito rápido. A dedicação total do meu pai à nova casa foi crucial para que conseguisse se distrair da confusão mental naqueles primeiros meses. Ele acabou desenvolvendo uma relação muito íntima com a casa de Petrópolis. Foi um remédio para sua alma.
_
Cuidar de Vitinho era um aprendizado diário. Não representava apenas a aventura do primeiro filho para os recém-pais, mas uma nova forma de cuidar que não estava em nenhum manual. Cada refeição exigia mais de uma hora da minha mãe, que precisava escorregar a comida pastosa pela sua boca, já que ele não mastigava. Ele não podia ficar sozinho em nenhum momento, pois se seu rosto virasse demais no travesseiro, poderia sufocar. Três vezes na semana, minha mãe precisava levá-lo à clínica no centro da cidade para uma fisioterapia de manutenção, a fim de evitar total atrofia dos músculos, e os 124 degraus da nova casa também não facilitavam muito a locomoção.
Com o tempo, meus pais foram se acostumando com a nova rotina titânica e em nenhum momento isso se tornou um fardo ou revolta. Eram apenas cuidados especiais para esse anjinho que dependia deles para tudo. A única reação que Vitinho tinha era dar um respiro profundo quando alguém se aproximava dele.
Aos poucos, meus pais voltaram a falar sobre ter mais um filho. Sempre sonharam em ter um casal. No entanto, estavam com medo de colocar mais uma criança no mundo com aquelas condições especiais. Fizeram todos os testes necessários para saber se havia algum problema. Um dos médicos falou que não havia nada de errado com eles, eles só haviam tirado a sorte grande
, pois as chances eram de seis a cada cem mil casos. Era pra ser. Assim, seguiram.
Em Petrópolis, no dia 16 de dezembro de 1986, eu nasci. Álvaro resolveu me dar o nome de Ian, que significa presente de Deus. Meus pais rezavam para que eu nascesse normal
. Segundo Sheyla, nasci um bebê enorme, olhos esbugalhados, pele rosa e quatro quilos de pura gostosura
. A primeira frase do meu pai foi: Ihhh… nasceu com dente!
. Daquele momento em diante, Álvaro depositaria em mim tudo o que não pôde fazer com seu primeiro filho. A expectativa era grande.
Sheyla com Vitinho no colo.
Dois anos depois, ainda queriam ter uma filha. Foi aí que Natasha veio ao mundo. Morávamos nessa época no Recreio, na cidade do Rio de Janeiro. Minha mãe queria chamá-la de Julia, mas meu pai, teimoso do jeito que era, achava nomes russos imponentes e queria ter uma bailarina dentro de casa. Minha mãe aceitou, e mais um bebê rechonchudo chegou à família. Ambos transbordavam de alegria.
_
Com a chegada da Natasha, acabei passando muito tempo com minha avó materna, Aglaé, e minha madrinha, Neyla, irmã de Sheyla. Acabei sendo paparicado em dobro e me tornei o queridinho das duas. Elas também eram como mães para mim.
Tia Neyla chegava ao ponto de me considerar mais filho seu do que da minha própria mãe – o que deixava Sheyla maluca!
Minha mãe era uma verdadeira guerreira dentro de casa. Cuidava de três filhos praticamente sozinha. Ela cozinhava, passava roupas, dava banho, arrumava a casa, levava para a creche… Álvaro nunca chegou a trocar uma fralda. No entanto, meu pai trabalhava cada vez mais duro para sustentar a casa. Chegou a fazer uma nova faculdade e arranjou um segundo emprego no município como veterinário, além do cargo como professor de técnicas agrícolas que já tinha.
Minha irmã Natasha e eu em Petrópolis.
Dentro de casa, quem cuidava era Sheyla, mas a partir do momento em que começamos a andar e ficamos aptos a fazer esportes, meu pai assumiu o comando.
_
Acabamos nos mudando para Niterói, no Rio de Janeiro, onde passei grande parte da minha juventude. Conhecida como Cidade Sorriso
, ela foi palco de muitos acontecimentos marcantes na minha história.
Num sábado, dia 5 de julho de 1997, estávamos celebrando o aniversário do meu pai na casa da sua irmã Sônia, onde geralmente juntávamos toda a família. Vitinho ficou sob os cuidados da vovó Aglaé em casa. No meio da tarde, vovó ligou para Sheyla dizendo que seu neto estava com a temperatura mais alta. Isso era raro, pois Vitinho praticamente não saía de casa e não ficava doente. Seu sistema imunológico era muito frágil, e qualquer doença, aparentemente inofensiva para um jovem da sua idade, poderia ser fatal.
Meus pais o levaram a uma clínica particular e o médico diagnosticou uma pneumonia. Ele sugeriu que levassem Vitinho para a emergência de um hospital público, pois lá haveria mais estrutura para cuidar dele, além de evitar as altas despesas que poderíamos ter na clínica. A grana estava sempre curta do nosso lado.
Chegando ao hospital Antônio Pedro, no centro de Niterói, os médicos fizeram toda a bateria de exames e o internaram. Desde o início, meus pais sabiam que a expectativa de vida do Vitinho era muito curta e que, ao longo de todos esses anos, ele poderia partir a qualquer momento. Foram treze anos de batalha desse corajoso guerreiro, que contradisse todas as previsões pessimistas dos médicos. Mas o inadiável chegou naquela tarde, e a pneumonia o levou de nós para sempre. O anjinho finalmente voltara aos céus.
Natasha e eu estávamos dormindo com a nossa avó quando meus pais voltaram para casa de madrugada. Ao se deitar na cama, minha mãe acabou nos acordando. Ainda anestesiados pelo sono, apenas ouvimos: prometam que vocês nunca vão me deixar
. Recebemos um abraço amoroso e voltamos a dormir, sem saber ainda de Vitinho.