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Função Paterna: paternidade, função paterna e alcoolismo
Função Paterna: paternidade, função paterna e alcoolismo
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E-book207 páginas2 horas

Função Paterna: paternidade, função paterna e alcoolismo

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Sobre este e-book

A criança chega ao mundo pelo nascimento biológico, mas o filho só nasce pela disposição dos pais para recebê-lo e assumir sua paternidade e maternidade, o que significa sair um pouco de si, e transformar o espaço físico em 'ninho', transformar a casa em lar.
O progenitor constitui-se em Pai, o porto seguro para o filho, ao partilhar seu mundo, sua vida, seu aprendizado, oferecendo-se como modelo de identificação, pelo acolhimento e pelo reconhecimento como filho, impulsionando seu desenvolvimento em interação com a família, com o meio social e a cultura, facilitando sua passagem para a vida adulta enquanto cresce em competência e ganha em responsabilidade social e cidadania.
Quando o pai tem o álcool como o centro da vida e deixa o filho à deriva de uma contínua carência da figura paterna, abalando sua autoconfiança e sua autoestima, o processo de identificação é prejudicado pela supressão do acolhimento, da paternagem, da função protetiva, pelo o abandono e o desamparo, acarretando insegurança e mágoa para o filho, em prejuízo das relações, da estruturação da lei e da ordem social.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de jan. de 2021
ISBN9786558770985
Função Paterna: paternidade, função paterna e alcoolismo

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    Função Paterna - Maria Auxiliadora Vitoriano

    sociedade.

    PRIMEIRA PARTE

    PANORAMA GERAL

    1. A EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL E FAMILIAR

    A história mostra a civilização alargando-se pouco a pouco, a todos os países e a todos os povos. (Monod, 1993, p.164).

    O desenvolvimento do homem e sua aculturação confundem-se com a história da civilização, apresentando etapas específicas em conformidade com o tempo e o espaço em que se desenrolaram. Segundo Engels (1884), que estudara outros pesquisadores e conduziu uma investigação aos primórdios da civilização quando, na concepção de alguns estudiosos, a humanidade vivia em hordas, em total promiscuidade sexual.

    Engels reconhece o caráter comunitário da organização familiar e social, as parcerias sexuais não determinadas, e alega que esse pode ter sido o primeiro ordenamento como parte do processo da organização familiar. Nega comportamentos desviantes ou transgressores, não haviam normas restritivas que pudessem ser violadas. Na sua concepção, o objetivo era a união defensiva e o somatório de forças contra as precárias condições de vida. Ressalta que a humanidade viveu os mesmos estágios evolutivos, em momentos históricos diferentes, por condições geográficas e ambientais diversas.

    1.1 - O PROCESSO DA HOMINIZAÇÃO

    Em quaisquer gerações e períodos civilizatórios, registramos a adoção de normas reguladoras, voltadas para a preservação da interdição das relações sexuais transgeracionais e na mesma linha geracional em respeito à sagrada lei do sangue. As restrições levaram homens e mulheres a reverenciar um mito e instaurar um sistema social em torno do totem, que rememorava e retomava a paternidade primeva para assegurar a lei, a exogamia e a proibição do incesto.

    Os mitos totêmicos eram referenciados em rituais que salientavam suas qualidades, reforçavam e asseguravam as bem-aventuranças da tribo no presente e as transportavam para o futuro, como salienta Lévi-Strauss: um mito diz respeito sempre a acontecimentos passados [...] mas seu valor intrínseco que supostamente decorre de um momento do tempo, forma também uma estrutura permanente que se relaciona ao passado, ao presente e ao futuro(1967, p. 241).

    Na organização mítica de muitas tribos, o totem era concebido como sendo realmente seu antepassado. (Freud, 1913, p.132), e por isso deveria ser respeitado por todos e celebrado em festivais. Seus descendentes deveriam acatar as injunções e restrições que regulavam as relações tribais e ajudavam a fortalecer e salvaguardar o sistema social, que se fundara no mito da morte do pai primevo, segundo o qual os filhos foram expulsos pelo pai para não terem acesso ao prazer, preservando assim a horda patriarcal.

    A expulsão acenou-lhes com a necessidade de buscar o próprio prazer e com a possibilidade de tornarem-se iguais ao pai. Seria necessário então romper com o mandato paterno de exclusão; organizaram-se e, unidos, livraram-se do pai. Foram bem sucedidos, mas contraíram a dívida da culpa, e para redimir-se, passaram a reverenciá-lo e a agir em seu nome. Ao eliminar o pai, os filhos deram-se conta de que eram distintos entre si, e que cada um tinha seus desejos e podia isoladamente assumir o lugar que fora do pai. O outro que surgia da massa excluída adquiria forma e unidade, instaurando a alteridade e instituindo o sujeito.

    Os irmãos não tiveram alternativa, se queriam viver juntos, senão reconhecer o privilégio paterno e renunciar ao desejo original, firmando a aliança que instituiu e assegurou a lei contra o incesto, fundando a exogamia e instaurando a nova organização social. Foi a partir da lei contra o incesto que se reconheceu a necessidade da instituição de todas as leis que têm o mesmo fim em vista e constituem reações ao mesmo grande acontecimento com que a civilização começou(ibid. p.172); é considerada a lei primeva ou lei universal, e principal norma constitutiva da civilidade, a partir da qual o homem alcança a hominização, que se revela na transgressão, na alteridade, na subjetividade e na capacidade de fazer alianças e de conviver em sociedade.

    1.2 - RAÍZES DA ORGANIZAÇÃO FAMILIAR

    A hominização transcorre em sucessivas etapas de restrições sexuais. Inicialmente, todos os homens e mulheres pertenciam-se mutuamente, não sendo possível conhecer os pais porque, no sistema de parentesco classificatório então vigente, os filhos eram criados na coletividade, todos os filhos e todos os pais pertenciam-se conjuntamente, como assinala Dupuis: os homens primitivos ignoravam a paternidade, nada suspeitavam sobre o princípio da procriação pela união dos sexos. (1987, p.1)

    Mas ainda na pré-história já se instalaram progressivamente restrições às relações sexuais entre parentes de sangue. Primeiramente, foram interditadas as relações envolvendo parentes transgeracionais, dando origem à família consanguínea em que os grupos conjugais foram primeiramente classificados por gerações, todos os avôs e avós nos limites da família são maridos e mulheres entre si, o mesmo sucede com seus filhos e seus netos (Engels, 1884, p.38), mas ainda era permitido o acasalamento na mesma linha geracional. Subsequentemente, a proibição foi se estendendo a outras formas de parentesco e consanguinidade, sendo regulamentada por normas específicas, no princípio foram excluídos, os irmãos carnais e mais tarde, também os irmãos mais afastados das mulheres, ocorrendo o mesmo com as irmãs dos maridos (ibid. p. 41).

    A exclusão das relações sexuais recíprocas entre irmãos, e entre pais e filhos foi o grande passo evolutivo da humanidade. Após algumas gerações, a exclusão sucessiva levou à cisão da família primitiva e à instituição de novo sistema, a ‘gens’, em que parentes consanguíneos por linha feminina não podiam casar-se entre si, conduta que formou a base da ordem social da maioria, se não da totalidade, dos povos bárbaros do mundo (ibid. p. 40).

    A evolução social na pré-história transcorre com a crescente redução do grupo familiar em etapas sucessivas de interdição, ocasionando mudanças importantes na família e na sociedade, como observa Engels: a crescente exclusão dos parentes no matrimônio, parentes próximos, parentes distantes e por fim as pessoas vinculadas por alianças torna impossível o matrimônio por grupos. (1884, p.49). A humanidade, então, evoluiu para a organização sindiásmica que introduziu o pai biológico na família junto à mãe biológica, marcando assim um grande diferencial na história da família e acarretando profundas modificações para o comportamento humano e as estruturas sociais, com marcantes reflexos sobre a procriação e a organização familiar: há seis ou sete milênios, as sociedades humanas mais adiantadas descobriram a relação entre o ato sexual e a procriação. Isso levou-as a tomar consciência da paternidade (Dupuis, 1987, p. 3).

    Nesse estágio, a organização familiar permitia a poligamia e a infidelidade masculina, enquanto exigia a monogamia e a mais rígida fidelidade feminina, cujo adultério era severamente punido, fato esse que se constituía, ao mesmo tempo, em punição pela transgressão e no ritual em que a mulher ascendia à sua autonomia sexual, como ressalta Bachofen: a punição era imposta à mulher, para ela comprar seu direito à castidade [...] libertando-se dos vários maridos e adquirindo o direito de escolher o homem a quem se entregar (1984, p. 83).

    Mantinha-se a organização matrilinear, a mulher tinha o domínio do espaço privado privilegiado, do ‘dentro’, ‘deste mundo’, enquanto o homem detinha os elementos do ‘fora’, ‘doutro mundo’, e tudo ocorria em ações pacíficas e complementares como esclarece DaMatta (1997, p. 11 e ss., aspas do autor). Tudo que internamente se referia à família era de ordem feminina, o interior, o aconchego, o cuidado dos filhos e a propriedade dos utensílios domésticos. Ao homem competiam o exterior, a conquista, as atividades externas para garantir segurança e sustento à família; sendo assim, tinha a propriedade dos instrumentos agropecuários, dos escravos, das manadas, dos rebanhos e apetrechos do trabalho, como noticia Engels: cada um é proprietário dos instrumentos que elabora e usa: o homem possui as armas, os apetrechos de caça e pesca e os instrumentos da agricultura, e a mulher é dona dos utensílios caseiros (1884, p. 78).

    Nessa fase, mesmo com a certeza da progenitura em razão da presença do pai biológico e da monogamia feminina, os filhos continuavam pertencendo à mãe, pois a sociedade permanecia matrilinear e ainda predominava o direito materno. Consequentemente, todas as normas reguladoras eram pela linhagem materna, o representante da lei e do interdito era o avô ou um tio materno, prevalecendo com frequência a linhagem materna com instituições avunculares, em que as mulheres deviam respeito e obediência ao primeiro tio materno, dessa forma o pai, embora conhecido e presente, ainda permanecia na periferia do grupo familiar.

    1.3 - A GRANDE REVOLUÇÃO

    Nas sociedades matrilineares, a representação do poder era pela via materna. O pai biológico detinha o patrimônio, mas seus filhos não eram seus herdeiros porque o direito de herança era pela linhagem materna. Nesse estágio, a humanidade já se tornara independente do clima e da localidade, desenvolvendo formas de lidar com a natureza e adquirindo territorialidade.

    Na concepção de Engels (1884), essa evolução trouxe mudanças significativas para a organização familiar: o homem, outrora externo e distante, voltado apenas para a conquista, a concentração de bens e aumento do acervo patrimonial, torna-se presente pela proximidade física junto à mãe biológica e passa a ser identificado como o pai biológico, sendo reconhecido pela manutenção da família e pelos bens de sua propriedade.

    O domínio da ação externa aglutinadora de bens adquire primazia em relação aos bens domésticos. Já se registravam insatisfações com a organização social vigente e despontava o desejo de alicerçar a estrutura social, na relação patrimonial:

    à medida em que as riquezas iam aumentando davam, por um lado, ao homem, uma posição mais importante que a da mulher na família e por outro lado, faziam com que nascesse nele a ideia de valer-se desta vantagem para modificar, em proveito de seus filhos, a ordem da herança estabelecida (ibid. p.59).

    Visando a sanar a questão patrimonial, muitas tribos passaram a dar o nome do pai ao filho, para que ele tivesse direito à herança, introduzindo a transição do sistema matrilinear para o patriarcado. Engels considera essa substituição como uma das revoluções mais profundas da história do homem e foi muito pacífica, não houve margem para contestação porque a supremacia patrimonial determinou o novo curso da história: bastou decidir simplesmente que de futuro os descendentes de um membro masculino permaneceriam na gens e os descendentes de um membro feminino sairiam para gens do seu pai. (1884, ibid. p. 60). Assim, a filiação pela linhagem materna e o direito hereditário materno foram substituídos pela descendência patrilinear e pelo direito hereditário paterno. Ao provocar uma inversão na organização familiar e social, esse período pode ser considerado o grande divisor da história da humanidade:

    O desmoronamento do direito materno, a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo. O homem apoderou-se também da direção da casa e a mulher viu-se relegada à posição de servidora [...]. O homem torna-se o chefe da família: uma organização de certo número de indivíduos, livres e não livres, numa família submetida ao poder paterno de seu chefe (ibid. p.61).

    Uma revolução tão profunda acontece pela palavra. Pela palavra, pela lei, pelo nome do pai, o filho ascende à condição de filho, é afiliado pelo pai, tornando-se socialmente reconhecido e inaugurando a paternidade como fenômeno social, como destaca Múzio: falar de paternidade é falar de um papel consignado partindo do sociocultural (1998, p.166).

    Porém, a humanidade não evoluiu de forma linear. Registra-se a presença de vários padrões de desenvolvimento e modelos de organização familiar e social em tempos e espaços diversos. Tomando-se por base estudos de vários historiadores (Barraclough, 1993, pp. 42-93), pode-se verificar que, enquanto alguns grupos prosseguiam em seu antigo modo de vida em áreas intocadas pela nova organização social, paralelamente, outros evoluíam para relações que se foram definindo progressivamente, formando grupamentos sociais mais estáveis e estruturando-se em comunidades suficientemente grandes e permanentes para garantir a segurança, desenvolver a agricultura e os rudimentos da indústria manufatureira. Surgiram os primeiros centros populacionais, com a preocupação de que todos deveriam se ajudar e se proteger mutuamente.

    Com o aumento das populações e a formação de núcleos populacionais, o mundo tradicional é substituído pelo mundo estamental, crescem as pressões e surge a necessidade de maior organização social, política e econômica. Os primeiros vilarejos agrícolas começam a andar para a urbanização. As primeiras cidades surgem, então, a partir dessas comunidades em que o controle da distribuição de terras, da produção agrícola e da domesticação de animais, aliado à superioridade dos produtos manufaturados, determinava o poder, marcando a hierarquização de classes sociais e a ordem política e administrativa.

    A revolução urbana tornou-se possível graças ao excedente da produção de alimentos e da manufatura, permitindo a economia de troca e a utilização de parte da população em atividades não agrícolas, motivando a expansão do comércio, o acesso à cultura e às artes, e incentivando a comunicação com outros territórios. As populações aglomeravam-se, os núcleos urbanos cresciam exigindo expansão, e surgiram as disputas territoriais

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