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Da Casa De Taipa Ao Limiar Do Saber: A Força Transformadora Da Educação (2.ed)
Da Casa De Taipa Ao Limiar Do Saber: A Força Transformadora Da Educação (2.ed)
Da Casa De Taipa Ao Limiar Do Saber: A Força Transformadora Da Educação (2.ed)
E-book260 páginas2 horas

Da Casa De Taipa Ao Limiar Do Saber: A Força Transformadora Da Educação (2.ed)

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Sobre este e-book

Esta é a história de Afonso, um homem nascido numa casa de taipa, no sertão do Cariri Cearense, no Sitio Tipi, município de Aurora – CE. A obra relata como ele escapa de uma vida condenada ao trabalho na roça e adentra o limiar do saber. São narradas as suas reminiscências de infância no Sítio Tipi: o medo do papa-figo, dos penitentes, dos bolos de palmatória; as alegrias de participar das festas de São João e da renovação do Sagrado Coração de Jesus; as moagens do engenho de rapadura, o trabalho na roça e o enfrentamento das secas do sertão cearense, como cassaco, nas frentes de trabalho.
Primeiramente, o autor recorda as origens humildes em uma casa de taipa, onde os desafios e as adversidades moldaram seu caráter e despertaram o desejo de superação. A importância dos saberes salesianos, que se tornaram uma base sólida para seu crescimento pessoal e intelectual. A sua crença de que ensinar é uma via de mão dupla, um processo que o permitiu aprender e evoluir constantemente. Por fim, Afonso expõe como os sonhos têm o poder de moldar o presente.
Ao final do livro, Afonso revela que sonhou escrever esta obra para deixá-la como legado para sua família, pais, educadores e líderes, ampliando a consciência da força transformadora da educação e do valor da família para a construção de um mundo melhor. Ele assume o compromisso consigo mesmo de espalhar luz e contribuir para a prosperidade e felicidade daqueles que cruzam seu caminho, vivendo no momento presente cada instante de sua vida, honrando e respeitando seu passado, e tendo a certeza de que um futuro lindo está por vir, porém sempre vivendo no aqui e agora, já que este é o único momento real, o presente… e que presente!
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento3 de nov. de 2023
ISBN9786525462141
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    Da Casa De Taipa Ao Limiar Do Saber - Afonso Cesário de Sousa

    Primeira Parte

    Da casa de taipa

    ao limiar do saber

    Primeiro movimento:

    Da taipa ao trem do futuro

    "Tem gente que vem e quer voltar

    Tem gente que vai, quer ficar

    Tem gente que veio só olhar

    Tem gente a sorrir e a chorar

    E assim chegar e partir…"

    (Encontros e Despedidas

    — Milton Nascimento e Fernando Brant)

    A triste partida: adeus, Tipi;

    adeus, família!

    Todos os meus irmãos e irmãs estavam reunidos em torno de meu pai. A lista de enxoval estava completa: terno, gravata, lençóis, fronhas, toalhas de banho e de rosto, calças, camisas, cuecas, meias… Não, não era uma lista de casamento. O enxoval era para mim, menino ainda, mas já experimentado em latim de rezar missa e com algum estudo, e fazia parte de futuro bem maior que começava na minha vida. A velha casa de taipa ficaria para trás, no rastro de um sonho que ainda se formava em minha cabeça.

    Minhas irmãs prepararam tudo numa grande mala. Eu devia voltar a Tipi para me despedir da família, apanhar o enxoval, retornar para Aurora e esperar o trem em que chegaria o padre Olavo e os outros meninos. Pai arreou o cavalo para ele, e o jumento para mim. E lá fomos nós, pai com a mala na lua da sela, e eu… bem, eu era um misto de emoções que ainda hoje não consigo definir, montado naquele jumento.

    Ainda olhava desconfiado a grande mala, onde havia coisa que eu nunca tinha visto nem sabia do que se tratava. Fronha para travesseiro? O que era isso? Na nossa casa de taipa, dormíamos em rede; não havia esses luxos. Pasta de dente? Nós usávamos a rapa da casca de juá. Como pai comprara tudo aquilo? Na loja do senhor Vicente Tavares, seu compadre e grande amigo da família, tudo fiado, a pagar com o dinheiro da safra de algodão.

    Na despedida da família, não se registrou choro nem tristeza. Deixava saudade, sim; no entanto partia para uma vida melhor, sem seca, sem fome, sem miséria. Pai passava e parava à frente da casa dos tios e dos amigos, contando para eles, feliz e orgulhoso, que estava me levando para o colégio Salesiano. Eu pensava comigo: Esse homem não tem coração, não! Vai me levando assim, sem me consultar, sem me ouvir… Hoje, quando conto isso, algumas pessoas me dizem: Teu pai era malvado. Foi por essa atitude do meu pai que deixei para trás o aconchego da minha família e a nossa casa de Taipa, no Sítio Tipi, e dei partida na caminhada para o limiar do saber.

    Se deixava saudades, também levava lembranças, muitas lembranças!

    Tipi é um distrito de Aurora, município do estado do Ceará, banhado pelo riacho de mesmo nome, que serpenteia suas águas límpidas desde a divisa do estado da Paraíba, em Cachoeira dos Índios, até desaguar no Rio Salgado, 40 quilômetros depois. Suas enchentes periódicas, como as do velho rio lá do Egito, também fertilizam as terras desse interior cearense quase perdido na imensidão do sertão.

    No riacho do Tipi, aprendi a nadar. Guardo memoráveis lembranças de suas cheias, quando meus irmãos e eu, junto ao pai, salvávamos as bananeiras, as cercas… Depois que as águas baixavam, ficavam os poços, e dentro deles os peixes, que, em algazarra de meninos, pescávamos para mãe depois limpar e fritar — tempos de fartura. No auge do verão, no leito do rio seco, pai cavava cacimbas, e delas nós tirávamos água potável para o dia a dia. Lembro minhas irmãs com as latas d’água na cabeça, chegando suadas e molhadas dos respingos, mas alegres com o fato de que não passaríamos sede.

    Infelizmente, ao longo dos anos, o riacho vem sendo assoreado de tal modo que até seu curso natural tem sido mudado; são as práticas agrícolas sem sustentabilidade — uma palavra ainda desconhecida nessas terras —, realizadas às suas margens, destruindo a mata ciliar. Falta educação e conhecimento aos ribeirinhos para desenvolverem técnicas que preservem os rios, as matas e a própria vida de quem vive da terra.

    Saudosa casa de taipa, lar da família

    Figura 2 – (a) Minha família, primos e tios; (b) Casa de taipa,

    a velha e saudosa casa de taipa do Sítio Tipi, onde nasci…

    Fonte: o autor.

    Guardo na retina dos olhos, uns 60 anos depois, a casa pobre, no entanto rica de amor, de espiritualidade e de aconchego. Não há dúvida de que é verdade o que dizem hoje os pesquisadores: o maior indicador de felicidade das pessoas, dentro das famílias e das organizações, é a qualidade das relações que se estabelece. E as relações na nossa família eram, com efeito, de amor e de felicidade. Morar numa casa de taipa não era impedimento de nada, porque nós éramos felizes.

    Sem dúvida, o esteio dessa vida feliz, mesmo com toda sua pobreza, estava em meus pais e nessa prole, em dezena de filhos e filhas: cinco homens e cinco mulheres — José, Mariinha, Francisca (Nen), Adalgiza, Afonso, Constantino, Adonias, Joaquim, Socorro e Auxiliadora. Eis aí a prole de Manuel Cesário de Sousa, mais conhecido como seu Nozinho, e de Josefa Ferreira de Sousa, conhecida como dona Zefinha. Eu sou o quinto. Nesta foto da família, onde estão também tios e primos, sou esse pretinho de cara invocada, ali à esquerda. Meu filho Felipe me pergunta: Pai, de onde vem essa nossa negritude?. Eu respondo: Vem do meu avô materno, Joaquim Ferreira de Aragão.

    Seu Nozinho, meu pai, era filho de Maria Raimunda Sobreira e Cesário de Sousa Lima. Uma pessoa muito especial, pai marcou minha vida. Lembro-me dele trabalhando de modo incansável, acordando cedo, indo para a roça, fazendo o que estivesse ao seu alcance para que não faltasse nada aos seus dez filhos. Lembro os calos de suas mãos, que revelavam a dureza do cabo da enxada para limpar a roça, e os seus pés cansados, rasgados por espinhos, que a gente não via.

    Meu pai era um trabalhador, um resistente, como muitos daquele sertão. Sobretudo, o conhecido seu Nozinho foi um homem de bem, generoso, compreensivo, muito querido e respeitado lá no Tipi, em Aurora, e depois em Osasco, São Paulo, onde terminou os seus dias. Ele tinha muitos amigos e afilhados, e foi padrinho de muitos casais. Homem de fé, era devoto de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, nossa Padroeira do Tipi.

    Mãe, dona Zefinha, foi o grande amor da vida do meu pai. Eles formavam um casal exemplar, com uma amorosa amizade. Jamais presenciei uma briga ou uma discussão mais agressiva entre eles. Casaram-se em 11 de janeiro de 1934. O poeta Chagas Saraiva, meu sogro, assim se refere a ela em um de seus cordéis:

    "Foi uma bela união

    Que Jesus abençoou

    Só tratava com carinho

    Que muita gente invejou

    Essa é a realidade

    Por causa da amizade

    Dez filhos ela gerou"

    Filha de Maria Saraiva de Sousa e Joaquim Ferreira de Aragão, ela nasceu no Sítio Barreiro Branco — município de Aurora. Seus avós, Felisbela de Sales Landim e Antônio Saraiva de Sousa, foram os fundadores desse sítio, dando origem à família Saraiva naquela região.

    Recordo mãe como uma mulher simples e meiga, de coração puro, sem maldade, amiga de todos e muito religiosa. Amava os seus dez filhos, cada um a seu jeito. Ainda hoje ecoa na minha memória a sua voz me chamando de Todinduá; o Joaquim, meu irmão mais novo, era Quinquim mamãe; o Adonias, Dui véio.

    Incontáveis ensinamentos ela nos passou, mas aponto um que ficou mais gravado em minha memória juvenil: Rodeiem-se de boas companhias e de bons companheiros que edifiquem suas vidas para que vocês se tornem pessoas melhores e mais felizes. No profundo, ela insistia no dito popular que se atribui como bíblico: Dize-me com quem andas e eu te direi quem tu és.

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    Figura 3 - Meus pais: dona Zefinha e seu Nozinho. Foto lá no Sítio Tipi. Fonte: o autor.

    Figura 4 - Família Cesário de Sousa da esquerda para a direita, de pé: Adalgiza, Mariinha, Nen, Zefinha, Nozinho. Sentados: Afonso, Adonias, Auxiliadora, Socorro, Joaquim, Constantino. Nesta foto, falta o José, que na época já se encontrava em São Paulo. Fonte: o autor.

    Íamos todos nós, sim, ajudar meu pai nos rudes trabalhos do dia a dia, embora ele sempre dissesse que lugar de menino é na escola, não na roça!. Era a sabedoria intuitiva e maior de meu pai. Graças a ela, escapei de uma vida condenada ao trabalho na roça para trilhar os caminhos do saber, frequentar a escola, ser o que sou. Foi o seu legado, muito mais do que se tivesse deixado a nós, seus filhos, propriedades e riquezas como herança. Um legado de sabedoria foi o que nos deixou.

    O analfabetismo e a palmatória

    Naquela época, lá no Tipi, imperavam o analfabetismo, a ignorância e as casas de taipa. O grande desafio era sair daquele ciclo de ignorância e de pobreza. Como é que nós poderíamos quebrar esse ciclo, que vinha se repetindo de geração em geração, com os filhos vivendo a mesma vida de seus pais, com pobreza gerando pobreza e ignorância gerando ignorância? Coube-me o privilégio de haver saído de uma casa de taipa para o limiar do saber através da força transformadora da educação.

    Figura 5 – Palmatória. Fonte: On-line.

    Eu fui alfabetizado pelos meus pais e pela minha irmã Nen, apelido caseiro de Francisca Ferreira de Sousa. Minha primeira professora fora do círculo familiar foi a renomada e brava mestra Maria Nadir Macêdo Gonçalves, na época uma menina. Ressalto que, por isso, nós a tratávamos como dona Nadir. Todos os sábados, ela fazia a roda da tabuada, que os mais velhos chamavam de argumento. Colocava todos nós, seus assustados alunos, de pé, um ao lado do outro, e tomava a tabuada. Ai de quem errasse! Levava um bolo de palmatória dado pelo aluno que acertasse. Eu nunca levei bolo de palmatória, graças a meu Pai.

    Pai dizia para nós: Vocês precisam levar bolo de palmatória em casa para não levar bolo na escola. Não me lembro se havia palmatória em nossa casa. Todas as noites, quando ele chegava da roça, colocava-nos em círculo e tomava a tabuada.

    — 4 x 4?

    — 16!

    — 9 fora?

    — 7!

    Havia esse negócio de noves fora, que ainda hoje eu não entendo direito. Ele continuava:

    — E 7 x 3?

    — 21!

    — Mais 9?

    — 30!

    — Dividido por 5?

    — 6!

    — Menos 6?

    — 0!

    E por aí afora. Errávamos e repetíamos. Até aprender.

    A palmatória era um instrumento de uso normal nas escolas, verdadeira auxiliar de disciplina para alunos travessos ou danados, na visão do professor ou da professora; nos lares, o estimulador de bom comportamento. Foi utilizada como ferramenta de punição física em estudantes no mundo inteiro. Introduzida pelos jesuítas como forma de disciplinar os indígenas resistentes à aculturação, a prática de aplicar bolo de palmatória quando o aluno não prestasse atenção ao professor ou errasse questões só começou a ser repensada na década de 1970, com campanhas pelo fim do castigo infantil. Na década de 1980, passou a ser considerada crime.

    Depois de tantos anos, não lembro se havia palmatória na minha casa, o que era comum em quase todos os lares. Muitos anos mais tarde, minha esposa Julia me contou, rindo muito, que seu principal divertimento quando criança era esconder a palmatória de seu pai, Chagas Saraiva.

    Recorro, então, ao meu irmão Adonias. Ele lembrou que, depois de tomar as lições de cada um, pai promovia uma partida de futebol, com uma bola de meia, no terreiro que ficava na frente de casa. Essas peladas ao pôr do sol sempre contavam com a participação de crianças da vizinhança, também pobres, humildes, mais pobres e humildes do que nós — na maioria crianças negras. Do seu jeito simples, pai deixava-nos a lição de integração e respeito para com todos, não importando sua origem, sua cor de pele, suas diferenças de cultura e de hábitos.

    Na roda de tabuada dos sábados, meus irmãos e eu nos colocávamos sempre do lado direito das filhas do tio Valdomiro Bezerra. Elas eram muito bonitas, e todos queriam tê-las como namoradas, porém elas não queriam nada conosco. Então, como os irmãos — e eu também — éramos mais estudiosos, impulsionados pela disciplina de pai, elas erravam as contas e nós acertávamos, ganhando o direito de aplicar os famosos bolos de palmatória nas mãos das pobres garotas, que saíam com as mãos vermelhas. Cruel, sem

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