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Homens, masculinidades e psicanálise: Desver o masculino
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Homens, masculinidades e psicanálise: Desver o masculino
E-book290 páginas4 horas

Homens, masculinidades e psicanálise: Desver o masculino

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Sobre este e-book

A presente obra aborda as principais questões relacionadas aos impasses dos homens no tocante às suas experiências com o masculino, a partir de uma leitura psicanalítica de orientação freudo-lacaniana. Parte, portanto, da seguinte proposição: "O homem não existe", apontando para o campo de indeterminação da representação do masculino na atualidade. Para tanto, a análise empreendida é fiada a partir da interlocução direta com outros campos disciplinares (teorias de gênero e queer, por exemplo) e da proliferação maciça de discursos sobre o tema, recolhendo deles os seus efeitos nos modos de produção de subjetividades masculinas. Toma como centro de análise a discussão sobre o binarismo fálico e sua queda e ressalta a possibilidade de novas modalidades de inscrição da experiência masculina, vislumbrando a abertura ao Outro gozo e seus redirecionamentos na contemporaneidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de set. de 2023
ISBN9786555066241
Homens, masculinidades e psicanálise: Desver o masculino

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    Pré-visualização do livro

    Homens, masculinidades e psicanálise - Edgley Duarte de Lima

    Capa_Homens_masculinidades_psicanalise.jpg

    Homens, masculinidades e psicanálise

    Desver o masculino

    Edgley Duarte de Lima

    Homens, masculinidades e psicanálise: desver o masculino

    © 2023 Edgley Duarte de Lima

    Editora Edgard Blücher Ltda.

    Publisher Edgard Blücher

    Editores Eduardo Blücher e Jonatas Eliakim

    Coordenação editorial Andressa Lira

    Produção editorial Luana Negraes

    Preparação de texto Beatriz Francisco

    Diagramação Negrito Produção Editorial

    Revisão de texto Maurício Katayama

    Capa Leandro Cunha

    Imagem da capa Memórias de um homem sertanejo (arquivo pessoal do autor)

    Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar

    04531-934 – São Paulo – SP – Brasil

    Tel.: 55 11 3078-5366

    contato@blucher.com.br

    www.blucher.com.br

    Segundo o Novo Acordo Ortográfico, conforme 6. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, julho de 2021.

    É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora.

    Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda.


    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


    Lima, Edgley Duarte de

    Homens, masculinidades e psicanálise : desver o masculino / Edgley Duarte de Lima. – São Paulo : Blucher, 2023.

    276 p.; il.

    Bibliografia

    ISBN 978-65-5506-624-1

    1. Psicanálise 2. Masculinidade 3. Homens – Atitudes I. Título.

    cdd 150.195


    Índice para catálogo sistemático:

    1. Psicanálise


    Eu queria fazer parte das árvores como os pássaros fazem.

    Eu queria fazer parte do orvalho como as pedras fazem.

    Eu só não queria significar.

    Porque significar limita a imaginação.

    Manoel de Barros, Eu queria fazer parte das árvores

    Agradecimentos

    À minha mãe, Cleide Lima, por ser o meu lugar de mais acolhimento e a aposta necessária para que eu pudesse escrever minha história, rompendo com os lugares já consolidados. Tê-la comigo é uma condição decisiva para que eu tenha a liberdade de existir autenticamente. Essa é a incidência do seu desejo em mim. Tu és o meu oráculo para todos os momentos. Gratidão!

    Ao meu pai, José Duarte, homem que me ensinou que há uma sabedoria que só se extrai com a experiência da vida e que, por isso mesmo, não se acessa com a formação intelectual. Homem semianalfabeto, sertanejo e simples, me fez ver o uso desarticulado que podemos fazer com as palavras.

    Ao meu irmão, Ediano Duarte, que, como ninguém, sabe suportar as diferenças que nos aproximam. Esta conquista é a prova de que foi possível romper os limites do horizonte por nós avistado no sítio da infância.

    Aos meus avós maternos, Eronildes (in memoriam) e Neném, que, como poucos, me transmitiram algo sobre o amor e o cuidado. Às minhas tias, em especial a Roberta Oliveira, por ser ponto de ancoragem nos momentos mais difíceis desta travessia.

    Aos/às meus/minhas amigos/as, que, como família, se fizeram lugar de morada e de acolhimento. A Fagner, meu irmãozinho de vida, por ser aquele que sempre me ofertou os ouvidos e fez contorno para a angústia dos dias difíceis; a Adailton, que, com toda a sua dureza e, ao mesmo tempo, generosidade, me fez ver que há algo de sensível por trás das armaduras; a Ari, que, de maneira doce e carinhosa, foi o parceiro de reflexões infinitas nas madrugadas adentro. A Juliana Gama (Ju), por ser um porto-seguro e a aposta que anima meu desejo e revitaliza meus sonhos; a Elizama (Eliz), pela parceria, pela leveza dos nossos encontros e o pouco de (des)limite necessário à minha rigidez; a Renally Xavier, que, com sua delicadeza, me aproximou ainda mais do que é sensível em mim; a Patrícia Ivanca e a Débora, que, mesmo a distância, passaram horas e horas me acolhendo, em ligações intermináveis, naquilo que eu tinha urgência em dizer; a Aenne e Marcella, que, nos últimos anos, foram lar e acolhimento necessários à dureza da vida; a Sandra, Cristina, Marcella, Karynna, Raquel e Marina e as demais colegas da EBP-Seção Nordeste. Como sou grato a vocês. Enfim, a todos aqueles que, entre ausências e presenças, dividiram comigo bons momentos ao longo dessa jornada.

    À minha orientadora, professora doutora Maria Consuêlo Passos, que me incentivou a não abrir mão do meu desejo pela psicanálise. Seu acolhimento, sua presença marcante e seu estilo autêntico foram essenciais para que eu revisitasse sempre as minhas clarezas conceituais, me pondo a dizer de outra forma o óbvio do lacanismo.

    Às professoras doutora Cleide Monteiro, doutora Miriam Debieux, doutora Paula Barros e doutora Edilene Queiroz, membros da banca de doutorado que, carinhosamente, acolheram minha questão e contribuíram com importantes sugestões e observações, iluminando o caminho percorrido durante a pesquisa. Gratidão!

    Aos professores que passaram pelo meu percurso acadêmico, em especial a professora doutora Cleide Monteiro, que me possibilitou sustentar a causa analítica mesmo com os desvios acadêmicos. O encontro que tivemos na graduação em Psicologia incidiu sobre mim e reanimou um desejo que já estava ali. Era preciso alguém que o acolhesse. Além disso, agradeço aos professores doutores Pedro de Oliveira e Benedito Medrado que, de forma competente e carinhosa, conduziram-me nas minhas pesquisas de graduação e mestrado. Gratidão!

    Aos colegas e professores/as do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), que, com muito carinho e atenção, acolheram-me de braços abertos e dispostos a sustentar as minhas provocações de pesquisa.

    Às minhas colegas e amigas professoras do Departamento de Psicologia das FIPCG, especialmente Larisse, Anna Karenyna e Pammella, com quem divido, com muito entusiasmo, os desafios da docência no ensino superior.

    Ao amor, em sua dupla função de contingência e de encontro, que permitiu encontrar na parceria um lugar de sustentação e leveza. Gratidão, Vinícius Tiola, por ser um parceiro digno nas encruzilhadas da vida e na aposta firme nos voos em direção ao desejo.

    À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo estímulo e financiamento desta pesquisa.

    E, finalmente, à editora Blucher, por acolher prontamente a publicação deste livro e, mais ainda, por dar visibilidade às produções acadêmicas da região Nordeste do país.

    Apresentação

    Miriam Debieux Rosa

    ¹

    O livro que aqui apresento permite-nos mergulhar, do ponto de vista teórico, clínico e ético, em companhia competente e corajosa, em uma temática importante e polêmica de nosso tempo – a questão das masculinidades, a identificação e a análise dos dilemas, impasses e invenções de saídas construídas por homens em suas relações com o masculino e suas múltiplas nomeações. Como diz o autor Edgley Duarte de Lima, trata-se de poder falar das questões dos homens, transcritas, muitas vezes, em sintomas e sofrimentos, como exercício ímpar de reflexão e análise para uma prática psicanalítica contextualizada e alinhada às demandas contemporâneas, o que requer um mais-de-dizer sobre a experiência masculina, sobretudo daqueles que estão embaraçados com o ideal viril.

    A pergunta que conduz o autor será sobre os homens e as suas relações com o masculino ou, mais especificamente, sobre o que resta na atualidade da relação entre os homens e o masculino? Na esteira dessa indagação, o livro nos conduz pelo tema com uma leitura dos clássicos e contemporâneos da psicanálise, começando por Freud e Lacan, como também pelas contribuições do campo de estudos queer e das teorias de gênero, assim como pelos discursos atuais sobre o homem, a masculinidade e a virilidade. Será com essa vasta investigação que o livro se compromete, sem respostas fáceis ou genéricas e sem se alinhar com posições que fixam a priori todos os homens com o signo de um poder abominável advindo do patriarcado, sendo todo sinal de masculinidade associado ao tóxico, como na expressão masculinidade tóxica.

    Trata-se de um tema pouco abordado diretamente na literatura psicanalítica, na qual prevalecem os estudos, as pesquisas e os casos dirigidos ao feminino, à mulher e seus dilemas, deixando de lado a experiência masculina e seus impasses, presentes na construção subjetiva de muitos homens. Como nos alerta o autor, muitos deslocamentos do masculino vêm sendo observados nas últimas décadas, principalmente a partir da década de 1980, impulsionados por dois grandes movimentos sociais: o movimento feminista e o movimento LGBTTQIAP+ (na época, denominado movimento gay). As reflexões oriundas desse momento histórico marcaram importantes mudanças no discurso social sobre a relação entre homens e mulheres, bem como permitiu dar visibilidade às práticas sexuais não heteronormativas.

    Este não é o primeiro trabalho de Edgley Duarte de Lima na área. De fato, o autor contribui com o tema desde sua graduação em Psicologia, quando, orientado pelo professor doutor Pedro de Oliveira filho, realizou duas iniciações científicas no tema: Desenvolvimento e subdesenvolvimento do Nordeste na mídia nordestina: um estudo de análise de discurso, finalizada em 2014, e Gênero, masculinidades e saúde do homem: um estudo em análise de discurso, apresentada em 2015, ambas na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Sua dissertação de mestrado em Psicologia versou sobre Entre fronteiras e sentidos: a produção de masculinidades na comunicação institucional da política de saúde do homem no Brasil, defendida em 2018, sob orientação do professor doutor Benedito Medrado. Integra o grupo de pesquisa em Psicologia Clínica e Psicopatologia Fundamental (Cnpq). Possui experiência em clínica psicanalítica e atua no consultório desde 2015.

    Este livro foi construído como uma tese, apresentada ao Programa de Doutorado em Psicologia Clínica da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), orientado pela professora doutora Maria Consuêlo Passos, na linha de Psicopatologia Fundamental e Psicanálise. Tive o prazer de ser uma das pessoas a compor a banca examinadora da defesa da tese, que ocorreu no Recife, em 2021. A banca reconheceu a presteza da orientação e a excelência da tese ali apresentada, tendo sido recomendada a sua publicação por inteiro, sob o formato de livro – que ora o leitor tem em mãos e pode avaliar por si mesmo.

    Edgley Duarte de Lima avança nas reflexões, em um esforço para distinguir as masculinidades como objeto de estudo das teorias de gênero e o masculino como posição sexuada assumida pelo sujeito na psicanálise. Ele assegura que não devemos tomá-los como sinônimos, mas compreender as primeiras como a produção sociocultural de cada sociedade para definir os signos e todos os elementos simbólicos que servem para caracterizar o universo masculino, enquanto que, para a teoria psicanalítica de orientação lacaniana, a segunda refere-se à posição sexuada que cada sujeito assume no processo de diferenciação sexual e que independe da própria anatomia, uma vez que está relacionada à experiência subjetiva de cada um.

    Tendo esse mapeamento em vista, o livro recorta como centro de análise a discussão sobre o binarismo fálico e sua queda, e ressalta a possibilidade de outras modalidades de inscrever a experiência masculina a partir da abertura ao Outro gozo e seus redirecionamentos na contemporaneidade.

    Na busca por identificar e analisar as invenções de algumas saídas construídas por homens em suas relações com o masculino e suas múltiplas nomeações, Edgley Duarte de Lima, que além de pesquisador é psicanalista, acresce a esse conjunto de dados e análises a escuta clínica das questões dos homens e seu mal-estar, suas inibições e sintomas, atravessados pelos discursos atuais. Com o conjunto desse material, o autor nos apresenta um novo olhar para o fenômeno e uma direção de tratamento que permita ao homem tramitar por modalidades de inscrição no laço social nas relações com o Outro sexo, de modo a lhe possibilitar a inscrição e a aquiescência do desejo a partir da alteridade e de outras modalidades de gozo e seus possíveis redirecionamentos na contemporaneidade.

    Recomendo vivamente a leitura que amplia a questão das masculinidades com um viés ético, que nos brinda com a possibilidade de aprimorar as posições políticas sobre as questões de nosso tempo.

    Psicanalista e professora titular do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Coordena o Laboratório Psicanálise, Sociedade e Política (PSOPOL/IPUSP) e o Grupo Veredas: Psicanálise e Imigração (PSOPOL/IPUSP).

    Prefácio

    Maria Consuêlo Passos

    ¹

    Escrever um prefácio não é tarefa simples. Nele, precisamos fazer as honras da casa, abri-la e apresentá-la com seus atrativos, suas imagens, seus fantasmas, mas precisamos, sobretudo, apresentar o que nela poderá se tornar uma boa e produtiva viagem, uma experiência da qual o convidado sairá diferente ou repleto de novas inspirações. O convite à leitura de um livro é também uma espécie de mediação entre o/a leitor/a e o/a autor/a. Apresentamos as ideias centrais da obra a partir de nossas interpretações, da maneira como concebemos o texto escrito, e na versão que criamos a partir de uma leitura singular que fazemos.

    Ciente dessa dura e complexa tarefa, vamos em frente. Este livro é fruto de um longo tempo de estudo e pesquisa. Ele surge de uma grande inquietação do autor, mas também de um projeto de vida voltado para uma inserção profissional na vida acadêmica. Antenado, reflexivo e muito diligente, Edgley Duarte de Lima coloca como ponto de partida uma questão que lhe toca subjetivamente e lhe aflige como alguém preocupado com as condições existenciais dos homens que se veem compelidos a mudarem de posição, face às demandas urgentes de um mundo não mais hegemonicamente patriarcal.

    Nesse sentido, a linha visível – e às vezes invisível – que atravessa suas preocupações neste livro aponta para uma certa indeterminação nas posições subjetivas assumidas pelos homens atualmente, o que em muitos casos tem gerado mal-estar, sofrimentos e sintomas. A clínica tem sido o lugar privilegiado em que surgem essas manifestações e é nela que Edgley exercita sua escuta, colocando sua sensibilidade a serviço de uma apreensão de tais experiências, mas, principalmente, buscando possíveis saídas éticas e políticas.

    Tudo isso exige muita agilidade e acuidade do autor, no sentido de balizar essas mudanças situando-as em seus devidos tempos. Como diz o poeta: Nada do que foi será/ De novo do jeito que já foi um dia/ Tudo passa, tudo sempre passará.

    Assim, é nos contextos emergentes da vida comum que as pesquisas devem incidir seu foco, procurando atender sempre ao fluxo inesgotável da vida e aos caminhos imponderáveis a que esse fluxo conduz. Pois bem, foi na urgência de contribuir com a compreensão das angústias de uma certa população de homens que Edgley se deteve a estudar os deslocamentos subjetivos implícitos na visão que essa população tem do masculino que lhe é próprio.

    Para isso, foi preciso percorrer um bom caminho até a construção de uma trajetória possível para a pesquisa, mesmo ciente de que os rumos a seguir não são fixos e que muitas intempéries podem acontecer no meio do caminho. A descoberta das chaves que abrirão as portas demanda amadurecimento e muita paciência, sem a qual é impossível pesquisar.

    Foi com essas boas armas que se tornou possível construir uma estrutura teórica e metodológica capaz de empreender a viagem com certa segurança. As premissas teóricas escolhidas se situam no campo da teoria psicanalítica freudo-lacaniana, e as estratégias metodológicas, por sua vez, voltaram-se para entrevistas e fragmentos de passes de dois analistas, o que não só ilumina a discussão apresentada como potencializa sua vivacidade.

    Importa ressaltar que, embora essas premissas embasem as análises feitas, o leitor encontrará um campo aberto, no qual o factual e a teoria se entrelaçam sem pretensão alguma de expor verdades fixas. Tudo se passa de forma a possibilitar que cada leitor/a siga refletindo, debatendo consigo mesmo e, principalmente, descobrindo suas próprias posições, e por que não, seus próprios deslocamentos subjetivos. Isso torna a leitura trabalhosa, como deve ser qualquer uma que nos mobiliza. Nesse caso, não se trata apenas de uma compreensão intelectual, mas de uma experiência de vida. Toda boa obra nos remete a um mergulho interior, mesmo que ela seja fruto de um trabalho de tese de doutorado.

    Podemos, portanto, dizer que a problemática tratada nesta obra não nasce apenas de uma inquietação intelectual e acadêmica, mas do húmus da própria história do autor, que, enraizado em uma região do sertão nordestino, traz marcas de uma perspectiva masculina muito própria de uma cultura que por muito tempo solapou a condição do homem de ser um sujeito livre para estar, pensar e amar como e quem ele quiser. O nordestino foi – e em alguma medida ainda é – uma representação da precariedade humana que finge ser aquilo que jamais será, um ser superior e viril. Quando colocado pelo avesso, expõe sua imensa fragilidade.

    É, portanto, com a sensibilidade de quem foi forjado numa realidade fixa do masculino que Edgley usa de sua memória, sua sensibilidade e, mais ainda, da sua experiência clínica para pensar a fluidez do desejo a serviço das diferentes formas de ser homem. Contribuição incomensurável!

    Todas as análises feitas explicitam sua preocupação social e política. Desde a escolha do tema até as suas considerações finais, essa preocupação aparece marcando uma forma de ver e de lidar com a clínica psicanalítica, nem sempre contemplada pelos analistas. No subtexto desta obra fica clara a intencionalidade do autor: contribuir para que o mal-estar vivido na sociedade pelos homens possa ser escutado, e que dessa postura resultem pessoas mais livres, guiadas pelo fluxo do desejo que marca a impossibilidade de nos mantermos em lugares fixos.

    É com essa perspectiva dos fenômenos analisados que Edgley encerra seu trabalho, que nunca terá fim… Logo, a abertura ao não todo e o reconhecimento de sua incomensurabilidade, a travessia da fantasia e a invenção de um savoir-faire com o sintoma são algumas das consequências extraídas ao longo dessas experiências, que indicam outra cena e a aposta no desver masculino.

    Desver que revela sua inspiração em Manoel de Barros, poeta que lhe inspirou em muitos momentos dessa viagem: Então a razão me falou: o homem não pode fazer parte do orvalho como as pedras fazem. Porque o homem não se transfigura senão pelas palavras (Barros, 2015a, p. 97).

    Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pesquisadora de amadurecimento humano: infância e adolescência; psicanálise e família; psicanálise e política. Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

    Parte I

    Sobre a questão e suas vicissitudes

    1. Primeiras palavras: situando a problemática

    Tenho o privilégio de não saber quase tudo.

    E isso explica o resto.¹

    Foi dada a largada. Como Manoel de Barros, partimos do não saber, materializado no esforço de encontrar nas palavras um destino para o que, ao longo de muitos anos, tornou-se uma questão de pesquisa para nós: os homens e suas relações com o masculino. Tal preocupação se articula ao significante introduzido pelo poeta: resto. O que resta dessa relação entre os homens e o masculino?

    É certo que os nossos tempos são outros, diferentes do de Freud e Lacan, mas a grande virulência da Psicanálise, em sua potência mais criativa e de subversão, ocorre quando ela se ocupa do que resta como mal-estar próprio da nossa época. A orientação não poderia ser outra, uma vez que, em caso contrário, estaríamos jogando fora o olhar avesso, capaz de percorrer o dentro e o fora dos fenômenos sociais, culturais e políticos, que produzem subjetividades e modos de ser. Falar das questões dos homens, transcritas, muitas vezes, em sintomas e sofrimentos, é um exercício ímpar de reflexão e análise para uma prática psicanalítica contextualizada e alinhada às demandas contemporâneas, o que requer um mais-de-dizer sobre a experiência masculina.

    Ocorre que os homens e o masculino foram silenciados nos espaços de discussão psicanalítica, devido à compreensão de que sobre eles não se tinha muito a dizer. Assim, tradicionalmente, as pesquisas foram destinando maior investimento às questões relacionadas ao feminino, à mulher e seus nomes e deixando de lado, muitas vezes, o masculino e seus impasses. Esse posicionamento, contrariamente às indicações freudianas, tomou centralidade, sobretudo quando observada a ausência de trabalhos, nas instituições psicanalíticas e na academia, que discutam esse problema. Nesta última, não conseguimos encontrar facilmente estudos que se detenham ao masculino e suas formas de subjetivação, observada a tamanha prevalência dos estudos sobre o feminino, principalmente a partir das teses elaboradas por Jacques Lacan ao longo do seu ensino (Ambra, 2013).

    Com efeito, o silêncio tornou-se uma armadura de ferro que, com frequência, impulsiona esses sujeitos a não falarem sobre suas experiências, realidade presentificada no discurso corriqueiro de que as mulheres falam demais e os homens, de menos. Desse modo, o silêncio encadeia-se com outros significantes que vão servindo para direcionar a construção subjetiva de muitos homens. Todavia, muitos deslocamentos vêm sendo observados nas últimas décadas, confrontando-nos com outros lugares e posições que destoam e, mais ainda, não conformam esse lugar para o masculino, mais especificamente a partir da década de 1980, impulsionados por dois grandes movimentos sociais: 1) o movimento feminista e 2) o movimento LGBTTQIAP+ (na época, denominado de movimento gay). As reflexões oriundas desse momento histórico marcaram importantes mudanças na forma como a sociedade visualizava a relação entre homens e mulheres, bem como a visibilidade de práticas sexuais não heteronormativas (Lima, Medrado & Lyra, 2019).

    Visando avançar nessas reflexões, façamos um breve esforço para distinguir as masculinidades como objeto de estudo das teorias de gênero e o masculino como posição sexuada assumida pelo sujeito na Psicanálise. Não devemos tomá-los como sinônimos, mas compreender as primeiras como a produção sociocultural de cada sociedade para definir os signos e todos os elementos simbólicos que servem para caracterizar o universo masculino, enquanto, para a teoria psicanalítica de orientação lacaniana, o segundo refere-se à posição sexuada que cada sujeito assume no processo de diferenciação sexual e que independe da própria anatomia,² uma vez que está relacionada à experiência subjetiva de cada um.

    Tendo em vista essa distinção, apresentaremos um fragmento clínico que de alguma forma apresenta e, ao mesmo tempo, interpela nossas problemáticas neste livro. Alberto³ procurou a análise, a princípio, com a intenção de falar sobre seus desencontros na parceria amorosa

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