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Crônicas do Seminário Redentorista Santo Afonso: tecendo vidas
Crônicas do Seminário Redentorista Santo Afonso: tecendo vidas
Crônicas do Seminário Redentorista Santo Afonso: tecendo vidas
E-book190 páginas2 horas

Crônicas do Seminário Redentorista Santo Afonso: tecendo vidas

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Sobre este e-book

Aparecida, cidade em que o Rio Paraíba presenteou o Brasil com a imagem de sua Padroeira, tem aos pés da "Igreja Velha", da "Basílica Antiga", o Seminário Redentorista Santo Afonso, com uma arquitetura inconfundível, a começar pelo formato das letras E e M, cujo sentido é: Os Escolhidos de Maria. As paredes, os paralelepípedos, as escadas, a capela, a horta, o campo de futebol, os quartos, o refeitório, o teatro, seus diferentes ambientes, guardam a história de muitos adolescentes e jovens que em algum momento de suas vidas sentiram o apelo de Deus à vida consagrada.
Alguns desses jovens se ordenaram, outros seguiram a vida laical construindo suas famílias e suas profissões inspiradas no carisma deixado por Santo Afonso, fundador da Congregação do Santíssimo Redentor, carinhosamente chamados de Redentoristas.
É nesse espaço, entre os anos de 1984 e 1988, que alguns desses jovens teceram fortes laços de convivência, aprendizagem e discernimento do próprio projeto de vida, acompanhados por seus formadores, padres e irmãos. Neste livro, o leitor irá saborear diferentes crônicas, com belas ilustrações desse ambiente, sobre as memórias desses autores – hoje padres e leigos –, como tesouros que envolvem itinerários de vidas que precisam ser compartilhados.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de mar. de 2022
ISBN9786525230399
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    Crônicas do Seminário Redentorista Santo Afonso - José Ribeiro Leite

    MOMENTO OPORTUNO DE SE TIRAR A BITOLA...

    Adilsom Sergio Benedetti

    ... Nessa curva do rio tão mansa, onde o pobre seu pão foi buscar. O Brasil encontrou a esperança: Esta mãe que por nós vem rezar....

    Quando resolvi escrever uma carta para o secretariado vocacional do Seminário Redentorista Santo Afonso em setembro de 1985, ainda não havia percebido que o hino eucarístico do XI Congresso Eucarístico Nacional, realizado em Aparecida/SP naquele mesmo ano, já me indicava um NORTE DE BUSCA, MAS PRINCIPALMENTE DE ENCONTRO.

    Saí de uma cidade interiorana do Estado de São Paulo ainda influenciado pelo espírito romântico do serviço à Igreja, na vontade, mesmo que ilusória, de ser um missionário redentorista bem aos moldes do então ainda padre Pedro Fré (logo depois sagrado bispo), que com grande entusiasmo pregou as Santas Missões Populares de 1985 em minha cidade natal, Itu/SP. Depois fui realizar uma visita ao Padre Tarcísio, um encontro vocacional, e então, veio a aprovação para entrar no seminário, em janeiro de 1986, com tenros 19 anos.

    A ida para o Seminário Redentorista Santo Afonso foi minha primeira experiência longe de minha cidade, casa e família, mas certamente foi o momento de minha epifania como jovem católico e cristão, pois mal sabia eu que, em minha ida, levava em minha humilde mala algumas roupas e sonhos, e voltaria para a casa com uma bagagem bem mais robusta: a CONSCIÊNCIA DE CLASSE. Esse é o recorte mais expressivo de minha memória/passagem pelo Seminário Redentorista Santo Afonso, e que aqui quero expressar.

    Naquele ano de 1986, o Brasil estava voltando a respirar os ares da redemocratização após 20 anos de Ditadura Militar. Embora a nova política do então presidente José Sarney tivesse ainda o cheiro da velha política dos anos de chumbo, houve uma pequena, mas importante novidade: a possibilidade de discutirmos e participarmos democraticamente da política do país. E no Seminário, isso foi um divisor de águas em minha formação.

    Na minha infância, adolescência e juventude, quando ainda vivíamos os tenebrosos anos de repressão, era frequente ouvir da boca das pessoas que religião, futebol e política não se discutia, pior ainda, não se participava. Porém, tive a sorte/oportunidade de ter como formador de minha turma o Padre José Edgar Ferrari (in memoriam), que possuía um espírito engajado com as dores e lutas dos povos, especialmente dos mais empobrecidos e esquecidos de nossa sociedade. Ele foi um norte inspirador para abrir minha mente a respeito das novas exigências pastorais do mundo moderno propostas pelo Concílio Vaticano II e da Opção Preferencial pelos Pobres, propostos nas Conferências de Medellín e Puebla. Não que caiba a alguma iniciativa cristã optar por pobres ou ricos, pois Deus não exclui ninguém. Pobre, aqui, colocamos no sentido que o Padre Ferrari nos ensinou: como uma categoria dos excluídos sociais, pois são todos aqueles que, na ordem histórica, na lógica do mundo, são os últimos (Lc. 13,30).

    Para podermos visualizar melhor esse cenário, vamos fazer um rápido passeio pelo contexto histórico dos anos 1980. Em nossa formação seminarística fomos influenciados pela grande diversidade de visões e pensamentos quanto aos modelos eclesiais/eclesiásticos que se apresentavam nas diferentes dioceses e comunidades católicas pelo país adentro. E isso não se deu de maneira diferente dentro do universo do pensamento, ações e comportamentos dos religiosos da Congregação do Santíssimo Redentor. De um lado havia os conservadores: agrupamento mais voltado para a preservação da tradição da Igreja e dos costumes. Sem almejar alterações nos relacionamentos com o Regime Militar e com as elites econômicas dominantes, sua bandeira era a manutenção social vigente no país. Já no meio de campo, havia os moderados: grupo que conseguia fazer um bom jogo de cintura entre a elite e o clero conservador, mas também possuía uma visão mais aberta e dialógica com o setor progressista, pois almejava a mudança social, e assim, o estabelecimento de um estado social de direito para amenizar um pouco o sofrimento dos marginalizados da sociedade brasileira. Por fim, havia os progressistas: agrupamento de leigos, clero e religiosos que almejava a transformação social, isto é, desejavam suprimir as desigualdades entre as classes sociais e as diferentes formas de exploração/opressão das elites brasileiras sobre os empobrecidos e esquecidos sociais – este novo modelo de ser Igreja se denominava Teologia da Libertação (TL).

    Essa queda de braço entre os três modelos de pensamento dentro da Igreja Católica na América Latina, e em especial no Brasil, teve seu ponto alto no ano de 1985 com a imposição do silêncio obsequioso pelo Vaticano ao teólogo brasileiro Leonardo Boff. Houve, assim, uma forte reação de diferentes setores progressistas da sociedade brasileira em solidariedade ao religioso, o que causou um grande mal-estar ao pontificado de João Paulo II. Importante foi a comparação que a imprensa nacional e internacional fez sobre o fato, comparando o inquérito/condenação sofrido pelo religioso com aqueles inquéritos realizados pelos militares durante o período da Repressão no país. Assim, somente no ano de 1986, após uma reunião de cúpula extraordinária realizada em Roma, os bispos brasileiros tiveram a oportunidade de apresentar a defesa da Teologia da Libertação de forma mais ampla, e assim, sensibilizar o papa João Paulo II. Com isso, o Papa tomou uma atitude mais liberal sobre a TL, intitulada Instrução sobre a liberdade cristã e a libertação. Dessa maneira, o pontífice reconheceu que (...) a Teologia da Libertação é não só oportuna, mas útil e necessária. É nesse contexto que abordo minha história com a formação recebida no Seminário Redentorista Santo Afonso, pois enquanto seminaristas acompanhados pelo Padre Ferrari, acompanhávamos os jornais e os telejornais, antenados nas notícias que nos chegavam para, a partir delas, construirmos nossa opinião acerca dos acontecimentos do Brasil e do mundo.

    Logo que entramos no Seminário, numa das primeiras aulas de formação com o Padre Ferrari, ele nos explicou que antigamente o lema das missões populares era "Salva tua Alma. Dizia ele: Nossa catequese tradicional ensinava que o homem tinha alma e corpo. A parte que a religião salva é a alma, portanto, o corpo nada vale, ele é o eterno inimigo da alma". Essa visão marcou profundamente os católicos, pois se a missão da Igreja é vista como salvação da alma das tentações corporais e das coisas materiais, é óbvio que religião não pode se misturar com política. Justamente porque política cuida das coisas materiais. Nessa visão obtusa de religião, uma pessoa religiosa temente a Deus não trata de coisas políticas e materiais. E desse modo, a manutenção das relações opressivas da política é legitimada e mantida. Assim também foi na década de 1980, quando o conceito/lema das Santas Missões foi alterado, tendo uma promoção maior do ser humano: Caminhar para a Vida Comunitária. E foi perseguindo esse conceito que as abordagens do Padre Ferrari se faziam. Em nossos "shows missionários", sempre havia uma abordagem reflexiva/social. Os temas eram diversos, mas sempre com os pés bem fincados na realidade sobre os conflitos agrários, os choques culturais entre o campo e a cidade, as relações de classe, a cultura e a religiosidade popular e o mundo do trabalho e da política.

    Fizemos muitas peças teatrais, sempre com nossos olhares voltados ao horizonte social: O mito grego de Prometeu (abordando o trabalho); A missa da Terra sem Males, de Dom Pedro Casaldáliga (mostrando a exploração/dominação da cultura branca europeia sobre a cultura indígena e os conflitos agrários); A vida de Santo Afonso (sobre a opção afonsiana pelos empobrecidos de ontem e de hoje). Tempos bons de profundas reflexões.

    O ano de 1986 também foi de eleições Constitucionais. Passados os anos de chumbo, agora teríamos, novamente, a oportunidade de escrevermos uma Constituição democrática. Com as eleições de 1986, o povo deu poderes constitucionais aos deputados e senadores para confeccionarem uma nova Constituição.

    E foi nesse exato ponto que aconteceu mais um importante aspecto de minha história pessoal, construída a partir de minha formação seminarística; foi nesse contexto que votei pela primeira vez. O Padre Ferrari levou um amigo pessoal para palestrar sobre a política e o contexto/importância das eleições constituintes que aconteceriam naquele ano. Esse palestrante era um homem oriundo das fileiras da antiga Juventude Universitária Católica (JUC), uma organização que surgiu a partir da Ação Católica Brasileira na década de 1960, motivada pelo impulso renovador do Concílio Vaticano II. Um promotor público atuante na comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, que agora, nas eleições de 1986, disputava pelo PT uma cadeira como deputado constituinte. Seu nome: Plínio de Arruda Sampaio. Aquela palestra foi transformadora em minha vida, pois foi a partir dela que minha mente se abriu à política. Saí de lá irradiado pela militância e questionando minha vocação quanto à vida religiosa, pois pensava eu: aí está algo que me fascinou. Meus livros na biblioteca do seminário passaram a ser os dos pensadores políticos. Não me interessava muito pela metafísica filosófica, mas pela sociologia prática.

    Os dias que se seguiram posteriores à palestra foram de intenso debate e conversas pelos corredores do seminário. De um lado, os tocados pela novidade progressista abordada pelo palestrante, que se abria ao horizonte da transformação social. De outro, o grupo que denominávamos de bitolados, ou seja, aqueles que se mantinham alheios às questões políticas/sociais, que se mantinham dentro de um padrão religioso mais intimista e devocional, bem aos moldes do "salvar sua alma". O importante é que o candidato Plínio de Arruda Sampaio se elegeu, e teve uma atuação ímpar na elaboração da nova Constituição, aprovada e denominada em 1988 de "Constituição Cidadã". Quanto a mim, estava chegando a hora de ir para uma nova etapa de minha vida seminarística: a filosofia. Mas não era bem o que eu queria, havia algo que me interrogava: eu desejava mesmo seguir a vida religiosa? E minha decisão final foi a de sair, no final do primeiro semestre de 1988.

    Voltei para a casa de meus pais, terminei meus estudos, e no início de 1989, fiz o vestibular para o curso que eu melhor me identificava: Ciências Sociais. Pedi então ao Padre Coutinho se poderia me hospedar junto com minha ex-turma na casa de formação dos Redentoristas em Campinas/SP para poder fazer o vestibular da PUC-Campinas junto com os demais seminaristas. Solicitação prontamente atendida. Passei no vestibular e comecei minha carreira como futuro sociólogo. Essa foi a última vez que estive junto com minha turma de seminário, a não ser por algumas pequenas ocasiões de encontros em manifestações estudantis patrocinadas pelo Diretório Central Estudantil (DCE) – do qual fiz parte no período de estudante – que movimentavam o Pátio dos Leões da PUC-Campinas.

    Enfim, os anos que passei pelo seminário foram de importante aprendizado, de iluminação e de crescimento. Entrei como um jovem de religiosidade e mentalidade política infantil e saí como um homem de religiosidade e militância política adulta e responsável.

    Aqui nessas poucas linhas deixo o meu mais profundo agradecimento aos companheiros de seminário, que, naquele momento, foram amigos, irmãos, confidentes e solidários a mim na caminhada. Certamente guardo as lembranças de cada um que esteve ao meu lado, mas quero deixar aqui registrado o meu mais profundo agradecimento aos meus formadores: Padres Edgar Ferrari, Tarcísio, Carlos Arthur e Irmão João Júlio. Pessoas que com seus carismas próprios me ensinaram três importantes características que aprendi no Seminário Redentorista Santo Afonso a ter e cultivar em minha caminhada de vida: percepção para com a realidade que nos cerca, sensibilidade para com o sofrimento dos esquecidos e humilhados, e disponibilidade em transformar as realidades de morte em vida

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