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Acompanhamento terapêutico
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E-book289 páginas4 horas

Acompanhamento terapêutico

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Sobre este e-book

O texto aborda o acompanhamento terapêutico, a clínica da cidade, inclusiva, móvel e enraizada no solo de uma atividade extramuros dos hospitais psiquiátricos e dos consultórios, oferecendo apoio a estes. Intervém na dificuldade de relacionamento psicossocial nos diversos interstícios urbanos em que a pessoa esteja.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de nov. de 2023
ISBN9786553741188
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    Pré-visualização do livro

    Acompanhamento terapêutico - Ana Celeste de Araujo Pitia

    DEDICATÓRIA

    Ofereço a concretização deste trabalho à memória do meu pai, Elzino, falecido há 38 anos, e à vida da minha mãe Eneida, que está tendo a possibilidade de ver, em seus 80 anos, uma parte do resultado de seu trabalho como mãe e exemplo de mulher! Na trilha da (re)construção de vida, agradeço o apoio do meu companheiro Amauri; juntos estamos escrevendo nosso livro na contínua redação de uma vida a dois.

    Dedico este livro à minha filha Tharsilla. Deixo como herança a minha fé em Deus, o amor e a dedicação no meu trabalho como Mãe, Mulher e Profissional.

    Agradecimentos

    À Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia, local de minha origem profissional. Aos Programas de Pós-Graduação de Mestrado em Enfermagem Psiquiátrica e de Doutoramento Interunidades da Escola de Enfermagem da USP Ribeirão Preto, SP,

    local dos meus estudos. Ao Instituto Lumen – Centro de Estudos Neo-Reichianos de Ribeirão Preto, São Paulo – onde continuo cultivando e

    semeando a árvore que cresceu, cresce e continuará crescendo, os frutos que consegui colher e as flores que brotam na terapeuta que sempre existiu dentro de mim.

    Prefácio

    Quando cursava a faculdade de medicina, passei por muitas situações que me afetaram profundamente, e uma delas foi o meu estágio em um hospital psiquiátrico. Os colegas veteranos já haviam comentado sobre esta experiência traumática e, ao chegar a essa instituição, comecei a sentir algo muito desagradável: sentia-me num presídio e com medo que, inicialmente, pensava ser dos internos e da loucura, mas, aos poucos, fui percebendo que o maior medo era da forma como esses seres humanos eram tratados. Via-me nesse lugar e isso me apavorava, imaginando que em algum momento da minha vida pudesse cair nessa armadilha. Medo de perder o controle emocional e ser rotulado por alguns homens poderosos de ser psicótico e ser sugado por esse buraco negro da sociedade.

    Ver seres humanos em condições desumanas angustiava-me profundamente e, paralelamente, um enorme sentimento de impotência me tomava. Hoje posso identificar a forma de me proteger desses sentimentos, negando-os e transformando-os em risos, tentando me colocar no mundo dos supostos saudáveis e esconder o máximo possível o que me ligava àqueles indivíduos marginalizados e excluídos da sociedade. Assim como a sociedade fez com a loucura, fiz o mesmo comigo: aprisionei e escondi dentro da minha alma as partes estranhas e não valorizadas pelo mundo que me cercava.

    Sempre tive uma atração pelo psíquico e por entender a alma humana, mas após passar por várias experiências como essa, voltei-me para áreas mais seguras e com regras claras. Queria conhecer o ser humano por dentro e, então, fui ser cirurgião. Por essa via, acabei encontrando-o conforme fui encontrando o humano dentro de mim. Então, mais seguro comigo mesmo, pude ver os doentes atrás da doença e, entendendo o que Hipócrates falava, não se trata a doença, e sim o doente.

    O trabalho de Acompanhamento Terapêutico (AT) me traz um sentimento de esperança em relação ao resgate da alma dessas pessoas excluídas e também da minha própria alma. Vejo a possibilidade de inclusão dos que são rotulados como psicóticos e também a inclusão dos diversos profissionais da saúde que eram meros coadjuvantes do tratamento, expectadores do teatro de horror, assumirem funções nobres e dignas, possibilitando uma visão abrangente e multidisciplinar.

    Acompanhar e orientar, auxiliando não só o doente a integrar-se ao seu meio, mas também ajudar a sociedade a acolher parte de sua vida, de sua expressão e de sua sombra. Ao invés de esconder, mostrar; ao invés de excluir, incluir.

    Sair da onipotência e da ilusão do poder e da sanidade e colocar-se na realidade da nossa imperfeição e dos nossos mecanismos doentios e, por meio desse reconhecimento, poder olhar com ternura e compaixão para os emergentes que nos fazem confrontar com nossa própria loucura. Aqui podemos sentir a potência, a realidade e os limites do cliente e do terapeuta.

    O paciente não é mais um diagnóstico a ser tratado. Não se acompanha uma CID. A percepção das pequenas, mas importantes, dificuldades da rotina diária, em que se manifestam as ausências de afeto e de cuidado da história de vida dessa pessoa. O acompanhante terapêutico utiliza não só seu conhecimento teórico e prático, mas também a parte humana de seu ser. Um profissional que não se esconde entre quatro paredes, deduzindo a realidade por trás da fala do cliente; ele se encontra exatamente no momento das dificuldades, podendo ter uma visão muito mais ampla, possibilitando atitudes terapêuticas ativas.

    A relação entre o cliente e o acompanhante terapêutico é o passo inicial dessa trajetória de integração. A presença física e emocional de um ser humano que o acolhe, da forma como ele realmente é, podendo expressar-se a partir de seu ponto de vista, sem medo de julgamento e punição, aprendendo a exercer seu direito de cidadania, o seu direito de ir e vir na relação com o AT para a relação com seu meio.

    Outro aspecto importante desta obra é o trajeto profissional da autora, unindo o trabalho da enfermagem com a psicoterapia neo-reichiana, possibilitando uma maior qualidade de cuidado. Vejo aqui outra libertação de antigas amarras corporativistas que, com seus princípios rígidos, impossibilitariam trabalhos criativos e inovadores como este. A valorização do trabalho de equipes multiprofissionais e o aparecimento de profissionais com múltiplas especializações dão um grande alento ao surgimento de novas possibilidades terapêuticas no campo da saúde mental.

    Congratulo Ana Celeste pelo seu trabalho pessoal e por esta obra, e que muitos outros profissionais inspirem-se nesse recurso terapêutico, levando-o a múltiplos lugares e pessoas, humanizando-se a si próprio e a seus clientes.

    José Fernando de Freitas

    Médico gastrocirurgião, psicoterapeuta neo-reichiano , coordenador do Curso de Psicossomática e professor do Instituto Lumen.

    Ribeirão Preto, 28 de outubro de 2003.

    Apresentação

    O processo de mudança e redescrição dos paradigmas em saúde mental acarretou profundas transformações no modelo assistencial. Os novos cenários emergentes nas últimas décadas exigiram a formulação de propostas mais condizentes com a nova filosofia de tratamento dos assim chamados pacientes psiquiátricos, em direção a um modelo de assistência pautado em uma visão integral do ser humano e na ética do respeito à diversidade. Sabemos que a legitimação da diferença é o que inaugura a possibilidade de uma relação autêntica com a alteridade. Esse respeito a tudo aquilo que, no outro, representa em última instância o irredutível bastião de sua identidade pessoal, afina-se com uma concepção contemporânea que tende a abordar o portador de sofrimento psíquico como sujeito de direitos e não de déficits ou carências dificilmente suplementadas. Assim, os equipamentos de saúde mental passaram a ser remodelados em função dos princípios consagrados pelos direitos de cidadania do paciente.

    Entre as práticas inovadoras que emergiram nesse novo panorama que se abriu no campo dos cuidados aos portadores de sofrimento mental, destaca-se a proposta do Acompanhamento Terapêutico. Neste livro, aprendemos que esse dispositivo se constitui como uma atividade clínica que objetiva superar as barreiras que dificultam a relação estabelecida com o ambiente social por pessoas portadoras de graves transtornos psiquiátricos, deficiências físicas e mentais ou que estejam vivenciando situações de crise vital que comprometem o desempenho das atividades cotidianas.

    O presente livro nasceu de uma versão modificada da Tese de Doutorado defendida pela autora (PITIÁ, 2002), sob a orientação do co-autor, na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo. Neste estudo, propomos pensar a clínica do Acompanhamento Terapêutico (AT) como uma prática de atendimento que acompanha a pessoa em dificuldade de relacionamento psicossocial onde quer que ela esteja: em casa, na escola, no trabalho, nas ruas, enfim, nos diversos interstícios urbanos em que o indivíduo circula, apoiando-o nos mais variados espaços de convivência social.

    O objetivo terapêutico é romper o isolamento e a exclusão do convívio social. Trata-se, portanto, de uma prática inclusiva, móvel e ao mesmo tempo enraizada no solo de uma clínica extramuros, que estende seus recursos para o lado de fora dos hospitais, consultórios e clínicas, oferecendo apoio a esses serviços.

    É a chamada clínica da cidade, em que o acompanhante terapêutico e o acompanhado (cliente) percorrem os espaços comunitários possíveis no alcance do objetivo da ressocialização, processando o vínculo terapêutico que se estabelece na relação entre ambos.

    O enfoque teórico-conceitual da psicoterapia corporal permite, segundo algumas idéias propostas por Reich, lançar luzes sobre a questão da necessidade de fundamentação da análise dos acompanhamentos. A clínica do Acompanhamento Terapêutico encontra-se em pleno processo de construção. Propomos, assim, considerá-la em seu duplo caráter, ou seja, enquanto teoria e prática.

    Dentro do quadro referencial privilegiado, pretendemos contribuir para a ampliação do campo de reflexão sobre a prática clínica do Acompanhamento Terapêutico, abrindo espaço para outras discussões e novas possibilidades da ação do profissional de saúde.

    Valendo-se da descrição de quatro atendimentos em Acompanhamento Terapêutico, será discutido o conceito de movimento, configurado pelo ato de acompanhar, corporalmente, o portador do sofrimento psíquico, que se torna parte integrante dessa clínica a céu aberto. O ato de acompanhar já guarda, em si, uma dimensão corporal que se estabelece na condução dos atendimentos a partir dos corpos do acompanhante e do acompanhado, dispostos lado a lado no contexto vivo da interação que se instaura na clínica do AT. A auto-regulação social dos acompanhados pode ser vista e considerada com base no resgate de suas potencialidades no manejo dos desafios da vida cotidiana e da retomada de suas relações no trabalho e na família.

    Uma característica dessa prática é a possibilidade de ser pensada baseando-se nos múltiplos pontos de vista. Neste livro o enfoque da psicoterapia corporal, mediante o conceito de auto-regulação, será empregado para a análise dessa modalidade de atendimento.

    A indispensável contextualização histórica da mudança de paradigmas de atendimento em saúde mental será descrita inicialmente, preparando terreno para a compreensão da gênese do acompanhamento terapêutico e sua inserção nos dias de hoje, no qual suas bases ainda estão permanentemente se construindo e reconstruindo rumo a um melhor delineamento da prática.

    A estratégia metodológica utilizada foi o estudo de caso clínico de quatro acompanhamentos, encaminhados por diferentes profissionais. O escopo deste livro é poder contribuir para a ampliação do campo de reflexão sobre a prática clínica do AT, abrindo espaço para outras discussões e novas possibilidades da ação profissional na área da saúde.

    1. A construção de um caminho:

    de Agente Terapêutico a Terapeuta e AT

    Iniciei o meu contato com a área da saúde mental no ano de 1985, quando cursei a disciplina Enfermagem Psiquiátrica no curso de graduação em Enfermagem na Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia. No ano seguinte, houve uma seleção pública estadual, em que foram escolhidos, por concurso, estudantes da área de saúde para trabalharem como bolsistas em instituições do Estado.

    Assim, trabalhei durante o ano de 1986 em um hospital psiquiátrico, unidade da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, especializada na assistência psiquiátrica, situado na cidade de Feira de Santana. Na época da pesquisa que realizei no mestrado, em 1996, era considerado o maior hospital psiquiátrico do Estado da Bahia, com capacidade para 550 leitos, sendo que 400 desses eram destinados ao chamado Núcleo de Recuperação Agrícola, que abrigava pacientes considerados fora de possibilidade terapêutica (FPT) (PITIÁ, 1997).

    Nesse período, realizava atividades administrativas no hospital, em substituição aos enfermeiros no horário que havia menor concentração de profissionais. Contudo, eu me inclinava para atividades diretamente relacionadas ao cuidado dos pacientes e, assim, com os demais bolsistas que ali estavam trabalhando, realizávamos atividades voltadas para o cotidiano deles: reuniões para desenvolverem ações de praxiterapia, música, festejos culturais, entre outras. O período de um ano foi suficiente para que eu percebesse que era atraída muito mais pela possibilidade de propiciar algo que, futuramente como profissional, favorecesse atitudes terapêuticas para os pacientes psiquiátricos. Percebia os entraves da estrutura manicomial vigente, contudo não os considerava como impeditivos para que se pudesse lançar um novo olhar para aqueles seres humanos que se encontravam internados.

    Quatro anos mais tarde, em 1990, fui selecionada para a vaga de professora no curso de graduação de enfermagem da mesma universidade de minha formação. Assim, iniciei o ensino da disciplina Enfermagem Psiquiátrica, na Universidade Estadual de Feira de Santana. Em sala de aula, juntamente com a companheira de disciplina, travávamos discussões com os alunos, no sentido de podermos focalizar a realidade do atendimento em psiquiatria de modo mais crítico e diversificado, com possibilidades de saídas viáveis para quem dele necessitasse que não se restringissem apenas à colocação de pessoas em um manicômio, muitas vezes para ali se tornarem moradoras perpétuas.

    Era importante, pensava eu como docente, que a indignação quanto aos modelos tradicionais de tratamento em psiquiatria me estimulassem o sentimento de busca na perspectiva de contribuir no processo de transformação de uma realidade. Como professora de graduação e fazendo parte de uma outra instituição, que não a do manicômio, procurava mobilizar os alunos, na expectativa de sensibilizá-los, antes de qualquer coisa, na condição de seres humanos, refletindo que, futuramente, estariam na condição de enfermeiros e, portanto, profissionais de saúde.

    Assim, as nossas idas ao campo de estágio nesse hospital eram acompanhadas de reuniões diárias entre estudantes e professores, em que discutíamos o olhar sobre aquela realidade manicomial, respeitando, contudo, a maneira de serem conduzidas as atividades cotidianas da instituição. Ou seja, os alunos participavam no auxílio das atividades que já eram desenvolvidas pela equipe de enfermagem dos setores onde aconteciam os estágios. Mas, cada um era orientado a acompanhar, de forma terapêutica, um paciente, escolhendo-o por empatia, podendo assim, por meio do estabelecimento do vínculo, conhecê-lo em sua história pessoal, o que poderia possibilitar alguma interferência positiva com aquelas pessoas ali internadas e sem aparentes perspectivas de melhora.

    Chamo a atenção para o fato de que acompanhar de forma terapêutica aqui significava estar ao lado do paciente durante o turno de estágio do estudante. Ele acompanhava o paciente em suas atividades cotidianas na instituição: banho, medicação, visita de parentes, além de oferecer alguma atividade de pintura, desenho, colagem, ou outra qualquer, com objetivo terapêutico de possibilitar ao paciente alguma estratégia que permitisse quebrar a inércia da rotina institucional e que dentro das possibilidades do aluno em seu estágio, pudesse oferecer um suporte terapêutico ao paciente.

    Na prática de atuação do enfermeiro é imprescindível que suas atitudes levem em conta que seu compromisso profissional é contribuir para a preservação e restauração da saúde, tendo o devido respeito à vida, contribuindo para a promoção de ações necessárias para mantê-la e aprimorar sua qualidade. Ou seja, o terapêutico, nas ações do profissional voltado para o cliente, está relacionado com resultantes de ações e reações de seu comportamento, cuja origem se baseia na identificação e determinação das necessidades apresentadas pelas pessoas com as quais se está interagindo no processo terapêutico do acompanhamento de suas dificuldades. O importante também nessa relação é o enfermeiro poder ouvir, sem julgamento valorativo, e avaliar sem críticas, reprimendas ou conselhos (EPSTEIN, 1977; DANIEL, 1983).

    Nesse sentido, a atitude terapêutica provém do trabalho pessoal do profissional com sua própria personalidade, que contribuirá para seu modo de pensar e agir, instrumentos básicos na sua relação com outros profissionais e com o cliente. Rúdio (1991) chama a atenção para o fato de que no diálogo de ajuda o objetivo é criar condições favoráveis para que a pessoa tome uma maior consciência de si e compreenda-se melhor, ou seja, a base do diálogo é a autenticidade de quem presta o auxílio, considerando-se que todas as soluções existenciais, necessárias para a vida do indivíduo em dificuldade, encontram-se dentro dele próprio e aí devem ser construídas. Para isso, o profissional que o ajuda, acompanhando-o em sua dificuldade, procura uma condição favorável para que se dê essa construção pessoal dos recursos de enfrentamento, impulsionando possibilidades adequadas de saídas diante do problema enfrentado.

    Recentemente, pude encontrar idéias convergentes com as que acabaram de ser expostas. Na literatura sobre Acompanhamento Terapêutico (AT), Berger (2001) discute sobre o ato de acompanhar, referindo-o como uma atitude de estar ao lado do paciente e poder escutá-lo em sua história e experiências particulares.

    Na orientação que oferecíamos aos alunos, fazia parte do acompanhamento, que haveriam de realizar com os pacientes, a realização de um estudo de caso. O paciente era escolhido pelo critério de empatia e o contato possibilitava uma aproximação aluno/paciente. Mediante o vínculo possível de ser estabelecido, eram colhidos dados pessoais, familiares e socioeconômicos por meio de atividades realizadas na própria instituição e também de visitas domiciliares às famílias do paciente, visando a conhecer o seu ambiente, procedendo ainda uma maior aproximação de sua história e orientação à família, trazendo de volta contribuições e informações úteis aos profissionais responsáveis pelo paciente no hospital.

    Em outra ocasião, por motivo de greve no hospital psiquiátrico que era nosso campo de estágio, como (professoras da disciplina) fomos levadas a pensar em saídas para a realização do estágio dos alunos. Partimos para a realização de estágios em dois novos campos: um hospital geral e um hospital maternidade. Nessas instituições hospitalares descobrimos uma outra maneira de acompanhar, de forma terapêutica, outro tipo de clientela que não se classificava como psiquiátrica.

    Assim, orientávamos que, ao acompanharem os pacientes, pudessem escutá-los em suas dificuldades, que poderiam estar relacionadas ao próprio fato de estarem internados no hospital, seus sentimentos diante do tratamento que estavam realizando, o desconhecimento de ambientes restritos, como o centro cirúrgico, as expectativas que apresentavam na fase pré-operatória, etc. No caso da maternidade, como estariam se sentindo as novas mães, o que teriam elas para falar sobre si e que talvez não estivessem tendo oportunidade de colocar diante do cotidiano daquela realidade hospitalar.

    Todo esse contexto, em que trabalhava na orientação desses estágios, contribuiu para me fazer enxergar a amplitude do campo de ação do profissional que trabalha na área de saúde mental. Percebi que temos, na escuta e no acolhimento do sofrimento psíquico humano, importantes elementos de intervenção terapêutica.

    Ainda como docente, engajava-me em discussões sobre estratégias de luta e maneiras de se desmanicomializar o modelo de atendimento em psiquiatria. Engajadas no Movimento de Luta Antimanicomial, realizamos na universidade alguns seminários. Na Jornada Universitária do ano de 1994, foram debatidas novas formas de atendimento em saúde mental, com a participação de outros profissionais engajados nessa discussão. Em assembléia realizada naquele ano, o dia 16 de dezembro foi escolhido como o Dia Municipal de Luta Antimanicomial no município de Feira de Santana. A comemoração desse dia pôde ser feita durante os dois anos seguintes, em manifestações feitas pelos alunos no centro da cidade, no sentido de mobilizarem a opinião pública a respeito da realidade da assistência psiquiátrica. Sabíamos que com essas manifestações não teríamos condições de mudar a mentalidade em um passe de mágica; contudo, o princípio de todo esse movimento era buscar enxergar e construir saídas viáveis, mesmo que consideradas insignificantes, para o processo de transformação do atendimento em psiquiatria.

    Essas saídas eram pensadas com base em uma visão sobre o louco, como um sujeito de direitos com possibilidades de desempenhar na vida seu papel de cidadão, apesar de sua dificuldade. Contribuiriam muito, no entanto, ações terapêuticas em saúde mental, voltadas para uma política de aproveitamento das partes sadias da pessoa em desequilíbrio psíquico.

    Ao realizar a pesquisa de mestrado na qual investiguei o cotidiano do enfermeiro em suas atividades realizadas dentro de um hospital psiquiátrico, elegi esse profissional como objeto de estudo, apreendido em atividade, como agente que constrói relações no contexto do dia-a-dia de trabalho. Ele foi percebido como importante contribuinte de toda trama interdisciplinar na qual está envolvido dentro da instituição. Nesse contexto, vejo-o como um sujeito que pode desenvolver ações potencialmente transformadoras, em articulação com os demais sujeitos/profissionais de saúde e de outras áreas afins.

    Pude observar, na realidade daquela instituição, que os enfermeiros ocupavam posições de destaque e funções estratégicas, servindo como uma espécie de ponte entre os profissionais e os pacientes ali internados, por meio da coordenação de serviços desenvolvidos dentro da instituição e que diretamente estavam voltados para o atendimento prestado. Nesse sentido, o enfermeiro poderia ser considerado como um agente terapêutico, aquele que, dentro da equipe multidisciplinar, despendendo mais horas ao lado do paciente, potencialmente tem nas mãos melhores condições de promover uma ação terapêutica efetiva no acompanhamento desses pacientes (PITIÁ, 1997).

    Tenho a visão de que um agente terapêutico pode ser considerado o profissional de saúde que, independentemente de sua formação acadêmica, coloca-se como elemento de ajuda no relacionamento com um sujeito em dificuldade e que necessita de sua intervenção de forma terapêutica. Freqüentemente, esse profissional configura-se como modelo na relação terapêutica com o paciente.

    O enfermeiro, dada sua maior proximidade com os indivíduos em dificuldades e submetidos ao tratamento durante uma internação, por exemplo, funciona como o elemento que está mais próximo desse papel de modelo na relação terapêutica de ajuda, desenvolvendo atividades que possam permitir às pessoas assistidas melhores condições, sejam

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