Infância, Educação e Trabalho: O (Des)Enrolar das Políticas Públicas para a Erradicação do Trabalho Infantil no Brasil
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Infância, Educação e Trabalho - Sarita Aparecida de Oliveira Fortunato
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 do autor
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO - POLÍTICAS E DEBATES
Dedico esta obra aos meus filhos, Leonardo e Juliana Fortunato,
por me ensinarem e incentivarem a ser uma pessoa mais
sensível e humana em relação aos direitos das crianças e
adolescentes do País e do mundo.
AGRADECIMENTOS
O agradecimento deve fluir do fundo da alma...
Agradecer despende sentimentos longínquos e presentes. Muitas vezes, exige um candeeiro para iluminar o caminho e ajudar o esquecimento
a lembrar de todas as pessoas e sentimentos que estiveram e se fizeram presentes, de diversas maneiras, nesta trajetória escolhida por mim. Desde o início, eu já sabia que este estudo não seria somente de minha autoria, mas de todos aqueles que passassem e contribuíssem na transformação de um conteúdo significativo para a sociedade, para a educação, e, em especial, para as crianças e adolescentes de nosso país – aqueles que, por muito tempo, tiveram e têm seus direitos humanos violados, explorados, denegridos, espoliados.
Começo a agradecer a uma pessoa que, na minha concepção, é corajosa, inteligentíssima, generosa, exemplo de vida e de dinamismo – professora doutora Naura Syria Carapeto Ferreira. Traçar qualidades a essa pessoa me dá um prazer enorme, porque o faço, como já disse, do fundo da alma
. Aprendi a fazer isso com ela. Beneficiei-me de sua competência profissional e de sua solidariedade humana, de suas incursões teórico-metodológicas e da socialização precisa dos conhecimentos construídos. Agradeço imensamente a ela pela confiança e ajuda constantes com que sempre me cercou, e, com toda a certeza, pelo rigor da orientação intelectual que me foi presenteada durante esses anos de convivência. Muitíssimo obrigada!
Em especial, quero agradecer àquelas pessoas que eu amo incomensuravelmente, razão do meu viver bem, das minhas conquistas, das minhas maiores aprendizagens. Sem a presença, convivência, compreensão, cumplicidade e amor para comigo, nunca chegaria até aqui – meus filhos, Juliana e Leonardo Fortunato e meu marido, Jeronimo Fortunato Junior, minha família, meu núcleo central.
Agradeço à Tássia Regina Damas de Oliveira, minha sobrinha, pela ajuda na construção dos gráficos, tabelas, quadros e no mapeamento dos dados empíricos da pesquisa. Essa força também veio de dentro do coração, sem dúvida, amor que nos faz crescer; trocas que complementam a relação e nos fazem melhores pessoas a cada dia. Sua ajuda foi de um valor ímpar para mim.
Agradeço aos professores e aos colegas doutorandos (hoje doutores) do Programa de Pós-Graduação da Universidade Tuiuti do Paraná – Mestrado e Doutorado em Educação –, pelas aulas ministradas e seminários, que só elevaram o grau do debate sobre o tema tratado na pesquisa.
Aos profissionais da Educação entrevistados – Coordenadores da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente, na Secretaria Municipal da Educação e nos Núcleos Regionais da Educação Municipal de Curitiba –, bem como aos Conselheiros Tutelares das nove regionais. Suas colocações me proporcionaram aprofundar o entendimento sobre a práxis humana nos níveis intencional e social.
À Fundação de Ação Social – FAS –, na representatividade da Coordenadora de Atenção à Família e Indivíduos e da Assistente Social, na composição da equipe da Diretoria da Proteção Social Especial dessa instituição.
À Procuradoria Regional do Trabalho do Paraná – na ilustre figura da procuradora e coordenadora do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil no Paraná (Feti), Dr.ª Margareth Mattos. Meu muitíssimo obrigada a todos esses profissionais que trabalham em prol da proteção integral e dos direitos de crianças e adolescentes. Agradeço imensamente pelas entrevistas concedidas, participações efetivas e significativas contribuições, as quais possibilitaram a coleta dos dados empíricos da pesquisa de campo, elementos essenciais que abriram o caminho para que meus olhos e minha mente fizessem as incursões adequadas no que diz respeito ao desvelamento das contradições entre a teoria estudada e a realidade apresentada, exaltando a práxis pedagógica reveladora do contexto pesquisado.
Não poderia deixar de agradecer aos amigos queridos que estiveram e estão sempre ao meu lado, torcendo por mim e me incentivando no fortalecimento dos objetivos a serem atingidos: Márcia e Sidney Haninec.
E para finalizar, com o sentimento de eterna gratidão a Deus, por me conduzir com saúde física, mental e espiritual durante essa etapa de minha vida, bem como a todos que estiveram e estarão comigo na continuidade, ofereço um dos mais significativos poemas de Eduardo Galeano, que, para mim, retrata nossa trajetória como seres humanos no mundo:
A função da arte/1
Diego não conhecia o mar.
O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!"
(GALEANO, O Livro dos Abraços, 2012, p. 15).
Assim, é a VIDA!
Sarita Fortunato
PREFÁCIO
Infância e adolescência degradadaS ou cultivadaS para a cidadania e a formação humana? O que queremos?
Este livro é um primor!
Com a alma repleta de satisfação, e muito grata pelo generoso convite recebido, escrevo o prefácio do livro de Sarita Aparecida de Oliveira Fortunato, pois foca um tema que me é caro – a INFÂNCIA, potência de vida, futuro da humanidade, germe do amanhã, lócus e destino de todo afeto possível, para onde devem convergir tudo que lhe diz respeito, amor, compreensão, carinho, mil possibilidades de desenvolvimento!
Sarita, generosamente (sua peculiar característica), me oportuniza participar de sua produção, intelectual séria e responsável, que é introduzir sua significativa e importante obra no abominável contexto hodierno em que se vive no Brasil e no mundo. Excelente conteúdo, pelas precisas e preciosas fontes de investigação, como pelas análises feitas, revela a triste realidade brasileira no que concerne às políticas públicas para erradicação do trabalho infantil no Brasil, a relação entre a escola, o conselho tutelar e o poder público no que diz respeito à garantia da proteção integral da infância e da adolescência.
O objeto de investigação escolhido por Sarita Aparecida de Oliveira Fortunato, para investigar, estudar e elaborar sua tese de doutorado – hoje transformada em livro –, dá conhecimento ao público, o soturno real concreto em que vivem crianças brasileiras, discriminadas sob o jugo do trabalho em tenra idade. Mas não só! Tece rigorosamente sobre as desalentadoras determinações que geram e mantêm essa escravidão
, ignorando
, desconsiderando ou desprezando o conteúdo da infância brasileira que existe em cada criança na sua singularidade, no seu direito à vida e a todas as possibilidades que lhes estão sendo negadas!
Assim, após apropriar-me do conteúdo, tento refletir sobre o que vem a ser a infância brasileira e o que significa.
Em tese, pode-se afirmar, de modo geral, que INFÂNCIA – o infante, a criança –, ser que é puro amor e necessita ser tratado com muito afeto, é um sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas, vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva; brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.
A infância, assim como a adolescência, constitui-se em uma construção social, síntese de múltiplas determinações em todas as dimensões da vida humana e social. Constituem um sujeito de análise social que não pode ser isolada de outras também importantes categorias, como classe, gênero, etnia e tantas mais. Suas relações sociais e suas culturas necessitam serem consideradas na produção de suas existências com todas as necessidades e possibilidades, determinações e impactos que geram. As crianças são e necessitam ser vistas como sujeitos ativos na construção e determinação de suas próprias vidas no âmbito social, da vida dos que as rodeiam e das sociedades em que vivem.
A infância e adolescência constituem-se, assim como afirma a autora, em
[...] fases da vida prioritárias à formação da constituição humana, da personalidade, da cidadania e da vida enquanto produção da existência. Nesse período, as crianças necessitam receber atenção ao seu pleno desenvolvimento físico, psíquico, cognitivo e ético, a fim de se tornarem adultos capazes de dirigir seus destinos com segurança e dignidade, bem como o destino do país em que vivem. Crianças e adolescentes significam o presente e o futuro da nação e do mundo. (FORTUNATO, 2018, p. 13).
Essa é uma compreensão inquestionável para profissionais estudiosos do desenvolvimento humano e infantil e educadores que a esse objeto de estudo, investigação e de trabalho profissional se dedicam.
Isso é o que se entende, em tese, de forma genérica para toda e qualquer infância em qualquer lugar do mundo, como um conceito e um direito de desfrutá-lo! Todavia é o que se constata no Brasil? É o que se concretiza na realidade? Aplica-se e se respeita em nosso país? Essa verdade teórica é considerada inverídica, aplicável apenas para os mais abastados, ou é ignorada, na assustadora e infeliz realidade brasileira que se utiliza dessas criaturinhas humanas, em tenra idade, quando deveriam receber o sol e o conhecimento, o amor e o lazer, brilhar e alegrar os corações de todos. Mas isso lhes é negado, para incorporá-las à exploração de mão de obra barata ou de graça na ganância do poder e do capital, furtando-as de seus direitos, tornando-as tristes seres infelizes, que em meio aos maus-tratos, só apodrecem
penosamente, enquanto crescem em nublados céus de pavor e desesperança.
Sarita Aparecida de Oliveira Fortunato, com sua mente sagaz de conhecimento e justiça social, seu coração sensível, repleto de amor, educadora com consciência acurada, diante das evidências dessas barbaridades, dedicou-se, investigou e estudou as políticas públicas para a erradicação do trabalho infantil no Brasil e ao atendimento às necessidades de crianças e adolescentes que ainda se encontram nessa situação, como e se estão sendo efetivadas de fato, conforme a legislação vigente. Verificou, também, de que forma está sendo compreendida e articulada a função social da escola pública pelos órgãos competentes, para a formação plena dessas crianças em todas as dimensões do desenvolvimento infantil, assim como em todas as instâncias públicas responsáveis por todo e qualquer tipo de atendimento à infância. Tratou, com rigor, de apropriar-se de todas as informações possíveis para poder trazer à tona o que hoje oferece ao público objetivando informar e sensibilizar a todos a fim de que se possam reunir forças conjuntas, lutar pelos direitos da infância a uma vida digna, justa e promissora, tirando-as desse lamaçal onde foram mergulhadas.
E o fez com maestria! Verticalizou no seu objeto, viveu-o intensamente, buscando encontrar no material bibliográfico já produzido o que já era de domínio e o que faltava para conseguir exterminar o mal que já havia constatado nas estatísticas pesquisadas: o trabalho infantil, a expropriação da criança de seus direitos maiores como cidadão digno de direitos! Tomou a si, a defesa em prol dos
[...] direitos infantis no processo de exploração desses trabalhadores infanto-juvenis na sociedade capitalista, vislumbrando a superação da condição marginalizada em que se encontram, juntamente com suas respectivas famílias ou responsáveis diretos. (FORTUNATO, 2018, p. 233).
Para isso, investigou e produziu teoria sobre seu objeto, na medida em que, como educadora, tomou a causa da educação Omnilateral dessas crianças em situação de privação e rastreou todas as determinações que se lhe foram colocadas pela própria pesquisa enquanto a desenvolvia. Investigou exaustivamente o trabalho infantil no Brasil como desenvolvimento e retrocesso; as políticas públicas para a erradicação do trabalho infantil, com profundidade, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, os Conselhos de Direitos e os Sistemas de Garantia, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – Peti – no Brasil, seus desdobramentos e estudos já realizados. Adentrou na escola pública com suas responsabilidades no que concerne à infância e ao trabalho infantil, ao universo das relações entre escola pública e Conselhos Tutelares, além de todas as instâncias que, de uma forma ou de outra, poderiam auxiliar na coleta de informações e tomadas de decisão.
Ao analisar o trabalho desenvolvido por profissionais nos âmbitos da Secretaria Municipal da Educação, dos Conselhos Tutelares, dos Núcleos Regionais de Educação, da Fundação de Ação Social e do Ministério Público do Trabalho no município de Curitiba, coletou dados fundamentais da realidade do trabalho efetivado por esses profissionais no que concerne ao desenvolvimento, orientação e acompanhamentos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil no Paraná – Peti –, bem como a externalização dos limites e das possibilidades de ações efetivas ou não, frente à problemática apresentada, em paralelo com as políticas direcionadas para se chegar a erradicar, definitivamente, o trabalho infantil da vida de crianças e adolescentes.
A autora não se deteve na superfície, trabalhou a relação e o compromisso com a infância, a educação e os direitos humanos
, tomando como pressuposto a relação estabelecida entre a infância e a sociedade como expressão histórico-crítica contra uma ‘cultura da barbárie’
(FORTUNATO, 2018, p. 45). Realizou inúmeras entrevistas, relatadas no texto, com profissionais ligados à proteção e defesa dos direitos humanos para a infância no município de Curitiba, Paraná, profissionais coordenadores da Rede de Proteção na Educação, Conselheiros Tutelares, profissionais da Assistência Social Especial para Infância e a Procuradora Regional do Trabalho.
E, agora, apresenta os resultados dessa peregrinação
com ricas análises e questões propositivas que possam superar essa triste realidade, tal como a necessidade de ações efetivas da sociedade civil e, principalmente, do poder público, que combatam e fiscalizem as formas de trabalho infantil no País
. (FORTUNATO, 2018, p. 142).
Propõe, com propriedade e autoridade de pesquisadora sagaz, a
[...] imprescindível continuidade das investigações nas áreas destacadas e afins, no que se refere à apresentação de resultados efetivos ao problema; políticas públicas direcionadas à fiscalização ao contexto das articulações entre as políticas públicas para a infância e o desvelar das contradições sociais; as reflexivas análises sobre esses e outros paradoxos no que concerne à preparação para lidar e transpor as barreiras impostas pela exploração da mão de obra infanto-juvenil. (FORTUNATO, 2018, p. 223).
Assim é este estudo exaustivo de Sarita Aparecida de Oliveira Fortunato, que vem eivado de conteúdo e sentimento baseados em documentos comprobatórios, análises e produção de um novo posicionamento diante da vida e da sociedade. Sarita exige respeito com o máximo respeito a quem lê, mas compromete pela elucidação a assumir uma nova posição face à realidade que evidencia neste livro. Para isso, adverte:
[...] lutar contra a perversidade do trabalho infantil, acompanhado da exploração e espoliação de crianças e jovens, torna-se, a cada dia, uma legítima necessidade social que, sem dúvida, precisa ser prosseguida. Contudo, ao promovê-la, haja, de fato, garantia governamental (políticas públicas) de oferta de escolas de qualidade satisfatórias à população infanto-juvenil e suas respectivas famílias. Mas sem deixar de pensar na produção e no financiamento dessas instituições no que concerne a usufruir de uma cidadania plena em relação às famílias dessas crianças, em que a estabilidade de emprego pelo adulto seja condição sine qua non na constituição do valor maior que norteia a ação: o trabalho adulto como princípio educativo e a escola para a criança como princípio de desenvolvimento pleno. (FORTUNATO, 2018, p. 227).
Entendo que só é possível se verificar a validade do que se faz pela realidade que se cria e que resulta na realidade para todos. Qual será o estado da INFÂNCIA no Brasil, após este vigoroso estudo que Sarita Aparecida de Oliveira Fortunato nos apresenta? É essa a realidade que queremos para as crianças brasileiras? O que fazer no sentido de superar essa barbárie por meio do respeito e de ações competentes de transformação dessa realidade excludente?
As crianças menos favorecidas não merecem as possibilidades que se apontou quando se definiu a INFÂNCIA no início deste prefácio?
Vive-se um mundo dominado pela hegemonia da ganância, do ódio e da aversão e outras formas de ser, crer, viver que têm conduzido à criação dessa barbárie. Antônimos desses termos, que significam compreensões e sentimentos, são o amor, a tolerância, a aceitação, a admiração, o respeito com toda o precioso conteúdo que contém – elementos imprescindíveis a uma excelente educação Omnilateral. Amor é o sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outro ou de alguma coisa. Não é um termo piegas que, para o mundo das aparências ou discricionário, significa ingênuo, romântico, sentimentalismo exacerbado ou tolice! Há que desenvolvê-lo, cultivá-lo! Não no sentido piegas do senso comum, mas o AMOR, como o afeto mais importante a ser alentado, como energética da ação e do desenvolvimento infantil, neste mundo onde o ódio está se tornando o elemento protagônico da vida humana, transformando-a em barbárie.
O ódio é um sentimento que impele a causar ou desejar mal a alguém; execração, rancor, raiva, ira; aversão a pessoa, atitude ou coisa, repugnância, antipatia, desprezo, repulsão (FERREIRA, 2013, p. 310). É o ponto de partida e de chegada para a exclusão em todas as suas formas mais tênues ou mais violentas. O ódio é um sentimento que se alicerça, assim como o amor, mas de forma antagônica, numa concepção de homem e de sociedade que ou inclui ou exclui as pessoas de todos os direitos e deveres.
Ao contrário, o amor é a forma mais radical de ir ao outro
, de se reconhecer, intimamente, num ser humano diferente. Quem ama, afirmou Goethe, vive intensamente a aventura de sair de si e mergulhar na alteridade. E não se faz educação de qualidade sem praticar a alteridade! Todavia o termo amor possui uma elasticidade impressionante! E, pela sua ampla utilização, pode cair na banalização! Aliás, a banalização é o que mais existe no mundo hodierno. A vida, a morte, o privado que se tornou público, o público que se tornou privado, tudo hoje está na vala comum! Pobres, crianças e idosos, pessoas com necessidades especiais, mulheres, negros etc., os diversos, os diferentes, que deveriam merecer o melhor respeito, cuidado e atenção é que são excluídos, marginalizados. Ou começam a ser objeto de estudos para se fazer leis e regulamentos, decretos que garantam aqueles direitos que já lhes pertencem pela sua natureza humana, mas que o poder discricionário lhes sonegou e continua a sonegar cultivando o preconceito, a discriminação, a violência.
E por que falo de amor prefaciando este livro? Porque quando se trata da infância e da adolescência, trata-se do que existe de mais sagrado na vida humana: fala-se desse ser humano em potencial e da sua formação humana para uma vida plena em sociedade. E esta envolve desenvolvimento da inteligência e afeto. O afeto é a energética da ação! Ou impulsiona quando eivado de amor, ou mutila quando dominado pelo ódio. Os seres humanos são movidos pelo afeto. Diante de um mundo globalizado, envolve reflexões e ações que são eivadas de raciocínios e sentimentos que só os humanos têm em toda a sua plenitude. E sonha, quando pode, quando lhes permitem, com muito amor, com todas as possibilidades de vida humana.
As crianças não são coisas! São pequenos, em sua forma humana física em desenvolvimento, mas não são coisas para serem usadas e exploradas. E é desse desenvolvimento que vai se tornar um cidadão de bem, realizado, partícipe da sociedade, feliz, com todas as possibilidades, ou um ser amorfo, triste, desafortunado e inclinado à maldade, ao crime, como sobrevivência, ou como aprendizado do ódio! Há que se ter essa consciência e responsabilidade! As crianças são seres superiores às coisas: têm sentimentos, emoções, na sua forma superior, que é o amor!
Com Gramsci (1981, p. 138), pode-se afirmar: O sentimento sem o conhecimento, é oco, vazio, mas o conhecimento sem o sentimento é mero pedantismo
. Por isso, os humanos e muito menos as crianças não podem ser reduzidas à mão de obra barata ou gratuita, sujeitas a uma escravidão criminosa, fruto de uma intenção de exclusão e de privilégios.
Exorto à leitura desta preciosa obra. E o faço com muito prazer, prefaciando INFÂNCIA, EDUCAÇÃO E TRABALHO: Como se (des)enrolam as políticas públicas para a erradicação do trabalho infantil no Brasil?, convicta de que esta produção acrescenta elementos fundamentais para o debate e tomada de novas decisões sobre as questões concretas em que vivem as crianças exploradas pelo mundo do trabalho, o trabalho infantil e as políticas públicas para sua erradicação, o pensar sobre a infância e a educação. Destina-se aos responsáveis pela tomada de decisões sobre a infância no País, sem exclusão, todos que se preocupam e dedicam-se à educação e à formação humana para a cidadania em nosso país, principalmente para os profissionais da educação, pesquisadores e educadores que se dedicam, com a maior competência que lhes é permitida, à educação integral de qualidade, solidária, fraterna e humana para todos.
Este livro é um primor!
Foi elaborado por Sarita Aparecida de Oliveira Fortunato!
À Sarita, meu louvor!
Curitiba, Páscoa de 2018
Naura Syria Carapeto Ferreira
Prof.ª Dr.ª do Programa de Pós-Graduação –
Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná.
Referências
FERREIRA, N. S. C. Diversidade e democracia: o nosso compromisso hoje. Retratos da Escola/Escola de formação da Confederação Nacional de Trabalhadores (ESFORCE) v. 7, n. 13, jul./dez. 2013 – Brasília: CNTE. p. 310.
GRAMSCI, A. O materialismo histórico e a filosofia de Benedetto Croce. Buenos Aires: Lautaro, 1958, p. 138.
APRESENTAÇÃO
Para pensar a infância no que concerne ao significado de ser criança e à relação entre educação, política, cultura infantil e direitos humanos, ao longo da escrita da obra, optei pelo conceito de infância numa perspectiva histórica, cujos elementos epistemológicos e ontológicos estão fundamentados na emancipação das crianças como cidadãs de suas próprias vidas e como participantes da produção do conhecimento sobre elas. Esse conhecimento se estabelece pelo vínculo afetivo-educativo com os adultos. Isso significa estudar as crianças como atores sociais de plenos direitos, a partir de seu próprio campo, e analisar a infância como categoria social, constituída como um núcleo cultural que necessita ser assumido pelo Poder Público e Sociedade Civil, como responsáveis em fazer-se cumprir os direitos da infância, de modo a contribuir para uma perspectiva de humanização das populações infantis no mundo.
Assim, entende-se que a perspectiva histórica absorvida por mim no compreender os direitos da infância fundamenta-se na visão crítica da sociedade capitalista para além do reformismo nos âmbitos político, pedagógico, econômico, cultural e social. Sobre isso, Saviani (2008) explicita que o fundamento dessa perspectiva de infância propõe o direcionamento das condições históricas de produção da existência humana com base numa sociedade dominada, formada pelo capital. No reverso dessa situação, o que precisa estar em evidência é a elaboração de uma concepção de educação em consonância com a concepção de mundo e de homem própria do materialismo histórico – uma concepção de educação na perspectiva Omnilateral –, que significa, como Marx (2006) nos ensina, ultrapassar a ideia de educação unilateral imposta pela atual divisão do trabalho na sociedade capitalista à grande maioria dos indivíduos. Unilateralidade que o priva do ambiente cultural necessário à aquisição de conhecimentos, para se chegar ao processo de construção de um indivíduo cujas capacidades são múltiplas.
Portanto, ao tratar de um tema de extrema relevância que diz respeito à sociedade mundial – que é o trabalho infantil como vetor
dos direitos humanos de crianças e adolescentes em pleno século XXI –, e, nesse contexto, questionar a função social da escola pública e demais instituições envolvidas, não foi tarefa fácil para mim, visto que atuo diretamente com a infância e em sua defesa. A cada dado levantado e analisado no campo empírico, mais eu obtinha a certeza de que a Educação Omnilateral precisava ser redimensionada, pois se direciona à formação das crianças na sua integralidade. Uma formação completa para um indivíduo completo, capaz de possibilitar, criar e tomar decisões em face de diferentes situações de trabalho e de vida, nas relações sociais, bem como lutar pelos meios para realizá-lo, focados em diversas aprendizagens para atingir a emancipação humana. Educar para a omnilateralidade exige uma constante busca pela superação da simplificação progressiva do trabalho adulto a partir de sua subsunção real aos imperativos da valorização do capital
, nos alerta Nogueira (1993, p. 64).
Foi dessa forma, inquietando-me com as contradições vivenciadas pelas crianças e adolescentes brasileiros ao serem privados da escola, do lazer, das brincadeiras, da boa alimentação, de um lar descente, da construção da cultura e do conhecimento, para, desde cedo, trabalharem, é que me comprometi em contribuir (por meio deste estudo) no entendimento do porquê da dificuldade
em erradicar o trabalho Infanto-juvenil no Brasil, visto pela sociedade como elemento nocivo à vida infantil. Como professora, pedagoga e defensora de uma educação de qualidade para todas as pessoas, sem dúvida, esse tema me impulsionou a pesquisar – posto que o trabalho infantil aponta para