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A Educação como Estratégica Política do Mst: Por Uma Pedagogia da Luta e da Resistência
A Educação como Estratégica Política do Mst: Por Uma Pedagogia da Luta e da Resistência
A Educação como Estratégica Política do Mst: Por Uma Pedagogia da Luta e da Resistência
E-book435 páginas5 horas

A Educação como Estratégica Política do Mst: Por Uma Pedagogia da Luta e da Resistência

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Sobre este e-book

A garantia da existência para além das atuais relações dominantes no capitalismo dependerá de relações sociais capazes de engendrar um modelo de produção que não inviabilize a vida na sua particularidade, na sua diversidade e na sua unidade, isto é, na sua totalidade. Relações que bloqueiem ou impeçam, ao invés de ampliar, as contradições que levam às falhas ou rupturas no metabolismo entre sociedade e natureza. Como princípio orientador, este livro procura sustentar que, se de um lado, os rearranjos capitalistas decorrentes das mudanças no processo de acumulação do capital, impulsionadas pelo atual estágio do imperialismo, ampliam e intensificam as contradições no mundo do trabalho, gerando perdas e misérias às massas de trabalhadores, por outro, ensejam lutas cujas formas e conteúdos, como atestam determinadas lutas antissistêmicas na América Latina, apontam, polissemicamente, para utopias e projetos de um outro mundo, de uma nova sociabilidade e de um novo metabolismo entre sociedade e natureza.

O problema central é: se as lutas sociais travadas pelo MST produzem conhecimentos, saberes e práticas, não produziriam também uma determinada pedagogia? Se sim, como as mediações geradas nessas lutas podem nutrir e fertilizar a práxis dos educadores e educadoras, de educandos e educandas, na formulação e condução de um projeto educacional e de formação humana que apontem "para além do capital", em outras palavras, que contribuam para o enfrentamento e superação das contradições da sociedade de classes capitalista?

Não seriam as ações de luta do MST práticas pedagógicas, colocando-se como atividade sistemática (teórica e filosófica) e intencional (política e pedagógica) de intervenção na realidade, gerando processos educacionais particulares, mas também universais? Como as diferentes mediações prático-teóricas e ético-filosóficas geradas nessas ações de lutas agem no movimento de formação da consciência dos sujeitos sociais que nelas se encontram, conformando sua práxis? Para apreender as mediações produzidas nessas lutas e como elas podem intervir na formação da consciência, consideramos que é necessário examinar em que medida essas ações interagem entre si e com as determinações mais particulares e mais gerais que conformam a luta pela terra e a expressão maior do seu antagonismo, o agronegócio.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de dez. de 2018
ISBN9788547320522
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    A Educação como Estratégica Política do Mst - Luiz Américo Araújo Vargas

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    A Gabriela e Tiê.

    Agradecimentos

    Aos meus familiares, em especial a minha mãe Annita e meu pai Américo (in memoriam), por todo o amor e pelas lições de vida e de luta.

    Ao Prof. Dr. Roberto Leher, pela fraterna paciência, pela gentileza humanizadora, pela solidariedade e compromisso com as lutas da classe trabalhadora, pela inspiradora vivacidade política e rigor analítico e metodológico a serviço da educação pública e de uma formação humana emancipatória. Gratidão por seu carinho e sua amizade.

    A amigas e amigos do Projeto Outro Brasil, Alice Coutinho, Jane Barros, Luiza Leite, Jaqueline Botelho, Anderson Andrade, Mariana Gonçalves, Taisa Pereira e Peter Sana, pelo inesquecível aprendizado coletivo, pelo ambiente de trabalho carregado de amizade, solidariedade, poesia, companheirismo, respeito, crítica, alegria e confiança. Cinco anos de convivência que movimentaram minha consciência e contribuíram com a formação de um estudante mais crítico e um trabalhador mais fraterno e solidário com a minha classe.

    Aos Setores de Educação e de Formação do MST-RJ, especialmente, Fernanda Matheus, Elisângela das Dores e Beatriz Carvalho, Marcelo Durão, Nívea da Silva, Juliana Wu, Leo Haua pelo apoio, companheirismo e confiança. Com eles e muitos outros, participando das ações do Movimento, pude refletir, analisar, debater e compreender, ao menos em parte, algumas mediações criadas em suas escolas, marchas, cursos, encontros, conversas, reuniões entre outros.

    Aos colegas do Lieas, cujas discussões, pesquisas, estudos e análises contribuíram para este livro, mantendo-me atualizado e atento às variadas produções críticas na área de Educação Ambiental, dando continuidade às reflexões sobre o debate sociedade e natureza. Falar do Lieas é falar no Prof. Dr. Carlos Frederico Loureiro, a quem tenho profunda gratidão por, ainda na graduação, ter confiado e se dedicado com valiosas contribuições à minha formação científica, sobretudo, por ter feito minha aproximação com as teorias críticas, apoiando a organização dos meus primeiros passos e reflexões no estudo e na pesquisa em Educação.

    Às professoras Dra. Sara Granemann e Dra. Maria Lídia, ambas da Escola de Serviço Social da UFRJ, pela oportunidade de participar do curso Teorias Sociais, promovido pela Escola Nacional Florestan Fernandes e a ESS/CFCH/UFRJ e ter vivenciado junto com seus educandos e educandas, além da vibração e alegria revolucionárias, o estudo tão árduo quanto inadiável da teoria marxista.

    Ao Prof. Dr. Marcelo Badaró Mattos e à Profa. Dra. Sara Granemann, que fizeram generosos esclarecimentos e trouxeram contribuições valiosas ao meu entendimento sobre o tema, ainda que por limitações próprias eu não as tenha conseguido desenvolver plenamente.

    Agradeço ainda aos/as militantes dos movimentos sociais e organizações populares, estudantis e sindicais participantes do curso Emancipações, com um carinho muito especial pela companheira Dorinha e ao companheiro Fernando, professores-educadores-militantes incansáveis e referências éticas preciosas em nossas atividades de formação. Mas lembro-me com enorme gratidão e especial saudade aqui também de companheiros como Gas-Pa, Marcos Faxina, Jadsom, Deinha e tantos outros cujas experiências, sonhos, ideias e aprendizados de luta mantêm viva nossa utopia de uma sociedade socialista e emancipada.

    Se interditam o caminho

    Faço uma outra via

    O que hoje é supremo secará

    Com os mil sóis que implantarei

    Num ato primavera

    A ti que amas

    Entregarei meu bosque de ideias

    E coisas sãs!

    (Alegria – Charles Trocate)

    Apresentação

    Esta seção visa uma apresentação do presente livro, cujo texto foi organizado em quatro capítulos, a saber: Capítulo 1 – Trajetórias, Mediações e o Observatório Social da América Latina; Capítulo 2 – Padrão de acumulação do capital e a ideologia do desenvolvimento sustentável; Capítulo 3 – Educação como estratégia política e Capítulo 4 – Por uma pedagogia da luta e da resistência.

    O primeiro capítulo objetiva apresentar uma visão geral do livro e ao mesmo tempo esboçar uma introdução às categorias chave que estamos trabalhando, buscando algumas de suas relações e nexos, dentre as quais: processos de formação da consciência, lutas sociais, mediações, educação como estratégia política. O capítulo foi organizado em quatro seções.

    Após a Introdução, a seção seguinte traça uma trajetória, em tom mais memorialístico, mas intencionando um primeira aproximação com as categorias apontadas e a contextualização de minha participação em processos formativos que viabilizaram a experiência de mediações constitutivas da minha própria práxis política, fundamentais para a (re)construção da minha subjetividade enquanto ser social imerso nas contradições da sociedade de classes capitalista. Este processo de formação coletiva foi em grande medida o que despertou a necessidade de compreender algumas questões teóricas e práticas abordadas aqui. Uma seção que pretende introduzir o debate, que se dará, sobretudo, a partir do Capítulo 3, sobre o MST como sujeito pedagógico, sobre o sentido disto para as práticas formativas do Movimento, sobre a correlação de forças que impõe as circunstâncias limitadoras na sua organização e na formação de seus dirigentes, quadros e militantes, mas também para o conjunto da classe trabalhadora.

    A seção nomeada Estratégias e empiria da pesquisa foi pensada com vistas à apresentação e análise do processo de sistematização das Cronologias dos Conflitos Sociais, publicadas no Observatório Social da América Latina (OSAL), o que foi feito nas duas subseções denominadas Análise das lutas sociais: o OSAL e Notas metodológicas sobre a sistematização das lutas do MST no OSAL. A primeira está, por sua vez, organizada em quatro seções secundárias, a fim de detalhar o trabalho realizado no OSAL/Brasil pela equipe do Projeto Ouro Brasil, envolvendo aspectos metodológicos de produção das cronologias dos conflitos sociais. Já a segunda subseção trata de aspectos da sistematização dos dados do OSAL feitos para esta tese.

    Analisando as lutas sociais concretas pretendemos dispor de elementos indispensáveis ao exame de categorias históricas que estamos utilizando, como falha metabólica e capitalismo dependente. Trabalhamos com a hipótese que romper com as relações que revigoram essas categorias é um dos sentidos das lutas que estamos investigando e em cuja estratégia gesta uma pedagogia socialista. Deste modo, consideramos fundamental investigar a natureza e o sentido pedagógico das lutas do MST registradas nas Cronologias dos Conflitos Sociais – Seção Brasil.

    O Capítulo 2 – Propõe produzir uma crítica ao conceito de desenvolvimento hegemonizado pelo neoliberalismo, problematizando-o por meio de análises empíricas da narrativa que envolve os conceitos de desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental. Objetivando analisar a ideologia do capitalismo ecológico, pretendemos sustentar que o papel das commodities, principalmente agrícolas, é um objeto crucial para esta crítica, o mesmo sendo verdade sobre o papel do capital financeiro. O capital financeiro opera por meio de poderoso complexo de aparelhos privados de hegemonia da burguesia imperialista, como as organizações que integram o Grupo Banco Mundial (GBM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI)¹, que ditam as normas macroeconômicas mais amplas, sobretudo, aquelas capazes de promover relativamente rápidas respostas institucionais pró-sistêmicas às crises do capital. Após a crise da hegemonia do primeiro neoliberalismo, a ideologia que sustenta esse complexo de organizações não é outra que a do desenvolvimento, sob a lógica do capital, embora, atualmente, ressignificadas pelo prefixo neo. Criticando Adam Müller por ignorar o tempo na determinação do preço das coisas, Marx nos alerta:

    O tempo de produção e o tempo de circulação concorrem para determinar o preço das mercadorias; que, por essa razão, a taxa de lucro é determinada para dado tempo de rotação do capital e que essa determinação do lucro segundo um tempo dado acarreta a determinação do juro.²

    Não é possível ignorar que sob o modo de produção capitalista, a agroindústria ou, precisamente, o agronegócio, assim como outras forças e relações de produção por ele integrados, pressupõe uma concepção de tempo universal em que produção, circulação, distribuição e consumo de commodities, lastreada pela hipertrofia do capital financeiro, concretizam tal concepção. Neste debate, o conceito central que guiará nossa abordagem é o de falha metabólica entre sociedade e natureza recuperado da obra de Marx por John Bellamy Foster³ e a concepção de tempo que lhe constitui e é inerente, atentando para seus elementos (categorias) estáveis e permanentes⁴, a fim de estruturar nossa crítica à apropriação capitalista do conceito de sustentabilidade.

    Esse capítulo está organizado em quatro seções. A Introdução objetiva formular um panorama mais amplo e geral das interpretações que tratam da atual etapa do desenvolvimento capitalista. A seção intitulada Sobre a hipertrofia do capital financeiro: considerações sobre a economia do Brasil contemporâneo visa uma compreensão do conceito de imperialismo tendo como principal referência a obra seminal de Lenin⁵ sobre o tema, mas apoiando-nos também na leitura de outros autores clássicos como Rudolf Hilferding⁶ e no próprio Karl Marx⁷, aportes indispensáveis para compreender os arranjos e movimentos do capital financeiro, notadamente nas últimas três décadas. Trabalhamos com a hipótese de que as multinacionais que atuam no setor do agronegócio materializam estes arranjos e movimentos em várias dimensões, engendram novas e velhas formas de expropriações e formas de exploração, atualizam as condições de reprodução ampliada e autovalorização do capital, formando com seus parceiros subordinados um seleto grupo de senhores cuja fortuna enlaça o poder de classe da burguesia mundial.

    Para nos apoiarmos empiricamente, faremos um estudo introdutório que nos permita compreender as principais transformações no sistema financeiro brasileiro, sua modernização, concomitantes as transformações do sistema financeiro internacional e que permitiram a adequação do primeiro as forças e relações de produção requeridas pela nova etapa de acumulação com base na exportação de commodities. A monopolização e internacionalização deste sistema, decorrentes das reformas neoliberais enquanto parte do movimento global do imperialismo, determinam um conjunto de mudanças, que irão dar novo ânimo ao agronegócio, sobretudo, na qualidade e quantidade dos movimentos dos capitais nele investidos pelo seu complexo industrial associado nas bolsas de valores. Para iniciarmos este debate sistematizamos dois estudos introdutórios, organizados nas subseções intituladas Concentração monopolista a partir da década de 1980: Adeus Lênin? e Avanços do capital financeiro no Brasil.

    A terceira seção, Comodificação da vida, divisão social do trabalho e crise ambiental: delimitações para o estudo do conceito de falha metabólica, objetiva correlacionar o padrão de acumulação discutido nas seções anteriores ao debate sobre a legitimidade do conceito de sustentabilidade, apropriado pelos movimentos chamados ambientalistas das mais diversas matizes e ressignificado pelo capital, tornando-o funcional ao desenvolvimento de negócios. Analisaremos mais detidamente o conceito de falha metabólica entre sociedade natureza, supracitado, objetivando examinar seus constituintes políticos e epistemológicos para pensarmos sobre a concepção de relação homem-natureza presente na pedagogia gerada nas lutas travadas contra as multinacionais.

    Conforme a campanha Fechar escola é crime, lançada pelo MST em 2011, nos últimos oito anos, mais de 24 mil escolas do campo foram fechadas. Este exemplo é pertinente para a abordagem que segue, pois ele atualiza a forma da democracia vigente sob o capitalismo dependente e as contradições que envolvem sua superação. Na quarta seção, Capitalismo dependente e autocracia burguesa: e o agro com isso? Refletiremos sobre a teorização do desenvolvimento capitalista dependente, de Florestan Fernandes, visando compreender os movimentos da luta de classe que conforma o tipo de desenvolvimento capitalista no Brasil e os elementos teóricos para pensarmos os nexos entre a ideologia do desenvolvimento e a heteronomia cultural a ela conjugada, visando refletir sobre o conceito de hegemonia e, principalmente, tentando compreender as iniciativas históricas que engendram processos e ações de luta e resistência contra-hegemônicos.

    A penúltima seção, intitulada Trabalho e educação em tempos de fim da história: a hegemonia da pedagogia do capital, tem como objetivo iniciar um debate com autores/as críticos às teorias educacionais que ganharam maior impulso com as teses do fim da história. Neste sentido, entendemos ser preciso uma breve discussão sobre alguns dos elementos constitutivos do quadro teórico, político e ideológico que sustenta o fim da classe, do trabalho, das utopias. Sobre o trabalho como princípio educativo, iniciando algumas reflexões sobre a centralidade da categoria classe para a análise social no contexto da globalização, conceito aglutinador de um ideário poderosamente disseminado por seus apologetas, mas que para além disso lograram perdas concretas e consequências desmobilizadoras para o mundo do trabalho.

    A seção que finaliza o capítulo foi intitulada Apontamentos sobre o conceito de relações de força em Gramsci para a análise das lutas sociais. Julgamos pertinente nos determos brevemente sobre este conceito de relações de força, certamente como uma aproximação, se estamos considerando que as lutas travadas pelo MST são dinamizadas em sua totalidade por relações de forças históricas e que é necessária tal aproximação em um esforço mínimo de compreensão de como se movem tais forças, a fim de realizar o exame o mais concreto possível das ações de lutas e de uma pedagogia da luta e da resistência que elas possam comportar.

    No Capítulo 3 – Propomos uma análise das concepções, propostas e ações educacionais do MST. Há uma luta sendo travada pelo Movimento, cuja expressão Por uma Educação do Campo, sintetiza uma dimensão específica da luta pela educação pública, uma luta praticamente nascida junto ao próprio movimento, nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária. Esta luta produz teorias e práticas educacionais concebidas, como a temos compreendido referenciando-nos também em outros autores⁸ desde uma perspectiva dúplice que o Movimento educa as pessoas e as pessoas se educam em movimento, consideramos pertinente o estudo dos processos formativos que assumam este princípio como parte de sua concepção e de suas práticas pedagógicas. Este debate, por outro lado, pretende reforçar o entendimento de que a luta pela terra no Brasil deixou de ser, já há algum tempo, apenas uma luta contra o latifúndio improdutivo, tornando-se também uma luta contra o latifúndio do conhecimento, para usar uma expressão cara ao MST, embora aquele não tenha deixado em momento algum de ser parte desta luta. A luta pela educação travada pelo MST, em sua especificidade, desafia a autocracia burguesa, na medida em que coloca os sujeitos sociais como ativos construtores de seus próprios processos de formação educacional, cultural e política. As frações burguesas dominantes já compreenderam isso, como comprova a indubitável eficiência do agronegócio em expropriar e se apropriar de vastos territórios e reprimir com violência as organizações dos trabalhadores nas mais diversas instâncias em que seus agentes estejam implantados, notadamente, no Estado. É uma luta repleta de contradições intrínsecas aos movimentos de classe desenhados pela hegemonia neoliberal dos últimos trinta anos e carrega a marca da heteronomia vigente numa sociedade capitalista dependente. Nesta, prevalece uma autocracia burguesa que estrangula os direitos das massas, como o direito à educação pública de qualidade e com referenciais emancipatórios, fechando escolas com potencial rebelde e mantendo as que restam abertas sob um relativo, porém crescente, controle instrumental à lógica do capital, ou seja, que fecha as mentes e os corações na heteronomia, no encapsulamento individualista e alienante, ampliando a falha metabólica entre sociedade e natureza, pois nestas condições a natureza e o trabalho não superam a condição de mercadorias superexpropriadas e superexploradas.

    As reflexões que finalizam o livro foram organizadas no Capítulo 4 – Resultante da análise e interpretação das ações de luta pela terra travadas pelo MST a partir dos registros das Cronologias dos Conflitos Sociais – Seção Brasil, publicadas no OSAL. Nosso objetivo aqui é analisar a partir de diferentes tipos de ações de lutas travadas pelo MST as práticas de lutas que vão se constituindo como práticas pedagógicas, promotoras de intervenções na consciência dos sujeitos sociais que delas participam, gestando e gerando mediações com potencial de pôr em movimento e desenvolver valores, sentidos, ideias e teorias que fortaleçam a construção de um projeto educacional e de sociedade que unifique os interesses da classe trabalhadora.

    PREFÁCIO

    Uma pedagogia necessária para fazer frente à barbárie e à mercantilização da educação.

    Com esta publicação, de um grande alento, o autor realiza um penetrante e exaustivo estudo sobre o que seriam os elementos da práxis – os atos concretos da luta social – que, articulados com as lutas do Movimento pela Educação, formam a consciência dos trabalhadores do campo.

    Como salienta Vargas, pensar a educação a partir do prisma dos movimentos sociais antissistêmicos requer a consideração da correlação de forças entre as classes fundamentais. Os movimentos que, de algum modo, foram base de apoio dos governos do PT, como o MST, somente podem ter suas ações avaliadas à luz da referida correlação de forças. No período considerado pelo autor do presente livro, 2006-2011, muitas das interrogações sobre os possíveis desdobramentos da aliança tácita com o governo petista estavam em aberto. A conjuntura mudou. Uma contrarrevolução preventiva⁹ está em curso. Diante do novo quadro político, torna-se evidente a fragilidade da política de reforma agrária dos governos do PT e a débil institucionalização de muitas de suas políticas sociais. Contraditoriamente, foi a percepção dessas fragilidades que levou os setores de educação e de formação a aprofundar a crítica sobre a situação educacional, a exemplo do seminal Manifesto das Educadoras e dos Educadores da Reforma Agrária, elaborado no II Encontro Nacional de Educação para a Reforma Agrária, II Enera, realizado em 2015¹⁰.

    Com efeito, em virtude das circunstâncias e da base social do governo Michel Temer, a questão agrária não poderia deixar de ser axial em sua agenda política. Ao assumir, ainda interinamente, extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário, freou o programa de moradias populares no campo e anunciou a disposição de permitir a aquisição de grandes glebas por estrangeiros. Os cortes anunciados para o orçamento de 2017 são eloquentes: o programa Agropecuária Sustentável teve um corte de 33%; os recursos do Incra destinados à obtenção de terras para reforma agrária teve uma redução de 52% e, para áreas quilombolas, de 48%; no Ministério da Agricultura, a rubrica agropecuária sustentável sofreu uma redução de 68%, além disso, no Ministério do Desenvolvimento Agrário e Social, o programa de dinamização da agricultura familiar teve seu orçamento encolhido em 47%, e o programa de aquisição de alimentos produzidos na agricultura familiar teve seu orçamento reduzido em 38%.¹¹

    A legislação ambiental brasileira está na alça de mira das corporações. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2012 e o Projeto de Lei 654/2015 estabelecem modificações na Constituição e na legislação ordinária que irão reduzir as exigências de licenciamento para projetos de infraestrutura e outras obras estratégicas,

    [...] a partir da adoção de mecanismos para aumentar o poder decisório das empresas, encurtar prazos para a realização dos estudos de impacto ambiental, diminuir as exigências de contrapartidas e compensações e afastar da discussão as populações atingidas no processo¹².

    No esfera educacional, entregou o MEC ao DEM e ao PSDB. A primeira medida de impacto foi a edição da Medida Provisória 746/2016, em setembro do corrente ano, impondo mudanças regressivas no Ensino Médio, desprofissionalização do trabalho docente, por meio da vulgarização do ‘notório saber’ e o esvaziamento da formação cultural, artística, histórico-crítica dos estudantes (em desconsideração com o conhecimento rigoroso e sistemático, disciplinado). A medida compromete o caráter científico da formação de professores (em prol da formação em áreas desprovidas de rigor e sistematização, como humanidades, ciência da natureza). Essa iniciativa confirma que o ataque aos direitos dos trabalhadores é sistêmico e busca esvaziar a formação dos quase 50 milhões de estudantes da educação básica que, nos anos finais, serão privados da formação filosófica, sociológica, artística e corporal, o que terá repercussão direta na formação dos estudantes universitários.

    Além dessas medidas, é importante colocar em relevo as mudanças na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi). A despeito das justas críticas à fragmentação das políticas para a juventude negra, indígenas, juventude do campo, mulheres (e diversidade sexual) e, também, ao viés pós-moderno impingido às medidas encaminhadas na Secadi, as transformações na referida secretaria estão em crescente conformidade com a agenda ultraconservadora, a exemplo da empreendida pela coalizão direitista Escola Sem Partido.

    Como parte da contrarrevolução preventiva, os setores dominantes atuam no campo educacional como classe para si. Um complexo e contraditório processo hegemônico, dirigido pelo capital financeiro, está se movendo, por meio de um conjunto de organizações da sociedade civil (empresariais de diversas frações burguesas, como Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Todos pela Educação (TPE), Grupo Lemann, Itaú Social...) que, embora expressem tensões entre si, convergem no processo de socialização profunda da força de trabalho como recurso humano, manejando prioridades de formação de acordo com os interesses do capital: discriminam trabalho complexo, trabalho simples, exército industrial de reserva, juventude negra, moradores de favelas, organizando um sistema profundamente desigual de formação humana.

    As organizações da sociedade civil do capital se fazem Estado ao definirem a própria agenda da educação estatal, como, no caso brasileiro, a Lei de Diretrizes e Bases, influenciada pelas entidades patronais e, mais recentemente, o Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), escrito sob a égide do TPE, CNI e pelas corporações educacionais. Ademais, os setores dominantes influenciaram uma série de medidas focalizadas voltadas para a formação da força de trabalho: Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), Pronacampo, Jovem Aprendiz, Sistema S. etc.

    A potencia educacional burguesa decorre do fato de que o capital possui uma teoria educacional assentada nas práticas estabelecidas na sociedade burguesa que hegemoniza os subalternos: um exemplo é a teoria do Capital Humano, legitimada como alta ciência pela Academia Nobel (Schultz, Friedman, Becker). Essa formulação está referenciada na ideologia do progresso, em suas principais formulações: modernização e desenvolvimento. Nas formulações atuais da OCDE e do Banco Mundial, amparadas na ideologia da globalização, o conhecimento é concebido como a verdadeira riqueza das Nações. Na América Latina, o conhecimento é ressignificado como competências, disposições de pensamento utilitaristas, voltadas, grosso modo, para o trabalho de menor complexidade simbólica – segundo Fukuyama, não existem desempregados, mas trabalhadores despreparados educacionalmente para a globalização. Munido dessas formulações, o capital pode atuar no terreno ideológico, na criação de um determinado ethos social condizente com a reprodução ampliada do capital e, ao mesmo tempo, operar nos negócios educacionais. Com esse tipo de socialização, o capital objetiva impor derrotas ainda mais severas aos trabalhadores, fazendo a correlação de forças pender, acentuadamente, para o capital.

    É forçoso reconhecer que a contrarrevolução não encontrou, ainda, resistência social compatível. A correlação segue negativa. Conforme aponta Vargas, mesmo no terreno educacional é forçoso reconhecer que os governos do PT delegaram a direção intelectual e moral das políticas educacionais às agências do capital, conforme já indicado. E as políticas para a reforma agrária foram incipientes e, no governo Dilma, quase nulas. Houve uma completa estagnação da reforma agrária em seus governos. Isso repercutiu na força do MST. Sem conquistas efetivas na reforma agrária, os trabalhadores do campo se viram constrangidos a engrossar os beneficiários do bolsa família, debilitando o Movimento em sua base. Desse modo, a prioridade conferida à formação de seus militantes pode ter promovido a coesão de uma fração importante do Movimento, mas, certamente, isso não é capaz de reverter, por si, a desmotivação com a desativação da reforma agrária. Essa é uma tensão permanente nos processos de formação, conforme é possível evidenciar no trabalho de Vargas.

    Uma dramática expressão dessa situação é a debilidade das alternativas pedagógicas à agenda educacional do capital. Tornar pensáveis as alternativas é crucial. Essas existem, são vigorosas, mas, certamente, estão longe de ter força hegemônica. A experiência mais marcante e sistemática no Brasil está sendo construída pelo MST, que conjuga a tradição freiriana da pedagogia crítica com o materialismo histórico, inclusive quanto à práxis, ao lugar da experiência, em sentido thompsoniano, do fazimento da luta social.

    O trabalho em tela examina, inicialmente, as condições de produção da pedagogia do movimento investigando, justamente, o que seriam os elementos que consubstanciam a crítica ao capital preconizada por sua ação educativa. A pesquisa incide sobre as condições materiais que, na prática educativa do Movimento, exigem a busca de uma pedagogia para além do capital. O autor sustenta que não é a bandeira da reforma agrária que fundamenta a necessidade de uma tal pedagogia, mas o fato de que, no século XXI, a reforma agrária está inscrita na luta contra o controle monopólico da agricultura pelo agronegócio. Se a reforma agrária, em diversos países, ocorreu nos marcos da ordem capitalista, nos países capitalistas dependentes, no tempo atual, não é apenas o poder do atraso das oligarquias que obsta o processo da reforma agrária, mas o crescente controle da agricultura por corporações encadeadas que excluem, liminarmente, qualquer possibilidade de agricultura camponesa.

    De fato, do controle das sementes e, mais ainda, dos genes das sementes, aos insumos agroquímicos associados, passando pelas máquinas e equipamentos e, ainda, pela distribuição das mercadorias, todo processo está inscrito em circuitos do capital que inviabilizam a agricultura não mercantil. Por isso, no século XXI, lutar pela reforma agrária significa lutar, ao mesmo tempo, contra as corporações do agronegócio.

    Valendo-se de autores como John Bellamy Foster, A ecologia de Marx, Vargas sustenta que a própria existência da vida no planeta dependerá de relações sociais capazes de engendrar um modelo de produção que não inviabilize a vida na sua particularidade, na sua diversidade e na sua unidade, isto é, na sua totalidade. É preciso que as lutas dos trabalhadores do campo e da cidade incidam sobre as contradições que levam a falhas ou rupturas no metabolismo entre sociedade e natureza. Essas lutas, na América Latina, assumem caráter antissistêmico e apregoam utopias e projetos de um outro mundo e de uma nova sociabilidade que requerem, necessariamente, a formação de outra sociabilidade dos sujeitos que lutam pelo bem viver dos povos.

    O autor coloca em relevo o fato de que as lutas sociais travadas pelo MST produzem conhecimentos, saberes e práticas e, conforme sua perspectiva, outra pedagogia. Essa tese é investigada a partir de exaustivo levantamento empírico das experiências educacionais do Movimento e da análise de uma quantidade impressionante de registros obtidos a partir da cronologia dos conflitos sociais realizado pelo Observatório Social da América Latina, um programa do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais, infelizmente extinto. Dessa empiria o autor postula que as ações de luta do MST são práticas pedagógicas, como atividade sistemática (teórica e filosófica) e intencional (política e pedagógica) de intervenção na realidade.

    As mediações educacionais do Movimento são pensadas na perspectiva gramsciana de que todos os homens são intelectuais e, assim, organizadores da cultura,

    […] protagonistas da organização da sua própria cultura, em oposição à cultura imposta pelas classes dominantes. A conquista desta condição política, contudo, não é passiva, natural, progressiva ou espontânea, mas repleta de contradições, fruto de condições concretas das lutas de classes sob as quais os sujeitos e grupos sociais se movem.

    O autor recupera um importante debate sobre a educação popular e a formação política no Brasil, notadamente debatendo que a passagem do senso comum para a consciência filosófica, ético-política, requer um processo educativo voltado especificamente aos trabalhadores com vistas à socialização de um determinado conhecimento essencial em sua tarefa transformadora a formação implica na apropriação do legado marxiano pela classe trabalhadora.¹³ Seguindo sua reflexão, Vargas recupera a importante crítica de Gramsci ao dogmatismo existente, inclusive, nas universidades populares italianas dos anos 1920 que muitas vezes esterilizavam o marxismo com uma pedagogia jesuítica.

    A pesquisa enfrenta o problema de que as lutas no campo possuem particularidades, em especial em virtude do capitalismo dependente, cuja lógica espoliadora do trabalho e da natureza é constitutiva do padrão de acumulação do capital. A complexidade do processo de formação da consciência é imensa, tanto no momento de luta pela terra, enfrentando o agronegócio, como nos assentamentos estabelecidos. A superexploração e a violência das expropriações são severos obstáculos aos processos formativos, por isso, os elementos pedagógicos das lutas, expressos nas místicas e nos processos deliberados de formação possuem sutilezas captadas com esmero pelo pesquisador. De fato, a luta pela Educação do Campo empreendida pelo MST e a concepção de que o princípio educativo do trabalho é axial na pedagogia do movimento, interpelam o sentido do trabalho no capitalismo dependente. Como assinala o autor deste livro, a pedagogia do capital não

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