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Idosos e saúde mental
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E-book356 páginas6 horas

Idosos e saúde mental

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Sobre este e-book

Mudanças físicas, psicológicas e de papéis sociais são desafios a serem enfrentados por todos nós ao envelhecer, com vistas à manutenção da qualidade de vida, do bem-estar.
Esse livro reúne os temas mais frequentes nas atividades de ensino e pesquisa, assim como em intervenções realizadas por profissionais comprometidos em investigar a população idosa, com ênfase nos aspectos relacionados à saúde mental. Em vez de versar sobre a ausência desta, pretende-se aqui atentar sobretudo para o que ela representa em nossos dias. Isso requer uma ampla reflexão, a começar pela forma como os idosos se percebem e são percebidos pela sociedade.
Destinada a estudantes de graduação e pós-graduação, profissionais e pessoas interessadas no assunto, a obra busca propiciar aos leitores não apenas a aquisição de conhecimentos sobre a senescência e a senilidade, mas também discutir o próprio processo de envelhecimento. - Papirus Editora
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de fev. de 2018
ISBN9788544902813
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    Muito bom esse livro, didático e de fácil leitura, amei.
    Anita - gestora de saúde
    https://amilempresa.med.br/

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Idosos e saúde mental - Deusivania V.S.Falcão

(EACH-USP).

1

IDOSOS E SAÚDE MENTAL: DEMANDAS E DESAFIOS

Deusivania Vieira da Silva Falcão

Isalena Santos Carvalho

Com o crescente aumento da expectativa de vida, é cada vez mais imprescindível a ampliação de serviços e de pesquisas direcionados ao atendimento das demandas de saúde mental do segmento idoso no Brasil. Diante da complexidade da temática em pauta, este capítulo visa contribuir, de modo geral, para o planejamento de ações de prevenção e atenção à saúde mental dessa população. Salientamos que, dada a amplitude do tema, não pretendemos esgotá-lo nesta discussão. Para iniciarmos nossas reflexões, apontaremos aspectos inerentes às velhices e estigmas em torno da saúde mental. A seguir buscaremos refletir sobre as relações entre gênero e saúde mental. Posteriormente serão discutidos aspectos teórico-práticos do atendimento em saúde mental oferecido às pessoas idosas, e, por fim, será defendida a importância de uma visão multidimensional para a compreensão da correlação entre envelhecimento e saúde.

Velhices e os estigmas em torno da saúde mental

Envelhecer é uma condição inerente à natureza humana. As mudanças ocorrem, de maneira dinâmica, nos âmbitos biológico, psicológico e social do indivíduo, em função do tempo (Tortosa 2002). Para Férnandez-Ballesteros, Fresneda, Martínez e Zamarrón (1999), o processo de envelhecimento ocorre ao longo da vida, e, à medida que envelhecem, os seres humanos são menos parecidos entre si. Segundo esses autores, há, pelo menos, três formas de envelhecimento: o normal (aquele que transcorre sem patologias físicas ou psicológicas que possam deixar o indivíduo incapaz), o patológico (resultante de um organismo acometido por enfermidade e incapacidade) e o bem-sucedido (com baixa probabilidade de doenças associada ao alto funcionamento cognitivo, capacidade física funcional e compromisso com a vida).

Nesse prisma, o envelhecimento primário – senescência ou envelhecimento normal – diz respeito a um fenômeno universal, é progressivo e afeta gradualmente o organismo, dependendo de fatores como dieta, exercício físico, estilo de vida, educação, exercício de papéis e nível socioeconômico. O envelhecimento secundário – senilidade ou enve-lhecimento patológico – relaciona-se às alterações ocasionadas por doenças associadas ao envelhecimento, como, por exemplo, a demência senil, já que sua prevalência é mais acentuada na população idosa do que em indivíduos com menos idade (Neri 2001a).

Tendo em vista esse contexto, fica clara a necessidade de se refletir sobre a heterogeneidade da velhice e do processo de envelhecimento levando em consideração as peculiaridades intrínsecas dessa fase do ciclo vital nos âmbitos biológico, social, histórico, cultural e econômico. Portanto, erroneamente, é comum associar o termo velhice a doença, denotando uma imagem negativa acerca dessa etapa da vida. A crença de que a velhice está sempre associada a profunda debilidade física e mental é um mito, pois várias pessoas idosas mantêm-se saudáveis, demonstrando que há vários modelos de envelhecimento e de velhice. De modo geral, a sociedade, além de apresentar atitudes de intolerância e preconceito relacionadas ao avanço da idade, comumente discrimina a pessoa com transtorno mental. Concorre para agravar a situação o fato de que o foco de atenção das políticas públicas de saúde mental está voltado para os problemas da população adulta, não atendendo, na maioria das vezes, demandas específicas dirigidas aos idosos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Seção de Psiquiatria da Pessoa Idosa da Associação Mundial de Psiquiatria (AMP) afirmaram que a discriminação e a estigmatização, intrínsecas aos transtornos mentais, estão intensamente associadas ao sofrimento, às incapacidades e às perdas econômicas. Com o apoio de um grupo interdisciplinar de representantes das principais associações internacionais e de organizações não governamentais envolvidas com a saúde mental das pessoas idosas, essas instituições publicaram quatro declarações técnicas de consenso (WHO/WPA 1996; 1997; 1998; 2001) na área da psiquiatria geriátrica. Tais documentos descrevem: (1) a especialidade da psiquiatria voltada para a pessoa idosa; (2) a organização dos serviços, e (3) o ensino e a formação nessa área.

A quarta declaração foi elaborada em outubro de 2001, em comemoração ao Dia Mundial da Saúde, cujo tema foi Não à exclusão, sim aos cuidados (Graham et al. 2007). Seu objetivo foi colocar à disposição do público de modo geral um instrumento prático para ajudar na redução da estigmatização das pessoas idosas com transtornos mentais, mediante: (1) promoção do debate, em todos os níveis, sobre os estigmas acerca dessa população; (2) descrição da natureza, das causas e das consequências dessa estigmatização, e (3) promoção e proposição de políticas, programas e ações para combatê-la. Nessa direção, a fim de eliminar ou reduzir os estigmas, constatou-se que, entre várias possibilidades, é crucial adotar medidas de ensino que visem a modificar crenças e atitudes, ao passo que, para reduzir a discriminação, são necessárias ações no âmbito das leis e da Justiça (Graham et al. 2007).

Tal conjuntura requer debates e reflexões acerca de múltiplos aspectos, mitos e percepções, tais como: a ideia de que vários problemas de saúde mental, na idade avançada, são incuráveis e intratáveis; o efeito negativo desses problemas nas atitudes de familiares quanto à autonomia e à capacidade do idoso de tomar decisões; a falta de interesse de profissionais e serviços pelos idosos com problemas de saúde mental crônicos; a banalização – por parte de alguns membros da comunidade, familiares e profissionais – das queixas apresentadas por pessoas idosas.

Essas discussões são basilares, por se considerar que, sem uma reflexão sobre os desafios que permeiam a vida desse segmento populacional, a depressão, a demência ou a esquizofrenia, por exemplo, continuarão sendo vistas como uma situação esperada na velhice, conforme se pode inferir pelas concepções errôneas originárias da sociedade.

Nesse contexto, recordamos o filme intitulado Estamira,[1] que apresenta a história real de uma idosa acometida por um quadro psicótico, a qual passou parte da vida morando e catando lixo no Aterro Sanitário do Jardim Gramacho, situado na cidade do Rio de Janeiro. O documentário, dirigido por Marcos Prado, desvenda as relações sociofamiliares, o cotidiano e o passado dessa mulher, marcados por estupros, prostituição incentivada pelo avô materno, alcoolismo, traição em dois casamentos, violência doméstica, internação psiquiátrica da mãe no Hospital D. Pedro II e o afastamento do convívio com a filha mais nova. O filme mostra ainda o uso intermitente de medicamentos por parte de Estamira e como era o acompanhamento psiquiátrico que recebeu numa instituição pública de saúde mental.

Entre várias questões abordadas, o filme revela a importância da escuta do outro, instigando-nos a pensar sobre a estrutura da assistência à saúde mental voltada para pessoas idosas, bem como sobre a viabilidade de acompanhamento psicoterápico direcionado a essa faixa etária. Conforme apontou Singer (2001), a cada dia se conhecem melhor os benefícios do tratamento psicológico nessa fase da vida. Entretanto, é preocupante o fato de alguns profissionais ainda acreditarem que o tratamento psicoterapêutico na velhice é algo impossível de evoluir, sob a alegação de que esses pacientes estão próximos do final da vida. Nessa direção, Ferreira e Falcão (2006) defendem que, apesar de não ser muito divulgada, a terapia psicológica na velhice surge como uma das formas de promover a saúde e a qualidade de vida. Por meio da adoção de uma conduta terapêutica preventiva, alicerçada na interdisciplinaridade, a psicoterapia pode propiciar um presente e um futuro mais criativos, uma vida mais satisfatória ao sujeito, contribuindo para que ele elabore respostas sobre questões que permeiam o processo de envelhecimento e da velhice.

É sabido que os problemas que afetam a saúde mental apresentam um quadro variado e heterogêneo em relação a sua gravidade e sua duração. Enquanto alguns são brandos, outros trazem grave prejuízo psicossocial e econômico ao paciente e a seus familiares. Alguns deles duram poucas semanas, ao passo que outros se apresentam durante todo o ciclo de vida. Desse modo, possuem diversas particularidades, de acordo com os recursos de enfrentamento do sujeito e suas condições concretas de vida. Em meio aos transtornos mentais que têm alta prevalência entre as pessoas idosas, destacam-se a ansiedade, a doença de Alzheimer, os transtornos psicóticos e a depressão, sobretudo nos indivíduos com incapacidades locomotoras (OMS 2001).

Para Papalia, Olds e Feldman (2006), por vezes a depressão é subdiagnosticada em idosos, por ser confundida com demência ou por ser erroneamente vista como uma característica natural do envelhecimento. Aliado a isso, eles podem ser menos propensos a falar sobre o que estão sentindo, pela crença de que os sintomas desaparecerão com o tempo ou de que tal verbalização seria sinal de fraqueza. Há ainda uma tendência dos idosos a expressar sintomas psiquiátricos mediante queixas somáticas e a subutilizar os serviços de psiquiatria e psicologia.

O uso indevido de substâncias, inclusive álcool e medicamentos, também faz parte desse cenário, embora quase sempre seja ignorado (OMS 2001). O álcool pode aumentar o risco de depressão, de suicídio e de quedas e fraturas nos quadris, ao diminuir a densidade óssea, além de apresentar interações danosas com as medicações que os idosos utilizam (Papalia et al. 2006). Na pesquisa realizada por Almeida, Ratto, Garrido e Tamai (1999), verificou-se que o uso concomitante de diversos medicamentos é comum entre as pessoas idosas atendidas no serviço de saúde mental da Santa Casa de São Paulo. As classes de medicamento mais utilizadas eram os antidepressivos, as drogas anti-hipertensivas, os hipnóticos e sedativos e os neurolépticos. O uso desses medicamentos reflete as doenças mais comumente encontradas nos pacientes idosos residentes em hospitais psiquiátricos: síndrome de dependência de álcool, síndrome demencial, transtornos afetivos, esquizofrenia, retardo mental e abuso de sedativos.

Frequentemente, alguns idosos insistem em obter receitas médicas e utilizam medicamentos de efeitos duvidosos como bengala química, para enfrentar situações que geram ansiedade (Neri, Born, Grespan e Medeiros 2004). Adotados esses medicamentos como paliativos, sem uma necessária crítica do profissional que os prescreve, importantes e dolorosas questões que permeiam a velhice não são discutidas.

Idosos, gênero e saúde mental

Os padrões de envelhecimento e de velhice vêm sendo associados a distinções de sexo e gênero por diversos pesquisadores. Se a categoria sexo define quem é macho ou fêmea, masculino ou feminino, a categoria gênero transcende o reducionismo biológico, destacando as relações entre homens e mulheres como formulações produzidas pela imposição de significados psicossociais e culturais sobre as identidades sexuais (Stolcke 1991). De acordo com Souza, Baldwin e Rosa (2000), no Brasil, traços geralmente identificados com o gênero masculino são reconhecidos tradicionalmente por uma cultura machista, tendo como características: a dominação em relação às mulheres, a indiferença à família, o distanciamento dos filhos, o assédio sexual, a propensão a beber muito e a agressividade contra outros homens. Apesar de algumas mudanças, esses aspectos ainda persistem nos índices de violência contra crianças, mulheres e pessoas idosas.

Na literatura feminista dos anos 1970 e 1980, o conceito de gênero promoveu uma crítica aos processos sociais calcados em estereótipos que inferiorizavam a mulher e exaltavam a superioridade masculina na sociedade (Neri 2001). Entretanto, viu-se que a maioria das pesquisas feministas do envelhecimento focalizou o feminino e ignorou questões de gênero voltadas para o homem. Isso ocorreu, possivelmente, em razão do interesse, naquele momento, de compreender os desafios presentes na vida das mulheres, a fim de discutir o processo de preconceito e discriminação construídos em relação a elas.

Nesse cenário, sinalizamos que falar do sofrimento psíquico de pessoas idosas requer a análise de eventos de vida que foram culturalmente associados à trajetória de homens e de mulheres. Conforme apontou Diniz (1999, p. 182), o sujeito genérico ‘homem’ não pode ser usado acriticamente, e romper com o sujeito genérico é um dos maiores desafios que a psicologia e demais ciências da saúde enfrentam para lidar seriamente com a saúde mental de homens e mulheres. A manutenção dos estereótipos acerca dos papéis de gênero, tais como considerar a mulher como dependente emocional e/ou naturalmente queixosa (Jack 1993), pode contribuir para que os profissionais não se indaguem acerca de papéis culturalmente convencionados, nem de suas implicações nos modos de expressão do sofrimento psíquico.

Examinando as diferenças entre o envelhecimento das mulheres e o dos homens, Attias-Donfut (2004) verificou que as categorias feminino e masculino são socialmente construídas e variam conforme as faixas etárias, podendo se modificar de uma geração para outra. Nessa direção, Goldani (1999) apontou que, para a mulher, a construção da identidade e do curso de vida, especialmente na velhice, é influenciada pelas experiências socioculturais e pelos papéis exercidos na família.

A OMS (2001) apontou a existência de diferenças entre os sexos na prevalência dos transtornos mentais. Pesquisas detectaram que a proporção de mulheres idosas com transtornos mentais foi maior que a dos homens idosos (Maia, Durante e Ramos 2004; Leite, Barreto, Carvalho e Falcão 2006). Foi visto também que, na velhice avançada, as mulheres estão mais propensas a ter a saúde mental afetada, pois tendem a sofrer mais com isolamento e solidão, bem como a possuir uma autoimagem mais depreciativa e uma visão mais negativa da velhice e dos outros idosos. Contudo, esse quadro tende a ser diferente para mulheres que possuem laços familiares bem estabelecidos, com melhores condições de saúde e envolvimento produtivo na vida sociofamiliar durante toda a velhice (Camarano 2003).

Entre outros aspectos, os achados que enfatizam um maior índice de transtornos mentais entre as mulheres podem estar relacionados ao processo de feminização da velhice – maior expectativa de vida das mulheres em comparação aos homens –, o que contribuiu para que os pesquisadores se interessassem em publicar mais artigos voltados para a mulher. Conforme Goldani (1999), as mulheres vivem mais tempo na condição de viúvas e possuem mais chance de viverem sozinhas na idade avançada. Paralelamente, aumenta o número daquelas que chefiam seus lares e sustentam a família com aposentadorias e pensões cujo valor reflete carreiras incompletas e pouco qualificadas.

Além disso, o fato de muitas delas exercerem o papel de cuidadoras as expõe a um estresse maior, o que interfere em sua capacidade de lidar com as dificuldades presentes em seu cotidiano. Aquelas que cuidam de familiares com doença de Alzheimer, por exemplo, possuem maiores distúrbios físicos e comportamentais, como isolamento e depressão, que os idosos cuidadores, apesar de ambos os sexos apresentarem problemas similares (Robinson, Adkisson e Weinrich 2001). Todavia deve-se levar em consideração que a avaliação subjetiva e a atividade de cuidado compõem uma realidade heterogênea, uma vez que o ato de cuidar também pode gerar benefícios para quem o executa, tais como a oportunidade de reflexão, autoavaliação e crescimento (Falcão 2006). Acrescente-se a isso o fato de que alguns fatores podem atuar como amortecedores entre as pressões externas e os sentimentos diante do ato de cuidar, a saber: a ajuda instrumental, cognitiva e emocional oferecida por redes formais e informais de apoio, os conhecimentos e as habilidades de quem cuida, bem como as estratégias de enfrentamento que utilizam para atenuar as pressões de suas atividades (Neri e Sommerhalder 2002).

Outro dado que merece reflexão revela que a comorbidade é mais frequente entre mulheres do que entre homens. Na maioria dos casos, há a ocorrência simultânea de transtornos depressivos, ansiosos e somatoformes – correspondendo estes últimos à presença de sintomas físicos que não podem ser atribuídos a uma causa orgânica. Existem também indícios de que a prescrição de psicotrópicos é maior para as mulheres, o que possivelmente está relacionado a uma busca frequente pela assistência médica. Diante dessa realidade, é delicada a atitude de alguns médicos que, perante um caso psicossocial complexo que requer psicoterapia, optam pela saída mais fácil da prescrição de medicamentos (OMS 2001, p. 72). Entretanto, cabe ressaltar que, mesmo com o uso de medicamentos, elas buscam mais apoio psicoterápico que os homens.

Os homens são mais afetados pela dependência, pela dor e pelos efeitos da doença sobre o exercício de seus papéis sociais, ao passo que as mulheres idosas são mais afetadas pelos efeitos que suas doenças podem causar nos outros (Neri 2001). Os homens, que sempre se identificaram com a esfera do trabalho, com a aposentadoria tendem ao isolamento social e à depressão, amiúde fechando-se para a possibilidade de novas formas de socialização, tais como grupos de convivência, atividades voluntárias e Universidades Abertas para a Terceira Idade. Essa dificuldade de inserção de homens idosos – justificada por eles, muitas vezes, pelo fato de que se trata de atividades e locais tradicionalmente femininos – tende a comprometer sua qualidade de vida (Simões 2004).

Diante das demandas de homens e mulheres idosos, percebemos que ainda são insuficientes os espaços para que possam refletir, trocar informações e verbalizar seus sentimentos. Na rede pública, parecem ainda existir poucas ações voltadas à promoção da saúde dessas pessoas. Por vezes, o Estado se desobriga de políticas públicas sociais, transformando as dificuldades implicadas no processo de envelhecimento num problema exclusivo do sujeito. Destarte, o envelhecimento é visto como uma responsabilidade pessoal, em que se desconsideram as diferenças de classes sociais, contextos e culturas. São diversos os momentos em que essa população necessita do auxílio de profissionais qualificados; enfim, de uma rede de atenção biopsicossocial.

As pessoas idosas e o atendimento em saúde mental

O atendimento público em saúde mental é um direito de todos. No entanto, o elevado número de demandas direcionadas a esse setor pode comprometer a qualidade dos serviços quando não há o necessário planejamento das ações de acordo com a clientela atendida. Os transtornos mentais já representam quatro das dez principais causas de incapacidade em todo o mundo, o que sinaliza um custo enorme em termos de sofrimento humano, incapacidade e prejuízos econômicos (OMS 2001). Contudo, nas últimas décadas têm ocorrido em vários países, especialmente no Brasil, mudanças significativas no acolhimento aos usuários dos serviços públicos de saúde mental. Essas modificações, impulsionadas pelo Movimento da Reforma Psiquiátrica, produzem avanços gradativos no atendimento, por meio da busca de uma aliança que integre os esforços de profissionais, pacientes e seus familiares, no sentido de promover alternativas mais eficazes ao atendimento estritamente asilar.

A rede de serviços substitutivos em saúde mental vem progressiva-mente se sobrepondo ao modelo hospitalocêntrico e manicomial, de características excludentes e reducionistas. Nesse contexto, é válido destacar a implementação de Serviços Residenciais Terapêuticos, que surgem como componentes decisivos para a política de saúde mental no país (Ministério da Saúde 2005). As Residências Terapêuticas

constituem-se como alternativas de moradia para um grande contingente de pessoas que estão internadas há anos em hospitais psiquiátricos por não contarem com suporte adequado na comunidade. Além disso, essas residências podem servir de apoio a usuários de outros serviços de saúde mental, que não contem com suporte familiar e social suficientes para garantir espaço adequado de moradia. (Ministério da Saúde 2004a, p. 5)

É fundamental, portanto, refletir sobre qual atenção tem sido conferida à população idosa que sofre de transtornos mentais no atual contexto da reforma psiquiátrica brasileira. A reinserção de pacientes que passaram por longas internações psiquiátricas durante o ciclo de vida nem sempre ocorre no núcleo familiar. Muitas famílias não são localizadas. Outras já não estão disponíveis para recebê-los em seus domicílios. Para esses casos, o foco da atenção é a rede social ampliada. Estima-se que haja vários idosos egressos de hospitais psiquiátricos que necessitam de Residências Terapêuticas e de serviços como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), compostos por equipes multiprofissionais e interprofissionais.

O CAPs tem um valor estratégico para a reestruturação da assistência em saúde mental. Apresenta como função primordial a organização da rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios, mediante ações que atinjam o território de relações sociais do sujeito em tratamento. Com isso, é um dos serviços que mais têm contribuído para a construção do pensamento de que isolar não é sinônimo de tratar. Previsto para funcionar como porta de entrada, em saúde mental, no Sistema Unificado de Saúde (SUS), o CAPs, além de prestar atendimento aos pacientes, deve treinar e supervisionar as equipes da atenção básica e executar outros serviços relacionados, bem como contribuir para a elaboração de programas na área de saúde mental (Ministério da Saúde 2004b).

Quando o paciente inicia o acompanhamento no CAPs, é elaborado um projeto terapêutico individual. Esse projeto consiste num conjunto de atendimentos pautado no respeito à singularidade, o qual preconiza, assim, o atendimento personalizado na unidade e fora dela, com a proposição de atividades a serem desenvolvidas durante a permanência no serviço (Ministério da Saúde 2004b). No caso do paciente idoso, é importante que a equipe tenha conhecimentos pautados no campo da gerontologia, a fim de prover os cuidados necessários durante o atendimento no CAPs, além de orientar sua família e a atenção básica para que realizem o mesmo no domicílio daquele sujeito. Ressaltamos que a articulação entre a saúde mental e a atenção básica torna-se ainda mais necessária quando o idoso reside sozinho e não possui nenhum familiar que possa auxiliá-lo em suas necessidades.

Investigando o processo de envelhecimento de pessoas que realizaram tratamento no Serviço de Saúde Mental Dr. Cândido Ferreira, em Campinas, e seus possíveis ganhos pós-reforma psiquiátrica, Moreira e Simson (2006) observaram que os idosos que não haviam localizado suas famílias estavam passando por um processo de ressocialização. Verificaram ainda que cerca de 40 idosos moravam nas dependências da instituição, que também oferecia, a mais de 140 idosos, 33 casas localizadas em bairros da cidade, as quais funcionavam como repúblicas mistas, favorecendo a autonomia e a participação na sociedade. Para aqueles que necessitavam de maiores cuidados clínicos, foram criadas moradias de alta complexidade com atendimento 24 horas. Em meio a outros benefícios adquiridos, citaram a obtenção de documentação e a inserção em oficinas de trabalho profissionalizantes.

Observamos que, sendo uma proposição de mudança paradigmática, a reforma psiquiátrica enfrenta vários desafios, entre os quais a formação de recursos humanos capazes de superar estigmas e preconceitos que circundam a figura do louco e da loucura. Constatamos que esforços têm sido feitos pelo Ministério da Saúde, com o apoio de algumas instituições de ensino superior, para capacitar e aprimorar os conhecimentos e as intervenções exercidas pelos profissionais da área, oferecendo cursos de capacitação no campo da saúde mental. Porém, parece haver ainda poucas iniciativas dessa natureza com enfoque no segmento idoso.

Vários são os obstáculos que comprometem a competência e a qualidade da assistência prestada a essa clientela, como a ausência de sintonia da maioria das instituições de ensino superior brasileiras com o atual processo de transição demográfica e suas consequências biopsicossociais, além da frequente inexperiência do corpo docente no desenvolvimento de pesquisas e trabalhos com idosos. Isso contribui para a escassez de conteúdos dessa esfera nos currículos e para a consequente falta de conhecimento gerontogeriátrico por parte dos estudantes. Futuramente, esse quadro pode se refletir, por exemplo, na dificuldade do profissional em empregar recursos de avaliação diagnóstica condizentes com a clientela idosa.

Em relação às demências, por

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