Da Esperança Ao Medo
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Da Esperança Ao Medo - Manoel Martins Jr
Da Esperança ao Medo
A história da década mais turbulenta
da Nova República
Manoel Martins Jr
[ 2 ]
[ 3 ]
[ 4 ]
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................... 9
PARTE I – O CAMINHO PARA O IMPEACHMENT ..... 12
Impeachment ou golpe? ............................................................................. 12
Tempos de esperança ................................................................................. 13
Sai Lula, entra Dilma................................................................................... 16
Protestos de 2013, um país de cabeça para baixo .................................. 18
Surge a operação Lava-Jato ........................................................................ 21
Eleições de 2014, o resultado que não deveria ter acontecido ............. 25
O culminar da crise ..................................................................................... 31
Uma resposta para a pergunta ................................................................... 39
PARTE II – DO IMPEACHMENT À ELEIÇÃO DE
BOLSONARO ....................................................................... 41
Eleições municipais, o fundo do poço do PT ........................................ 41
O governo Temer ........................................................................................ 44
A Lava-Jato ganha força ............................................................................. 52
Eleições de 2018: antecedentes ................................................................. 71
O momento decisivo .................................................................................. 83
PARTE III – O GOVERNO BOLSONARO ....................... 96
O falso discurso da união ........................................................................... 96
A escolha do ministério ............................................................................ 101
Filhos, um problema ................................................................................. 108
As queimadas na Amazônia ..................................................................... 117
A saída do PSL ........................................................................................... 121
A Reforma da Previdência e a atuação da área econômica................. 124
Tinha uma pandemia no meio do caminho .......................................... 130
A saída de Moro: um duro golpe ............................................................ 143
Eleições municipais: um verdadeiro teste ao bolsonarismo ............... 149
[ 5 ]
PARTE IV – ABSTRAÇÕES SOBRE O PASSADO E O
FUTURO ............................................................................. 158
O crescimento do golpismo: realidade ou delírio? ............................... 158
Impeachment, um sonho ainda distante ................................................ 167
Uma elite problemática ............................................................................. 173
O liberalismo tupiniquim ......................................................................... 181
A esquerda e o novo PSDB ..................................................................... 207
Frente ampla: uma urgência democrática .............................................. 233
Atualização: a batalha das autocríticas ................................................... 238
Parlamentarismo e reforma política ....................................................... 242
Eleições de 2022: cenários e perspectivas ............................................. 255
REFERÊNCIAS ................................................................. 271
SOBRE O AUTOR ............................................................. 298
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
A todos que, como eu, dedicam os seus dias a aprender e
lutar por um país mais livre, igual e democrático,
denunciando o fascismo e autoritarismo de qualquer
espécie.
[ 8 ]
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
INTRODUÇÃO
Desde muito cedo, minha adolescência, para ser
mais exato, me tornei um interessado pelo mundo da
política, tanto a relacionada à minha localidade, como
nacionalmente. Não segui carreira dentro do jornalismo,
economia ou afins (por enquanto), como se é habituado a
ver para os especialistas do tema que inundam as nossas
tvs explicando as nuances de tão complexo, surpreendente
e complicado tema. Longe disto, estou mais para um mero
eleitor que procura se manter informado sobre o que
acontece, lê diferentes pontos de vista, estuda, e interpreta
os temas segundo a sua própria visão de mundo pessoal.
O Brasil, assim como o mundo em geral, passou
por intensas mudanças nesta última década, de uma
forma tão gritante que dificilmente um roteirista de
hollywood, por melhor que seja, conseguiria prever ou
bolar uma história tão cheia de pontos interessantes e
viradas repentinas, nem sempre para o bem, como as que
vivenciamos nos últimos 10 anos. Quem, em 2011, acharia
que chegaríamos a 2020 com este cenário? Assim, esta
obra tem como intuito de discorrer sobre os principais
acontecimentos que levaram a resultar nas históricas
eleições de 2018, quando o Brasil apresentou uma das
maiores renovações políticas de sua história, e deu uma
clara guinada à direita, empunhando bandeiras raivosas
de mudanças e contra os velhos atos relacionados à
chamada velha política. Depois disso, ela se aprofunda
sobre a primeira metade do conturbado governo
Bolsonaro, e, por fim, tenta, audaciosa e arriscadamente,
[ 9 ]
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
formular previsões sobre quais serão os próximos passos,
e o que nos aguarda para a década seguinte, ou pelo
menos o seu início.
Todos os fatos narrados são corroborados com
fontes jornalísticas, sendo apenas representações de coisas
plenamente conhecidas e noticiadas, nada criado da
minha cabeça. Porém, advirto sobre dois pontos: 1) a obra
não se resume a noticiar, existe sim um lado, que deixo
claro durante o livro, uma opinião própria sobre o
desenrolar dos acontecimentos e seus principais
personagens, e que considero o principal propósito destes
escritos; 2) as opiniões são dadas sob o ponto de vista
meramente político, direcionado às atuações políticas das
vertentes noticiadas, ou seja, não sou um intelectual que
se propõe a discutir sobre erros e acertos de teorias
econômicas ou visões políticas, até por não ter bagagem
teórica nem conhecimento para isto.
Como eu humildemente anuncio em meu blog
pessoal, não sou o dono da verdade. Você poderá
concordar veementemente com algumas de minhas ideias,
e discordar de forma brutal de outras. Não acho que
devamos pensar com cabeça de militante, como um
combo fechado onde defenderemos tudo o que nos foi
oferecido até o fim. Por muito tempo me identifiquei como
um liberal de direita, e como um crítico veemente do PT.
Porém, o caminho errático, no meu entender, que os
liberais tomaram nos últimos anos me fizeram se afastar
destas correntes, ao mesmo tempo, abri meus horizontes
para uma perspectiva mais social que parece estar distante
[ 10 ]
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
das discussões destes grupos. Ainda me alinho com os
liberais (verdadeiros) em muitos aspectos, e considero
algumas de suas lutas corretas, mas parei de ver a
resolução dos problemas do mundo a partir de um único
lado. Como sociedade, somos complexos demais para não
admitir que boas ideias que dão certo podem chegar de
vários lados distintos. O purismo é uma praga, o
equilíbrio e a moderação são os caminhos.
Como vocês irão ver durante a leitura, me reservo a
criticar o que acho errado em todas as vertentes da política
nacional, e elogio o que considero correto. Sou assim,
concordem ou não, me achem um estúpido ou um gênio,
um rei da sapiência ou alguém que não diz nada com
nada. No mais, faço meus votos que aproveitem o livro e
possam formar seus próprios pontos de vista sobre os
acontecimentos, e que o nosso maltratado Brasil encontre
um dia o futuro que faça jus ao seu potencial e às
qualidades de seu povo.
Cordialmente,
Manoel Martins Jr
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Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
PARTE I – O CAMINHO PARA O
IMPEACHMENT
Impeachment ou golpe?
Se tem algo que me incomoda é quando eu penso
se me identifico como um sonhador utópico ou como
alguém prático, que sempre vê um fim aceitável justificar
os meios, ainda que ele não seja do modo que eu gostaria
em meu mundo ideal. Para falar a verdade, às vezes meu
lado sonhador é proeminente, principalmente com a
severidade com que eu julgo àqueles a quem não gosto ou
desconfio, não tolerando qualquer desvio de conduta,
vociferando contra os mesmos. De outro lado, assumo o
papel pacifista, tolerante, até conformado, em outras
ocasiões, aceitando que as coisas são assim mesmo, e é
melhor que elas melhorem, nem que seja um pouco e
lentamente, dentro de uma estabilidade sistêmica.
Normalmente adoto essa tolerância para os que eu tenho
algum afeto ou admiração. Eu já vivi esses dois papéis nos
últimos anos, que, aliás, se tornou um núcleo polarizador
dentre tantos na vida política do país perante uma crise
que se arrasta há tanto tempo.
Essa dualidade está presente na minha visão do
evento histórico ocorrido entre dezembro de 2015 e agosto
de 2016. Um tortuoso processo que era o culminar de uma
crise que já vinha desde antes das eleições de 2014. Uma
presidente que teve sua reeleição forjada dentro de
mentiras e corrupção, no processo eleitoral mais sujo da
história, e que acabou sendo o seu impetuoso castigo. Ela
[ 12 ]
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
continuou no poder, mas não conseguiu governar mais,
porque esta reeleição nunca deveria ter acontecido. Que
entrasse qualquer um, até o Levy Fidelix, e não teríamos
um golpe tão forte e covarde contra uma democracia que
parecia finalmente se estabilizar.
E aqui chegamos na pergunta do milhão,
impeachment ou golpe? Sinto dizer, mas existem aspectos
que tornam as duas narrativas diferentes sobre o episódio
erradas e corretas ao mesmo tempo. Claro, a palavra
inglesa que não foi traduzida é mais chique, e ganhou a
boca do povo, mesmo dos mais humildes, talvez
orgulhosos de pronunciarem tão difícil termo. Como não
se acostumar? Eu nasci durante o primeiro processo de
uma jovem Nova República, apenas quatro anos após a
promulgação da Constituição Cidadã, contra Fernando
Collor, e me preparava para votar em somente minha
quarta eleição no segundo. Ambos tristes episódios que
representaram o fim de períodos de estabilidade e
esperança. Quando um rapaz então com menos de 25 anos
já o presenciou duas vezes na vida, alguma coisa estará
errada, não?
Tempos de esperança
Mas vamos começar esta história do começo, como
deve ser. A crise de 2016, como dito, iniciou-se bem antes.
Primeiramente, tivemos o período do otimismo e da
bonança. Como muitas vezes já contado pelos poetas dos
tempos modernos, em 2002 tivemos a primeira vez em
mais de 40 anos que um presidente eleito pelo povo
passava a faixa presidencial para outro. Era um momento
[ 13 ]
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
simbólico para um país que tanto havia sofrido, sonhado e
lutado por sua liberdade. Embora vivendo um período
conturbado, afetado pela crise dos países emergentes, que
detonou a economia depois dos bons primeiros anos do
Plano Real, e por uma seca que provocou até mesmo
apagão em várias partes do país, dando o primeiro dos
castigos ao PSDB por ter aprovado de forma
inconstitucional a reeleição, o Brasil respirava esperança.
O desaprovado Fernando Henrique Cardoso passou a
faixa para Lula, finalmente eleito após três tentativas
frustradas, ex-operário e sindicalista, membro de um
partido de esquerda sem devaneios, com ampla
militância, denominado dos Trabalhadores
. Dois
presidentes com linhas e personalidades tão diferentes, e
não importava quais seus gostos pessoais por cada um,
presenciávamos ali a essência da democracia!
E o período Lula confirmou os anseios de quem
esperava por tempos melhores. A economia voltou a
decolar, os investimentos foram ampliados, o desemprego
e a inflação caíram. Programas sociais foram ampliados,
pobres ganharam cotas e conseguiram acesso às
universidades, e muita gente melhorou de vida. Foi um
período sem igual, talvez o melhor desde a época do
famigerado Milagre Econômico
de Delfim Netto. Sim,
embora na época eu não desse o braço a torcer, pude fazer
um juízo crítico com mais isenção recentemente e
reconheci que as coisas melhoraram mesmo, e
melhoraram principalmente para a classe dominante. É
verdade que os pobres receberam suas benesses como
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Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
nunca antes, mas elas pareceram migalhas perto do que
faturaram grandes empresários, às custas de empréstimos
com juros camaradas do BNDES, ou das inúmeras obras
de infraestrutura que foram postas em ação em todo o
país, e até em países de governantes amigos. Tal detalhe
seria um aspecto importante da ruína do próprio PT
depois. O auge foi após a crise de 2008, quando o mundo
todo naufragou em recessões profundas, mas o Brasil
pouco sentiu.
Porém, tudo isso veio a um custo pesado.
Aproveitando-se de uma autonomia, consentida ou à
revelia, nunca pude tirar esta dúvida, instituições de
investigação começaram a ter um protagonismo também
nunca antes visto. Ainda no primeiro mandato de Lula, o
primeiro escândalo: o denominado Mensalão. Em parte
vítima de um sistema de governo fadado ao fracasso, o PT
passou longe de ter uma maioria ideológica para
governar, e, por isso, teve que se aliar à centro-direita
fisiológica. Era o começo da repartição de cargos sem
quaisquer escrúpulos entre partidos, e, pior, do
pagamento de parlamentares com dinheiro ilícito por seus
votos. Mesmo com a descoberta do esquema, a coisa só
piorou a partir daí, o partido governante gostou de como
o processo funcionava, e aglutinou cada vez mais
partidecos em torno de si. A ideologia deles não
importava mais, eram apenas abutres sedentos por um
lugar nas tetas do Estado. O PT de Lula se tornou cada vez
mais hegemônico.
[ 15 ]
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
O Mensalão foi a prova de como o detalhe menos
importante em um processo de impeachment são os
malfeitos. No meu mundo ideal, e vamos pela primeira
vez citar meu lado utópico, não existiria um, mas sim
motivos graves em série para derrubar o presidente. No
parlamentarismo, certamente seria o sim. Porém, Lula
sobreviveu. Não houve sequer pedidos de afastamento, e
nem protestos nas ruas por sua saída. A economia ia bem,
não se tinha motivos para protestar. A oposição, por sua
vez, erroneamente achou que deixá-lo sangrar até a
eleição seria a melhor estratégia. Lula saiu forte, e foi
reeleito com facilidade depois, mas as investigações
derrubaram seu braço direito, um dos principais homens
por trás de sua chegada ao poder, como também de sua
governança depois, e que era fortemente cotado para
substituí-lo: o Ministro da Casa Civil, José Dirceu. Aí está
outro aspecto que influenciaria no que vimos mais de 10
anos depois.
Sai Lula, entra Dilma
Outros escândalos, de menor importância, vieram
depois, mas Lula passou o bastão rondando os 80% de
popularidade. O Brasil continuava feliz. Dizem que
círculos internos do PT ainda levantaram a possibilidade
de golpear a democracia e lutar por um terceiro mandato
do presidente. Não é de se duvidar, amigos próximos
como Hugo Chávez e Evo Morales fizeram isto, ou fariam
o mesmo depois, sempre com o bom e alegado intuito de
proteger a revolución, e a esquerda latino-americana
vigente gostava de imitar uns aos outros. Estávamos no
[ 16 ]
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
grande
momento
do
chamado
bolivarianismo,
inaugurado por Chávez, e a estabilidade democrata
sempre para no momento que deixa de servir aos seus
próprios interesses. Não se sabe se Lula foi um autêntico
democrata que rechaçou a ideia de cara, ou chegou a ser
tentado pela sede de poder, mas viu que era uma
possibilidade remota que só geraria desgaste para si
mesmo ou o partido. O que se viu é que, sem Dirceu, ele
escolheu uma sucessora, que também havia sido sucessora
do próprio Dirceu na Casa Civil. Oito anos depois, o Brasil
veria a história novamente, ao eleger a primeira mulher
para o cargo máximo da Nação.
Dilma não era uma mulher de grandes feitos até
então. Na verdade, havia ganhado destaque somente nos
governos petistas mesmo. Havia sido uma militante
estudantil, integrante de grupos guerrilheiros contra a
Ditadura Militar, tendo sido presa e torturada. Era uma
neófita até mesmo no PT, já que foi um membro de longo
tempo do PDT Brizolista antes, quando havia chegado no
máximo a atuar como Secretária de Fazenda da cidade de
Porto Alegre, sem grandes resultados. Não eram bons
predicados para tamanha responsabilidade, mas ninguém
ligava. A verdade é que se elegeria quem Lula apontasse o
dedo, era o auge do PT, e ninguém teria a audácia de
questionar o feeling do chefe. O fato é que o presidente
estava destinado a querer fazer história, e tinha escolhido
sua sucessora com boa antecedência, viajando pelo país
inteiro para apresentá-la. Descolou o título de "Mãe do
PAC", o programa de crescimento mais ambicioso da
[ 17 ]
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
gestão petista, com justiça ou não, fazendo-a inaugurar
inúmeras obras, mesmo as inacabadas, enquanto a Justiça
Eleitoral fazia vistas grossas à campanha antecipada.
E foi a partir daí que as coisas começaram a dar
errado. Mesmo apostando na continuidade de quase toda
a equipe econômica de Lula (Henrique Meirelles saiu), a
estratégia mágica do PT dava sinais de arrefecimento, e,
assim como o Milagre Econômico da Ditadura, não durou
para sempre. O desemprego começou lentamente a subir,
o PIB não apresentou a mesma força de crescimento de
antes, e a inflação não ficou tão fácil de ser controlada.
Políticas errôneas foram adotadas, como uma desoneração
que quase quebrou o setor elétrico, e obrigou a ter seu
custo repassado aos consumidores depois. Apesar de a
economia ter começado a ficar fragilizada, a política de
intervenção estatal foi reforçada, com crescentes gastos. A
receita para o desastre estava montada. Para piorar tudo,
Dilma claramente não era do ramo, não tinha o trato que
seu antecessor possuía com o mundo político, e isto
cobraria um alto preço.
Protestos de 2013, um país de cabeça para baixo
Ainda assim, durante mais de dois anos Dilma
sustentou uma confortável popularidade herdada de Lula.
Até que tudo explodiu em, por acaso, junho de 2013. O
Brasil estava às vésperas do primeiro de seus três grandes
eventos, outra herança dos tempos áureos. Dali a pouco
começaria a Copa das Confederações, um ano depois a
Copa do Mundo seria realizada em terras tupiniquins
após 64 anos. Por fim, em 2016 teríamos as Olimpíadas do
[ 18 ]
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
Rio pela primeira vez na história. Eram os grandes
projetos de Lula para mostrar a grandeza no novo Brasil.
O problema é que o boom econômico que sustentaria
tranquilamente este momento já havia passado.
Os
custos foram enormes, turbinados por uma corrupção
como nunca dantes vista, e só ajudou a acelerar a
degradação econômica e moral, como também a revolta
da população.
Ironicamente, o período de transe coletivo em que o
Brasil entrou há sete anos começou como um protesto da
extrema-esquerda. Um protesto como qualquer outro
sobre um tema qualquer, como aqueles que acontecem
todos os meses reunindo meia dúzia de militantes
inflamados, e que ninguém dá muita atenção. Naquele
caso, o protesto era contra um aumento do valor das
passagens de ônibus em São Paulo. Um movimento
chamado Passe Livre saiu às ruas e tomou umas
porretadas da polícia, como sempre também acontece. Só
que, por algum motivo que ninguém nunca saberá, ali foi
a senha para algum cataclismo dentro da mente das
pessoas. Uma população que desde o impeachment de
Collor estava adormecida, de repente acordou, e com
raiva. Os protestos seguintes foram cada vez maiores, e se
espalharam pelo restante do país. Também eram
violentos, para além da tradicional repressão policial,
nasciam os chamados black blocks
, ainda dentro da
parte esquerdista das manifestações, que acuavam e
lançavam sua fúria contra repartições públicas e
particulares, veículos de imprensa e agentes públicos.
[ 19 ]
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
A coisa logo saiu do controle do movimento que
iniciou tudo, e as pautas ficaram difusas. Protestava-se
sobre tudo e ao mesmo tempo sobre nada. Protestava-se
pelo prazer de protestar, a revolta havia se tornado cool.
De repente toda uma fúria guardada foi posta para fora
sem dó, e quem pagou o preço foi quem estava no poder.
Governadores, prefeitos, todos viram sua popularidade
cair, e medidas como o aumento das passagens foram
canceladas, em vão, coitados, já era muito mais que isso. O
lema não são apenas 20 centavos
, referente ao tal
acréscimo, ganhou força. Mas quem estava na ponta de
tudo era Dilma, logo, os ferozes ânimos tiveram um alvo
preferencial, e sua popularidade despencou. Eu também
fiz parte desse processo histórico. Em meu vigente espírito
quase reacionário, vi no calor das pessoas uma esperança
de ter as mudanças que almejava, o país perfeito que me
era negado por aquele sistema, e também sai às ruas.
Interessante notar dois detalhes destes protestos
que explicariam muito o porvir: em primeiro lugar, uma
essência nacionalista forte: bandeiras dos estados eram
queimadas em praça pública, frente a uma exaltação do
pavilhão nacional, relembrando os bons tempos do Estado
Novo de Getúlio Vargas. Segundo, havia um esforço
enorme para se autoafirmar como apartidários. Militância
de partidos de esquerda, até do PT, acostumadas a
participar de tais atos e ainda sem ter noção do que
acontecia, tentaram surfar na onda, mas acabaram
expulsos aos xingamentos, e até agressões. Mesmo nomes
da então oposição tucana não eram bem vistos. Nós não
[ 20 ]
Da Esperança ao Medo, por Manoel Martins Jr
sabíamos, mas tais demonstrações eram o sinal de uma
extrema direita ressentida, que pela primeira vez em
quase 30 anos sentiam um espaço para respirar e se
mostrar ao mundo. Viram a oportunidade perfeita na
legitima revolta de população, e souberam redirecionar
para si uma resposta para os males vigentes. Refletindo
sobre os episódios citados, não é difícil fazer a ligação com
o patriotismo fascista e lemas como "O meu partido é o
Brasil" que se tornariam populares anos depois.
Como é comum de se acontecer, o ratos temem
principalmente o povo, e o Congresso se apressou para
dar as tais respostas que a população pedia. Para alívio
deles, tão quão espontaneamente as manifestações
inflaram, elas encolheram até finalmente acabar sem
deixar qualquer coisa concreta construída ou legado
benéfico, e várias das proposições que poderiam causar
um estrago no sistema foram podadas. Ainda assim,
Dilma sancionou uma proposta que se transformaria em
outra chave para o seu fim: regulamentou as delações
premiadas.
Surge a operação Lava-Jato
E assim chegamos ao bendito ano de 2014, ao qual
deveria ser histórico para o Brasil, com o provável
hexacampeonato em casa na Copa do Mundo, mas
terminou com uma série de fatos marcantes e não tão
alegres assim, tanto no futebol como na política. Dilma
resistiu às manifestações de 2013, mas nunca