Formação de Professores e Condições de Trabalho em Classes Multisseriadas
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Sobre este e-book
Prof.ª Dr.ª Sonia Meire Santos Azevedo de Jesus
Universidade Federal de Sergipe – UFS
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Formação de Professores e Condições de Trabalho em Classes Multisseriadas - Jânio Ribeiro dos Santos
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
À professora Sonia Meire Santos Azevedo de Jesus, pelo carinho, pela paciência, pela humildade, pela valiosa orientação na pesquisa e, sobretudo, pelo exemplo profissional e de vida.
À minha mãe, Maria Ribeiro dos Santos (in memoriam),
pelo amor, dedicação e luta incomensurável
para que eu pudesse prosseguir nos estudos.
Aos trabalhadores do campo, em geral, e,
de modo especial, aos professores e demais trabalhadores que atuam nas escolas com classes multisseriadas no campo.
PREFÁCIO
A reflexão de quem viveu no meio rural brasileiro, sofrendo as consequências de um modelo de desenvolvimento econômico excludente, entrelaça-se com a necessidade de denúncia e de busca de transformação a partir do que se tornou mais cara a sua vida: a educação, ser professor de escolas rurais e pesquisador da área.
A composição deste livro, intitulado Formação de professores e condições de trabalho em classes multisseriadas, é resultado de um esforço do pesquisador Jânio Ribeiro dos Santos em apresentar uma análise crítica sobre as condições em que a educação rural continua existindo e as possibilidades da emergência e consolidação da Educação do Campo que se faz e refaz na luta concreta dos milhares de trabalhadores rurais pelo direito ao trabalho, a terra e à educação. A luta pelo direito à Educação e a Reforma Agrária se alimentam do desejo de transformar o campo como lugar do atrasado ou do altamente tecnologizado, voltado para o agronegócio, que expulsa homens e mulheres para um território camponês que seja capaz de produzir a vida a partir de novas relações entre homem/natureza.
Nesse contexto, a existência das classes multisseriadas, as condições e o trabalho do professor nos anos iniciais, estudados pelo autor em seu trabalho de mestrado em Educação, é um caso específico do que está no limite. De um lado, a dinâmica de um mundo rural construído pelo colonizador e modernizado de forma conservadora ou falsamente democratizado pelos projetos econômicos e políticos de base neoliberal e, do outro, a concepção do campo que recupera a história e a memória de luta pela terra, bem como as necessidades de formar professores para realizarem a difícil tarefa de ensinar os filhos e filhas dos trabalhadores, a leitura do mundo e da palavra para se posicionarem como sujeitos de direitos e serem responsáveis por dar continuidade à luta para transformar o campo brasileiro.
A maestria da escrita está no fato de suas reflexões partirem da sua própria história de vida como estudante e, posteriormente, professor do meio rural. A pesquisa se constrói em meio às sensibilidades do vivido e do desconhecido que foram as condições de trabalho e a própria formação dos professores do campo. Nessa caminhada, o método contribuiu para que o autor analisasse a problemática das classes multisseriadas e apontasse elementos para a superação dos problemas identificados na materialização de uma escola que ultrapasse a imposição dos interesses do capital.
Prof.ª Dr.ª Sonia Meire Santos Azevedo de Jesus
Universidade Federal de Sergipe – UFS
PARA OS QUE VIRÃO
Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.
Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem.
Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular – foi deixando,
devagar, sofridamente
de ser, para transformar-se
– muito mais sofridamente –
na primeira e profunda pessoa
do plural.
Não importa que doa: é tempo
de avançar de mão dada
com quem vai no mesmo rumo,
mesmo que longe ainda esteja
de aprender a conjugar
o verbo amar.
É tempo sobretudo
de deixar de ser apenas
a solitária vanguarda
de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro.
(Dura no peito, arde a límpida
verdade dos nossos erros.)
Se trata de abrir o rumo.
Os que virão, serão povo,
e saber serão, lutando.
(MELLO, 2010, p. 66-67)
Sumário
INTRODUÇÃO
capítulo 1
A RELAÇÃO ENTRE A QUESTÃO AGRÁRIA, EDUCAÇÃO
E ESCOLAS DO CAMPO NO BRASIL
capítulo 2
CLASSES MULTISSERIADAS: DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO
DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
2.1 | Classes multisseriadas: trajetória, limites e perspectivas
2.2 | Contextualização do município pesquisado
2.2.1 | Números da educação no município
Capítulo 3
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E CONDIÇÕES DE TRABALHO DOCENTE NAS CLASSES MULTISSERIADAS:
RESULTADOS E ANÁLISES
3.1 | Formação de professores
3.2 | Condições de trabalho docente
3.2.1 | Escola Mandacaru
3.2.2 | Escola Juazeiro
3.2.3 | Escola Umbuzeiro
3.2.4 | Escola Aroeira
3.2.5 | Escola Jurema
3.2.6 | Escola Alecrim
CONSIDERAÇÕsES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Esta obra expõe a pesquisa apresentada como dissertação de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe (UFS), entre os anos de 2010 e 2012, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Sonia Meire Santos Azevedo de Jesus. Teve como objeto de investigação as classes multisseriadas¹ – forma de organização escolar encontrada geralmente nos estabelecimentos de ensino localizados no campo brasileiro, em que são concentrados em um mesmo espaço e tempo escolar, estudantes de diferentes séries/anos (e idade) e na maior parte dos casos, sob a regência de apenas um professor.
Neste estudo, partimos da compreensão de que no bojo do modo de produção capitalista, a educação que poderia contribuir para a emancipação humana, tornou-se uma peça do processo de acumulação de capital e de estabelecimento de um consenso que torna possível a reprodução do injusto sistema de classes
(SADER, 2005, p. 15). Nesse sentido, compreendo como necessária a defesa de uma educação para além do capital (MÉSZÁROS, 2009). Em outras palavras, uma educação que contribua para a transformação radical² dos modelos econômico e político capitalista e da sua própria forma escolar, tendo em vista a construção de outro projeto histórico³ pautado nas demandas históricas e nos interesses sociais e culturais da classe trabalhadora em geral e, em particular, daqueles que vivem e sobrevivem do campo brasileiro, os camponeses.⁴ Assim,
[...] uma reformulação significativa na educação é inconcebível sem a correspondente transformação social na qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança (MÉSZÁROS, 2005, p. 25).
Desse modo, advogamos que a Educação do Campo se constitui numa possibilidade, em um instrumento potencializador para transformação social e para promoção de mudanças estruturais da sociedade capitalista. Mas afinal, o que é a Educação do Campo?
A Educação do Campo é um projeto de educação que está em construção com nexos no projeto histórico socialista. É um projeto da classe trabalhadora do campo. Tem como protagonistas os próprios camponeses e trabalhadores do campo, suas lutas e organização e suas experiências educativas, que incluem a escola, mas vão além dela. Ela se contrapõe à educação como mercadoria e afirma a educação como formação humana. O papel da educação também é o de formar sujeitos críticos, capazes de lutar e construir outro projeto de desenvolvimento do campo e de nação. (SANTOS; PALUDO; OLIVEIRA, 2009, p. 54)
Em contraposição a esse projeto da classe trabalhadora, o modelo de educação predominante no campo é da chamada Educação Rural, que [...] tem seu alicerce numa visão instrumentalizadora da educação, em que é suficiente para o povo do campo uma alfabetização funcional, pautada num projeto de reprodução do capital
(SANTOS; PALUDO; OLIVEIRA, 2009, p. 55).
Esse modelo de educação integra as políticas desenvolvimentistas pautadas na lógica equivocada do crescente processo de urbanização do país e da sua aposta no processo de desaparecimento do campo, que colocam a cidade como referência para todas as ações sociais (JESUS, 2008; 2009). Partindo dessa lógica, os modelos econômicos adotados consideram a cidade moderna, produtiva, superior. Contraditoriamente, o campo e tudo que está nele são tidos como lento, improdutivo, atrasado. A esse respeito à autora acrescenta:
É importante se observar que até mesmo o discurso do avançado no campo é completamente paradoxal. Geralmente o considera desenvolvido quando produz agricultura de ponta para exportação, por meio da monocultura; e, nesta lógica, quanto mais se produzir a agricultura ou a pecuária extensiva, mas se considera um campo desenvolvido, argumentando-se em favor da ampliação do desenvolvimento local. Ao contrário, elas se desenvolvem a partir da concentração fundiária e de renda, compelindo à diversidade de outras culturas, quando não as extinguem completamente, a exemplo da pecuária extensiva no norte do país. (JESUS, 2008, p. 154)
Ademais, é oportuno destacar que os dados do Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comprovam o crescimento dessa tendência perversa de urbanização do país. De acordo com a sinopse divulgada, a população brasileira era composta por 190.755.799 habitantes; sendo 160.925.792 (84,4%) residentes da área urbana e 29.830.007 (15,6%) da área rural. Comparando esses dois últimos dados referentes à distribuição espacial da população brasileira (áreas urbana e rural) com os dados do ano 2000, observa-se que a população urbana era formada por 137.755.550 (81,2%) habitantes e a população rural por 31.835.143 (18,8%), o que demonstra, portanto, um aumento de 3,2% na tendência de urbanização do país (BRASIL, 2010a).
Mas nas análises de Veiga (2003), o Brasil é muito menos urbano do que se