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Coração Indomável
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E-book626 páginas8 horas

Coração Indomável

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Sobre este e-book

Desde que perdeu tudo o que tinha Jason é um homem despedaçado e completamente fechado para o mundo e, principalmente, para as mulheres. Ele se considera a própria escuridão. Seu passado o atormenta e o impede de ter qualquer expectativa em relação ao seu futuro. Sua melhor escolha é se dedicar a sua fazenda no interior do Texas e aos seus cavalos. A pequena cidade de Pilot Point conhece muito bem o seu morador mais inóspito - eu diria... hostil - e Jason faz questão de manter sua fama na cidade. Elisabeth - Lis para os mais íntimos e acredite, ela vai querer ser chamada assim quando a conhecer - é a garota da cidade grande. Atrapalhada, alto-astral, decidida e, extremamente, intrigante. Ela é médica veterinária e está em busca de uma oportunidade na carreira e, principalmente, de dinheiro. Sem achar emprego em Austin e quase falida, recebe uma proposta - quase irrecusável - mas pra isso ela tem que largar o conforto da cidade grande e se mudar para o interior. A necessidade a levou de Austin para Pilot Point. Seu amor pelos bichos a levou onde ela jamais imaginaria e seu coração fez morada na pequena cidade das tulipas. Ela só não sabia que estava diante da promessa de um coração indomável.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de jul. de 2023
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    Pré-visualização do livro

    Coração Indomável - Bruna Matheus

    Copyright © 2022 Bruna Matheus

    Copyright © 2022 Bruna Matheus. Todos os direitos reservados

    Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é mera coincidência e não pretendida pelo autor.

    Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de recuperação, ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem permissão expressa por escrito do editor.

    Design da capa por: Bruna Matheus.

    Dedico esse livro aos leitores do Wattpad que sempre me acompanharam. Sem eles, meus livros não teriam a menor chance. Obrigada!

    Contents

    Copyright

    Dedication

    Prólogo

    Capítulo 1

    Capítulo 2

    Capítulo 3

    Capítulo 4

    Capítulo 5

    Capítulo 6

    Capítulo 7

    Capítulo 8

    Capítulo 9

    Capítulo 10

    Capítulo 11

    Capítulo 12

    Capítulo 13

    Capítulo 14

    Capítulo 15

    Capítulo 16

    Capítulo 17

    Capítulo 18

    Capítulo 19

    Capítulo 20

    Capítulo 21

    Capítulo 22

    Capítulo 23

    Capítulo 24

    Capítulo 25

    Capítulo 26

    Capítulo 27

    Capítulo 28

    Capítulo 29

    Capítulo 30

    Capítulo 31

    Capítulo 32

    Capítulo 33

    Capítulo 34

    ­Capítulo 35

    Capítulo 36

    Capítulo 37

    Capítulo 38

    Capítulo 39

    Capítulo 40

    Capítulo 41

    Capítulo 42

    Capítulo 43

    Capítulo 44

    Capítulo 45

    Capítulo 46

    Capítulo 47

    Capítulo 48

    Capítulo 49

    Capítulo 50

    Epílogo

    About The Author

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    Prólogo

    Sou uma garota da cidade grande.

    Gosto de prédio, carros buzinando e de sentir a fumaça tóxica da poluição entrando em meus pulmões.

    Eu nasci pra isso! Nasci para a selva de pedra. Feita de prédios de aço e de centenas de desculpas para a minha fiel impontualidade.

    Morando no campo o que eu diria se me atrasasse?

    Ah sim, Sra. Thompson. Me desculpe pelo atraso, mas tinha um porco no meio da estrada e eu não queria atropelá-lo.

    Urgh!

    — Consigo ouvir o barulho do seu cérebro funcionando daqui, Lis! — Olivia se diverte enquanto mastiga seu maldito chiclets. — Vai se foder, Olívia. — vocifero, não de uma forma ruim ou rude. Queria estar brava, mas não estou. Estou só muito nervosa mesmo.

    Merda!

    Eu a coloquei nessa enrascada comigo. Eu devia agradecê-la ao invés de mandá-la se foder.

    — Desculpa. — peço quase arrependida e a sem alma da minha melhor amiga ri ainda mais de mim.

    — Lembre-se! Essa dívida de gratidão será eterna. — seu indicador está erguido como se falasse algo importante e ela estava tentando permanecer séria enquanto fala. — Se me negar qualquer coisa, vou jogar esse lugar cheirando a estrume na sua cara eternamente. — ela abre um sorriso largo e, completamente falso, em seu rosto. — E eternamente significa pelo resto da sua vida.

    Meus dedos estão cravados ao couro do volante do carro da Olívia. Só então eu percebi que estava agarrada a ele. Os nós dos meus dedos chegavam a estar brancos.

    — Ok! — giro a chave e ligo o carro de novo. — Vamos voltar pra Austin e fingir que esse lugar nunca existiu. Nós nunca estivemos aqui. Tá legal? Vou pensar em uma desculpa para a Sra. Thompson e... — quando ia pisar no acelerador a voz da Olívia me para e interrompe o meu monólogo.

    — Ah. Meu. Deus! — ela sussurra como se estivesse encantada. Seus olhos perdidos em alguma coisa fora da janela.

    — O que você está fazendo? — esbravejo quando vejo ela mexer na maçaneta para sair do carro.

    — Eu amei esse lugar!

    Ela salta do carro, me deixando com uma cara de babaca enquanto olho pela janela do carona. Olivia se debruça sobre ela, já na calçada, e seus longos cabelos loiros deslizam para dentro do carro.

    — Na porta da clínica. Olha agora!

    Desvio os meus olhos da silhueta dela debruçada na janela e olho para onde ela mandou. Um caipira está na porta da clínica veterinária. Ele é bonito, não posso negar. Tem os cabelos queimados de sol, tão compridos que quase chegam aos seus ombros, e se veste como todos no interior... camisa xadrez, calça justa, cinto de fivela e botas desbotadas.

    — Você vai me trair por um macho? — me finjo de ofendida. — Olivia Hunt! — grito quando ela se afasta da janela do carro, andando de costa até a porta da clínica enquanto me olha com malícia, com um sorriso despudorado nos lábios. — Não faça isso! Eu disse para voltar aqui agora, Olivia!

    Tarde demais! Ela dá de ombros e se vira de costas para mim.

    Ótimo! Agora ela está conversando com o homem na porta da clínica veterinária – que deveria ser meu próximo emprego – enquanto mastiga o seu chiclets de uma forma quase indecente.

    Que maravilha!

    Perdi a minha amiga para uma cidade do interior que fede a estrume e todo o centro da cidade se resume a uma única rua.

    Capítulo 1

    — Eu vou desistir dessa merda, Oli. — resmungo quando me jogo no sofá da sala.

    Acabo de entrar em casa. Andei o dia inteiro atrás de emprego. Fui a uma entrevista para trabalhar em uma clínica veterinária no subúrbio de Austin, mas pela cara da entrevistadora já sei que a vaga não será minha. Sem contar a bonitinha que estava sentada do meu lado e que fez questão de me dizer que era indicação do filho do dono da clínica.

    Puta sacanagem com que está batalhando nessa merda de sol quente o dia todo.

    — Você não pode desistir, gata. Temos contas para pagar. — ela ergue uma única sobrancelha e continua mastigando seu chiclets.

    Fico olhando a minha amiga do outro lado da pequena sala de estar. Só temos dois sofás de dois lugares, a casa é pequena e aconchegante. O suficiente para nós duas.

    Olivia é tão desprendida, tão despreocupada. Despretensiosa. Eu sei, são muitos des... mas estou desempregada há alguns meses e desesperada para conseguir algum trabalho e ganhar dinheiro. Acredite em mim quando digo qualquer trabalho, até para ser atendente de uma rede de fast food eu entreguei currículo hoje.

    Do outro lado da sala temos Olivia Hunt. Desempregada a vida toda, acostumada a fazer bico, bater umas fotos para as lojas no centro comercial, até os óvulos ela já doou por dinheiro, mas não fica sem grana. Também não fica à beira de um colapso, como eu. Ela agora lixa as unhas compridas demais, mastigando o seu maldito chiclets, enquanto balança o corpo sentada no sofá ao som de Happy Anywhere do Blake Shelton. Seu celular está conectado a caixinha de som por bluetooth.

    — Como você consegue não surtar vivendo assim? — indago e ela desvia os olhos das unhas para me encarar.

    — Não, não, não, não, não, mocinha. — ela sacode a lixa na minha direção enfatizando todos os seus nãos. — Nós já conversamos sobre isso. Sem essa de energia negativa por aqui. — ela levanta do sofá onde estava sentada e se senta do meu lado. — Vai dar tudo certo, Lis. Como foi a entrevista?

    — Péssima! Tinha uma Barbie indicada ao cargo na minha frente. Sei que a vaga é dela. — murmuro e enxugo embaixo dos meus olhos. Eu estava cansada mesmo, de verdade. Caramba! Me formei na melhor universidade do Texas – tudo bem que um pouco atrasada, mas me formei. Droga! – e nem assim isso fazia alguma diferença no meu currículo.

    — Seu pai não pode te ajudar? — a encaro incrédula por ela ter tido a coragem de dizer isso. — Está bom! Esquece, desculpa.

    — Você sabe que eu não posso fazer isso, Olivia. Meu pai me deserdou quando decidi sair do interior de San Antonio para estudar em Austin.

    Ele queria que eu cuidasse da fazenda dele, eu deveria ter feito agronomia e aprendido a plantar milho, mas decidi cuidar dos bichos e meu pai não se conformou com isso. Disse que não me aceitaria mais em casa se eu continuasse com essa loucura, que no caso era seguir os meus sonhos. Minha mãe é quem sofre com isso. Só nos falamos pelo telefone, tem um tempo que não nos vemos. Apesar de a distância ser pouca, minha mãe é acorrentada pelo machismo do meu pai, ela não tem como vir até a mim e eu não posso ir até ela.

    — Eu sei. Me desculpa. – ela pede, realmente, arrependida. — Tem que ter uma saída, Lis, e nós vamos achá-la.

    — Eu não quero ter que voltar para San Antonio. — digo, triste. — Me ver infeliz e malsucedida seria a vitória do meu pai.

    — Nós não vamos dar esse gostinho a ele. Vamos? — nego com a cabeça quando ela se levanta decidida. — Então, gatona. Vá até o seu quarto, coloque a sua melhor roupa, porque nós vamos sair e beber até esquecer esse maldito dinheiro que nos impede de sair para beber mais um pouco.

    — Você sabe que eu não posso. Ou eu bebo ou me alimento.

    — Que exagero, Elisabeth! — dou um tapa nela assim que ela se levanta.

    — Não me chama assim, porra! — esbravejo e Olivia gargalha. Já não basta meu sobrenome ser imenso, minha mãe optou por um nome próprio, imenso e composto. Conseguem imaginar o quanto sofri bullying na escola?

    — Então vai se arrumar ou vou te chamar de Elisabeth pelo resto da sua vida. — ela faz uma cara de suspense.

    — Vai se foder. — recosto no sofá ignorando seus olhos em mim.

    — Elisabeth... — ela cantarola. — Elisabeth Marie... – tapo os meus ouvidos. — Sei que está me ouvindo, Elisabeth Marie Sanderson.

    — Foda-se! Vou me arrumar. Me levanto com ímpeto e saio da sala, antes de entrar no corredor escuto sua voz melodiosa.

    — A Olivia sempre vence, baby!

    ###

    Antes que a Olivia grite por mim, eu decido sair do quarto. Coloquei um vestido justo no corpo e botas de cano curto preta. Me maqueio de uma forma apresentável e deixei meu cabelo loiro solto, mas fiz ondas nele com ajuda de um modelador de cachos. Quando cheguei a sala, Olivia já estava lá. Com um jeans skinny e um top que deixava quase toda a pele da sua barriga exposta. Seus longos cabelos loiros estavam presos em um rabo de cavalo alto e seus olhos marcados por um delineador preto.

    — Quer chiclets? — aceito a caixinha rosa que ela me oferece e coloco as duas gomas de mascar na boca.

    O carro da Olivia tem sobrevivido a nossa vida de desempregada. Graças a Deus está quitado ou já teríamos vendido ele.

    O caminho até o Pub foi rápido e nem um pouco silencioso. Olivia colocou Look what made me do da Taylor Swift no último volume e fomos cantando o mais alto que podíamos. Depois que ela estacionou na rua atrás do Pub, nós entramos. O local ainda não estava cheio, mas não tinha mais mesas disponíveis. Então nos acomodamos no balcão do bar e sentamos e um banco alto.

    — Duas cervejas! — Olivia grita para o barman e nós nos viramos para onde a maioria das pessoas estavam.

    Algumas cervejas depois Olivia me deixou sozinha no bar para dançar com um cara que ela tinha acabado de conhecer. Enquanto estava sozinha, me ocupei em beber e quando não aguentava mais beber, decidi pegar o meu celular na bolsa e checar meus e-mails. Na tentativa ridícula de ter sido aceita na clínica que eu fiz entrevista hoje.

    "Prezada Elisabeth – Argh! – agradecemos seu interesse pela nossa clínica, mas seus requisitos não preencheram a vaga. Deixaremos seu currículo no banco de dados para caso apareça alguma outra oportunidade em nosso banco de talentos. Desde já agradecemos. Clínica VetMed".

    — Me chamou de Elisabeth, sua vadia! — vocifero para a tela do telefone. — Eu não queria esse emprego mesmo. Percebo as pessoas ao meu redor me olhando esquisito, mas dou de ombros e sigo passando o dedo na tela, procurando o aplicativo de vagas de emprego. Uma mensagem aparece na tela para mim ao mesmo tempo que o celular vibra na minha mão.

    "Procura-se com urgência médica veterinária para clínica no interior. Paga-se bem e oferecemos moradia temporária. Contratamos sem experiência. Para cuidar de animais de grande porte. Interessados entrar em contato por e-mail".

    Eu ri.

    Interior? Pilot Point é a última curva do planeta terra. Quando você pensa que a estrada não vai ter fim, é lá onde fica Pilot Point. Onde Judas largou as meias, porque as botas ele deixou bem antes no caminho.

    — Eu não fugi de San Antonio para viver em Pilot Point. — murmuro para a tela do celular. — Não, eu não vou e pronto. Desligo a tela e fico segurando o aparelho na mão, mas ele agora parece pesar uma tonelada.

    Termino minha cerveja em um único gole e bato a garrafa no balcão. Procuro uma nota de 5 dólares na minha bolsa e entrego ao barman. Passo os olhos pelo lugar tentando achar a Olivia, mas não a encontro. Vou matá-la se me largou aqui sozinha para ir embora com um cara que acabou de conhecer.

    Eu não estou valendo nada mesmo.

    Desbloqueio o celular para ligar para ela, mas a maldita mensagem com a vaga de emprego bloqueou minha tela.

    — Sai, meleca! — afundo o dedo com força na tela e nada. Misteriosamente quando clico em responder a tela destrava e decido responder à mensagem mandando um e-mail, conforme a vaga solicitava. E-mail enviado, finalmente consegui entrar nos meus contatos e ligar para a Olivia. Decido ir embora sem ela e me aventurar a dirigir bêbada. Olivia me deixou sozinha no Pub, ela que desse um jeito de ir para casa agora. Se é que ela ia.

    Graças a Deus era de madrugada e não tinha ninguém para me xingar. O velho carro da Olivia rodou a 20 km/h. Porque eu era uma mulher bêbada, dirigindo um carro que não era meu e morrendo de medo, de bater e de ser pega pela polícia. Assim que cheguei em casa me joguei na cama do jeito que eu estava. Mal tive tempo de tirar as minhas botas.

    ###

    Acordo com o barulho estridente do meu celular tocando.

    — Vai pro inferno! — resmungo e cubro minha cabeça com o travesseiro. O telefone não para de tocar. É terça-feira e somente uma pessoa vagabunda e desempregada – como eu – para beber até cair em plena segunda à noite.

    Eu deveria estar de pé, limpa e arrumada, pronta para encarar a vida de adulta e procurar um emprego, mas tudo que eu consigo fazer é contar os latejos da minha cabeça conforme o toque do telefone martela nela.

    — Desiste, por Deus! — tateio a cama atrás do aparelho e quando olho a tela dou um pulo da cama, me sentando rápido no colchão. É uma chamada de vídeo e embaixo do número que aparece no visor está escrito Pilot Point. — Mas que... — antes que eu possa xingar quem me liga do fim do mundo e me acorda às 8 horas da manhã, eu me lembro... o e-mail. Eu respondi uma vaga de emprego para Pilot Point ontem à noite. Eu estava bêbada! Não se pode levar em consideração uma pessoa bêbada! Cristo! — Merda! Merda! Merda! — me levanto em um rompante e saio da cama.

    Ainda estou com o meu vestido preto de ontem e ao me olhar no espelho vejo meu cabelo desgrenhado e a maquiagem borrada embaixo dos meus olhos. Pego um lenço umedecido em cima da minha penteadeira e começo a limpar o rímel que derreteu. Não sei se quero atender, mas se eu for atender devo estar, no mínimo, apresentável. Estranho o silêncio no quarto e olho o aparelho em cima da cama. Ele parou de tocar. Me sinto aliviada e ligeiramente chateada. Por quê? Eu não quero mesmo esse emprego na roça.

    Termino de limpar o restante da maquiagem e me sento no banquinho da minha penteadeira. Pego uns grampos que estão por ali e começo a juntar meus fios de cabelo no topo da cabeça, os emaranhando e usando os grampos para fazer um coque justo e bem alto.

    O celular volta a tocar.

    Eu corro até a cama e o pego. Volto para o banquinho da penteadeira e depois de me sentar, posiciono o celular de frente para mim. Minha mente alterna entre atende e não atende por alguns segundos. No oitavo toque eu deslizo o botão verde para cima. Uma senhora – que deve estar entre os seus 60 e 70 anos – aparece na minha tela. Ela tem os cabelos brancos como a neve, na altura dos seus ombros, e suas bochechas estão coradas em um tom fofo de rosa.

    Elisabeth Sanderson? Ah não, por Deus!

    — Me chama de Lis, por favor. — peço, encarecidamente.

    Bom dia, querida. Eu te acordei?

    — De forma alguma. – minto. Minha cabeça latejando de ressaca. — Eu estava saindo para resolver algumas coisas quando a senhora me ligou.

    Que tolice! Posso ligar outra hora. — ela parece ultrajada.

    — De forma alguma. – forço um sorriso. — Nada com muita importância, pode esperar.

    Permita que eu me apresente. Meu nome é Barbara Thompson, sou dona da clínica Pet Care. Eu recebi seu currículo está manhã.

    Não! Eu estava bêbada! E mandei as três da madrugada, minha senhora.

    — Ah sim! Eu me lembro de ter enviado.

    Não vou mentir para você menina, estamos precisando com urgência. — ela parece triste agora. — Sou uma velha senhora, não consigo dar conta da cidade inteira. Estaria disposta a me ajudar?

    — Sra. Thompson, eu agradeço imensamente seu interesse no meu currículo, mas moro em Austin e ir para Pilot Point fica meio inviável para mim. — seu rosto cai e eu me arrependo, imediatamente, das minhas palavras.

    É o que todos dizem...

    Pondero enquanto os olhos da Sra. Thompson desviam da tela. Odeio contrariar idosos, me sinto negligenciando a mim mesma. Daqui a uns anos eu terei essa idade. Eu vou ser a idosa!

    — Olha, se a senhora me der algumas horas. — droga! Por que estou dizendo isso? — Eu moro com uma amiga, a senhora sabe... nós dividimos tudo em casa. Se ela aceitar ir para Pilot Point comigo eu não tenho o que me prenda a Austin. Posso te retornar na parte da tarde?

    Seu sorriso iluminou o meu quarto.

    Faria isso por uma velha cansada demais?

    Ah meu Deus! Não faça isso comigo, Sra. Thompson! Não me olhe assim.

    — Eu não tenho nada a perder.

    Me despeço da senhora e descubro que seus olhos são campeões em chantagem emocional.

    Estou em pânico! Eu disse a ela que iria para Pilot Point. Ah meu Deus!

    — Olivia! — grito assim que saio do meu quarto. — OLI!

    Meu coração está uma bagunça. Talvez eu tenha adquirido uma terceira bulha fonética com o desespero que eu estou sentindo.

    Empurro a porta do seu quarto com força e a encontro na cama, mas ela não está sozinha. Tenho um corpo masculino pairando sobre o dela.

    — Lis! — ela me repreende.

    — Puta que pariu, quem é ela? — o homem grita.

    — Está tudo bem. É minha amiga, ela mora aqui. — ela volta a me olhar. — Lis, o que houve? — estou andando de um lado para o outro. Meu corpo vibrando de pânico, mal consigo olhar para ela. — Baby, é melhor você ir. Temos uma emergência aqui.

    — É sério isso? — ele torce os lábios em uma careta.

    — Eu fiz uma merda muito grande. — sussurro apavorada. Meus olhos vagando pelo quarto. — Muito, muito grande, Olivia! Enooorme!

    — O quão grande ela é? — o cara pergunta curioso, ainda deitado na cama da minha amiga.

    — Eu já não pedi pra você ir? — Olivia o empurra da cama e eu me viro rapidamente quando vejo que ele está nu, agora caído no chão. O homem veste a calça apressadamente e sai do quarto com a camisa em uma mão e os sapatos em outra.

    — Me liga. — ele pede parado no batente da porta.

    — Tá, tá, tá. — ela abana a mão, gesticulando pra ele sair logo do quarto. — O que houve?

    Olivia está sentada em sua cama, seu corpo nu coberto pelo lençol branco que ela segura sobre o seu peito.

    — Eu fiz uma merda muito grande, Olivia. Você precisa me perdoar. — me sento na beirada da sua cama para poder encarar ela.

    — Ah meu Deus! Você vendeu o meu carro? — nego apreensiva. — Usou drogas?

    — Não, por Deus!

    — Puta merda! Está grávida?

    — Não! — grito. — Jesus, Olivia! Me deixa falar.

    — Então fala!

    — Eu aceitei um emprego... — mordo o meu lábio inferior e espero sua reação.

    — E? — ela gesticula, me incentivando a falar. — Lis, qual o problema? Não era isso que tanto queríamos?

    — É que... — me levanto e me afasto da sua cama. — É um pouco longe. — mexo na lóbulo da minha orelha.

    — Em qual parte disso tudo você está mentindo? — seus olhos azuis se estreitam na minha direção e ela inclina a cabeça para o lado ligeiramente.

    — Não estou mentindo.

    — Mentiu de novo! Você mexeu na orelha! Duas vezes!

    Merda! Odeio não conseguir controlar isso.

    — Caramba! Eu não estou mentindo. Existe o emprego e ele é longe. É isso.

    — Longe o quanto?

    Piloint. — sussurro de forma inaudível.

    — O que? Fala para fora, Lis!

    — Pilot Point. — digo alto, rápido e espero sua reação. Ela recua um pouco o corpo e seus olhos piscam vezes demais para a normalidade.

    — Pilot Point tipo Pilot Point? — ela sai da cama enrolada no lençol branco. — Estamos falando da mesma Pilot Point?

    — Provavelmente sim. — assinto, receosa.

    — Pilot Point não é aquela cidade que tem mais bicho do que gente? — agora assinto de forma dolorosa. — Deixe-me ver... — ela ergue o indicador. — Você está dizendo que vai se mudar para o interior e passar o resto da sua vida enfiando a mão no rabo de uma vaca?

    — Nós vamos, mas no caso só eu que vou enfiar a mão no rabo da vaca. — a corrijo e o queixo dela cai. — Eu disse que era uma merda muito grande, mas eu estava desesperada, Oli. Eu estou desesperada.

    Agora é ela quem começa a andar pelo quarto sem rumo. Ela assente e seus lábios se torcem em uma careta conforme ela sussurra de forma inaudível.

    — Está desesperada. — meneia com a cabeça.

    — Sim, estou.

    — Pilot Point. — afirma.

    — Isso. Eu disse que só vou se você for, porque não tem a menor chance de eu ir sem você, Olivia. A menor chance.

    — Ir sem mim. — ela ainda anda de um lado para o outro dentro do quarto. — A menor chance.

    — Não vou te deixar na mão.

    — Não vai me deixar na mão. — ela repete as minhas palavras de novo. — Oli, fala comigo. — choramingo já ficando tonta de acompanhar ela com os olhos.

    — Falar com você.

    — Para de me remedar, porra! — vocifero e então ela para, inspira profundamente e ergue seu rosto, olhando brevemente para o teto.

    — Eu espero que tenha homens solteiros em Pilot Point, Elisabeth. — ela diz calmamente e me encara. — Porque nós estamos indo para a merda dessa cidade.

    Meus olhos se abrem até o limite.

    — Você jura?

    — Sim, mas não quero vacas perto de mim.

    — Não vai ter vacas perto de você! — me jogo nela e ela me abraça. — Eu te amo! Te amo! Te amo! — beijo o seu rosto várias vezes até ela me afastar fazendo cara de nojo e limpando sua bochecha.

    — Para com isso, porque você empatou a minha foda e eu ainda estou pelada!

    A solto do abraço e ela sai andando completamente nua pelo quarto, em direção a porta.

    — Não me chama de Elisabeth! — grito para que ela me ouça enquanto dou pulinhos de alegria por ela ter aceitado essa proposta maluca comigo.

    Com toda a certeza... Estamos indo para Pilot Point.

    Capítulo 2

    4 dias depois estávamos com tudo pronto para a viagem que mudaria as nossas vidas.

    Naquele mesmo dia eu liguei de volta para a Sra. Thompson e conversei com ela sobre os termos da minha contratação. Quando eu a questionei sobre o porquê dessa contratação tão imediata, sem pelo menos um contato físico ou uma entrevista presencial, ela me disse que mais ninguém tinha se candidatado a vaga e que ela precisava de alguém com urgência. O salário que ela oferecia era quase exorbitante, eu não entendia como alguém não quis ficar na clínica, mesmo tendo que se mudar para o fim do mundo.

    A cidade é uma área rural, ficar sem veterinário era um risco muito grande.

    Descobri que a Sra. Thompson também é médica veterinária e está atendendo na clínica temporariamente, mas ela já está com 72 anos, não tem mais energia para acompanhar a demanda da clínica. Fiquei imaginando a Sra. Thompson atendendo um cavalo com dor, eles se tornam ariscos e perigosos, por mais dóceis que sejam. Desmontariam a velhinha com facilidade.

    Deus a livre disso.

    Eu e Olivia comunicamos a mudança do apartamento ao senhorio na quinta-feira e, como sempre fomos inquilinas exemplares, ele decidiu devolver o dinheiro que depositamos, como cheque caução, assim que nos mudamos. O que nos ajudou bastante para pensar em começar nossa vida em outra cidade.

    Olivia estava mais empolgada do que eu. Ontem ela chegou em casa da rua cheia de botas e chapéus de cowboy.

    A viagem de Austin até Pilot Point durou quase 5h e nós nos revezamos no volante e na playlist. Não que o meu gosto musical seja muito diferente do da Olivia, mas se eu deixasse por conta dela ouviríamos Taylor Swift enquanto atravessávamos o estado do Texas inteiro.

    — Olha! — olhei brevemente para onde Olivia apontava. Sua cabeça estava quase toda para fora do carro e ela me mostrava uma placa grande de madeira, nela estava escrito:

    Bem-vindo a Pilot Point.

    A cidade das Tulipas.

    Habitantes: 3.993.

    3.993 habitantes? A primeira coisa que pensei foi em Olivia em uma cidade tão pequena. Espero em Deus que ela não choque as pessoas com seu jeito de ser.

    Chiclets? — nego quando ela me oferece a caixinha rosa.

    Não digo nada a ela, mas estou uma pilha de nervos. Meu coração parece querer passar entre as costelas de tanto nervosismo.

    O GPS me indica que eu devo virar à esquerda e eu giro o volante calmamente. A rua está praticamente deserta. Pilot Point parece uma cidade-fantasma. A cidade inteira parece ser um único quarteirão. Talvez dois, no máximo. Só consigo imaginar que Pilot Point não está preparada para nós duas. De verdade. Somos agitadas demais. Talvez um pouco chocante para toda essa gente. Nossas roupas, nossos palavrões... definitivamente eles não estão preparados para nós.

    Conforme vamos entrando na cidade e seguindo o caminho que o GPS indica, a cidade parece parar pra nos ver. As pessoas saem dos – poucos – estabelecimentos acompanhando o nosso carro como se fosse um OVNI passeando no céu em plena luz do dia.

    Talvez eu ainda tenha tempo de desistir. Se eu voltar, talvez Olivia nem perceba. Ela parece um cachorro com a cabeça para fora da janela enquanto observa cada detalhe da cidade.

    Paro calmamente quando o GPS me indica que chegamos e desligo o carro.

    Olivia tira a metade do corpo que estava para fora da janela e se ajeita em seu banco, me olhando em seguida.

    — Consigo ouvir o barulho do seu cérebro funcionando daqui, Lis! — Olivia se diverte enquanto mastiga seu maldito chiclets.

    — Vai se foder, Olívia. — vocifero, não de uma forma ruim ou rude. Só nervosa demais. Queria estar brava, mas não estou.

    Merda!

    Eu a coloquei nessa maldita enrascada comigo. Eu devia agradecè-la ao invés de mandá-la ir se foder.

    — Desculpa. — peço quase arrependida e a sem alma da minha melhor amiga ri ainda mais de mim.

    — Lembre-se! Essa dívida de gratidão será eterna. — seu indicador está erguido como se falasse algo importante e ela estava tentando permanecer séria enquanto fala. — Se me negar qualquer coisa vou jogar esse lugar cheirando a estrume na sua cara eternamente. — abre um sorriso largo e, completamente falso, em seu rosto. — E eternamente significa pelo resto de toda a sua vida.

    Meus dedos estão cravados no couro do volante do carro. Só então eu percebo que estava agarrada a ele. Os nós dos meus dedos chegam a estar brancos.

    — Ok! — giro a chave e ligo o carro de novo. — Vamos voltar pra Austin e fingir que esse lugar nunca existiu. Nós nunca estivemos aqui. Tá legal? Vou pensar em uma desculpa para a Sra. Thompson e..

    Quando ia pisar no acelerador a voz da Olívia me parou e interrompeu o meu monólogo.

    — Ah. Meu. Deus! — ela sussurra como se estivesse encantada. Seus olhos perdidos para fora da janela.

    — O que você está fazendo? — ralho quando vejo ela mexer na maçaneta pra sair do carro.

    — Eu amei esse lugar!

    Ela salta do carro, me deixando com uma cara de babaca enquanto olho pela janela do carona. Olivia se debruça sobre ela, já na calçada, e seus longos cabelos loiros deslizam para dentro do carro.

    — Na porta da clínica. Olha agora!

    Desvio da sua silhueta debruçada na janela e olho para onde ela manda.

    Um caipira está na porta da clínica veterinária. Ele é bonito, não posso negar. Tem os cabelos castanhos queimados de sol nas pontas e compridos, quase chegam aos seus ombros, e se veste como todos no interior... camisa xadrez, calça justa, cinto de fivela e botas.

    — Você vai me trair por um macho? — me finjo de ofendida. — Olivia Hunt! — grito quando ela se afasta da janela do carro, andando de costa até a porta da clínica enquanto me olha com malícia, com um sorriso despudorado nos lábios. — Não faça isso! Eu disse pra voltar aqui agora, Olivia!

    Tarde demais!

    Ela dá de ombros e se vira de costas para mim.

    Ótimo! Agora ela está conversando com o homem na porta da clínica veterinária – que deveria ser meu próximo emprego - enquanto mastiga o seu chiclets de uma forma quase indecente.

    Desligo o carro de novo. Completamente esgotada. Era pra minha melhor amiga estar do meu lado, me obedecer e voltarmos para Austin, mas para onde iriamos? Devolvemos o apartamento e junto com eles todos os móveis. Tudo que trouxemos para Pilot Point foram as nossas roupas e alguns objetos de valor pessoal. Quando alugamos o apartamento ele já estava mobiliado.

    Olho para a calçada e vejo Olivia se empenhando em jogar seu charme no pobre garoto. Ela está com um short jeans curto e uma camisa do Ramones amarrada na cintura por um nozinho. Nos seus pés um chinelo de dedo e no cabelo uma faixa vermelha com um laçarote no topo da cabeça. Parece a personificação de uma pinup.

    A calçada já está cheia de curiosos, direcionando seus olhares para Olivia e, principalmente, para os seus shorts.

    Vejo a Sra. Thompson surgir por trás deles e Olivia aponta para dentro do carro. A senhora de jaleco branco acena entusiasmada para mim e descubro que não tenho mais como voltar atrás. Aceno de volta para ela e forço um sorriso, em seguida salto do carro, travando a porta assim que saio.

    — Lis! — ela me cumprimenta animada e me surpreendo quando ela me puxa para um abraço caloroso.

    — Sra. Thompson, é um prazer conhecê-la pessoalmente.

    — Eu digo o mesmo, querida. — ela me segura pela mão e me puxa para dentro da clínica. Olivia e o rapaz nos acompanham. — Vamos entrando, temos muito o que te mostrar.

    Assim que passamos pela porta de vidro, vejo uma pequena sala de espera e um balcão de madeira em formato de L. Atrás dele tem um garoto com a pele cor de oliva e os cabelos pretos, lisos demais.

    — Esse é o Trevor. Ele é o recepcionista da clínica.

    — Recepcionista, telefonista, atendente e técnico de enfermagem desses bichos. — ele estende a mão para mim. — É um prazer conhecê-la, Elisabeth.

    Urgh!

    — Por favor, Trevor. Faço questão que me chame de Lis. — ele sorri.

    — Se você tem amor a vida. — Olivia sussurra atrás de mim.

    A Sra. Thompson me puxa para dentro da clínica e percorremos os corredores. A estrutura que ela montou é incrível, invejável. Dentro da clínica dela tem tudo o que um hospital veterinário precisa, muitas dessas coisas eu só conheci no hospital-escola da Universidade de Austin. Percorremos a sala operatória e a sua pequena central de esterilização dos materiais, o canil, a unidade de internação e a de reabilitação, lavanderia, almoxarifado e até uma área para isolar animais com doenças infecciosas.

    Seria um desperdício esse lugar parar de funcionar por falta de um médico, mas confesso que conforme fui conhecendo os espaços o meu desespero só foi aumentando. Como eu daria conta disso tudo?

    — Sei que deve estar se perguntando como administrar isso tudo, mas não se preocupe, querida. Trevor e eu estaremos aqui, e sua amiga pode trabalhar com a gente se quiser.

    — A Olivia?

    — Sim, ela vai precisar de um trabalho, não vai? — assinto tentando conter a minha animação. — Ela poderá cuidar da recepção e dos agendamentos. Trevor ficaria te auxiliando nos procedimentos.

    — Seria ótimo se isso fosse possível, Sra. Thompson.

    — Então assim será feito. — ela decreta e sorri docemente.

    Depois do tour pela clínica, a Sra. Thompson me levou até os fundos, no que me parecia ser a casa de um caseiro. É uma casa pequena, com apenas um quarto, mas serviria para mim e para Olivia até arranjarmos algum lugar para ficar. Voltamos para a recepção e encontramos Olivia e o garoto sentados nas cadeiras da recepção.

    — Me desculpe a falta de atenção, Kyle, mas a médica nova chegou agora. Precisava situar ela. — a Sra. Thompson caminha até o garoto e ele se levanta para falar com ela. — Aconteceu alguma coisa na fazenda?

    — O Baker precisa de ajuda com a Joy, dona Barbara. — Trevor fala detrás do balcão.

    — Joy está ferida? — a Sra. Thompson se aproxima mais dele e toca o seu ombro. Imediatamente sua feição se fecha.

    Quem caralhos é Joy?

    — Ela precisa de ajuda. — o garoto diz em um tom sofrido. — Meu irmão não está em casa. Eu já dei o remédio que a senhora mandou comprar, mas ela está agitada demais.

    — Me desculpem, quem é Joy? — Olivia se adianta e pergunta.

    — Um mustang. — o garoto, Kyle eu acho, responde.

    — É um cavalo selvagem. — adiciono, encantada, vendo a feição de confusão no rosto da minha amiga.

    Eu nunca, em toda a minha vida, vi um Mustang pessoalmente. Normalmente eles são a visão perfeita do paraíso.

    — Uma égua. — Kyle me corrige enquanto sorri.

    — O que ela tem? — pergunto preocupada. O interesse pelo animal claramente nas minhas palavras.

    — Está agitada, não sabemos o que é. Só o meu irmão consegue se aproximar dela.

    — Posso vê-la? — pergunto a ele, mas olho para a Sra. Thompson.

    — Por favor, querida. — ela se movimenta e vai até o balcão, quando volta pega a minha mão e coloca uma chave na minha palma aberta. — Leve a caminhonete da clínica, lá tem tudo o que precisa em uma bolsa na caçamba.

    Assinto e caminho para os fundos da clínica, para onde a Sra. Thompson apontou que eu deveria ir, onde a caminhonete está. Olivia e Trevor entram na S10 antiga – talvez do início dos anos 2000 – comigo e me avisam que Kyle está nos aguardando na rua e que devemos segui-lo até a fazenda. Não que precisássemos, Trevor disse que conhece o caminho de cor.

    Eles foram tagarelando pelos 20 minutos de caminho até a fazenda. Não era longe, mas definitivamente não era perto.

    Eu estava uma pilha. Nunca na minha vida cuidei de cavalos, sem contar a experiência dos estágios na faculdade. Nas clínicas que eu trabalhei em Austin eu cuidava de todos os tipos de animais domésticos, de cachorros de madame à repteis domesticados, mas um cavalo vai ser novidade para mim.

    Não só um cavalo... Um cavalo selvagem.

    Um cavalo quase raro que deve custar um dos meus rins.

    Sigo Kyle quando ele entra por um portão de grades pretas, entre muros bonitos e baixos de tijolinhos vermelho. Ainda tem um bom pedaço de estrada até a grande casa, enquanto adentramos a propriedade pela estrada de chão batido já consigo ver ao nosso redor centenas de cercas brancas que formam os currais e um celeiro atrás da casa.

    A pick-up de última geração do Kyle para, depois de dar a volta em um pequeno chafariz, e assim que ele salta do carro nós fazemos o mesmo que ele.

    — Está pronta para conhecer a Joy? — Kyle pergunta se aproximando de nós.

    Eu assinto com veemência. A adrenalina correndo como um Mustang nas minhas veias.

    Capítulo 3

    Kyle gesticula para que a gente o siga e começa a caminhar em direção ao que eu imagino ser o estábulo.

    Ajudo Trevor a tirar uma bolsa de viagem grande e pesada da caçamba da caminhonete e seguimos Kyle e Olivia. Enquanto caminhamos, eu pego um elástico no bolso da frente do meu jeans e prendo o meu cabelo em um rabo de cavalo alto. Detesto cabelo caindo no meu rosto enquanto estou atendendo.

    Nunca imaginei ver tanta tecnologia em uma fazenda e tamanha grandeza. O estábulo é enorme. Deve ter, no mínimo, umas 20 baias. O chão é de cimento queimado e as paredes de uma madeira bem tratada. As porteiras das baias são de aço, pintadas de tinta acrílica preta. Só consigo pensar que, quem quer que tenha pensado nesse lugar dedica sua vida a ele.

    Mal entramos no estábulo e já consigo ouvir o som da ferradura se chocando contra o concreto. Algum cavalo está trotando no mesmo lugar, isso indica que está irritado... o que me leva a crer ser a Joy.

    — Aqui está ela. — Kyle diz parando na frente de uma das baias.

    Estou diante de uma obra de arte e não consigo conter a minha feição de admiração. Estou perplexa com tanta beleza, boquiaberta.

    Joy é uma égua jovem, porém parece adulta. Seu pelo é preto e brilha tanto que reflete as luzes do estábulo. Sua crina é bem cuidada e aparada, fazendo uma franja charmosa cair sobre os seus olhos negros. Nas suas patas, perto do seu casco, tem pelos tão lisos quanto os da sua crina.

    Esqueço da sua beleza quando percebo sua agitação. Ela está com a cauda erguida, narinas infladas e batendo o casco das patas dianteiras no chão. Joy está ofegante e com um relinchar baixo e sufocado. Ela está com dor!

    Estico minha mão para tocar nela, mas ela se empina. Fica por pouco tempo erguida nas patas detrás me mostrando que não é uma boa ideia me aproximar dela.

    — Ah meu Deus! Lis! — Olivia quase grita.

    — Shhh... silêncio. — peço um pouco brava com ela. Seu grito só assustou mais o animal.

    — Só cuidado, caramba. — dessa vez ela sussurra.

    — Acha que é uma boa ideia? — Kyle pergunta apreensivo. — Não quero que se machuque.

    — Está tudo bem. — garanto a ele. — Ela só está com dor.

    Dou um passo para frente e me aproximo mais da porta da baia. Joy está com a cabeça para fora da abertura que a permite ver o corredor do estábulo.

    — Está tudo bem, garota. — estico minha mão de novo para ela e dessa vez ela não se empina. — Eu vim te ajudar, está tudo bem. — Joy sacode a cabeça com um movimento brusco e seus olhos grandes e expressivos me olham por baixo da sua franja negra. — Está tudo bem, nós somos amiga. Não é?

    Ela resfolega e penso em recuar, todos os sinais da sua agitação me indicam que posso estar em perigo, mas em seguida ela abaixa a cabeça sobre a grade da porta e eu toco seu nariz com a ponta dos meus dedos.

    — Você é uma boa menina, Joy. — assinto e sussurro para ela sem perder o contato visual. — Eu vim cuidar de você. Está tudo bem agora.

    Quando sinto que ela me deu abertura, eu espalmo minha mão toda em seu nariz comprido e deslizo minha mão até a sua franja, a tirando dos seus olhos. A sensação é incrível, indescritível. O pelo dela é macio e ao mesmo tempo espeta suavemente a minha pele. Joy solta um som sofrido pelas narinas e eu decido arriscar mais um pouco. Dou mais dois passos à frente e me encosto na porta da baia, segurando o seu pescoço com as minhas duas mãos e coçando seu pelo com a ponta dos dedos.

    — Você é uma boa menina, não é, Joy? — ela solta o ar com força e a sensação que eu tenho é de que ela está aliviada. — Abra a porta, Kyle. Por favor.

    — Lis, eu não acho... — não o vejo, mas sei que está hesitante pelo seu tom de voz.

    — Preciso examiná-la e daqui eu não consigo. — explico melhor cortando sua fala. — Está tudo bem. Nós somos amigas agora.

    Eu mesma poderia ter puxado o trinco da porta, mas agora que coloquei minhas mãos nela não quero tirá-las. Não quero correr o risco de ela ficar agressiva de novo e perder a confiança que já me deu, mas quando Kyle puxa a

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