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O guardião do sétimo portal
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O guardião do sétimo portal
E-book496 páginas11 horas

O guardião do sétimo portal

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Sobre este e-book

Em O Guardião do Sétimo Portal, conheça as diversas vidas de Roumu e sua trajetória evolutiva, que pode ser vista como uma representação da caminhada de todos os seres humanos ao longo de suas vidas, e emocione-se com a jornada de um espírito que amou, sofreu, enfrentou desafios, andou entre as esferas de luz e trevas, conduzindo as almas para um caminho de ascensão, no qual todos podem e devem trilhar. Por meio deste relato fascinante, você entenderá que luz e sombra são uma coisa só e que o homem seria mais cauteloso nas atitudes que tomasse, se vivesse na Terra com a certeza sobre a continuidade da vida.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de out. de 2023
ISBN9786588599914
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    O guardião do sétimo portal - Maura de Albanesi

    CAPÍTULO 1

    O vento soprava como numa tempestade. No chão, os corpos caídos, banhados pelo sangue da batalha, faziam Roumu sentir-se vivo. Naquele tempo, a mescla de terra e sangue era sinônimo de poder.

    Os homens do bando já estavam erguendo as barracas, e as mulheres acendiam o fogo para a preparação dos alimentos. Tudo corria em perfeita normalidade.

    Mais uma vez, a vitória concretizava-se, e Roumu era ainda mais aclamado, temido e tido como invicto. Tantos vilarejos já saqueados, aquele era apenas mais um, de conquista mais simples que os anteriores. A cada batalha, os guerreiros ficavam mais fortes e determinados.

    O mundo é pequeno para mim. Vou conquistar muito mais, vou conquistar tudo.

    A esse pensamento seguia-se uma profunda respiração, que acendia a determinação e o fulgor de uma glória alcançada.

    Da pequena colina e com o peito arfante, Roumu olhava para a tribo sob seu comando. Ele já se vislumbrava rodeado de riquezas, vinho e mulheres à mercê de suas vontades.

    Orgulhoso de sua força e fama, seu olhar varria os arredores, regozijando-se com a quantidade de homens que jaziam com tripas expostas e cabeças decepadas.

    Nada como a força bruta para impor nossa vontade! Isso a vida me ensinou, e eu aprendi rápido.

    — Prepare imediatamente minha barraca e algo que eu possa comer. Estou faminto — ordenou à primeira mulher que avistou. — E avise Jamir para selecionar uma boa fêmea e levá-la até mim em pouco tempo.

    Obedecendo, a mulher correu para cumprir o ordenado.

    Em minutos, Roumu estava em uma barraca confortável, com comida para nutrir o corpo e vinho para saciar a sede. Logo ele começou a comer e beber com voracidade.

    Jamir adentrou a barraca com a mulher que selecionara, e Roumu observou-a de relance.

    — Ordenei que me trouxesse uma boa fêmea, e você me oferece um corpo murcho e sem graça. Traga uma boa fêmea, e vamos ver se você realmente entende disso!

    — Senhor, eu pensei...

    — Não está aqui para pensar e, sim, para obedecer. Vá, me traga outra! — interrompeu-o no instante em que Jamir abaixava a cabeça e saía da barraca.

    Após algum tempo, Jamir regressou com outra mulher. Esta, de estatura baixa, pele morena, sabia ser doce como fruta, cabelos negros deslizando por cima dos ombros e que logo acariciariam o peito de Roumu na hora do encontro; os seios fartos lhe preencheriam as mãos e as pernas grossas se enroscariam nas suas. O rosto, marcado talvez pela tristeza e pelo desespero, se contorceria quando ele a possuísse.

    Roumu levantou a mão, e Jamir saiu da barraca.

    — Dispa-se — resmungou Roumu para ela, enquanto mastigava um pedaço de carneiro.

    O pavor da mulher excitava-o ainda mais, e ele logo deixou de lado o alimento, avançando para cima dela. Batalha, sangue e mulheres eram a combinação perfeita para todos os dias, principalmente para aqueles em que a vitória saltava aos olhos.

    Puxou-a com força, gostando de ver a marca que suas unhas deixavam na fragilidade daquela carne. Ela chorava baixo, e aquilo era como brasa que prevê fogo violento, irritando-o e excitando-o de forma intensa.

    Roumu batia-lhe no rosto para tirar-lhe dor e prazer num único momento. Da boca da mulher escorria sangue, e, a cada grito dela, ele tornava-se mais animalesco e feroz. Roumu impunha todo o seu vigor àquela vulnerabilidade tênue, penetrando-a com força.

    Contemplando a mulher sendo espancada pela força de seus movimentos, ergueu a mão para disparar mais um golpe naquele rosto ensanguentado, quando uma dor terrível em seu coração fez seu corpo arder e tremer. Ele sentiu algo pontudo perfurar-lhe a carne.

    Levou as mãos ao coração para aplacar a dor, e, para sua surpresa, elas voltaram vermelhas. Seus olhos encontraram os da mulher, e ele viu o pavor instaurado neles.

    Agarrou-se a rompantes de força, tentando respirar, mas esse esforço parecia arranhar-lhe a garganta. Puxou-a para que ela o ajudasse, mas, no mesmo instante, sentiu algo lhe perfurar a carne novamente e suas forças se esvaindo.

    Roumu não se movimentava mais. Seus olhos, ainda abertos, buscavam entender o que podia estar acontecendo. Pousou, então, o olhar na mulher de rosto ferido e viu uma pequena lâmina em suas mãos.

    No pouco de consciência que lhe restava, Roumu pensou tratar-se apenas dos sonhos ruins e frequentes que cotidianamente o assombravam.

    De repente, ele viu-se como se estivesse fora de si mesmo. A mulher aterrorizada desvencilhava-se do corpo de Roumu e reunia toda a sua fragilidade no ímpeto instintivo de defesa. Ele, então, pressentiu que ela empurraria mais uma vez a afiada lâmina em seu peito.

    "Cadê minha força? Por que não consigo me mexer?

    Essa mulher está conseguindo tirar minha vida?"

    O desejo de acabar com a vida da mulher fundia-se ao desespero de não conseguir se movimentar. A contraditória realidade de a vulnerabilidade vencê-lo era inadmissível, já que, durante toda a sua vida, ele lutara bravamente, angariando grandes aliados e inúmeros servos dominados.

    Como pôde essa mulher frágil causar tantos ferimentos em meu corpo? Em meio a tantas batalhas e lutas que travei, nunca fui ferido. Por ironia do destino, logo uma mulher, uma simples e frágil mulher, me desfere golpes tão violentos e mortais!

    Roumu não se sentia morto, mas, pela primeira vez, sentia-se impotente. Sua mente ágil tentava resgatar qualquer coisa que o salvasse. Ele buscava a mulher e, quando voltou o rosto para cima, foi impedido por algo que fugiu totalmente do alcance de sua compreensão.

    Voltando da inconsciência, Roumu não compreendia o que se passava. Sua visão estava turva, as imagens se tornavam cada vez mais escuridão. A lucidez embaçou-se, sendo possível a ele vislumbrar vultos a seu redor, mas sem conseguir identificar quem lá estava.

    Quem são esses homens? Como entraram em minha barraca?

    Roumu tentava, em vão, se movimentar. As palavras que vinham à sua mente não encontravam passagem por sua garganta. Sentia-se sendo puxado, e a dor lancinante despontava abruptamente.

    Hei de matá-los! Minha tribo logo atacará esses inimigos.

    Esse pensamento foi o último de Roumu, que adentrou novamente a escuridão total.

    Em dado momento, Roumu abriu os olhos, mas quase nada conseguiu enxergar. Quanto tempo havia se passado? Por que seu corpo, agora sem feridas, parecia tão fraco e dolorido? Sua respiração acelerou-se com o sentimento de impotência, e a dor das feridas que ele não via aumentava.

    Tratou logo de apalpar o terreno na tentativa desenfreada de reconhecer o local onde estava. Suas mãos doíam, e a investida pareceu-lhe inútil após a constatação de pesadas correntes prendendo-o.

    Até onde pareceu possível, movimentou-as, percebendo um terreno mole, pegajoso, como uma areia movediça, e, quanto mais se movia, mais afundava no que pensou ser lama.

    O frio congelante atingiu-o, dificultando seus movimentos outrora ágeis. O ar parecia-lhe estático e custoso de inspirar. Suas narinas registraram uma mistura de odores fétidos, que ele logo associou às carnes que apodreciam após suas batalhas. A fraqueza limitava-lhe os sentidos, e Roumu forçava os olhos, inutilmente.

    Como vim parar aqui? Que tribo é esta que me capturou?

    As lembranças da vitória, da barraca, da mulher que o havia golpeado começavam a enfileirar-se em sua mente confusa, como quadros sem lógica. Roumu já não sabia quando, exatamente, tudo isso havia acontecido. Estar ali era cada vez mais sufocante.

    Eu vou matá-los, arrancar suas tripas, comer suas carnes. Na primeira oportunidade, me libertarei deste lugar, e eles verão quem realmente sou.

    Ele sabia. Estava vivo, apesar de ter sido mortalmente ferido.

    Alternava entre realidade e sono profundo. A cada lapso de consciência, respirava e transpirava vingança e ódio.

    Eles sofrerão! Hei de acabar com cada integrante de suas famílias. Eles conhecerão quem é Roumu! Será que nunca ouviram falar de minhas vitórias e crueldades?

    Ele não entendia com que tribo lidava. Durante toda a sua vida, construiu uma legião de povos que o temia. Nas planícies, não havia homem mais temido. O nome Roumu sempre significou maldade e crueldade.

    Vão se arrepender do dia em que me puseram neste cárcere!

    O desejo de vingança era como uma chama que ardia em seu peito, consumindo todo o seu ser e dando-lhe forças sobrenaturais que o mantinham vivo.

    Com o passar do tempo, as dores amenizaram, mas a irritação devido à sua situação de impotência aumentava. Estar preso a pesadas correntes naquele estranho local calava fundo na alma de Roumu. Em um instante de lucidez, ouviu gritos:

    — Maldito! Você ainda me paga! Deixou-me na miséria sem nem sequer um pano para armar uma barraca! — Roumu ouvia sem ter a menor ideia de quem dizia aquelas palavras.

    — Cadê minha filha? O que você fez com ela? Diga-me agora! — Ouvia outra voz, que lhe parecia de uma mulher.

    — Nojento! Bruto! Ainda sinto seu cheiro asqueroso em mim! Você me paga!

    — Meus filhos, onde você colocou meus filhos? O que fez com eles? Meus meninos... — Chorava outra voz, que também lhe parecia feminina.

    Esses gritos e tantas outras lamúrias não cessavam na mente de Roumu. Vozes de homens e mulheres agrediam-no. De algumas ele conseguira lembrar-se, mas não conseguia recordar-se de quando ou onde as ouvira. Conforme escutava as vozes, Roumu esforçava-se para decifrar a quem pertenciam ou o porquê delas. À medida que ele se concentrava, as pessoas apareciam à sua frente.

    No primeiro momento, não as enxergou nitidamente. Tratou logo de piscar freneticamente, buscando ajustar seus olhos à realidade a que tanto queria ter acesso. E desta vez estava funcionando.

    Quanto mais Roumu se empenhava em reconhecer as pessoas, mais elas ficavam visíveis. Ele começou a reconhecer centenas de rostos — mulheres e crianças, em sua maioria — , e os olhos de todas faiscavam. Os gritos ficavam cada vez mais longínquos, dando lugar à perplexidade.

    Eu as matei! Eu as matei todas! Como elas podem estar aqui, aliadas a esses inimigos? Como podem estar vivas, se eu mesmo as matei ou ordenei que as matassem?

    Roumu desesperou-se com tamanha confusão ilógica. Tentava com fúria se libertar das correntes e avançar sobre cada pessoa, num ato de loucura desenfreada, agindo sob o comando do ódio que sempre nutrira. As mulheres e crianças gargalhavam e o amaldiçoavam com mais intensidade.

    Eu só posso estar louco. Mas, se isto é loucura, é muito próximo da sanidade!

    Ele apenas aguardava a oportunidade de se libertar daquele lugar e se vingar de todas elas.

    Roumu não adentrou mais a escuridão. Aos poucos, foi obtendo clareza sobre o que se passava à sua volta. Assim como ele, muitos outros estavam encarcerados na lama, com os punhos envoltos em pesadas correntes de ferro pregadas nas paredes de barro úmido, limitando-lhes os movimentos.

    Havia homens e mulheres, mas a maioria era composta de homens. Lamúrias, gritos, pedidos de socorro, xingamentos e correntes se batendo constituíam o som agoniante que prevalecia naquele lugar.

    Mesmo enxergando, Roumu não tinha a visão nítida. Uma névoa espessa sustentava-se naquele local, impossibilitando a visão clara e perfeita do que se passava.

    — Quem são vocês? Por que estamos aqui? — questiona-va Roumu.

    — Cale a boca! — respondeu o prisioneiro ao lado. — Se não fossem essas correntes, eu acabaria com você! — E o prisioneiro uniu seus dedos, erguendo o punho.

    Com o passar do tempo, Roumu foi obrigado a aguçar suas percepções e seus sentidos. Utilizava-se das mudanças de odores, ora fétido, ora de um doce extremamente forte, das sensações térmicas e do tato na investigação constante do que acontecia ao seu redor.

    Pouco a pouco, ele conseguiu, por meio dos sentidos, perceber alvoroços e certa agitação. Homens altos, baixos, carrancudos e bem armados passavam constantemente agredindo aqueles que gritavam ou se moviam demais. Roumu, diante disso, mantinha-se em silêncio para evitar mais ferimentos.

    Em dado momento, dois homens caminharam em sua direção, um de feição já familiar, daqueles que sempre apareciam para colocar ordem na total desordem, e outro completamente diferente, alto, magro, com uma negra capa que impedia que enxergassem seu rosto, estando visível somente o que pareciam ser os olhos pretos, fundos, que se movimentavam incessantemente, com um brilho obscuro e peculiar.

    Roumu não se atreveu a dizer nada, somente observou e absorveu tudo quanto possível desse novo homem que tanto lhe chamou a atenção.

    — Eu quero este — disse o homem da capa escura, apontando para Roumu com seus longos dedos esqueléticos. — Os acordos farei depois com seu senhor. Entregue-me este.

    — Sim, senhor — acatou o carrasco, enquanto soltava as correntes que prendiam Roumu.

    Este é o momento ideal para fugir, pensou Roumu, porém o pensamento se foi como veio: Não conheço muito deste estranho local e muito menos desta tribo, mas eles me parecem poderosos....

    Ele perguntava-se onde seria a saída e, cada vez se sentia mais perdido e refém de todos que ali estavam. Depois de muito refletir, chegou à conclusão de que qualquer tentativa de fuga seria débil e que a perspicácia o orientava a obedecer em silêncio.

    O carrasco puxou Roumu brutamente, que, sem saber como, conseguira se manter de pé. Suas pernas ainda doíam e latejavam, e sua cabeça girava descontroladamente.

    Sentiu ânsia e fraqueza. O homem que havia ordenado que o libertassem o encarava com aqueles olhos cuja movimentação envolvia todo o corpo de Roumu.

    Num rompante, sentiu-se com força. A fraqueza de antes havia se transformado em vitalidade. Nos olhos daquele homem residia um poder nunca visto por Roumu.

    Ele encarou-o, e, naquele instante, faíscas saíram daquele olhar e foram diretamente para a cabeça de Roumu, dando-lhe a sensação de que quem comandava sua mente e seu corpo era aquele homem.

    — Você está morto, grande Roumu. E, a partir de agora, sob meu domínio. Não adianta lutar ou esbravejar, pois agora é meu servo.

    A voz daquele homem soava como uma ordem naquele calabouço. O timbre daquela voz tinha poder, Roumu logo compreendeu.

    Morto? Será que ele disse morto? Isso não é possível, pois cá estou!

    — Sim, você está morto e mais morto ainda ficará.

    Essa frase intrigou Roumu. Como seria possível alguém ficar mais morto do que estava? Porém, ele logo percebeu que não havia espaço para questionamentos e novamente sentiu sua cabeça dominada pela força daquele ser.

    Era impossível enxergar seu rosto. Ele vestia uma capa, e um capuz escuro envolvia o topo de sua cabeça, sobressaltando somente os olhos. Nem quando o homem falava era possível ver sua boca.

    Nunca havia estado perto de alguém tão tenebroso. Aquilo o fez lembrar, por instantes, como, antes, sua realidade era outra; acreditava ser um grande e temido homem, mas agora, diante deste, não tinha mais tanta certeza do que pensava acerca de si mesmo. Sentia-se perdido.

    O homem nada mais falou e muito menos Roumu se atrevia a falar alguma coisa. Começaram a caminhar. A saída que antes buscava agora se apresentava a eles. Conforme andavam, abriam-se túneis nos quais o homem se enveredava com maestria. As pernas de Roumu já não doíam como antes, e ele sentia apenas um leve incômodo. A cada passo, Roumu tinha a sensação de estar sendo conduzido além de qualquer vontade ou esforço, simplesmente porque tinha de ser assim.

    Ele caminhava e, a cada movimento, percebia uma névoa oriunda do corpo daquele que seguia e vinha ao encontro dele, envolvendo-o por inteiro, como se o aprisionasse aos movimentos do homem.

    Constatou que grande parte de sua disposição provinha dessa névoa. Quando respirava, ela entrava por suas narinas, provocando alívio e frescor que repercutiam por todo o seu corpo. Sentia-se forte para continuar a segui-lo, porém sem tanta clareza que tinha outrora. Era como se estivesse sob o domínio dessa força, hipnotizado, mas com certa noção de seus movimentos.

    Assim seguiam, e o homem pegava para si mais pessoas encarceradas como Roumu estivera havia instantes sob a mesma névoa que as envolvia.

    Por muito tempo andaram, sempre em silêncio, pelos labirintos daquele calabouço. Roumu estava impressionado com o poder daquele homem. A simples presença dele instaurava o silêncio e a ordem, sem espaço para titubeios, dúvidas ou questionamentos. Novos caminhos surgiam e novos acordos eram feitos.

    Para Roumu era esquisito pensar que noutro tempo era ele quem guiava uma tribo e que agora era ele o guiado. A raiva, sentimento de longa data, ainda o sustentava.

    Depois de muito caminhar, Roumu, à frente do grupo de encarcerados, percebeu-se em um terreno plano. Não estava mais entre os labirintos de antes. À sua frente, descortinava-se uma planície até o infinito. A terra sob seus pés era dura, seca e poeirenta. Em suas narinas, aquela poeira dificultava a inspiração do ar.

    Roumu, aos poucos, retomava a sensatez. Surpreendeu-lhe que da terra seca subiam galhos ressequidos e velhos. Fora isso, parecia que não havia vida naquele lugar. O tenebroso homem estava à sua frente e os outros resgatados atrás dele.

    Por trás dos galhos secos, surgiram quatro homens que se puseram de pé, parados. O tal homem, Roumu e os demais recém-libertos se encaminharam em direção ao quarteto. Mais uma vez, Roumu dava-se conta de que quem sempre ia à frente era aquele que os tirara do calabouço.

    O misterioso homem nada falou; apenas movimentou a cabeça em direção aos quatro homens e foi se distanciando até desaparecer. Roumu sentiu-se forçado a parar devido à névoa. À sua frente, estavam prostrados os quatro homens.

    — Vocês são servos do Senhor das Trevas — disse um dos homens. — Estão, a partir de agora, sob meu comando.

    Movido pela incredulidade e irritação que lhe permeavam o corpo todo, Roumu afastou-se do centro do grupo em direção ao interlocutor:

    — Mas quem você pensa que é para ordenar que eu o siga? E quem é essa gente que está comigo e por que está comigo? Por que eu, Roumu, tenho que obedecer a um comando de quem nunca sequer ouvi falar?

    Daquele homem saiu de repente uma névoa que fez o antigo guerreiro calar-se. Todos que ali estavam se puseram num semicírculo, curvando-se ao lado de Roumu, que, involuntariamente, os acompanhou no gesto.

    Naquele momento, uma dor dilacerante espalhou-se pelas pernas e pelos braços de Roumu, como se o ato de se curvar diante daquela figura misteriosa que os mandava seguir fosse a causa da dor.

    A vista de Roumu escureceu, e seu coração encheu-se de uma súbita dor e fúria. Uma dor fora do comum e sobre-humana. Não só isso, ele também sentiu a terra tremer sob seus pés e sua cabeça ser forçada ao chão por uma mão que ele, cego, não via.

    — Não ousem me desafiar. Repito e não tornarei a falar novamente: vocês são servos do Senhor das Trevas e estão sob meu comando.

    Aquela voz ressoou na mente de cada um que ali estava. Naquele instante, perceberam que não havia saída. Sentiam-se odiosamente subjugados. Uma onda de fúria os invadiu, e uma coragem desenfreada dominou o espírito de cada um. A dor transformou-se em ódio.

    Vocês foram grandes valentes quando viviam na Terra. Aqui, usarão de sua valentia para fazer o que deve ser feito, segundo o que o Senhor das Trevas determinar. Nós o seguimos e a ele servimos. De agora em diante, suas forças estão a serviço do submundo e do grande Senhor. — Ele fez uma pausa, parecendo respirar fundo, e continuou: — Atrás daquelas muralhas, a batalha iniciada na Terra prossegue. Nós vamos capturar os comandantes e aprisioná-los. Vocês, por ora, apenas observarão.

    Naquela planície ressequida, as palavras proferidas ecoavam num silêncio paralisador. Nada se movimentava. Roumu sentiu-se grande novamente. A agitação das batalhas sempre o motivava e dava sentido à sua vida. Apesar de não saber ao certo por que iria lutar, toda a sua incompreensão apresentava-se agora como certeza irrefutável.

    Mal esperava a hora de começar. Não sabia de que guerra se tratava, mas o ambiente fervilhava. Isso o animava. Ele estava pronto para o que quer que lhe fosse confiado. Havia centenas de guardas na muralha para a qual Jessé — este era o nome do temível homem que os comandava — apontara. Roumu e os outros não trocaram uma palavra, apenas seguiram o comandante em direção aos guardas. Sensações afloradas, instintos acesos, firmeza de corpo, atenção ininterrupta. Essas pareciam ser as batalhas que Roumu tanto conhecia.

    Ironicamente, ele agora era quem seguia, e não mais o que era seguido. Essa lembrança entorpeceu-o por alguns instantes, assim como ao grupo, que, em sua maioria, também era composto de grandes líderes bárbaros quando ainda viviam na Terra. Nada, contudo, se alongou, pois, como já bem sabiam, um guerreiro não demonstra fraqueza em tempo algum, e o senso de responsabilidade, uma vez delineado o objetivo, não é mais passível de discussões.

    A grande muralha era imensa. Roumu olhou intrigado para cima, com a sensação de que já fora mais alto. Aquela muralha parecia diminuir seu tamanho. Respirou fundo e lembrou-se de quantas vezes já enfrentara tribos muito maiores que a sua, e, mesmo assim, a vitória lhe era concedida.

    Agora não há de ser diferente! Sou Roumu! E o que quer que tenham me confiado, minha grandeza e força me garantirão!

    Munido da coragem que sempre lhe foi peculiar, aguardou as instruções daquele que agora ele entendia ser seu comandante.

    Jessé deu sinal aos guardas, e os portões abriram-se. O silêncio de antes foi lançado para muito longe dali. Gritos e urros inebriavam o ambiente. O tilintar das espadas e os zunidos das flechas fizeram Roumu contrair seu corpo. Seu olhar varria o local. O perfeito caos inerente a qualquer batalha estava instalado.

    O cheiro de sangue parecia penetrar as narinas de todos que ali estavam. Seus corpos soltavam-se, acostumados com aquele momento. Aquilo era tudo o que Roumu precisava para ter seu instinto selvagem e cruel à flor da pele.

    Jessé abriu os braços orientando:

    — Vocês niciarão suas funções com a perspicácia da mente. Analisem e vejam tudo o que ocorre. Atenção aos meus movimentos. Por enquanto, aqui ficarão e controlarão seus instintos. A vontade da batalha que lhes sobe pelas veias dará lugar à precisão mental da análise dos movimentos.

    E, assim, o grupo ficou para trás, enquanto Jessé corria em direção à batalha com mais três guerreiros. Roumu e os outros observavam atentamente.

    Jessé posicionou-se a certa distância do campo de batalha, seguido por seus guerreiros, que se enfileiravam a seu lado, dois à sua esquerda e um à sua direita. Ficaram parados, o que intrigou Roumu.

    Eles não vão matar? Não temos que capturar pessoas?

    Curioso, só lhe restava aguardar.

    A batalha desenrolava-se, e Jessé permanecia de pé, aguardando o momento oportuno. De repente, em certos corpos aparecia, na altura do coração, uma escura placa de ferro envelhecido. Essas placas cobriam o coração. Roumu não entendia.

    Como surgiram essas placas? Nunca vi nada igual. Como se grudam ao corpo dessa forma?

    Roumu observou atentamente os próximos passos de Jessé. Das mãos do comandante e de seus guerreiros partia um fio como de ferro, que avançava sobre os guerreiros que tinham a placa no coração, envolvendo-lhes o corpo. Roumu percebeu que esse fio imobilizava os que entendia serem os inimigos de Jessé.

    Num solavanco, todos os inimigos foram puxados e levados para onde estavam Roumu e o restante do grupo. Eles urravam de indignação, e o grupo ficava cada vez mais perplexo. Em um curto espaço de tempo, Jessé e seus guerreiros haviam capturado aqueles inimigos.

    Nunca, em toda a sua vida, Roumu vira um movimento tão rápido e certeiro. Ele buscava compreender que arma era aquela e de que modo Jessé fora tão veloz na missão que cumprira.

    Esses guerreiros têm conhecimentos que eu não tenho. Aqui estou em boa tribo.

    Em instantes, estavam todos no portão da muralha: Jessé e seus guerreiros, o grupo ao qual Roumu pertencia e os inimigos capturados.

    Jessé ergueu a mão em que estava o fio e abaixou-a velozmente, circundando todo o grupo. Roumu não sentia mais o chão, sua respiração estava parada e sentia certo sufocamento. Ele estava em queda livre, sem nenhum controle de seus sentidos. Não enxergava nada; somente a imensidão o engolia.

    Depois de um tempo, os pés de Roumu encontraram terra firme. Ele abriu os olhos, percebendo logo onde estava. O cheiro daquele lugar era inconfundível. A podridão lhe invadiu o nariz, e o ar gélido de repente envolveu seu corpo. Ele chegara ao calabouço onde estivera encarcerado a pesadas correntes de ferro.

    Jessé dirigiu-se ao grupo dizendo:

    — Este lugar é conhecido de vocês. Não mais serão presos; agora vocês é que prenderão estes às correntes da justiça. — E apontou para os capturados.

    Roumu e mais um do grupo seguiram Jessé. Os demais seguiram os guerreiros. Os prisioneiros debatiam-se contra o fio que os prendia, sem sucesso. Estava claro para todos que ali estavam que não havia escapatória. Seguiram Roumu, Jessé e outro com mais três prisioneiros.

    Ao chegarem a um espaço vazio, Jessé deu um passo e ordenou a Roumu que lhe passasse o prisioneiro. Assim fez Roumu e, ao primeiro toque de suas mãos no prisioneiro, ele sentiu um calor dilacerante nos dedos. O fio lhe queimara as mãos.

    — Vá com calma, Roumu. Não pode tocar no prisioneiro enquanto está sob meu poder. Veja o fio desaparecer e o pegue com força, colocando-o neste espaço.

    Assim Roumu fez. O fio desapareceu, e ele, bruscamente, puxou o prisioneiro e o prendeu às pesadas correntes. O inimigo debatia-se em vão perante a força de Roumu, que se sentia bem realizando aquela ação.

    Havia tempos que não podia infligir sua força a alguém. Assim, ao descarregá-la naquele inimigo, isso lhe trouxe uma sensação de alívio. Percebeu, então, a necessidade que tinha de lutar, de ver sangue e dor.

    Jessé orientou Roumu a repetir a ação com outro prisioneiro. Alertado pela dor que sentira havia pouco, ele aguardou que o fio desaparecesse como da outra vez. O prisioneiro começou a se debater, e logo Roumu o puxou violentamente, forçando-o a cair de joelhos, com a cabeça entre as pernas. Então, ele pressionou o corpo do prisioneiro, imobilizando-o.

    Uma névoa saía timidamente do corpo de Roumu e envolvia o prisioneiro. Ele estava cada vez mais satisfeito com a força que lhe saía dos braços e com o resultado de suas ações.

    Roumu agachou-se, ficando na altura do prisioneiro ao qual infligia a força. Deu-lhe um forte tapa na cara, regozijando-se da marca que deixara e do sangue que esguichava. Suas pesadas mãos afrouxaram as pernas do homem, e Roumu, num solavanco, desferiu um soco do queixo para cima e segurou a cabeça do prisioneiro, buscando seus olhos.

    Quando os encontrou, Roumu não conseguiu articular nenhum som. Seu corpo retesou-se, soltando assustado aquele rosto banhado em sangue. Apesar da mancha vermelha, aquelas feições lhe eram extremamente familiares. Ele recuou, incrédulo do que estava vendo.

    Não é possível!

    Olhou no fundo dos olhos daquele que já fora seu principal inimigo, em seu momento de auge nas planícies. Roumu já o havia matado. Ele próprio havia fincado uma lança em seu coração. O torpor da incompreensão crescia cada vez mais dentro dele. Desesperado, buscou por Jessé, que o fitava.

    — Não compreende ainda onde está, Roumu? Não se recorda de ter matado esse homem?

    — Sim! Eu o matei! O que faz ele aqui? — indagou Roumu por meio de um grunhido quase sem sentido.

    — Ele está morto, Roumu. Você está morto. Vê alguma de suas servas? Vê seus servos? Não os vê, pois eles não estão aqui. Eles permanecem vivos nas planícies. Veja por si mesmo.

    Nesse instante, Jessé aproximou-se de Roumu e colocou a mão em sua testa. Uma leve tontura tomou conta do guerreiro, que, por alguns momentos, se deixou levar pelo que Jessé dizia.

    — Vamos até lá. Venha comigo. Você verá o que ocorre com aqueles com quem convivia.

    Subitamente, Roumu se viu no momento de sua morte. A cena da mulher enfiando-lhe a pequena lâmina no coração pareceu-lhe presente. Ele viu os vários golpes desferidos pela mulher e enxergou seu corpo jazendo no chão de terra seca, sangrando.

    Uma dor lhe invadiu o corpo, e ele se recordou claramente daquele momento. Vislumbrou os homens que o cercaram e reconheceu Jessé entre eles. Lembrou-se do calabouço e do cheiro que lhe torturava os sentidos.

    Jessé ergueu os braços e pôs novamente a mão na testa de Roumu.

    — O que aconteceu depois você já sabe. Agora, voltemos à tribo que você liderava.

    Roumu observou a mulher que o matara gritando em desespero. Viu o sangue em suas mãos e aqueles que foram seus servos entrando na barraca assustados com o que se desenrolava à sua frente.

    — O que aconteceu aqui? Mulher, o que você fez? — gri-tou Jamir.

    — Eu não sei! Algo tomou conta de mim! — E os gritos de desespero da mulher ecoavam longe.

    Jamir empurrou a mulher ao chão e aproximou-se do corpo de Roumu. Colocou as mãos sob suas narinas, e a ausência de ar saindo delas lhe confirmou o que havia ocorrido. Sacudiu-lhe o corpo e nada. Nenhum som, nenhuma vitalidade.

    — Senhor Roumu! Senhor Roumu! Responda-me! Tragam água! Tragam água! — urrava, aumentando o pavor entre os servos.

    Uma mulher trouxe água, que Jamir despejou de uma vez sobre o corpo desfalecido. Mas nada. Nenhuma reação.

    — Ele está morto. Roumu está morto. — Os olhos de Jamir brilharam diante da constatação: — Convoque a tribo!

    Quando Jamir saiu da barraca, todos estavam à sua espera. Ele comunicou:

    — Roumu está morto. Oklauh, Jerí, tragam a mulher até mim.

    Assim feito, Jamir se pôs a bater na mulher com vigor. A tribo repetia em coro algumas palavras. Finalmente, após muito espancar a mulher, ele a matou. Uma grande onda de satisfação, gritos e aplausos ecoaram pela planície. Jamir ergueu a mão, e a tribo saudou o novo líder.

    Roumu pôde sentir e viver a cena como se lá estivesse: Estou mesmo morto, e Jamir lidera minha tribo... Aquela mulher me matou.

    Essa constatação o esgotou. Pensou ter sido capturado por uma tribo desconhecida, mas de fato estava morto e sua tribo tinha agora um novo líder.

    Logo Jamir, que é fraco para o comando... irá desmantelar a tribo com sua inconstância.

    Roumu estava ficando cada vez mais exausto. A realidade estava diante de seus olhos e não havia como negá-la. Estava morto.

    Jessé tirou a mão da cabeça de Roumu.

    — Sim, Roumu. Está morto, mas a morte, que você acreditava ser o fim, não é o que se apresenta. Aqui, no pós-morte, mais trabalho você terá, mais tribos conquistará a serviço do Senhor das Trevas. Quanto mais fácil essa ideia lhe permear a mente, mais rápido construirá um grande comando.

    — Por que não posso voltar para lá?

    — Porque a vida exige de você novas conquistas. Como vê, eles têm um novo líder e, pelo visto, mais aclamado que você um dia. Deixe-os lá e concentre-se onde está agora.

    Uma onda de compreensão tomou conta de Roumu. Não é tão mal quanto parece. Aqui tenho grande oportunidade de aprender. Um dia, hei de dominar essas armas e esses poderes que Jessé possui. Jessé riu do pensamento de Roumu.

    — Esse é o pensamento que deve ter. Use sua determinação e força para fazer daqui o seu império. Mas, como nada é pela vontade sua e, sim, pela do Senhor das Trevas, de baixo começará e, quanto mais empenho tiver, tanto mais serão suas conquistas.

    Nova chama acendeu-se dentro de Roumu. Ele sentia que, gradualmente, recuperava a lucidez. Retornavam-lhe os sentidos, e ele examinava o calabouço, entendendo, sem que ninguém lhe dissesse, que ali começaria seu trabalho.

    Jessé reuniu o grupo. Lá estavam os guerreiros de Jessé, Roumu e todos os outros.

    — Vocês farão como nos viram fazer. Cada um que aqui está foi homem ou mulher que usou na Terra a força bruta e violenta. Como já viram, em seus olhos o ódio e a raiva espicham, e suas bocas espumam a irritação. É aí que vocês entram. Nossa missão é causar o máximo de dor e provocar a ira profunda desses seres. Vocês serão armados e atuarão sob meu poder. Respeitem minha força, para que dela se aproveitem. Ignorem-na e verão realmente até onde consigo ir.

    O grupo ouvia em silêncio. Sentiam-se fortes e preparados. Ninguém tinha o mínimo lampejo de desafiar Jessé. Seu comando era natural e poderoso. Sua voz lhes envolvia os sentidos, e sua direção parecia-lhes a certa a seguir. Mal podiam esperar a hora de começar.

    Conforme os dias se seguiam, Roumu realizava sua tarefa com mais naturalidade. Ele agia com tudo o que já tinha de conhecimento. Impunha medo da mesma forma que respirava.

    O cheiro fétido já não lhe causava incômodo, e sua pele adaptara-se ao ar gélido. Parecia que ele e o calabouço eram um só, como se um fizesse parte do outro. Os labirintos já não eram confusos, e ele sempre sabia exatamente para onde se dirigir.

    A vida nas planícies ia ficando cada vez mais longe em seus pensamentos, e ele aplicava-se mais a cada explicação de Jessé. Todos os prisioneiros que lhe eram confiados rapidamente reconheciam que ali não era lugar para titubeios. Roumu aprendia a canalizar sua raiva nos momentos propícios e infligia a dor lancinante na medida necessária a cada prisioneiro. Isso o satisfazia.

    Ele se percebia cada vez mais forte e no domínio de seus impulsos. As reações animalescas que lhe eram habituais transformavam-se em ações certeiras, que lhe conferiam resultados excelentes, mas nunca sem perder a brutalidade ou diminuir a rudez. Ele tornara-se conhecido pela concentração, disciplina e ordem.

    Logo, Jessé entregou três guerreiros aos cuidados e comandos de Roumu, que se sentia orgulhoso de seu desempenho. Mais prisioneiros ficavam sob sua égide. Sua atuação era cada vez mais impiedosa; e seus resultados, mais surpreendentes. Gradualmente, ele desenvolvia o controle da mente e adquiria novas habilidades com velocidade.

    Fazia exatamente o que Jessé lhe dizia e, aos poucos, tomava consciência da justiça que imperava no calabouço. Os prisioneiros lhe eram trazidos, ele os acorrentava, machucava-os e deixava-os sob os cuidados de novos guerreiros que lhe foram conferidos, observando e garantindo que cada prisioneiro adentrasse no primeiro sinal de lucidez. Quando isso ocorria, ele trazia aqueles que o prisioneiro havia prejudicado em vida, para que se conscientizassem ainda mais do que haviam feito. Ele compreendia que participava de um grande complexo de ordem importantíssima, e seu coração, que já fora duro e impenetrável, abria-se ao sentimento da justiça.

    Sentia-se, de certa forma, fazendo um bem, por mais contestável que pudesse parecer. Obedecia a Jessé sem pestanejar, identificando-o como um admirável comandante. No grupo que iniciara com Roumu, houve um guerreiro que se rebelou contra o trabalho que realizava. Jessé, então, requereu a Roumu que o ensinasse, através da dor, o poder que aqueles que faziam como ele pedia adquiriam. Assim, ele o fez. Tomou esse guerreiro como seu prisioneiro de forma rude e violenta, aplicando-lhe a dor não só corporal, mas também mental. Jessé satisfazia-se com o trabalho desempenhado por Roumu e deu-se conta de que ele apresentava sinais da lealdade necessária para os próximos passos.

    Uma lei incontestável imperava naquele calabouço, e Roumu sabia exatamente o que deveria ou não ser feito. Nada o paralisava. Ele exercia a justiça sem dó. Seu coração endurecido era a ferramenta que servia ao grande Senhor das Trevas.

    A lei não permitia piedade e muito menos fraqueza. As rudes qualidades de Roumu encaixavam-se perfeitamente naquele ambiente sombrio e rígido. Ele maltratava quem outrora maltratou. Ele espancava quem outrora espancou. Ele sentia-se na lei absoluta de causa e efeito. Sua força era usada para a justiça que a lei determinava. E assim permaneceu por longos anos, até que, certo dia, algo inesperado aconteceu.

    Durante o encarceramento de novos prisioneiros, Jessé acenou para Roumu, que entendeu

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