A dinâmica conjugal em situação de câncer de mama
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A dinâmica conjugal em situação de câncer de mama - Arnaldo Cerqueira
Cerqueira
1. INTRODUÇÃO
Meu interesse pelo estudo e pela análise das relações entre o casal e os aspectos emocionais em mulheres acometidas de câncer de mama surgiu desde o início do curso de graduação em Psicologia, quando no terceiro semestre pude participar, junto com outros colegas, de um grupo de apoio aos pacientes oncológicos no Hospital do Câncer em Fortaleza, onde residia na época, sob a supervisão de um professor. As visitas eram feitas diariamente com grupos diferentes, de tal forma que cada grupo fazia uma visita semanal. Os pacientes falavam da solidão e do afastamento de alguns familiares e dos amigos; sentiam-se estorvos para seus familiares; discriminados e excluídos do seu meio social, sendo vistos como incapazes de produzir, de construir e de estar no mundo. Alguns se alimentavam da esperança de sobrevivência e da cura, mantendo a alegria de viver e se sustentando na fé e na demonstração de afeto dos familiares e amigos, apresentando uma vontade de viver muito grande. Outros falavam das suas dores e das perdas de familiares que tiveram a mesma doença e do quanto foi penoso descobrir em si o mesmo diagnóstico, mas estavam lutando para vencer a doença. Outros ainda, diziam estar no fim, que não adiantava mais nada porque esta era a vontade de Deus
e, portanto, agora era só esperar a hora final, apesar do medo.
A literatura demonstra que a experiência de lidar com situações que envolvem ameaças à integridade, em função da perda de importantes segmentos corporais, representa na maior parte das vezes, uma pesada sobrecarga, trazendo consigo a incapacidade do paciente para trabalhar com suas aflições, projetando no outro seus medos e suas dificuldades diversas. O impacto de um diagnóstico de câncer necessita de elaboração, já que ainda carrega muitos aspectos do estigma de morte. As estratégias para lidar com esta situação estão vinculadas ao seu histórico pessoal e familiar (Gimenes, 2000).
Nos estudos de Leshan (1992), a maioria de seus pacientes apresentava histórico de perdas antes do surgimento dos primeiros sinais do câncer. Tais perdas podem ser objetivas, como de uma relação significativa ou de esperança em encontrar um modo de viver e de ser que traga satisfação e prazer. Esses indivíduos geralmente atingiam elevada formação profissional, porém, não se sentiam plenamente realizados. Desistiam, portanto, de encontrar um modo de se relacionar e viver que lhes fosse mais adequada. Por anos viveram de forma que não se expressavam, reprimiam sentimentos e emoções por medo da reação do meio externo, fazendo o que os outros queriam, sem realmente ouvir e atender suas próprias necessidades.
O câncer de mama, apesar de todas as evoluções científicas e médicas, mexe ainda com as representações sociais e com o imaginário das pessoas afetadas, trazendo-lhes a vergonha
caracterizada pela doença. Neste sentido, Sant’Ana (2000) nos fala da vergonha de abrigar um mal marcado pela imagem da corrosão orgânica e do castigo divino; da vergonha que tende a transformar o doente no único responsável por seus sofrimentos e, por conseguinte, as maneiras de lidar com o câncer permanecem, em grande parte, restritas ao silêncio, principalmente quando se trata da mama, visto que, neste caso, a vergonha é agravada pela ameaça da mutilação de uma parte do corpo considerada um dos principais símbolos da identidade feminina.
Assim, esta pesquisa teve como problemática a interação conjugal, a partir do diagnóstico e tratamento de câncer de mama, visando compreender as adaptações realizadas pelo casal, bem como conhecer o impacto da doença sobre sua estrutura e as estratégias de enfrentamento adotadas pelos cônjuges.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 O Modelo Sistêmico
Esta teoria tem como ideia central o ser doente
ou membro sintomático como representante circunstancial de alguma disfunção no sistema familiar. Assim, a terapia familiar se fundamenta basicamente na Teoria Geral dos Sistemas, de Von Bertallanfy (1975) conforme citado por (Calil, 1987). A família é considerada como um sistema aberto, devido ao movimento dos seus membros dentro e fora, de uma interação uns com os outros e com sistemas extrafamiliares (meio ambiente - comunidade), num fluxo recíproco constante de informação, energia e material. A família tende, também, a funcionar como um sistema total, onde as ações e comportamentos de um dos membros influenciam e são influenciados simultaneamente pelos comportamentos de todos os outros membros. Esse conceito põe em relevo certas propriedades do sistema aberto, fundamentais para a compreensão da organização e funcionamento da família. Destaca a ideia de globalidade
, onde toda e qualquer parte do sistema está relacionada de tal modo com as demais e, consequentemente, no sistema total, considerando que um sistema comporta-se como um todo coeso, inseparável e independente. Destaca também o conceito de retroalimentação ou feedback
, ou seja, as partes de um sistema não se somam umas às outras, nem estão unilateralmente relacionadas, mas se unem através de uma relação circular. Nesse sentido, a família, segundo este modelo sistêmico, pode ser encarada como um circuito de retroalimentação, dado que o comportamento de cada pessoa afeta e é afetado pelo comportamento do outro.
O conceito central dessa epistemologia é a ideia de circularidade em oposição à ideia de causalidade linear, como é considerada no modelo clássico da ciência pura. A cibernética oferece subsídios para melhor entender as propriedades da retroalimentação e circularidade do sistema familiar. Para Bateson (1972), conforme citado por Calil (1987), um dos pioneiros na compreensão do funcionamento da família, existem alguns conceitos da cibernética no entendimento da comunicação patológica e sua manutenção no interior da família. Para esse autor, a família seria análoga a um sistema homeostático ou cibernético, tendo em vista que cada família desenvolve formas básicas, específicas de transações, ou seja, uma sequência padronizada de comportamentos, de caráter repetitivo, que garantem a organização familiar e que permitem um mínimo de previsibilidade sobre a forma de agir de seus membros. Isto ocorre porque são governadas por regras que, na sua maioria, não são verbalizadas, mas que podem ser inferidas a partir da observação das qualidades das transações na família. Regras que, em parte, são vinculadas aos valores de nossa cultura, mas em sua maioria se originam das vivências psicológicas do