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O alquimista e a runa
O alquimista e a runa
O alquimista e a runa
E-book274 páginas3 horas

O alquimista e a runa

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Sobre este e-book

Quando Tom, um cético alquimista que é capaz de observar e de manipular elementos atómicos, descobre uma dimensão paralela onde, inicialmente, é incapaz de aceitar o seu passado, ele assume encontrar a chave para o desaparecimento do seu avô, treze anos antes.
São Rohin, uma importante figura daquele mundo, e Mathias, o seu discípulo, quem revelam a Tom a terrível maldição por detrás da existência daquela dimensão, convencendo-o a permanecer nela para impedir a catástrofe.
Mas, quando descobre o seu verdadeiro propósito, Tom rapidamente compreende que se encontra numa batalha onde a distinção entre o correto e o errado perde-se nas suas possíveis diferentes perspetivas.
Numa fantasia minimamente realista, Tom seguirá o lado da lógica e da razão ou caminhará no domínio da ética e da moral?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de jan. de 2023
ISBN9791222077499
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    O alquimista e a runa - Mário Velho

    Agradecimentos

    Desejo agradecer a todos que me apoiaram na construção desta obra. Em particular, um muito obrigado à pessoa que, muito antes de eu sequer imaginar em começar a escrever, me introduziu ao universo fantástico da literatura. Um igual obrigado a um grande amigo que, sem a sua insistência, talvez esta obra não passasse de uma simples ideia. Finalmente, um obrigado especial à minha irmã, não apenas pela sua paciência e infindáveis sugestões, mas sobretudo pela sua presença.

    Capítulo 1

    Pronto! Já começam!

    Tom Flamel levantou-se e observou, aborrecido, as esferazinhas que pairavam por cima dele, ressaltando umas nas outras como pequeníssimas bolas de borracha. No escuro da noite, mesmo ao lado da cama, contrastavam números digitais, e quando Tom olhou nessa direção suspirou.

    Normalmente, aquelas esferas apenas lhe apareciam quando ele o queria.

    Agora não!

    A essas entidades correspondiam moléculas que Tom conseguia sentir, mas que não era capaz de explicar como fazia. A presença de diferentes elementos químicos em redor transmitia nele diferentes sensações e desde cedo que Tom se dedicara a fazer correlacionar cada uma dessas sensações com esferas mentais, semelhantes às observadas em ilustrações atómicas.

    Até certo modo, poder-se-ia dizer que Tom era capaz de ver moléculas.

    Porém, se até muito recentemente ele se habituara a observar as suas entidades espalhadas pelo seu campo de visão, oscilando minimamente, nos últimos dias passou a vê-las agitadas, violentamente, como se perturbadas por rajadas de vento invisíveis que, segundo ele, não podiam existir.

    Seria possível que começasse finalmente a endoidecer?

    Talvez, e na sua cabeça a lógica começou a protestar, disparando dúvidas e pregando questões, que fomentavam uma suspeita quase atroz de que algo sinistro estava para acontecer.

    Mas talvez, e nesse momento Tom abanou a cabeça, a sua lógica estivesse errada! Se realmente fosse verdade que a ciência, mãe de todo e qualquer argumento no seu ser, carecia de resposta para a súbita perturbação exercida sobre as esferas, então talvez, uma meia certeza que Tom em vão tentou enterrar no fundo da sua mente, não coubesse à ciência explicá-lo.

    Depois de inspirar o ar frio da madrugada Tom levantou-se, apenas para continuar a olhar para o horizonte, ainda pensativo.

    Era impossível!

    Tom concentrou-se mais uma vez nas esferazinhas que bailavam à sua volta, e que ele criava mentalmente.

    Talvez apenas improvável.

    Muito improvável.

    Absurdamente improvável!

    Para ele nada era mais improvável que a existência de magia, uma palavra em cujo significado ele recusava e abominava por completo, uma palavra que pertencia ao reino da fantasia e ao domínio da ignorância.

    Contudo, e Tom continuou a pensar, observando agora a cama atrás de si, não deixava também de ser verdade que outras pessoas, menos cultas talvez, considerassem a sua alquimia como algo mágico ou, no mínimo, algo que escapava aos limites impostos pela ciência.

    Estariam elas corretas?

    Obviamente que não! E, no entanto, mesmo que essa sua convicção fosse inabalável, a faca de dois gumes que dela surgia estava longe de o ser; Não poderia ele próprio ser aquela outra pessoa menos culta , que considerasse como magia algo que não o fosse verdadeiramente?

    Nesse momento Tom voltou a fitar os leds luminosos, que lhe revelavam as três da manhã, e após resmungar algo para si mesmo, vestiu o que estava pendurado num cabide atrás da porta e saiu.

    Na rua nuvens de hidrogénio e de hélio enchiam o céu. Quando Tom levantou a cabeça e as observou, subitamente rompeu-lhe nos olhos uma explosão de dor que o fez fechá-los novamente.

    Assim permaneceu durante breves segundos. Depois, quando readquiriu a visão normal, deixaram de existir esferas no seu campo de visão. Agora,  na altitude sombria do céu encontravam-se somente pontinhos cintilantes num fundo negro, recortado no horizonte pelos contornos completamente isentos de detalhe dos edifícios mais altos.

    Lâmpadas espalhadas pelo passeio dispersavam feixes laranja de luz e, depois de as seguir num passo lento e pensativo, Tom estacou junto de um sinal luminoso, pregado na parede que agora estava ao seu lado, iluminado por gás néon.

    O interior era cúbico, cheio de mesas circulares dispersas. Numa mesa encostada à parede um casal conversava intimamente. No extremo oposto da sala uma divisão transversal escurecia a mesa do lado de lá, onde se sentavam duas misteriosas personagens. O balcão encontrava-se centrado a poucos metros da parede mais afastada da porta de entrada, e por detrás o bartender sorriu na direção de Tom.

    Quando o alquimista se sentou, o sorriso desapareceu e o bartender observou-o, pensativo.

    Outra vez? perguntou ele, endireitando os óculos.

    Tom suspirou.

    É! Nos últimos dias tem sido isto. Juro-te que não consigo perceber o que se passa. Tom serenou ligeiramente e começou a tamborilar os dedos na madeira polida do balcão. Mas basta a minha comadre que isto vai lá, não te preocupes.

    Mac voltou a sorrir, abanando a cabeça. Quando se baixou, uma resma de cabelo castanho claro caiu-lhe na frente dos olhos. Mac tinha também vinte e cinco anos, mas aparentava sempre ser mais novo que Tom, pela simples razão de nunca deixar crescer a barba, que no alquimista cobria masculamente o rosto com uma camada castanha fina.

    Em segundos Mac apresentou, em cima do balcão, uma lata de coca-cola e um copo vazio. A seguir Tom abriu a primeira e pegou no segundo.

    Sabes? continuou Mac. Um dia destes meto cerveja numa destas colas e vais bebê-la, ai vais ver se não vais.

    Sim, sim, respondeu Tom, enchendo ao mesmo tempo o copo, que começou a borbulhar sonoramente. Faz isso, e como presente ainda te estreio o teu livrinho de reclamações. Olha para o pobre coitado. Vazio! Mas um dia destes, Mac, um dia destes...

    Surgiu-lhes silêncio e um relâmpago de preocupação rasgou as faces de Mac.

    Já tentaste aqueles comprimidos para ajudar a dormir?

    Se já! Tom quase bradou, batendo com o copo meio cheio na mesa, fazendo soar ocamente a madeira. "O diabo dos Mickey Mouse não querem saber. Agora vão e vêm à hora que querem, especialmente durante a noite".

    Pois é, continuou Mac, como quem não quer a coisa, pegando num copo para o começar a esfregar. É a tua consciência a manifestar-se, por pensares sequer em macular o desgraçado do livro de reclamações.

    Se Tom quis sorrir, apenas foi capaz de suspirar.

    Não é bom sina,. respondeu ele, batendo com o dedo no vidro do copo para que caíssem as últimas gotas que insistiam em não descer. Tenho a impressão de que está para acontecer alguma coisa, mais tarde ou mais cedo...

    Subitamente a porta fez ecoar no ar algo parecido com um trovão, e os dois viraram-se imediatamente para a observar. Do exterior surgiram dois indivíduos. Um mais novo, que apareceu primeiro, e atrás dele um homem mais velho, que abanava a cabeça. Mac observou-os meticulosamente, numa tentativa maquinal de inferir os hábitos de consumo dos novos clientes, mania que adquirira há já algum tempo, como consequência da sua profissão.

    O primeiro aproximou-se, devagar, observando toda a extensão do estabelecimento, até finalmente fixar-se nas prateleiras cheias de bebidas que se erguiam por detrás de Mac. Trazia vestido um colete estranhamente parecido com os dos filmes do Oeste. O segundo entrou imediatamente a seguir. Era apenas um pouco mais baixo, e caminhava ligeiramente curvado. Fios esbranquiçados caíam-lhe por debaixo de um chapéu de aba larga aparentemente já antigo. Não obstante, caminhou solenemente até parar a meio do caminho, para observar em redor como quem tenta procurar por um familiar no meio de uma multidão monstruosa.

    Não demorou mais de um segundo para encontrar os dois homens que estavam sentados no canto da sala e depois seguiu nessa direção. Ali trocaram palavras durante algum tempo, mas o homem do chapéu nunca se sentou. Apenas se virou, por duas vezes, para o balcão, onde apontou com o dedo, para continuar logo a seguir com a sua conversa.

    Quando se despediu, depois de acenar com a cabeça, aproximou-se do rapaz de colete, entretanto já sentado ao lado de Tom.

    Serve-me o melhor que há por aqui! trovejou o rapaz.

    Mac ainda ergueu as sobrancelhas, mas no instante seguinte encolheu os ombros e virou-se de costas para os três. Enquanto esperaram, o homem mais velho apontou discretamente para Tom, quando este não estava atento, e o rapaz de colete acenou com a cabeça. Depois Mac virou-se novamente, e apresentou-lhes um cocktail cuidadosamente preparado, de cores sugestivas, e uma rodela de limão agarrada ao bordo do copo.

    Num segundo o líquido espumante desapareceu, e noutro o rapaz de colete pôs-se a lamber, saboreando o aroma que persistira ainda no seu paladar.

    Nada mau, disse ele, acenando com a cabeça, antes de se levantar. Não é mau mesmo. É uma pena não poder voltar aqui.

    Mac ainda repetiu aquela frase na sua cabeça e, numa frustrada tentativa de compreensão, acabou por ignorá-la, encolhendo os ombros. Ao mesmo tempo, sem que nada até aí o indicasse, o rapaz virou-se subitamente para Tom e agarrou-lhe o braço, onde gravou com a unha uma forma invisível.

    Dominado pelo choque, e pela incredulidade, só meio segundo depois é que Tom reagiu, repelindo o agressor, que logo a seguir trocou algumas palavras com o homem mais velho, e que depois disso levantou-se e preparou-se para sair.

    O homem mais velho seguiu-o.

    Não se esquecem de nada? perguntou Tom, e a sua voz ecoou sonoramente, atraindo, durante breves instantes, todas as atenções.

    O rapaz estacou, permanecendo aí por breves momentos como um espargo numa horta, e quando se virou fez transbordar malícia no seu sorriso.

    Um arrepio cruzou o espírito de Tom, que observou o rapaz, pensativo.

    Tens razão! respondeu o rapaz de colete. Que maus modos. Esqueci-me de vos dar o troco.

    Vê lá se não exageras, aconselhou-lhe bruscamente o homem mais velho, apontando para as outras duas sinistras presenças, que ainda os observavam, mas sem sair do lugar. Já fizemos a nossa parte, agora é com eles.

    Ignorando-o, o rapaz estendeu a mão e abriu-a logo a seguir para fazer aparecer uma pequena chama que então cresceu rapidamente, oscilando violentamente na forma de uma lágrima ígnea agora ligeiramente maior que o próprio pulso que a criara.

    Mac pareceu atónito, observando incredulamente o brilho criado pelo fogo, mas Tom limitou-se a fixá-lo, como se o quisesse estudar antes de tirar conclusões precipitadas.

    O que aconteceu a seguir foi muito rápido. Primeiro o rapaz lançou a chama, que assobiou no ar durante meio segundo, e depois, na colisão com uma prateleira que se erguia por detrás de Mac, o projétil explodiu, trovejando ali estilhaços de vidro por todos os lados. Felizmente, Mac baixara-se instantaneamente e evitara assim, por um triz, a bola de fogo que de outro modo rebentaria na sua cabeça.

    Ouviram-se gritos. Vinham do casal que até ali convivera calmamente e que agora fugia. Depois surgiu silêncio, pesado e ameaçador. Quando finalmente Mac ganhou coragem para levantar a cabeça, espreitando por cima do balcão, pois receava ainda em levar com uma segunda bomba, Tom aproximou-se do rapaz, para agarrar a mão que criara a bomba.

    Quem visse o rapaz do colete naquele momento decerto assumiria que ele tinha sido insultado da forma mais animalesca concebível. Não durou muito, porém, para readquirir a sua postura maquiavélica e para repelir a agressão com um movimento rápido. Finalmente, o homem do chapéu barrou-lhe subitamente o caminho com o braço.

    Já chega, vamos! disse ele, asperamente.

    O rapaz alterou a sua expressão e encolheu os ombros, antes de acompanhar o homem mais velho, que então se aproximara da porta de saída. Nesse momento Tom correu na sua direção e um relâmpago de dor paralisou-o, fazendo-o tropeçar no chão, onde permaneceu, incrédulo, a segurar o seu braço que agora brilhava ardentemente.

    Ao mesmo tempo os dois vultos aproximaram-se. Um impediu Mac, que galgara o balcão para correr na direção de Tom, e o outro ficou de pé, a centímetros do alquimista.

    Não combatas a runa, disse esse último, como se tal explicasse muita coisa, mas que para Tom nada explicava. Finalmente encontramos-te. Virás connosco, para onde pertences.

    Mas que raio estão para aí a dizer? gritou Tom, para morder forçadamente o lábio logo a seguir, na tentativa vã de apaziguar a bomba de dor que repentinamente sentiu. E que diabos é esta forma que acabou de surgir no meu braço?

    O homem fitou-o, surpreendido.

    Realmente não te lembras?

    Já fora de si, Tom fulminou ocularmente o estranho tal e qual besta selvagem. Nesse meio tempo, o seu braço quase duplicara de espessura e, em redor do desenho que ainda radiava luz, as veias tinham-se tornado tão salientes que por momentos Tom imaginou-as, em pânico, explodirem a qualquer momento. Era um tronco que ali estava, não um braço!

    Explica-te, bolas! berrou ele.

    E o homem suspirou, aborrecido.

    Explicar-te-ão mais tarde. Agora, se não queres ficar sem braço, para imediatamente de combater o Réquiem.

    Tom rebentou, vermelho de uma raiva somente alimentada pela dor sufocante que já quase não era capaz de tolerar. Depois, no momento em que se preparava para responder, perdeu os sentidos e colapsou no chão.

    Tom! berrou Mac.

    Mas os braços do primeiro homem continuavam a prendê-lo com uma força sobre-humana, forçando-o a desistir com uma terrível sensação de impotência cravada no rosto.

    Levá-lo-emos connosco para o tratar, explicou o homem que observara Tom, impassível.

    Mas o que raio acabou de acontecer? berrou Mac novamente, finalmente vendo-se livre das barras de ferro maciço que até ali lhe restringiram os movimentos.

    O homem que falara fitou Mac momentaneamente e virou-se para o outro homem.

    Vamos! disse ele, voltando a encarar Mac. Tens o direito de nos impedir, se assim desejares, mas posso garantir que esta pessoa provavelmente perderá a vida se nada fizermos rapidamente. O homem cerrou os olhos, compreendendo perfeitamente que Tom não percebera nada do que dissera. Por isso como é que vai ser?

    Mac hesitou, ainda parcialmente congelado. Na sua cabeça pareciam fervilhar milhares de pensamentos dissonantes, ao mesmo tempo que desviava os olhos ora na direção de Tom, estendido no chão, inerte, ora para o homem à sua frente, que não tivera ainda dado sinais de qualquer emoção.

    Finalmente, muito embora para o fazer tenha cerrado os punhos até marcar as unhas na carne, Mac afastou-se para os deixar passar.

    Salvem-no então!

    Os homens acenaram com a cabeça, e desapareceram no infinito horizonte, para lá da porta semiaberta.

    Capítulo 2

    Quando Tom despertou, descobriu ainda a meio sono que já não se encontrava no bar. Instintivamente arregaçou a manga para observar a marca recentemente desenhada no seu braço, que agora aparentemente não existia, e depois observou em redor.

    Ali erguiam-se paredes de rocha negra que transpiravam numa humidade sebenta e que refletiam a fraca luz aí presente. Uma grade metálica, já corroída pela ferrugem, situava-se no meio de uma das paredes, bloqueando-lhe o caminho. No chão surgiam montinhos de palha que cobriam a rocha dura por debaixo, e encobriam restos de comida que ressequiam ou apodreciam aqui e ali.

    A razão do odor nauseabundo no ar.

    Depois de pensar no assunto, e após concluir que em vão pensava, Tom enfiou a cabeça no meio daquelas barras para observar o que se encontrava no lado de lá. Um corredor, estreito, que em ambas a direções parecia desaparecer num vazio sombrio, somente iluminado, e fracamente, por algumas lâmpadas primitivas que oscilavam de intensidade, brilhando taciturnamente.

    Incapaz ainda de compreender o que acontecera para ele ali estar Tom deixou-se cair, de costas viradas para uma das paredes, e pensativo, observando o infinito durante longos momentos, concentrou-se nas suas memórias, que por alguma razão dir-se-iam ainda opacas ao seu passado recente.

    Recordava-se agora de berrar, no chão, agarrado a um tronco de árvore que parecia ter substituído o seu braço. Sobre si caíam as sombras de duas personagens, de cujos contornos ele era já incapaz de vislumbrar, e…

    Nada!

    A nova realidade envolveu-o novamente, pesada e silenciosa, até Tom fixar-se num monte de palha disforme que se erguia no solo mais além, e que parecia esconder uma folha de papel velho, amassada numa pequena bola rugosa.

    Quem quereria saber de um pedaço de papel?

    Tom continuou a observá-lo, pensativo. Ele não.

    Mas ele sim! No instante seguinte quase saltou para arrancar o papel do chão, e para o desdobrar imediatamente após, como se um aluno recebesse a nota de um exame.

    Por que o fizera? Seria, como Tom concluiu nesse mesmo momento, um absurdo sequer imaginar que aquela velharia lhe fosse útil seja de que maneira fosse. E, no entanto, naquele lugar um impulso que desafiava a lógica dizia-lhe, berrava-lhe, e comandava-lhe exatamente o contrário.

    Um dos lados da folha estava rabiscado e era ininteligível. Porém, se num primeiro instante Tom abanou a cabeça ao compreendê-lo, lamentando a sua pouca sorte, logo a seguir aquelas formas indecifráveis começaram gradualmente a fazer sentido.

    Mas que raio?

    Eis a mensagem:

    Explicar-te-ei mais tarde. Espero que sejas capaz de escapar da cela Is usando os teus próprios meios, alquimista. Se o fizeres, envio um mapa da prisão onde te encontras e da Cidadela. Um trilho correrá na minha direção.

    Tom teve de voltar a ler a mensagem, o que não foi ainda suficiente para traçar qualquer expressão no seu rosto. Os olhos contemplavam o infinito, inertes, ao mesmo tempo que a cabeça tentava desesperadamente recusar os raciocínios que ela própria traçava.

    Não, não era possível!

    …usando os teus próprios meios, alquimista.

    Aquela mensagem tinha, forçosamente, de lhe ser dirigida.

    Não…

    Se o fizeres, envio um mapa da prisão onde te encontras e da Cidadela.

    Que mapa?

    Quase em simultâneo, retas e curvas convergiram numa dança caótica para formar um mosaico labiríntico complexo. Quando a terminaram, um pontinho surgiu no fundo da página e começou a serpentear pelo mapa, deixando atrás de si uma linha tracejada, até estacar, intermitentemente, no canto superior da folha.

    Não.

    Tom devorava o pontinho que ora aparecia ora desaparecia, frustrado na incapacidade de compreender o que realmente estava a ver.

    Não! Agora os factos sobrepunham-se na sua cabeça, o caos espalhava-se na sua rede cerebral, fazendo disparar reflexões dissonantes sobre tudo e as dúvidas, perenes e venenosas, multiplicavam-se rapidamente.

    Talvez estivesse a sonhar.

    Sim.

    Sim! Era isso. Dali a pouco acordaria e vislumbraria os cantos escuros por onde irromperiam silhuetas familiares. Dali a nada suspiraria de alívio para se rir dele próprio. E depois…

    Tom estacou pensativo.

    Depois nada! Fora tola a sua ideia de pensar que estava a dormir, e fora ainda mais

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