Na primeira pessoa do singular
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Sobre este e-book
Descrição do livro:
Esta coleção de contos ganhou o prêmio Elsa Morante por trabalhos inéditos, em 2005. Foi publicada em 2007, tendo duas reimpressões. Em 2009, termina o contrato com a editora, então decido republicá-la por questões afetivas: foi a minha primeira publicação, mas também o fiz a pedido de quem só ouviu falar dela e não teve a oportunidade de lê-la.
O uso da conjugação na primeira pessoa do singular é o denominador comum dos dez contos da coleção, histórias que fazem chorar, rir ou só mesmo refletir. Mas o termo “singular” é usado no sentido mais amplo, de “única”, porque cada pessoa é excepcional e extraordinária, seja como for.
“Contos bem escritos, os de Pivari, que se leem com prazer. A autora sabe como incorporar bem seja o caráter masculino como o feminino, narrando eventos críveis com uma moralidade compartilhada. A coleção envolve simplicidade e harmonia, e é destinada a todos.” (Franco Vivona, fundamentação da concessão do prêmio).
Eu queria reapresentá-lo como era, contendo alguma ingenuidade estilística. A única mudança que fiz foi a do título da música que sai do rádio-relógio no primeiro conto, e não me pergunte por que fiz isso.
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Na primeira pessoa do singular - Cristiana Pivari
Cristiana Pivari
NA PRIMEIRA PESSOA DO SINGULAR
Sommario
O PÃO NOSSO DE CADA DIA DAI-NOS HOJE
DIZ TODA VEZ A MESMA COISA
POBRE MULHER
ALMA ANGUSTIADA
GIOIA E FARUK
Uma história diferente
FILHO DA PUTA
A HISTÓRIA DE LISA
A SANTA CEIA DE LEONARDO
HOJE É UM BOM DIA PARA MORRER
NASCIDA HOJE
O PÃO NOSSO DE CADA DIA DAI-NOS HOJE
––––––––
What the fuck is this world running to?
Pois é, justamente, eu também me pergunto. O que tanto acontece no mundo, se eu não consigo acompanhar?
— Santas palavras, caro Eddie — resmungo, virando-me para o rádio-relógio que está transmitindo uma música dos Pearl Jam que tem o poder de me acordar como se deve, porque é uma das minhas bandas favoritas, mas ao mesmo tempo obriga a amargas reflexões, e tudo isto quando nem bem amanheceu.
Tenho quase trinta anos de idade, não tenho uma droga de namorada nem um trabalho decente que não me faça levantar todos os dias às cinco da manhã para entregar aquele nojo de pão por aí para aqueles nojentos dos meus patrões que se permitem de me pagar uma miséria.
Com o que me dão, eu não conseguiria comprar o pão deles nem mesmo durante uma semana.
Seiscentos euros por mês: dá para uma parte do aluguel, para uma parte das contas e para uma parte das despesas, e depois não dá para mais nada.
Existência com o mínimo, nem mesmo uma pizza na sexta à noite.
O Michele está pra cá e pra lá no banheiro, que merda está fazendo lá a esta hora? Espero que caia fora logo porque para mim já está tarde, e ele, ao contrário, pode ficar dormindo a manhã inteira porque acho que hoje não vai mesmo dar as caras na faculdade. Sorte dele, boa vida. Pais que dão mesada, algum exame só para não perder o hábito e uma enxurrada de mulheres. Não é propriamente um Adônis, mas se vira, e ademais é um bom amigo e não poderia me cair melhor.
— Você vai sair daí ou não? — digo impaciente, batendo na porta. Ele me responde com um rosnado, mas depois se decide a me dar terreno. O espelho do banheiro me devolve uma imagem de um pobre infeliz. Todo o descontentamento do mundo está trancado neste banheiro, e ainda me corto fazendo a barba, mas é de praxe. Algumas manhãs eu saio de casa que pareço estar vindo de uma noitada em um mar de cacos de vidro. Cheio de pequenos cortes com papel higiênico para estancar o sangue, praticamente um amor de rapaz.
Por sorte, às quatro e meia da madrugada é difícil deparar-se com a hipotética mulher da sua vida.
A lambreta leva uma eternidade para dar partida, mas finalmente dá sinal de vida, então, bora para as novas entregas.
— Olha que cara, e ainda por cima está atrasado. Continue assim, e um outro melhor do que você eu encontro loguinho. E tire esse brinco, você não é mulher.
Se a dona Cesira não parar de me estressar, um destes dias eu a mato. É uma jararaca como poucas e está sempre me espicaçando porque nunca está satisfeita com nada. Dá pra ver de longe, a quilômetros de distância, que sofre da síndrome da falta de baguete
e, dado o seu aspecto revoltante, o seu Gino tem toda a minha compreensão.
Hoje de manhã o percurso é particularmente estressante porque aos sábados, sim, trabalho também aos sábados, infelizmente não sou judeu, eu estava dizendo, entregamos pão também em um supermercado fora da cidade que deve ter um fornecedor habitual que é praticante da religião de Abraão. Então sobra pra mim, não tenho alternativa.
Milagre! Hoje de manhã o Giulio, o empregado do super, está de bom humor, até me cumprimenta e não se limita a isto, ainda me oferece um café. Entramos no bar, e o sonolento barista nos serve alguma coisa que tem gosto de sabonete Palmolive, e as primeiras palavras que saem da sua boca empastada são:
— Por que não compram uma cota do bolão da SuperEnalotto? São só dois euros e cinquenta. A proposta atiça o Giulio, jogador de loteria de fim de semana, que acaba também me convencendo, de qualquer forma já estou ferrado mesmo.
E o dia de trabalho finalmente termina.
Então, o bom é que ao meio-dia eu largo o serviço e depois posso fazer um monte de coisas, possivelmente a preços módicos.
— Você está com uma cara, hoje, o que você tem, meu filhinho? Deveria fazer um exame de sangue.
Esta é a minha mãe, que acha que seja possível ler até o futuro nos exames de sangue. É uma fanática por receitas médicas, e pode-se dizer que seu passatempo preferido seja passar manhãs inteiras no médico inventando doenças para poder depois apertar na mão, triunfante, a sua receita. Se ela me desembolsasse tudo o que gasta com as despesas de saúde, eu teria para a pizza todas as sextas e ainda faturava algum livro.
É um rito passar na casa dos meus pais aos sábados para o almoço, e o rito é um tanto repetitivo, o da costeleta com purê. Uma vez eu disse que gostava e agora engulo guela abaixo todos os sábados. As mães italianas são muito atentas às necessidades dos filhos.
— Não tenho nada, mãe. Nada além do que tinha ontem. Tenho uma vida de merda e estou começando a ter alergia a costeletas, talvez seja por isso que estou com esta cara, e se faço exames de sangue, vão encontrar a Doença de Creutzfeldt, então não faço.
Meu pai intervém com uma frase originalíssima, jamais pronunciada antes por nenhum outro pai.
— Não fale assim com a sua mãe, tenha respeito.
Os meus pais são assim, super originais.
Devo ter puxado deles.
O almoço decorre como sempre, na frente da televisão rigorosamente na Rai com as piores notícias temperando uma refeição já por si só taciturna, e depois a sesta e vou embora, finalmente, após ter permutado com a minha mãe alguns pães medíocres por uma cesta de verduras variadas.
Tudo isso faz parte do rito.
— Roberto, por favor, esta noite preciso da casa liberada. Consegui engatar com a Simona um bom jantarzinho, e com certeza levo ela para a cama. Eu te pago o cinema e