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O Príncipe De Queluz
O Príncipe De Queluz
O Príncipe De Queluz
E-book817 páginas9 horas

O Príncipe De Queluz

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Sobre este e-book

Essa é a história de Caio, um jovem filho de fazendeiro da baixada maranhense, que, no final da década de noventa, após se formar em agronomia, retorna para a fazenda do seu pai, disposto a implantar um projeto de pecuária sustentável, mas ao fazer a travessia da baía de São Marcos, num barco a vela, um fenômeno sobrenatural lhe revela o principado de Queluz, o reino mítico de Don Sebastião, situado no fundo daquela baía. Por mais que ele seja completamente cético para esse tipo de assunto, aquele evento abala suas estruturas porque afeta o seu inconsciente, lhe levando a buscar explicações que nunca antes cogitara, e, para complicar ainda mais o seu drama, ao chegar na fazenda, ele encontra a garota que mais amou, casada com o seu pai e, o clima fica quente entre eles dois; ela insatisfeita com o desempenho do velho coronel, e ele, arrebatado pelo desejo insano que tem por ela, debaixo do mesmo teto, e dividindo os mesmos recantos esmos, longe das vistas do seu pai. Mas eles não podem vacilar, porque o seu pai, é um sujeito conhecido por suas atrocidades e por seu instinto de vingança, e eles sabem que se forem descobertos, o coronel sanguinário não pestanejará em eliminar os dois traidores, ainda que Caio seja o seu único filho homem, por quem ele é capaz de dar a vida. Não bastasse esse clima de suspense e insegurança, Caio passa a ser perseguido por militares do exército de Queluz, que passam a caçá-lo insanamente, fazendo-lhe abandonar os seus projetos, para ter que se defender daqueles seres misteriosos que buscam a sua morte incansavelmente, povoando a velha fazenda com as mais estranhas assombrações já vistas por aquela região.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de out. de 2023
O Príncipe De Queluz

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    Pré-visualização do livro

    O Príncipe De Queluz - João Ewerton

    Image 1

    João Mendonça Ewerton

    O PRÍNCIPE DE QUELUZ

    2021 João Mendonça Ewerton

    Projeto Editorial – Capa e Ilustrações João Ewerton

    587 p: 15x21cm.

    ISBN 979-83-57747-22-8

    2

    Image 2

    APRESENTAÇÃO

    O primeiro formato do romance, O Príncipe de Queluz, foi um roteiro de longa-metragem, intitulado:

    AGUAERETAMA, com o qual fui premiado no ano 2000

    pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura.

    Com o decorrer do tempo, decidi transformar o roteiro numa série para televisão e, ao iniciar o processo de aprofundamento do perfil e do arco dramático dos personagens, me dei conta de que tinha muito mais a dizer com aquela história e decidi elaborar este romance que apresento neste volume.

    João Ewerton – São Luís- Maranhão - 2023

    3

    SUMÁRIO

    APRESENTAÇÃ O ................................................................... 3

    SUMÁRIO ............................................................................... 4

    SINOPSE................................................................................ 5

    DEDICA TÓRIA ........................................................................ 6

    CAPÍTULO I ............................................................................ 7

    CAPÍTULO II ..........................................................................24

    CAPÍTULO III .........................................................................56

    CAPÍTULO IV .........................................................................80

    CAPÍTULO V..........................................................................93

    CAPÍTULO VI....................................................................... 105

    CAPÍTULO VII...................................................................... 133

    CAPÍTULO VIII ..................................................................... 145

    CAPÍTULO IX ....................................................................... 159

    CAPÍTULO X........................................................................ 165

    CAPÍTULO XI....................................................................... 173

    CAPÍTULO XII...................................................................... 181

    CAPÍTULO XIII ..................................................................... 203

    CAPÍTULO XIV .................................................................... 223

    CAPÍTULO XV ..................................................................... 246

    CAPÍTULO XVI .................................................................... 275

    CAPÍTULO XVII ................................................................... 297

    CAPÍTULO XVIII................................................................... 312

    CAPÍTULO XVIX .................................................................. 337

    CAPÍTULO XX ..................................................................... 352

    CAPÍTULO XXI .................................................................... 378

    CAPÍTULO XXII ................................................................... 438

    CAPÍTULO XXIII................................................................... 456

    CAPÍTULO XXIV .................................................................. 468

    CAPITULO XXV ................................................................... 483

    CAPITULO XXVI .................................................................. 491

    CAPÍTULO XXVII ................................................................. 532

    CAPÍTULO XXVIII ................................................................ 554

    CAPÍTULO XXIX .................................................................. 580

    4

    SINOPSE

    A vida de Caio se torna uma jornada épica e arrebatadora, além dos limites da realidade, depois que ele testemunha um evento sobrenatural durante uma turbulenta travessia da Baía de São Marcos, no Maranhão. Desde então, ele se vê preso em dois mundos; a fazenda de seu pai, situada nas vastidões selvagens do Pantanal Maranhense, na década de 1990, e o deslumbrante Principado Mouro de Queluz, um reino submerso nas profundezas oceânicas, no esplendor do século XVIII, onde magia e mistério reinam supremos, e a sua cabeça está a prêmio, sem que ele sequer acreditasse na existência daquele lugar mítico.

    Esse universo paradoxal lança sobre Caio um estigma cruel, condenando-o a uma existência inconstante, onde a vida estável se torna um luxo que lhe é negado. A única via para a sua vida retomar a normalidade será a morte, mas se ela vier, será sobrecarregada de remorsos terríveis, que o atormentarão ao longo da eternidade.

    Em meio a esses destinos entrelaçados, Caio ainda se enreda num romance proibido com sua jovem madrasta, se tornando alvo da ira de seu próprio pai, um temido coronel cujas atrocidades são conhecidas por todos, e Caio sabe que o velho coronel não hesitará em trucida-lo se vier a descobrir a traição dupla que se desenha.

    Nesse labirinto de mistérios, Caio se encontra preso entre dois mundos, e suas escolhas o levarão a um confronto terrível com o passado e um futuro incerto, numa trama que cativa e emociona até a última página.

    5

    DEDICATÓRIA

    Dedico este livro ao Deus do Universo, que me abençoa com tudo o que Eu Sou, onde eu estiver.

    6

    CAPÍTULO I

    O primeiro sinal do Principado de Queluz Depois de um dia intenso, resolvendo todas as pendências, que ainda restavam para que ele pudesse viajar para a fazenda do seu pai, Caio se jogou de costas sobre a sua cama, completamente nu.

    Em poucos segundos, o belo rapaz já se encontrava totalmente relaxado, pensando em banalidades da sua vida leve, porém, quando ele ia sendo tomado pelo sono, foi despertado pelo rangido agudo produzido pelo atrito do metal ressecado da maçaneta da antiga porta, que se movimentava lentamente, anunciando que alguém estaria prestes a entrar ali no quarto.

    Prontamente, Caio se sentou na cama em estado de alerta, cobriu o seu ventre com o lençol, resguardando a sua intimidade, enquanto aguardava, quem quer que seja, passar através da porta que continuava se abrindo devagar, àquela hora da madrugada.

    Para grande surpresa de Caio, a porta se abriu e revelou a sua jovem madrasta, que entrou rapidamente para a suíte, fechando a porta atrás de si com muito cuidado, evitando fazer barulho, enquanto exibe seu belo corpo sob uma camisola de renda preta, transparente, que desenha como uma tatuagem a sensualidade e a beleza das suas formas perfeitas, deixando Caio muito atordoado.

    O tremor das mãos da bela jovem, revelam o seu estado emocional abalado, enquanto um turbilhão de emoções passa pelo seu coração atordoado, motivados por pensamentos adversos, que rondam as profundezas da sua mente, por estar na presença de Caio, nu, à sua frente, ao mesmo tempo em que ela teme pela possibilidade do pai 7

    dele acordar e dar por sua falta na cama, o que seria a sentença de morte para eles dois.

    Caio por sua vez, sente a tentação rondando a sua alma e embola o lençol com as duas mãos para cobrir o seu membro, que já manifesta a sua excitação, diante daquela deusa, a quem ele deseja ardentemente, mas sabe o significado macabro que esse encontro terá, se o seu pai souber dessa dupla traição.

    Essas ponderações o fazem decidir por cortar o mal pela raiz, optando pelo amor ao seu pai, norteado pelo rigoroso código de ética que ele lhe ensinou e, firme nesse propósito, Caio reage energicamente, sem esquecer o tom baixo da voz, sempre sibilada, para evitar que alguém fora do quarto o escute:

    — Sai do meu quarto, sua louca! Bradou Caio, ao se levantar bruscamente da cama, deixando lençol cair e revelar a sua artilharia em posição de combate.

    — Deixa eu cuidar dele por favor, Caio! Suplicou a bela garota com muita doçura, tentando alcançar a intimidade dele com a sua mão nervosa.

    — Você enlouqueceu? Vai embora! Insistiu Caio, juntando o lençol e cobrindo outra vez o seu segredo.

    — Nós estamos prontos um pro outro, vamos fazer amor, Caíto! Insistia a bela menina, tentando puxar o lençol para liberar a nudez de Caio que, tratou de recuar rápido para fugir do alcance dela.

    — Por favor, some da minha frente, agora! Caio disse essas palavras, dando um passo em direção a ela, empurrando-a para fora do quarto.

    — Você está excitado comigo, Caíto! Por favor me possui! Apelou a bela garota, abrindo os braços e avançando para abraçá-lo.

    — Já te falei: Vai embora! Caio chegou a se esquecer de que alguém podia lhe escutar, ao gritar essas palavras, 8

    pois, o que lhe importava naquele instante era se livrar daquela garota maluca.

    Disposto a não ceder à tentação, Caio abriu a porta, puxou a bela ninfeta pelos ombros, empurrando-a para o corredor, tratando de fechar a porta à chave, evitando que ela voltasse para a suíte.

    Depois de respirar aliviado, Caio juntou o lençol do chão e se jogou abraçado a ele sobre a cama.

    Enquanto isso, o seu pai acorda assustado de um pesadelo terrível, no qual uma onça entrara no curral e destroçara o seu reprodutor puro de origem importado, pelo qual ele havia pago muito caro.

    O pai de Caio ainda se senta na cama com a respiração muito ofegante, apalpa a parede com a sua mão trêmula, à procura do interruptor e, ao encontrá-lo, o aciona, acendendo a luz do abajur.

    A primeira coisa que o velho coronel fez foi olhar para o lado da cama aonde a sua jovem esposa se deita e viu que a cama estava vazia, com a colcha desarrumada.

    O rude coronel olha para a porta do banheiro da suíte, procurando algum indício de que a sua joia preciosa estivesse por ali, acreditando que ela tivesse o cuidado de não acender a luz para não o incomodar, o que não seria muito plausível, uma vez que, a porta do banheiro isolaria a luz, quando fechada, como eles sempre o fazem ao usar o banheiro durante o sono de cada um deles.

    Descartando veementemente a possibilidade da sua belíssima haver saído da suíte, o velho coronel se levanta e vai até a porta do banheiro, acende a luz, entra no banheiro, vai até o box e verifica se ela não estaria escondida para lhe pregar alguma peça, mas ao verificar que ela não se encontra por ali, o mundo dele revira de cabeça para baixo.

    O pai de Caio sente um frio mórbido congelar a sua alma, enquanto o chão lhe falta sob os pés, dificultando os 9

    seus passos descompassados, junto com o ar que lhe foge, deixando o seu coração disparado e o seu sangue gelado sob o efeito da adrenalina detonada pelo medo, pelo ciúme e pelo ódio, que lhe tomam a alma por completo.

    O velho coronel volta para perto da cama, se agacha com dificuldades, para verificar a improvável possibilidade da sua bela estar escondida debaixo dela, só para lhe fazer de bobo, contudo, outra vez ele se decepciona.

    Impulsionado pela fúria, o pai de Caio se lança feito um louco sobre a cama para alcançar a mesa de cabeceira, abre a primeira gavetinha, pega o seu revólver com a mão direita trêmula e, em seguida, apalpa o interior da gaveta com a mão esquerda, a qual chega a percutir contra a tábua fina do fundo daquele compartimento, denunciando o alto grau de tremor que se apossou dela, enquanto ele abarca algumas balas entre os dedos e a palma da mão, as junta, apoiando-as contra a beirada da gaveta, até conseguir juntá-las todas na palma da mão, como se fosse um punhado de bombom.

    Com o juízo completamente tomado pelo ódio e confuso pelo torpor do ciúme, o temido coronel se levanta da cama, saca o tambor do revólver, carrega-o com as quatro balas catadas na gaveta, empunha o revólver e segue pelo corredor, acionando nervosamente todos os interruptores que ele encontra pelas paredes, procurando por sua amada em cada canto, ou, nos vãos entre os móveis que ele encontra pelo caminho, até chegar ao corredor da suíte de Caio, onde ele sente o desejo ardente de morrer, ao avistar a sua bela ninfeta segurando o trinco da porta da suíte do seu filho, tentando abri-la, a qualquer custo.

    Embora o velho ciumento, alimentasse durante todo o percurso, a ideia de que a sua jovem esposa estivesse com outro homem, ele sente um impacto profundo na alma, ao avistá-la diante da porta da suíte do seu filho.

    10

    Para a jovem mal-amada, avistar o seu velho esposo naquele corredor, empunhando aquela arma, foi o aviso de que os seus últimos segundos de vida se anunciavam nos passos desgovernados daquele homem, com os seus cabelos desgrenhados e a fúria saltando-lhe através das narinas ofegantes, sob a insana pressão da sua ira.

    A infeliz moça ainda bateu duas vezes na porta, tentando o socorro de Caio, mas seu único alento foi se comprimir de costas contra a folha da porta, como se quisesse passar através dela, para ir a outro lugar, aonde a sua vida pudesse ser poupada.

    — Tu estavas no quarto do meu filho, sua vagabunda!

    Berrou o velho coronel, empunhando o revólver enquanto avançava para perto dela.

    — Eu só vim trazer um lençol para ele, amor! Tenta se justificar a bela menina, sem ter outra desculpa que lhe ocorresse à mente, já sentindo em sua alma a ação dilacerante da primeira bala rasgando-lhe o peito e destroçando o seu coração.

    O implacável coronel se lançou sobre a desafortunada garota, a pegou pelos cabelos e a fez passar rodando pelo meio do corredor, para se chocar de frente contra a parede do lado oposto à porta da suíte.

    Ao escutar o barulho e a voz do seu pai, Caio se levanta apressado, abre a porta do quarto e vai nu para o corredor.

    — O que é isso pai? Indaga Caio, prevendo uma desgraça iminente, que ele adivinha no semblante transfigurado do seu rude pai.

    — A última coisa que eu esperava era ser traído pelo meu próprio filho. Lamenta-se transtornado o coronel, apontando a mira do revólver para o rosto de Caio.

    — Por favor, meu pai, não faça nenhuma besteira!" Implora 11

    Caio, se aproximando um pouco mais do seu pai. — Eu e ela não fizemos nada!

    — Tu estavas com a minha mulher, sim! Homem nenhum vai tripudiar em cima de minha honra, nem mesmo o meu único filho. Bradou o temido coronel, engatilhando o revólver e disparando um tiro certeiro no centro da testa do filho.

    Sob o impacto da bala, Caio foi projetado de costas e assim, o seu corpo trêmulo, caiu no meio do corredor, onde, em poucos segundos, o piso à sua volta se vê tomado por uma poça de sangue estagnado, refletindo nitidamente em seu espelho vermelho, a luz do teto do corredor.

    Nesse instante, Caio acorda de supetão, muito assustado. Ele se senta na cama, respira fundo, esfrega os olhos e olha à sua volta. Em seguida, Caio vai até a porta, abre-a, espreita o corredor vazio, esfregar o rosto com as duas mãos antes de voltar para o interior da suíte, para pegar a sua mochila que se encontra arrumada ao lado da cama e seguir para a rua, uma vez que, ele já estava um pouco atrasado para a viagem que fará para a fazenda do seu pai hoje, às quatro da tarde.

    Em pouco tempo Caio chegou ao cais do porto de São Luís onde ele pretende embarcar num barco a vela de pequeno porte, para fazer a travessia da baía até as terras do seu pai, motivo pelo qual, o jovem rapaz caminha apressado pelo cais, sobre pedras seculares, no meio do movimentado tráfego de pessoas.

    No momento em que Caio se aproxima da cabeceira de uma rampa de madeira que dá acesso do cais ao barco, Caio é barrado por três Ciganas aparentando ter uns 12

    cinquenta anos e, uma Cigana mais madura aparentando ter mais de setenta, todas elas trajando roupas típicas, as quais parecem ter passado pela rampa, vindo do barco para se encontrarem com ele.

    As quatro ciganas se acercam de Caio e a cigana mais velha pega a sua mão direita, para ler.

    — Deixa-me ver a linha da vida desse belo mancebo!

    Disse-lhe a cigana passando a ponta do seu dedo indicador sobre a linha da palma da mão de Caio.

    — Solta a minha mão, porque eu não acredito nessa parada, minha vó! Alertou-lhe Caio, puxando a sua mão das mãos da velha cigana.

    — Vó Anísia nunca errou uma leitura de mão, meu rapaz. Informou-lhe uma das três ciganas mais jovens.

    — Então leia rápido, porque eu estou com pressa!

    Exclamou Caio, buscando se livrar o mais rápido possível das mãos daquela senhora.

    — Tem gente encantada no fundo das águas que está te procurando! Balbuciou a estranha senhora, olhando de soslaio para os olhos de Caio, esperando ler a reação do ansioso rapaz.

    — E tu quer que eu acredite nisso? Indagou-lhe Caio, mostrando-se cético e um pouco irritado por estar perdendo o seu tempo, empatado por aquelas Ciganas esquisitas.

    — Nós nem vamos te cobrar por essa leitura, meu rapaz. Voltou a alertar-lhe a cigana mais nova.

    — E eu também não ia pagar, porque eu não pedi pra ninguém ler a minha mão! Retrucou Caio, em tom um pouco atrevido.

    — Tem uma princesa que tá querendo a tua cabeça e, por isso, tu ainda será muito perseguido por eles.

    — Sem essa, minha tia! Deixa eu seguir meu caminho, senhora, eu tenho mais o que fazer, minha comadre! Disse-lhe Caio, puxando a sua mão, das mãos da cigana, 13

    demonstrando-lhe que a sua paciência acabara de se esgotar naquele instante.

    — Ainda nessa viagem, quando tu vires o povo andando no fundo das águas sem se afogar, tu vais lembrar do que esta velha cigana te disse agora! Que Ramon proteja os teus caminhos com o seu punhal de ouro. Disse em tom profético a velha cigana, ao soltar a mão de Caio.

    As palavras daquela senhora deixaram Caio muito impressionado e, por isso, ele se deteve um pouco olhando para elas, enquanto as quatro mulheres atravessavam a avenida

    de

    forma

    apressada

    e,

    subitamente,

    desapareceram antes de serem atingidas por um ônibus que avançava em direção a elas a grande velocidade.

    Depois de tentar ajeitar por várias vezes, os seus cabelos, passando as mãos, para desfazer o efeito do vento intenso daquela beira-mar, Caio seguiu para o barco, impressionado com tudo o que viu e ouviu daquelas fantasmagóricas mulheres.

    A passos largos, Caio atravessou a rampa de madeira e foi para um barco à vela de médio porte, em cuja lateral estava estampada em cores vivas: Fé em Deus,

    identificando o nome daquela graciosa embarcação.

    Caio atravessou a oscilante prancha, com a tranquilidade e a maestria de um marinheiro veterano, destoando do verdadeiro malabarismo de circo amador, que a maioria das pessoas fazia, para completar aquela pequena travessia.

    Ao chegar no final da rampa, Caio pulou para o convés do barco e andou por aquele assoalho oscilante, com muita destreza, em meio à tripulação, que ainda estava transportando tonéis, engradados de bebidas e sacos de cereais, numa movimentação rápida, indo do convés até a porta da escotilha, onde eles as entregam para outros tripulantes, que estão dentro do porão da embarcação.

    14

    Enquanto muitas pessoas sentem enjoo, em relação ao cheiro do breu que é usado para lacrar as estopas e vedar os espaços entre as tábuas, impermeabilizando o casco do barco, Caio o acha aquele odor agradável, pois, lhe remete às lembranças da sua infância, viajando acompanhado dos seus pais, na sua primeira viagem, ainda bem criancinha.

    Caio não demora a encontrar o velho Euzébio, o mestre daquele barco e amigo antigo da sua família, que, ao vê-lo embarcado, vem logo ao seu encontro, com os braços abertos, prontos para abraçá-lo e com um grande sorriso estampado em seu rosto marcado pelos seus setenta anos, dos quais, mais de quarenta deles, foram vividos como mestre de barco, sobre as ondas do mar, ao impacto do ácido ar marinho, que ajudou muito a frisar a sua pele, recozida pelo causticante sol do equinócio, que também a deixou enegrecida, contrastando com os suas barbas e cabelos brancos.

    Toda vez que se encontra com Euzébio, Caio parece voltar à sua infância e quase se comporta, como um menino de pouca idade, diante dos mimos daquele veterano barqueiro, com quem ele adora fazer brincadeiras, mas sem nunca perder o seu imenso respeito pelo velho marinheiro.

    — E aí comandante Euzébio? Pode soltar essas velas, porque eu quero chegar logo lá em casa, meu parceiro!

    Saudou-lhe Caio, abraçando Euzébio e dando palmadinhas nas costas dele.

    — Apressado come cru! Aqui quem manda é o vento e a maré. Responde Euzébio, com o tom de um sábio.

    Meia hora depois, que Euzébio autorizou a tripulação a içar as velas, o barco já singrava a Baía de São Marcos, contornando a Ilha do Medo, seguindo em direção ao Boqueirão, o terror da travessia, porque desde o início da colonização, ele vem fazendo as suas vítimas, naquele turbilhão de águas, que se comporta como a grande esfinge 15

    da baía de São Marcos, ceifando a vida, daqueles que não decifram o seu enigma, escrito na estranha forma do correr das suas ondas, ordenadas em traiçoeiros redemoinhos, dos quais surgiu o nome do Estado do Maranhão, oriundo da palavra: Maragnon, - água que corre brigando.

    O barco segue ziguezagueando na linha d’água, tateando o espaço com as suas velas, em busca do vento para inflá-las e impulsionar aquela preguiçosa embarcação, que a cada manobra, já se afasta da enseada do Boqueirão.

    Naquele momento da viagem Caio sempre prefere ficar em pé no convés, segurando-se ao mastro do barco, com o rosto voltado para a ilha de São Luís, para vê-lo se amiudar até sumir por detrás da ponta da Ilha do Medo, como se aquela ilha fosse a cortina de um teatro, encerrando o majestoso espetáculo, com o cenário singular do imenso conjunto arquitetônico do centro histórico, banhado de luz pelo dourado e resplandecente sol das cinco horas da tarde, que é rebatido aos céus, pela reluzente pele de azulejos, da mística Athenas Mestiça do Equinócio.

    Algum tempo depois, o barco já toma o centro da Bahia de São Marcos, contracenando com o sol, que se ocupa em desenhar o ocaso no horizonte, reduzindo o barco a uma silhueta uniforme, navegando sobre as agressivas ondas da baía crespa e revolta, matizada pelas coloridas nuvens da aquarela de Deus, antes que, em poucos instantes, o sol se esconda, permitindo que a densa noite trague o mar com o seu ventre escuro, deixando com as suas estrelas a tarefa de mostrar o caminho para aquele pequeno veleiro, que deriva sobre as águas traiçoeiras daquela baía.

    O mau tempo parecia estar aguardando a noite cair, para agir traiçoeiramente, como fazem todos os covardes, esperando a treva para agir, com medo de enfrentar a luz.

    16

    Todos estavam relaxados sobre o convés da embarcação, quando subitamente, o tempo sofre uma mudança radical e o mar dá sinal da sua fúria, encrespando suas imensas ondas, atacando o barco violentamente, como se fosse uma luta entre titãs, fazendo a embarcação saltar impetuosamente, para impactar forte contra as vagas, ocasionando uma pancada violenta contra o seu casco, como se o mesmo houvesse tropeçado contra os pés de um gigante, produzindo um barulho tão seco, que dá a impressão de haver esbarrado contra um penhasco, assustando muito aos passageiros e dando um trabalho insano para a tripulação, que usa de todos os recursos para manter aquele barco em seu curso e também permanecer sobre as águas.

    Há uma grande correria dos tripulantes, corrigindo as amarras, as alturas e a direção das velas, assim como, o alinhamento do leme para compensar o ataque dos ventos e as variações das ondas que, insistem em desgovernar o leme, dando-lhe muitas vezes a função inusitada de governar os marujos, empurrando-os com o seu cabo, fazendo-lhes deslizar sobre o convés encharcado, como se estivessem patinando sobre uma barra de sabão molhada.

    Euzébio como o mais experiente e, também, pela sua própria posição na hierarquia dos embarcados, tem que se desdobrar muitas vezes, para ajudar os seus tripulantes no controle da vela castigada pelo vento e, nos demais comandos necessários para o equilíbrio da embarcação.

    Até Caio entra na força tarefa, para auxiliá-los, porquanto, o vento demonstra sua potência, imprimindo muita força em suas rajadas, intimidando até aos barqueiros mais experientes.

    Porém, assim como veio, esse furioso vento sudoeste se foi e, de repente, tudo volta a pairar sobre a mais intensa 17

    calmaria, como se o barco estivesse navegando dentro de uma lagoa tranquila.

    Exaustos, Caio e Euzébio deixam o trabalho com as velas, para os tripulantes e se sentam sobre a tampa da porta da escotilha, enquanto o barco navega serenamente, como se houvesse mergulhado num silêncio abissal.

    — O pior já passou, agora é só o vento nos levar em frente! Comentou Euzébio, olhando para o céu tentando vislumbrar as estrelas escondidas pelas densas nuvens.

    — Esse mar está meio sinistro! Observou Caio, estranhando a brusca mudança do tempo.

    — Ele só fica desse jeito, quando tem alguém embarcado, que está devendo alguma coisa para ele, assim dizia os antigos. Comentou Euzébio, tentando, outra vez, enxergar as estrelas através da escuridão.

    — Devendo, como? Indagou Caio, sentindo-se confuso diante das palavras de Euzébio.

    — É um mistério, as vez, antes da pessoa nascer, ela já deve o mundo... Comentou Euzébio, penteando as barbas com os dedos, enquanto fita o céu escuro.

    — Mestre, tu não andou conversando hoje com as ciganas, andou? Perguntou-lhe Caio, achando uma semelhança entre a afirmativa de Euzébio e as palavras que a cigana lhe dissera lá no porto.

    Mal Caio fechou a sua boca e, sem nenhum anúncio prévio, uma onda gigante surgiu do nada, quebrando abruptamente sobre o barco, despejando toneladas de água sobre o convés, chegando a arrastar Caio e Euzébio, obrigando-lhes a saltar igual a dois gatos, para se agarrar ao pé do mastro, ao mesmo tempo em que os outros tripulantes se prendem às cordas do leme, tendo um deles escapulido para fora da embarcação, precisando ser pescado pelos seus companheiros, para poderem trazê-lo de volta para o barco, preso a uma corda.

    18

    Todos ficaram muito assustados, com o impacto absurdo daquela onda inusitada, que arrastou consigo, todas as bagagens do convés e produziu um barulho estrondoso, semelhante a um gigantesco trovão.

    — Cacete, velho! Se eu não tivesse guardado minha mochila no porão, ela tinha dançado agora. Comentou Caio, enxugando o rosto com as mãos e olhando para o escuro profundo, por onde a onda se foi.

    — Levou meus tonéis todos, foi sorte estarem vazios.

    Lamentou-se Euzébio, olhando para o convés encharcado.

    — Pensei que eles estavam cheios de querosene.

    Comentou Caio, aguardando a confirmação de Euzébio.

    — Eu estava levando para botar água. Acrescentou Euzébio, com muita melancolia em sua voz, vendo a água escorrer da sua roupa sobre a tampa do convés.

    Todos estranham que o som da onda, ainda continue bem audível, tempos depois da sua passagem. Todavia, de forma assombrosa, subitamente, esse barulho vai se transformando num som semelhante ao burburinho de milhares de vozes falando ao mesmo tempo, deixando todos muito assustados e apreensivos.

    E mais assustados eles ficam, ao perceberem que, o volume do som produzido pela onda, está aumentando, como se ela estivesse voltando novamente em direção ao barco e, em poucos segundos, o som se avoluma e explode ao lado do barco, como se fosse a reprodução de um som mecânico de grande potência, ligado ali junto deles, emitindo um grande acorde em tom maior, cantado igual a um coral polifônico, finalizando uma música épica.

    Caio e Euzébio, assim como toda a tripulação, são tomados pelo assombro, mas em poucos instantes, o som do coral suaviza, até se tronar inaudível, deixando tudo muito quieto novamente.

    19

    — Caraca! Nunca tinha visto isso. Comentou Caio, retirando a sua camisa encharcada e torcendo-a para retirar o excesso da água.

    — Deve ser algum sinal do reino do Dom Sebastião.

    Cogitou Euzébio retirando a camisa e também torcendo-a para retirar a água.

    Nesse instante, o experiente mestre, percebe alguma coisa estranha na lateral direita do barco, então, ele se levanta e vai até lá para averiguar do que se trata.

    Caio também se levanta e acompanha o velho barqueiro, buscando entender o que pode estar provocando aqueles fenômenos sinistros.

    Desconfiando de alguma ação invisível por detrás daqueles eventos estranhos, Euzébio segurou firme um patuá, que ele traz pendurado ao seu pescoço, preso a um colar de fio de algodão.

    Embora Caio seja muito cético, ele sentiu as suas estruturas se abalarem, diante dos últimos acontecimentos, uma vez que, não conseguiu nenhuma explicação provável, para os fenômenos que ele testemunhara a poucos instantes.

    — Caraca, velho! Alardeou Caio, ao perceber uma luz muito estranha vindo de dentro do mar.

    — Aprende uma coisa, filho: O que olho vê, boca não diz palavra. Olha e guarda pra ti. Repreendeu-lhe Euzébio.

    A estranha luz azulada, vai aumentando de intensidade rapidamente, iluminando todo o interior da baía, transformando-a em pura água cristalina, com luz tão intensa, que ilumina todos eles que estão dentro do pequeno barco, enquanto a intensidade daquela luz vai crescendo numa velocidade impressionante.

    Em poucos instantes a estranha luminosidade tomou conta de toda a baía, transformando toda a sua água, numa imensa massa de luz compacta, tátil, incidindo do fundo para 20

    a superfície, que se transformou num imenso bloco de vidro diáfano, o qual, aos poucos, vai se compactando e se tornando uma gigantesca lâmina de plasma, feita de luz azul gelatinosa, plana e transparente, sobre a qual, o barco vai deslizando, suave e silenciosamente, como se navegasse sobre macias nuvens.

    A mente e o coração de Caio estão repletos de cogitações e até mesmo de medo, visto que, ele se vê literalmente, sem chão para assentar sua alma e a sua lógica de incrédulo. Diante do indomável fenômeno, ele volta a relembrar das palavras da velha cigana, embora não as revele a ninguém, preferindo ficar quieto e se acomodar agachado, para, em seguida, se deitar de bruços, sobre o piso molhado do convés, segurando-se à borda do barco, buscando mais segurança, na horizontalidade do seu corpo, escudado pelo beiral da embarcação, prevenindo-se, caso outra tormenta venha a surgir repentinamente e se abater sobre eles.

    Euzébio segue os passos de Caio e se deita debruçado sobre o convés, ao lado dele.

    — Cigana velha sinistra, velho! Exclamou, Caio, quase perdendo o fôlego, ao avistar, no fundo do mar, uma cidade Moura muito antiga, fantasticamente iluminada, a mais ou menos três dezenas de metros, abaixo da lâmina de luz cerúlea.

    — O que olho vê, boca não fala! Reprimiu-lhe Euzébio, enquanto colocava o dedo indicador sobre os lábios, pedindo-lhe silêncio.

    A brisa marinha suave fazia o barco deslizar com leveza incomum sobre aquela lâmina azulada, parecendo mais com um balão, flutuando silenciosamente, ao sabor de um céu sem vento, enquanto eles singram a lâmina de luz, sobre a grande cidade medieval.

    21

    Aquela visão é tão extraordinária, que fez Caio esquecer os seus temores, embevecido pela exuberância das edificações imponentes, das ruas movimentadas e de uma vasta praça, rodeada por suntuosos palácios, onde uma multidão, vestida como nos filmes da idade média, ovacionava um cortejo composto por centenas de cavaleiros do exército otomano do sec. XVI, servindo de batedores para uma Carruagem real, posicionada ao centro dos pelotões, que já iniciavam entrar no portão central do palácio real.

    Caio ficou bastante confuso ao ver aquela cidade repleta de palácios e de pessoas, onde supostamente, deveria ser o fundo do mar, mas o que mais lhe aflige naquilo tudo, é que aquele lugar lhe parece extremamente familiar, embora ele não consiga se lembrar de onde ele o tenha conhecido.

    Mansamente, o barco vai saindo de cima da cidade, deixando todos impressionados com a beleza singular daquela visão e, logo que a cidade desaparece, ao ser encoberta pelo fundo do barco, todos eles passam imediatamente, para o outro lado do barco, para continuarem apreciando aquela imagem assombrosa.

    Todavia, para surpresa de todos, ao chegarem do outro lado do barco, eles veem apenas o mar escuro, onde não se pode mais ver absolutamente nada e, nesse mesmo tempo, o barco recebe uma pancada violenta na sua lateral oposta, obrigando-os a se segurarem nas cordas da vela, para não serem jogados ao mar.

    As

    pancadas

    continuam

    sendo

    desferidas

    repetidamente, contra o casco do barco, sem que eles encontrem a causa daquelas colisões estranhas, que são muito diferentes do impacto das ondas contra o casco.

    Após muito esforçarem as suas vistas para achar alguma coisa na escuridão, eles vislumbram, através da 22

    sombra da noite, o vulto das voltas do corpo de uma sucuri gigante, cortando com fúria as cristas das ondas e se arremessando contra a lateral da embarcação.

    Instintivamente, Euzébio segura o patuá do seu cordão, se ajoelha, batendo três vezes com as mãos espalmadas, contra o piso do convés, balbuciando alguma reza indecifrável, enquanto as grandes dobras do corpo da serpente aparecem aos dois lados do barco, fazendo-lhes sentir a força brutal daquele animal, esfregando as suas escamas contra o casco do barco, mas conforme Euzébio intensifica as suas rezas, as dobras do corpo da serpente desaparecem entre as ondas revoltas.

    Logo que a serpente desaparece, Euzébio olha para o firmamento, pois, as estrelas poderiam lhe ser úteis, mas estão encobertas pelas nuvens, impedindo-lhe qualquer possibilidade de visualizar a posição do cruzeiro do sul ou, das três Marias, pelas quais encontraria a orientação, para voltar à rota original. Então, Euzébio pega uma vara de empurrar canoa, mede a profundidade das águas, afundando-a verticalmente e, após auferir por três vezes a profundidade, ele dá as ordens aos homens de bordo.

    — Topou com o fundo, a maré está secando. Joguem a âncora e vamos passar a noite aqui.

    Euzébio sabe que, seguir sem rumo por essas águas, é o mesmo que procurar um abismo, para se jogar de cabeça.

    No dia seguinte, Caio, Euzébio e os tripulantes, são despertados pelos primeiros raios do sol, que aparecem lambendo o mar nos limites do horizonte distante, dando-lhes outra vez o norte para a rota original do barco, traçada por Mestre Euzébio.

    23

    CAPÍTULO II

    O mundo da fazenda Pajuçara.

    O Sol radiante que iluminou as águas da baía, também descortinou os belos prados onde se encontra o porto de destino de Caio.

    Em frente a um grande campo de pastagem, na imensa planície, coberta por vegetação baixa, em sua maioria capim de pasto, se estendendo por toda a extensão até onde a vista pode alcançar, como se fosse um grande paraíso de superfície muito plana, onde a natureza não economizou na sua paleta, as suas tonalidades, nas cores de flores e das nuances do verde nas pradarias, predominantes nessa grande extensão.

    Essa bela região é habitada por uma diversidade incontável, de animais, aves e peixes, distribuídos entre os rios, lagos e açudes, encontrados em abundancia por essas terras, sobre os quais, pássaros inumeráveis, sobrevoam em bandos ruidosos onde os seus cantos se misturam desordenadamente, denotando a eufórica alegria daqueles pequeninos seres, saudando um novo dia, indiferentes às suas minúsculas proporções, diante da imensidão da paisagem que se expande e se funde ao céu no distante azul do infinito.

    Ao Noroeste, o vasto campo é limitado pela exuberante floresta de galerias, anunciando o início da Amazônia, onde também se encontra, escudada por essa imensa cortina de mata selvagem, a casa grande da fazenda Pajuçara, a propriedade de Bertoldo Serrão, o pai de Caio, homem descendente, de antigos proprietários das sesmarias que colonizaram esse lugar.

    24

    O cartão de visitas da grande fazenda é um vasto pátio gramado, fechado por uma cerca de arame farpado, com dois metros de altura, tecida com esmero por algum artífice, mestre na arte de tecer rendas com aqueles fios de metal, deixando as suas tramas milimétricamente calculadas entre um mourão e o outro, como se fosse uma partitura musical escrita com oito linhas.

    Bem ao centro dessa pauta de arames e mourões, encontra-se um compasso de silêncio, representado pela imponente porteira, construída em peças de madeira robustas, lavradas em seculares árvores de angelim, que sustentam com as suas colunas, os seis pares de dobradiças de bronze, feitas sob encomenda para atender ao peso e às dimensões daquelas cancelas, que permitem, ou impedem, o acesso ao grande pátio.

    Uma robusta viga horizontal, também de angelim, coroa o imponente portal, que cumpre a honrosa função de sustentar ao seu centro, as duas ordens de correntes, nas quais está pendurada uma bela placa de madeira de cedro, patinado com o tom escuro do betume da Judéia, para destacar a inscrição: FAZENDA PAJUÇARA, lavrada em entalhe robusto pintado de branco.

    Pajuçara foi um nome adotado pelos antepassados de Bertoldo Serrão, que tiveram contato com os primitivos senhores daquela terra de Pacuripanam, (folhas de bacuri), tribo importante que chegou a ser visitada pelos franceses, quando da sua missão de 1612 e lá estiveram, todos os mais importantes expedicionários franceses, fazendo acordo com os índios, que já haviam sido procurados pelos portugueses com aquele mesmo objetivo, anos antes.

    A palavra Pajuçara, tem origem Tupi-guarani e significa: Homem muito grande, muito encorpado, ou de 25

    estatura elevada e é bem empregado para batizar aquela gigantesca propriedade de terras.

    A casa da sede da Pajuçara é uma construção em estilo imperial e, no momento, apresenta a sua fachada um pouco desgastada pelo tempo, demonstrando a queda do poder aquisitivo do seu proprietário, mas ainda assim, ela exibe o rigor dos seus traços imponentes por toda a sua fachada pintada de branco, tendo as portas e janelas pintadas em tom de azul colonial.

    Essa casa foi construída sobre um alicerce com dois metros de altura, abrigando em seu interior um grande porão, o qual toma toda a extensão inferior da casa, entre as suas robustas paredes feitas com pedras vulcânicas avermelhadas, talhadas com esmero pelos escravizados daquele tempo, cuja precisão é notada nos cantos dos alicerces, finalizados por pedras de cantarias brancas, encaixadas entre si com extrema maestria, arrematando a forma retangular, perfeita daquela construção.

    Ao centro inferior da bela fachada está situada uma exuberante escadaria, que dá acesso à casa grande, cujos degraus são feitos em pedra de cantaria, ladeada por corrimões compostos por uma balaustrada, feita com mármore de Carrara torneado, que sustentam sobre elas o peitoril, também feito em pedra de mármore esculpida, exibindo uma bela guirlanda de rosas, nas suas laterais internas, acompanhando a forma levemente acinturada da escadaria e sobem até a varanda, onde se junta ao peitoril que toma toda a extensão dessa parte frontal da casa.

    *****

    A movimentação da Pajuçara se dá desde cedo nas baias e nos currais, onde os peões lidam com as vacas, que são preparadas para a ordenha, ou com o manejo de 26

    alimentos e ainda, a manutenção da limpeza dos animais e dos ambientes.

    É exatamente da baia de ordenha que se escuta desde cedo o som de um radinho de pilha antigo que está sobre um banco de madeira, junto à parede esquerda da baia, sintonizado num programa dirigido ao povo do campo.

    — Um muito bom dia minha gente. Bom dia, dona, Maria! Saúda o locutor de voz empolgada, no ritmo que a programação lhe exige.

    No meio da lida, dos peões surge um cachorro, por eles apelidado como rompe nuvem, um cão de raça duvidosa, cujo bom trato a ele dispensado, se reflete na sua gordura e no brilho radiante dos seus pelos castanhos.

    Esse cão tem como rotina diária, entrar na baia e se deitar ao lado do banco, onde está o rádio e ali permanecer até o final do programa, após o qual, ele procura a primeira rede dos peões, que ele encontrar armada, para descansar até a hora do almoço.

    Dentre os peões que estão naquela lida, se destaca a figura de Rodrigo, pela sua boa estampa e por seu porte físico, superior aos demais, porque ele é daqueles sujeitos que, mesmo usando uma velha calça jeans desbotada com uma camiseta de meia malha, estonada pelo tempo, parece estar pronto para um ensaio, ou um desfile de moda masculina.

    Aos vinte e dois anos de idade, esse moreno claro, de postura viril e de muito bom astral, não economiza o belo sorriso, típico de comercial para creme dental, nem o seu talento e disposição para o trabalho com o gado.

    Mostrando-se um pouco suado, devido ao calor e a agitação do trabalho, Rodrigo acaba de ordenhar uma vaca, libera o animal, pega o balde com o leite e segue em direção à casa da fazenda, rodeando-a pela trilha de pedras do 27

    pátio, indo até cozinha, levar o leite para o café da manhã do patrão.

    Enquanto isso, Bertoldo Serrão, o patriarca da Pajuçara, entra na sala de jantar fazendo ranger algumas tábuas do piso antigo daquela sala, devido ao seu peso, um pouco excedente, para o seu porte físico de um metro e oitenta.

    Bertoldo é um homem sisudo, cujo rosto é envolto por uma farta barba e cabelos brancos, cortados em estilo clássico, delineando as suas entradas aos dois lados da sua testa, que o fazem parecer com um barão do café, mas ele é conhecido na região é como um coronel, pelo seu jeito pouco civilizado de resolver as suas pendências, aliás, além de autoritário, ele é um homem de poucas palavras e de muitas arbitrariedades.

    Como faz todas as manhãs, Bertoldo acorda cedo e é sempre o primeiro a chegar à mesa da sala de jantar, onde se senta em sua cadeira cativa à cabeceira daquela grande mesa antiga, feita com peças robustas de cedro, tendo as pernas torneadas, exibindo uma sequência de bordas esféricas, em tamanhos que se amiúdam, à proporção que descem para as pontas das pernas.

    Siana a empregada da casa, tem o cuidado de manter a pomposa mesa coberta por uma imensa toalha de linho, bordado com rebuscados desenhos que reproduzem graciosas guirlandas de flores silvestres e pássaros europeus, em ponto de Richelieu e sobre essa toalha, ela coloca outra toalha de plástico transparente, que permite a contemplação de toda a beleza da antiga toalha, que é uma relíquia de família, deixada pelos antepassados de Bertoldo.

    Complementando a beleza e requinte da mesa, estão doze cadeiras, distribuídas em número de cinco, para cada um dos lados da mesa e uma em cada uma das cabeceiras, sendo todas elas feitas em cedro, com os encostos altos, 28

    encimados por um medalhão entalhado, composto por um grande girassol central e tem os seus assentos em couro decorado com desenhos burilados no formato de elegantes arabescos, pregadas à madeira por tachas de bronze, já polidas, devido aos longos anos de uso.

    O café da manhã está servido sobre a suntuosa mesa e convém ressaltar que, Siana prepara o café com todo esmero, afinal, ela conhece cada pessoa daquela casa, como nem eles mesmos se conhecem.

    Siana é uma loira gorda, de olhos azuis, com sessenta anos de idade, apesar de ter rosto que não denota a sua idade e um o olhar profundo de quem tem muita sabedoria de vida.

    Siana se veste sempre com vestidos de mangas curtas, de cintura alta, bem drapeada, para dar vazão à saia farta com o comprimento que alcança até o meio das suas canelas, sendo esse um padrão que ela determina para se vestir, assim como o hábito de manter os seus cabelos sempre presos em forma de coque, pois, ela acredita piamente que, qualquer mudança nesses formatos, implicaria em algum acontecimento desagradável, nesse dia, seja para ela ou, para algum ente querido seu.

    Com a morte de Ana Luiza, a esposa de Bertoldo, ocorrido há seis anos, Siana praticamente assumiu o comando de tudo, não apenas na cozinha, onde ela comanda há mais de quarenta e cinco anos, sendo esse um dos motivos que lhe torna a única voz capaz de fazer Bertoldo recuar, nos seus momentos de fúria, enquanto Caio e Bruna a adotaram como a grande mãe e avó, posto que ela assume com muito orgulho.

    Todos os dias Siana serve as refeições repetindo a disposição de cada utensilio, ou prato servido, com grande precisão, diante de cada uma das três cadeiras da cabeceira, onde Bertoldo está sentado.

    29

    Ao centro da cabeceira da mesa, Siana coloca sobre suportes feitos de linho bordado, os dois bules de porcelana inglesa, sendo um com café e o outro com leite, sem afetar o espaço onde estão postas as cinco grandes travessas de porcelana, das quais, uma delas está abastecida com manga rosa fatiada e banana roxa caramelada, uma com um suculento bolo de milho, outra com bolo de tapioca cortado em pedaços e outra com queijo de Bacurituba, um queijo de sabor e textura singulares.

    A luz do sol e a suave brisa da manhã entram na vasta sala através de duas belas janelas situadas nas paredes localizadas por detrás da cadeira onde Bertoldo está sentado.

    Ambas as janelas são de folhas que se abrem em duas bandas, feitas em madeira, pintadas na cor azul colonial, tendo na extremidade superior de cada uma das janelas, as bandeiras divididas em quatro retângulos de vidro bisotado, branco e transparente.

    No centro da parede, pelo lado esquerdo da sala está uma grande porta de madeira pintada de azul colonial, também com bandeira igual às das janelas, que dá acesso à sala social da casa.

    Na parede oposta à porta que dá para a sala social, se encontram pendurados dois retratos muito antigos dos pais e dos avós de Bertoldo. Abaixo desses quadros, está um grande móvel de jacarandá com seis portas de madeira polida, cujos centros são adornados por brasões entalhados em alto-relevo, apresentando belos arabescos envolvendo um arranjo bem elaborado com frutas tropicais, tais como tamarindos e abacaxis, presos pelas garras de um gavião do mato.

    Sobre esse suntuoso móvel encontra-se um rádio de pilha grande, modelo Transglobe Philco, sintonizado no mesmo programa sertanejo, escutado na baia pelos peões, 30

    onde o locutor tagarela, alheio a tudo, continua fazendo a cortina de fundo da vida daquela gente.

    — Bom dia a toda essa minha gente boa daí dos Pântanos Maranhenses! Para todos os compadres, eu ofereço mais um sucesso na doce voz do meu amigo Josias Sobrinho: Engenho de Flores, a sua música mais cantada pelo Brasil e pelo mundo. Anuncia o locutor com muita ênfase.

    A música começa a tocar, tomando todo o ambiente e é o único som audível, naquele momento em que Daniela, a jovem esposa de Bertoldo, morena de 22 anos, cruza a porta que dá acesso ao corredor onde ficam localizados o quarto de Bertoldo, o quarto de Bruna e o quarto de hóspedes.

    Daniela está vestida com uma saia jeans que lhe cobre as belas coxas e parte dos joelhos, tendo o escultural busto encoberto suavemente, apenas por uma camiseta com gola tipo canoa, de malha fina, que quase mostra o desenho da sua bela anatomia, enquanto a camisa dança suavemente sobre os seus ombros, concorrendo com a opulência dos seus belos cabelos, longos, ondulados, loiros escuros, com luzes nas mechas frontais, para iluminar o seu rosto.

    Devido à sensualidade natural da sua jovem beleza física, até uma camiseta de meia malha, em tamanho grande, lhe cai tão bem, como se fosse um vestido sexy, feito sob medida, por um grande costureiro e, mesmo no frescor da manhã, ela parece estar saindo de um desses ensaios sensuais, feitos para revistas masculinas.

    Ao se aproximar de Bertoldo, Daniela beija-lhe carinhosamente a testa e senta-se à mesa ao seu lado direito.

    Logo em seguida, Bruna entra na sala, esfregando os olhos, com a cara de sono, ainda marcada pelos lençóis.

    Bruna tem apenas dezoito anos, pele muito clara, combinando com sua beleza, meiguice e o seu jeitinho meio 31

    infantil, escondendo um gênio difícil, de menina muito mimada e ingênua, que se veste com certo recato, apenas para cumprir a vontade do seu pai.

    Bruna puxa a cadeira e se senta ao lado esquerdo de Bertoldo, ela que é o seu grande xodó, por ser a sua única filha.

    Bruna pega uma xícara para se servir, no exato momento em que Siana traz da cozinha, uma bandeja de porcelana,

    repleta de

    cuscuz, para completar o

    abastecimento da farta mesa de café e, assim que ela coloca a abandeja sobre a mesa, pode-se ver a fumaça do vapor esvoaçando levemente sobre as fatias amarelo ouro, enquanto a manteiga acaba de se derreter sobre elas, acrescentando o aroma apetitoso da combinação dos cheiros do fubá cozido, com a manteiga fresca de garrafa, feita em casa.

    Após os retoques nas bandejas servidas sobre a mesa, Siana se detém um pouco perto de Bruna, lhe serve o leite e o café com o mimo de uma avó zelosa, depois, ela pega um pedaço de cada comida, servida em cada uma das bandejas e oferece para Bruna, mas a menina rejeita todos, apenas sacodindo a cabeça negativamente, sem retirar o olhar da xícara de café, disposta à sua frente.

    Ainda assim, ao terminar o seu ofertório, Siana fica ao lado esquerdo de Bruna e tenta fazê-la comer uma pequena fatia de bolo de milho, mas ela também a rejeita, chamando a atenção de Bertoldo, que observou tudo, tomando seu café, com fartas fatias do queijo de Bacurituba.

    — Bruna, minha filha, você tá com fastio? Não come nada!... Bruna mantém o rosto abaixado e não responde, demonstrando uma grande indisposição, em relação à figura do seu pai.

    32

    — Ela deve tá amando! O amor tira a fome da gente!

    Comenta Daniela, mostrando-se muito cautelosa, temendo uma resposta atrevida por parte de Bruna.

    — Eu tinha me esquecido que o almoço de noivado é hoje! Exclama Bertoldo, com certa empolgação.

    — Se fô pelo almoço de hoje, a menina deve tá é triste.

    Um noivo desse é de dá tristeza em qualqué mulhé! Retruca Siana, enquanto devolve o pedaço de bolo para a bandeja.

    — Por acaso tu entendes de homem, Baleia encalhada? Interpela-lhe Bertoldo, enquanto esboça um riso sarcástico.

    — Entendo o suficiente, para nunca querê me casá!

    Respondeu-lhe Siana, sem pestanejar.

    Siana dá uma rebanada para Bertoldo e volta

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