Envelhecimento e Memórias: Um Olhar Psicanalítico sobre a Clínica dos Processos Demenciais
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Pré-visualização do livro
Envelhecimento e Memórias - José Carlos Zeppellini Junior
Sumário
CAPA
INTRODUÇÃO
ENVELHECIMENTO: EVENTO CONTEMPORÂNEO OU COISA DO PASSADO?
O SURGIMENTO E O DESENVOLVIMENTODA GERIATRIA E DA GERONTOLOGIA
A IMAGEM SOCIAL DO IDOSO NO BRASIL
DEMÊNCIAS
PSEUDODEMÊNCIAS
A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL
UM LUGAR PARA O PSICOPATÓLOGO NO PROCESSO DIAGNÓSTICO E PSICOTERAPÊUTICO DAS DEMÊNCIAS
CASOS CLÍNICOS
CASO CLÍNICO 1: COMO SE APOSENTAM OS HERÓIS?
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES METAPSICOLÓGICAS A RESPEITODO CASO CLÍNICO 1
CASO CLÍNICO 2: UÉ, EU JÁ NÃO TE DISSO ISSO ANTES?
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES METAPSICOLÓGICAS A RESPEITODO CASO CLÍNICO 2
CASO CLÍNICO 3: UM CASO DE NÃO DEMÊNCIA
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES METAPSICOLÓGICAS A RESPEITODO CASO CLÍNICO 3
EROTISMO E ENVELHESCÊNCIA: CONSIDERAÇÕES NO CAMPO DA PSICOPATOLOGIA
O CLÍNICO COMO FACILITADOR NO TRABALHO PSÍQUICO DE ENVELHESCÊNCIA
CLÍNICA COM IDOSOS EM PROCESSODE DEMÊNCIA: ASPECTOS TRANSFERENCIAISE METAPSICOLÓGICOS
ESTADO DEPRIMIDO E DEPRESSIVIDADE NO PROCESSO DE ENVELHESCÊNCIA E NAS SÍNDROMES DEMENCIAIS
ÓDIO, EROS, LUTO E MELANCOLIANA CLÍNICA DAS DEMÊNCIAS
COMPORTAMENTOS REPETITIVOSNAS DEMÊNCIAS: SIGNIFICADO SIMBÓLICOOU PURA TEIMOSIA?
CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITODA TRANSFERÊNCIA
CONCLUSÃO:A EXPERIÊNCIA DA RELEITURA, O SONHO E A CONSTRUÇÃO DE UMA HIPÓTESE METAPSICOLÓGICA A RESPEITO DOS DESENVOLVIMENTOS DEMENCIAIS
REFERÊNCIAS
SOBRE O AUTOR
SOBRE A OBRA
CONTRACAPA
Envelhecimento e memórias
Um olhar psicanalítico sobre a clínica
dos processos demenciais
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2023 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
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Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
José Carlos Zeppellini Junior
Envelhecimento e memórias
Um olhar psicanalítico sobre a clínica
dos processos demenciais
À Vivian, a eterna princesa dos meus contos de fadas.
AGRADECIMENTOS
À Prof.ª Tania Cociuffo, que partilhou de maneira sensível e humana as caminhadas pelos corredores dos hospitais psiquiátricos e imprimiu os valores fundamentais da escuta e do encontro genuíno com o outro.
À Prof.ª Dr.ª Ana Cecília Magtaz, por me aproximar do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da PUC/SP e por dividir seus conhecimentos de maneira generosa.
Aos membros e pesquisadores do Laboratório de Psicopatologia Fundamental que, com suas contribuições e trabalhos pessoais que enriqueceram e ampliaram as investigações clínicas e as discussões teóricas.
Ao saudoso Prof. Dr. Manoel Tosta Berlinck, cuja competência e talento coloriram de maneira ímpar a arte de viver e estudar as paixões humanas.
À Capes, pelo suporte e confiança.
À equipe do Setor de Geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, pelo acolhimento, pela liberdade oferecida e pelas ricas discussões clínicas.
A cada uma das pessoas que compartilharam comigo as suas histórias, os seus sorrisos, as suas lágrimas, os seus ensinamentos e tudo mais que um encontro genuíno entre duas pessoas é capaz de aflorar.
À minha esposa, Vivian Regina Tristão Zeppellini, cujo amor, companheirismo, rigor, competência e infinita paciência está presente em cada uma das linhas aqui presentes.
Por fim, ao meu pai, José Carlos Zeppellini, que, com seu amor, sempre me permitiu sonhar a vida.
INTRODUÇÃO
Meu interesse pelo envelhecimento do ser humano vem de longa data. Talvez ele tenha sido plantado, simultaneamente, com os carinhos e com os ensinamentos que vieram dos avós em minha história. Talvez essa semente tenha sido regada no transcorrer da vida com as primeiras perdas.
A morte é mesmo tão companheira da velhice? Talvez essa tenha sido, ou ainda seja, uma das grandes questões da minha história.
Minha infância transcorreu ao lado dos avôs e das avós. Brincamos de fantoches, de bola e de baralho. Brincamos de contar e de escutar histórias para dormir. Brincamos de falar sobre a vida, de nos alegrarmos e nos entristecermos com ela.
Talvez meu respeito e interesse pelos idosos advenham desses momentos e de seus desdobramentos. Mais precisamente da profundidade com que essas experiências se enraizaram em minha memória. Lembranças que se encontram e se distanciam com o passar das imagens; das emoções que brotam e dos afetos que produzem tantos e tantos pensamentos. As gravuras mnêmicas de tantas experiências talvez sejam as responsáveis pela autoria deste estudo. Uma autoria que tinge as palavras, que lhes dá corpo por serem frutos de experiências, tanto clínicas quanto sociofamiliares, mas todas presentes na memória. Presentes como identidade.
Entrei em contato com a prática clínica durante o terceiro ano da graduação em Psicologia, quando as aulas práticas de Psicopatologia em um hospital psiquiátrico de São Paulo tiveram início. O encontro com os pacientes e seus familiares, com as narrativas e sofrimentos característicos das psicoses e a precariedade do sistema psiquiátrico presente naquela instituição me trouxeram um desejo profundo de aprender a cuidar e contribuir com o processo de reforma psiquiátrica que estava em andamento no Brasil.
Tornei-me voluntário e por quatro anos mergulhei da melhor maneira que pude nesse universo. Participei da construção de um grupo de karaokê no qual os usuários do sistema de saúde mental escolhiam e cantavam suas músicas preferidas e, ao fim, contavam-nos histórias a respeito das memórias suscitadas. Participei de oficinas terapêuticas, atendimentos familiares e de um projeto que tinha por objetivo preparar mulheres que haviam sido abandonadas por suas famílias e que passaram a residir na instituição a se prepararem para reencontrar a vida além dos muros e fazer das residências terapêuticas um novo lar.
O tempo no hospital psiquiátrico — e em virtude de essa experiência ter acontecido no início da jornada de formação profissional — foi fundamental. As psicoses me obrigaram, na prática, a formatar uma qualidade de escuta que era fundamental para que o indivíduo que narrava as suas paixões pudesse, de fato, existir naquele encontro. Outro aspecto importantíssimo residia na constante imposição de que sem uma postura humilde não era possível contribuir de verdade.
Para um jovem estudante, essa era uma lição valiosa. Aos poucos ia me dando conta de que o pouco que eu havia estudado até aquele momento era inútil se viesse a se transformar em interpretações. Fui me dando conta, a duras penas, que não era do meu mundo que eu poderia fazer algo, mas sim dos interiores que chegavam até mim das maneiras mais variadas.
Certa vez, enquanto eu andava de uma ala para outra, um rapaz me chamou e perguntou se eu conseguia enxergá-lo. Respondi afirmativamente, e essa constatação lhe trouxe um aparente conforto. Perguntei se poderia ajudar, e ele me contou que havia encolhido e que estava desesperado com a possibilidade de ser pisoteado pelas pessoas que caminhavam pelo entorno. Apenas me sentei ao lado dele, ombro com ombro. Após alguns minutos, ele simplesmente se levantou, agradeceu com um aceno e foi almoçar.
Com o término da graduação e o início da atividade clínica em consultório, chegou-me por meio de um encaminhamento uma senhora que, dentre outras questões, narrava os cuidados com a mãe bastante idosa. A jornada que essas duas senhoras viviam juntas era palco de grandes afetos e questionamentos. Aos poucos, o dia a dia no trabalho e o carinho pelos velhos foi se transformando em um desejo profundo de estudar os processos psíquicos do envelhecimento humano.
Era-me clara a falta de experiência com idosos e, portanto, tornava-se necessário encontrar um espaço no qual eu pudesse me aproximar dessa realidade da mesma maneira como o hospital psiquiátrico havia permitido com indivíduos psicóticos.
Procurei, durante algum tempo, ideias sobre bons locais de trabalho. Asilos? Instituições psiquiátricas? Albergues? Todas essas possibilidades exerciam uma certa atração, porém nenhum desses locais me daria a oportunidade de fazer parte de um ambiente que olhasse o idoso em toda a sua pluralidade.
Acabei encontrando dois lugares
, dois espaços especiais de pesquisa e experiência humana que mantinham um constante discurso com a polis, ou seja, com diversos campos de saberes dedicados ao mesmo objeto.
O setor de geriatria de um hospital geral possibilitou-me o contato com o trabalho multidisciplinar propriamente dito. Como psicólogo, participei de grupos nos quais havia a presença de fisioterapeutas, neuropsicólogos, neurologistas e geriatras.
Não vou entrar no mérito do quanto cada discurso era valorizado ou do quanto cada escola
de saber estava disposta a ouvir e a repensar suas próprias atitudes. Penso que esse exercício é parte integrante de todo e qualquer trabalho multidisciplinar e, portanto, exige investimento, diplomacia e trabalho árduo.
O outro lugar
foi o Laboratório de Psicopatologia Fundamental da PUC de São Paulo. Ali, encontrei um fecundo ambiente para a produção de um trabalho. Esse exercício não se restringia ao ato de escrever; mais do que isso, dizia respeito ao desenvolvimento de uma escuta, de um olhar, de uma postura clínica que se sustentava na narrativa da experiência. No meu caso, a do envelhecer.
Durante três anos eu transitei pelos espaços do setor de geriatria desse hospital de São Paulo. Trabalhei na enfermaria geriátrica, acompanhando não só pacientes em seus leitos, mas também seus familiares, suas paixões, seus sofrimentos... seus pathos (falaremos mais sobre esse conceito adiante).
Atendi pacientes nos ambulatórios e nos leitos da enfermaria. Realizei atendimentos em grupo, participei de reuniões com familiares e inundei-me com meus próprios sentimentos e pensamentos diante de tantas experiências.
Fui tocado, com o passar dos dias, por um tipo de sofrimento que apartava o idoso de sua história. Essa história, muitas vezes, era o grande tesouro que tantos deles compartilhavam comigo, enquanto sentados em suas macas ou cadeira do consultório.
As demências foram-se apresentando como um enigma. Como algo que produzia um corte