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Velhice envelhecimento complex(idade)
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E-book403 páginas5 horas

Velhice envelhecimento complex(idade)

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Sobre este e-book

Esta obra, que trata das múltiplas faces da velhice e do envelhecimento, reúne ensaios e resultados de pesquisas empreendidas com competência e rigor. Quebrando as rígidas fronteiras disciplinares, um suprimento lucido e farto de analises e oferecido aos especialistas, estudantes de gerontologia e outros interessados nos dilemas que o avanço da idade apresenta.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de dez. de 2023
ISBN9786553741379
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    Velhice envelhecimento complex(idade) - Beltrina Corte

    A Coleção Gerontologia

    A Coleção Gerontologia surge em uma época em que a velhice e o envelhecimento estão se tornando cada vez mais visíveis no Brasil; no entanto, não há estudos suficientes que ajudem a população em geral a entender esse fenômeno social que afeta a cada um de nós. Esta Coleção teve origem no Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo que, por sua vez, originou-se no Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), com base em uma pesquisa, de 19861988, da United University (UNU/Tóquio), realizada simultaneamente no Brasil, Coréia do Sul, Egito, Índia, Cingapura, Tailândia e Zimbábue. Estudo que teve como objetivo obter o perfil da população idosa e caracterizar os recursos existentes para atendimento de idosos, visando a apreender, em maior profundidade, a percepção do velho, sua condição de vida, suas aspirações e necessidades.

    A Coleção Gerontologia surge em 2005, com uma experiência adquirida e sistematizada ao longo destes anos, para promover um debate com diversos estudiosos sobre o envelhecimento, contribuindo para a formulação da Gerontologia, campo de saber em construção que estuda o envelhecimento e analisa a influência nos indivíduos e seus efeitos nas mudanças da sociedade, a partir das interfaces entre os saberes e mitos constituídos e os saberes e significados dos próprios idosos, sujeitos coletivos de novos processos sociais. A Coleção Gerontologia tem como objetivo, portanto, socializar estudos sobre o impacto das condições sociais e culturais no envelhecimento populacional e as conseqüências sociais deste processo, na perspectiva das Ciências Humanas, Sociais e da Saúde.

    A Vetor Editora, mediante esta coleção, procura levar aos leitores temas como memória, educação, corporeidade, fenomenologia, espaço urbano, acessibilidade, psicologia, habitação, política pública, políticas sociais, família, relações intergeracionais, saúde, cuidadores, mídia, gênero, etnia/raça, inserção social, demografia, subjetividade, identidade, longevidade, bioética, finitude, dentre outros, enfim, questões do envelhecimento.

    Ao levar aos leitores estudos multidisciplinares centrados nas questões sociais que divulgam modelos de referência na delimitação de caminhos metodológicos na Gerontologia Social, esta coleção vai contribuir para a construção de bases conceituais para o conhecimento do envelhecimento a partir da socialização de pesquisas com ênfase na perspectiva do ser que envelhece e não somente no sentido do ser que adoece.

    Prefácio

    Por que insistir nos temas do Envelhecimento e da Velhice?

    Qual a importância de estudos e pesquisas nessa área? O Brasil é ainda um país jovem: devemos já nos preocu-

    par com os velhos?

    É preciso ler com muita atenção os dados demográficos e refletir além dos números e das estatísticas. De 2025 até 2050 o mundo estará dividido em dois segmentos: 50% de jovens e 50% de idosos. Nessa previsão inclui-se o Brasil.

    Estamos preparados para essa futura realidade?

    Vinte e cinco anos nos separam dela. Não é, portanto, um tempo tão distante para um país pensar, elaborar e implantar políticas públicas que atendam às demandas?

    Mas, infelizmente, em relação às questões do envelhecimento não há unanimidade.

    O pesquisador brasileiro Marcelo Neri é citado em reportagem do jornal O Estado de São Paulo, de 25 de maio de 2005, sob o título Política social privilegia idosos e faz crianças mais miseráveis. O pesquisador analisa a distribuição de recursos para os diferentes segmentos da sociedade.

    A perspectiva econômica da análise é perversa, e o título da reportagem mais ainda. Torna o segmento idoso, de uma certa maneira, responsável pela miserabilidade das crianças brasileiras.

    De modo semelhante, a revista Veja, em 31 de agosto de 2005, publica a entrevista do prof. Peter Lindert, da Universidade da Califórnia. Segundo a nota, é mestre na análise de gastos sociais e repete o diagnóstico do pesquisador brasileiro. O professor Lindert declara que a lógica da política social brasileira privilegia os idosos, militares e funcionários públicos. Sobra menos dinheiro para investir em saúde e educação.

    Aos pesquisadores da área de gerontologia cabe indagar: na vida cotidiana percebe-se esse privilégio?

    A escritora Simone de Beauvoir, em seu livro A velhice, assinala que há uma conspiração do silêncio em relação à vida dos que envelhecem. Ao se aposentar a pessoa é taxada de inativa, não produtiva, excluída como participante e também construtora da vida social.

    O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) vem demonstrando, ao contrário dos pesquisadores citados, aumento considerável de famílias chefiadas por idosos. Mais ainda, as famílias que contam com um membro idoso têm melhor qualidade de vida. O que nos leva a concluir que o salário do idoso é empregado no sustento da família.

    Consideramos que cabem aos estudiosos dessas questões pesquisas e reflexões mais profundas sobre as políticas públicas, que devem ser universais. Senão a longevidade será para a grande maioria um presente de grego. A novidade do século XXI é o envelhecimento humano. E a pergunta mais urgente que precisamos responder é: o que faremos com os velhos? Que direito eles têm?

    São cidadãos ou perderam sua cidadania porque envelheceram?

    Também eles não têm direito à saúde, educação e moradia? Dependendo de nossa concepção do que é ser velho, pautaremos nossas inquietações e lutas. Nossa preocupação não consiste apenas na velhice bem sucedida, mas no ser que envelhece e, portanto, pensamos também nos velhos solitários, doentes, fragilizados, que envelhecem nos presídios ou que perdem a lucidez.

    Mas o ser humano é sempre um ser inacabado que tende ao aperfeiçoamento. É desde seu nascimento um ser de direito.

    Esta visão, que dá aos velhos um significado no mundo, é partilhada pelos estudiosos e pesquisadores que participam deste livro: Vellhice, envelhecimento e complex(idade)... Eles sabem que a tarefa é árdua, mas vale lutar.

    Lembrando o escritor Oliver Sachs, ao se referir às pessoas doentes, gostaria de dizer que também quem envelhece não deseja que sua vida sofra uma contração. Pois, apesar das perdas, das dificuldades e dos problemas, o idoso quer viver: mesmo sendo velho, ele quer viver, apesar de ser velho e porque pode contar com a ajuda de sua experiência para viver mais plenamente e contribuir com mais segurança.

    Os interessados nos temas envelhecimento e velhice encontrarão neste livro apoio e, provavelmente, esclarecerão dúvidas e perceberão a existência de novos caminhos e novos saberes.

    É também excelente contribuição para o estudo da Gerontologia no Brasil, e dele poderão se beneficiar os estudantes de diferentes níveis.

    Profa. Dra. Suzana A. Rocha Medeiros

    Apresentação

    Os textos reunidos neste primeiro volume da Coleção Gerontologia conseguem uma combinação de questões teóricas e aplicadas na discussão da Velhice, envelhecimento e complex(idade)..., título deste livro que, ao reunir alguns autores, diversos entre si, trazem reflexões importantes sobre o envelhecimento, possibilitando o debate, em uma perspectiva interdisciplinar, acerca da Gerontologia como área do saber em construção e de algumas perguntas básicas do envelhecimento. Ao mesmo tempo, revela como essas questões têm uma importância fundamental na interpretação de alguns dos aspectos mais vitais do processo de envelhecimento e da velhice.

    Com isso temos uma contribuição inestimável para se pensar e repensar nosso próprio envelhecimento por meio de estudiosos do assunto, cujos trabalhos estão em nossas mãos. Este livro coletivo teve como ponto de partida a concepção sobre o ser que envelhece e não somente que adoece, e, por isso mesmo, reflete assim a própria concepção do ser bem como o diálogo interdisciplinar para se compreender a complexidade que envolve o envelhecer na sociedade contemporânea. Questões mais que urgentes, que interessam a todos nós, uma vez que se não morrermos jovens, envelheceremos. Questões que, com a leitura deste livro, certamente farão cada um pensar, ao menos uma vez, sobre a complexidade do seu próprio envelhecimento e velhice: como o impacto deste envelhecimento age sobre o indivíduo e a sociedade, sendo ele a etapa mais longa da existência humana?

    Para se falar de velhice, envelhecimento, complex(idade), obrigatoriamente temos que partir das possibilidades teóricas da noção de identidade para explicação da velhice, esta última considerada uma situação complexa. É o que trata o primeiro texto deste livro, de Elisabeth F. Mercadante. Mas qual o significado do termo complexo? Edgar Morin explica que algo é complexo, quando indica dificuldades para a sua explicação. Em outros termos, alguma coisa complexa, indica dificuldade e não uma explicação. Implica, conseqüentemente, que não há uma resposta simples a ser buscada e, nem tampouco, um conceito chave, que abra as portas, que consiga analisar situações psíquica, existencial, social, econômica e política. Edgar Morin também alerta para o fato de que estamos freqüentemente confrontados com o desafio da complexidade pelas explicações insuficientes dadas pelas idéias simples. A autora, fundamentada na perspectiva da complexidade, pergunta, então, o que significa a velhice. Velhice seria uma questão visível, empírica? A velhice representaria um ponto último na vida dos indivíduos, que é o resultado de um processo natural, biológico de envelhecimento e que antecede a morte?

    O segundo texto, de autoria de Irene Gaeta Arcuri, chama a atenção para questões sociais, culturais e também psicológicas presentes no processo de envelhecimento dos indivíduos. Diz ela que em nossa cultura não existe a idéia clara do ciclo da vida, recebemos um intenso treinamento para apenas metade dela. Temos um script social muito claro a seguir até a idade de 50 anos. Quanto a isso não há dúvida. Mas depois de ter cumprido os deveres por assim dizer (estudar, se profissionalizar, casar, ter filhos, se aposentar, etc.) o que fazer com os próximos 10, 20, 30 ou 40 anos de existência? Onde está a orientação sobre essa etapa da vida humana que, doravante, será o tempo mais longo de nossa existência? Ela aponta a metanóia, termo que designa a transformação que ocorre na segunda metade da vida na qual há possibilidade de mudanças de valores em que o mundo interior passa a ter prevalência sobre o exterior e onde o self pode ter sua livre expressão, resultando em criatividade.

    Para o autor Pedro Paulo Monteiro, viver é envelhecer e envelhecer é viver. A vida gera, alimenta, consome, e nos entrega à morte. Durante o processo de viver passamos por constantes ciclos de renovação. A cerimônia de renovação nos propicia o envelhecer. Quanto mais vivermos, mais velhos estaremos, diz ele. Todos conhecem a veracidade desse processo. A grande maioria das pessoas não o aceita, porque quer, equivocadamente, o modelo de juventude sempiterna. Ninguém pode escapar do processo natural do envelhecer, como nenhum humano pode voar por si mesmo porque não é natural voar. Nascemos com escápulas, mas elas não se desenvolveram para o vôo, ficaram presas ao tronco. Essa é a nossa natureza. Como todos nós sabemos (mesmo que o nosso inconsciente não acredite) iremos morrer indubitavelmente. Sendo assim, ninguém pode viver sem experimentar a travessia, pois viver é fazer passagem. Como Jesus disse e hoje escrito no majestoso portão de Bulund Darwaza na cidade de Fatehpu Sikri na Índia: O mundo é uma ponte. Passe por ela, mas não construa seu lar nela. Por essa razão, o autor diz que é preciso lembrar de aproveitar a grande celebração dos ciclos de renovação da vida cujo mestre de cerimônia é o tempo.

    A autora Ruth G. da Costa Lopes utiliza os recursos literários que denunciam a irreverência de sujeitos idosos ante os padrões morais da sociedade para dizer que a compreensão do sentido da inscrição social da velhice na sociedade contemporânea é mais do que necessária quando se constata a alta taxa de indivíduos nessa faixa etária, em plena forma para exercerem suas potencialidades, com limitações pessoais e restrições sociais a investigarem tais possibilidades. Neste sentido, diz a autora, retomar o contexto atual ajuda-nos a indagar sobre a atualidade do recurso contestatório da Indignidade como necessário para fazer frente, muitas vezes, à sutil exclusão de tudo que possa se associar à velhice.

    Se atentarmos para as condições de vida de muitos dos brasileiros com sessenta anos ou mais de idade observaremos, infelizmente quase sem surpresa, o grande hiato que separa a realidade de tudo que é desejável e esperado. O texto da autora Vera Lúcia Valsecchi de Almeida analisa esse hiato que, de há muito instalado, é explicitado nos mais diversos âmbitos da existência humana, a exemplo da saúde, das aposentadorias, pensões e outros benefícios, da alimentação, do transporte, do saneamento básico, da acessibilidade etc. Sem minimizar a importância dos projetos de vida e do lugar por eles ocupados na qualidade de vida das pessoas em geral e dos idosos em particular, entendemos que o binômio velhice x projeto de vida se encontra ainda aberto a pesquisas e reflexões.

    Fundamentada na perspectiva da fenomenologia, a autora Marília Ancona Lopez desenvolve em seu texto a visão de homem como um ser livre para fazer escolhas e responsável pela sua existência. Sua liberdade, no entanto, não é ilimitada. Ele é um ser-no-mundo, jogado nesse mundo, no qual se constitui conhecendo-o e conhecendo-se. Encontrao já em andamento, repleto de significados que compõem a realidade compartilhada na qual se encontra. Nesse mundo natural, depara-se com uma certa organização de tempo, de espaço, de valores e de significações, uma cultura e uma linguagem, uma sociedade e um grupo. O mundo em que somos lançados, constitui o nosso campo existencial, o nosso destino. No mundo natural somos inseridos ao sermos concebidos, nele se desenvolvem as condições de nossa gestação, caímos nele ao nascer e é nele que nos criamos.

    Nele, nosso corpo é definido como espécie humana, com uma dada pertença étnica, com determinadas características genéticas, como gênero. E é no mundo natural em que nascemos, na realidade compartilhada, que se definem a nossa aparência, nossas características corporais, nele é dito como o nosso corpo é. Para a autora, nosso corpo, portanto, assim como nossa cultura e linguagem, o tempo e o espaço em que nos encontramos, limita a nossa liberdade de significações, e a nossa liberdade em relação ao nosso corpo determina em parte as condições de liberdade de nossa existência.

    O texto de Maria Helena Villas Boas Concone aponta que o corpo como tal é uma moeda de duas faces, embora tal afirmação possa parecer tautológica ou óbvia. Segundo a autora, o reconhecimento da dupla natureza do corpo, entretanto, não é simples, nem óbvia: é de fato um postulado contemporâneo. O que vimos na história das ciências que se ocupam do corpo (e são muitas), foi quase sempre uma queda de braço entre dois pólos: o natureza ou o da cultura. Por outras palavras, as explicações buscadas para as questões relativas à humanidade (obras, comportamentos, processos, pensamento, não importa) quase sempre embutiam um viés determinista (melhor, unilateralmente determinista) no qual outros elementos que não os do pólo privilegiado entravam como meros coadjuvantes ou mesmo apenas figurantes.

    Um caso concreto de como se pode compreender melhor o corpo está no texto de Ana Lucia Ribeiro de Oliveira que foi a campo na tentativa de entender a relação entre envelhecimento e corporeidade em mulheres rurais, na região agrícola do Triângulo Mineiro. Ali ela coletou histórias de vida de senhoras camponesas. Ouviu seus relatos, trazidos pelas lembranças, acerca do trabalho cotidiano, seus hábitos domésticos e, principalmente, sua visão acerca da sua corporeidade feminina. Mulheres que falam do seu corpo sem demonstrar constrangimento ou insatisfação. Mulheres que têm consciência de que seus corpos, enquanto natureza, sofreram transformações corporais importantes desde a fase da juventude até o momento atual, mas acham que isso faz parte da condição do seu existir. Ou seja, vêem isso como muito natural.

    Graças à memória, essas mulheres falaram, e este é o tema da autora Vera Brandão, para a qual a memória é, na realidade, o assunto mais comum nas conversas com pessoas acima dos 60 anos. O tema da memória entra em um terreno complexo e altamente especializado. Este texto trata das representações sociais da memória e sua relevância enquanto constitutiva das identidades dos indivíduos e dos grupos. O foco, portanto, está nas reflexões sobre a denominada memória afetiva ou cultural. Ao trabalhar com a dinâmica das memórias sócioafetivas a autora tem observado, na prática, que elas apontam muitas possibilidades não só ao rever, mas principalmente, ao ressignificar o passado e seus acontecimentos – bons ou não, oferecendo novas abordagens para uma revisão dos projetos de vida e trabalho. Portanto, um projeto de intervenção que pode ser aplicado não só a idosos, mas também a profissionais de diversas áreas, que atuam na área gerontológica, sensibilizando-os para uma atitude de escuta e respeito – uma perspectiva mais humanística – para com o indivíduo, considerando-o não só um paciente, um número no prontuário, uma patologia – um problema –, mas como alguém portador de uma história única e significativa.

    Delia Catullo Goldfarb dá outra abordagem à memória. A autora lembra que na mitologia grega, a memória é simbolizada sob seus dois aspetos: Mnémesis e Lethe, memória e esquecimento. Segundo o mito de Lethe, existem no inferno, duas fontes próximas: Mnemosyne, a fonte da memória, e Lethe, a fonte do esquecimento. É desta fonte que os mortos vão beber para esquecer da vida terrestre, ou seja, sua história de vida. Agora, às almas que retornam ao mundo dos vivos, Lethe as faz esquecer do mundo subterrâneo dos mortos. Em qualquer uma das duas funções, Lethe está promovendo o esquecimento necessário para evitar o sofrimento excessivo. E a partir daí a autora expõe o fenômeno demencial, ao assinalar que na pessoa demenciada, se destrói a linha do tempo que garante continuidade. Esquecendo do presente, dos vínculos atuais, do cotidiano, corta-se o elo entre passado e futuro. Não há como incluir o passado no projeto de futuro, simplesmente porque não há futuro. Para poder se responder sobre quem sou eu, é necessário saber quem fui eu e quem serei eu futuramente. Para a autora, a pessoa demenciada perde suas capacidades cognitivas por causa de um quadro neurológico que afeta a memória. Mas, também, pode-se pensar que o psiquismo humano, em sua extraordinária potencialidade, abandona a condição de sujeito psíquico por um excesso de sofrimento que lhe resulta insuportável.

    O olhar sobre o homem-máquina, aquele ser humano cada dia mais irmanado em uma relação simbiótica com as máquinas que ele mesmo cria e as repercussões que decorrem desta simbiose nos processos de envelhecimento, adoecimento e morte, é o que trata o texto de Ricardo Pires de Souza, ao apresentar para o leitor três casos emblemáticos. Para o autor, casos que trazem questões como o uso ou a perda da autonomia, a qual nos deixa à mercê das máquinas sob o mote do sobreviver a qualquer custo; morrer longe da família dentro de uma imensa máquina chamada UTI ou morrer perto dos seus; lidar de maneira legítima e com senso de realidade com a iminência da morte ou pedir uma tomografia computadorizada. As máquinas podem ser, sem dúvida, muito úteis, mas não podemos esquecer que vivemos, amamos, envelhecemos, adoecemos e morremos.

    O texto de João Batista Alves de Oliveira traz um tema que está em pauta: a bioética. Sendo um tema novo, complexo, que envolve valores humanos, pessoais, filosóficos, sociais, políticos e tecnológicos, por certo que nunca será passível de consenso. Críticas sempre surgirão, pois cada texto será elaborado sob o específico olhar de quem o escreveu, que nem sempre será o mesmo de quem o ler e isso é natural. Esta é a grande contribuição da produção literária acadêmica que o autor traz, a fim de suscitar debates, levantar questões, propor idéias e discussões para que possamos melhorar e crescer, não só como profissionais, mas sobretudo como humanos, já que esta é a entidade guardiã e executora dos verdadeiros valores bioéticos. Nessa discussão, o autor foca os valores bioéticos a serem considerados no idoso que, por contingências da vida, vê-se limitado, física ou psiquicamente quando, por vezes, comporta-se como que sentado à beira do caminho esperando a morte chegar, ao mesmo tempo em que outros passam a desejar, para ele, a chegada, sem atraso, dessa morte. Nessa situação, tão rotineira em nossa sociedade, é mais que necessário discutir os valores da vida, da autonomia, da moral, da ética, do direito e da justiça, que resumidamente é chamada neste texto de Bioética na velhice, enfocando autonomia, eutanásia e suicídio assistido.

    Beltrina Côrte, em seu texto, trata do impacto das biotecnologias na configuração de uma vida mais longa, com base na evolução tecnológica de ferramentas que ajudam a prolongar e, até, a aumentar a expectativa média de vida. Como o prolongamento da vida gera muitas preocupações, fundamentais nos estudos de Gerontologia, a autora chama a atenção do governo, cientistas, políticos e sociedade em geral que não tratam a questão com a devida atenção. Para a autora, uma demografia em mudança exige um público informado para que mais gente possa ajudar a confrontar a profunda revolução mundial na longevidade, senão o envelhecimento, obedecendo a lógica tecnicista científica, continuará sendo tratado apenas como um problema solucionável, sem que discutamos as implicações psicológicas, socioculturais, espirituais e econômicas da reengenharia da vida.

    Gustavo Toshiaki L. Sugahara mostra em seu estudo o acelerado processo de alteração da estrutura etária brasileira, um dos mais velozes do mundo, a partir de dados obtidos com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). O fato de a população com idade igual ou maior de 60 anos representar mais de 20% da população já não é novidade para estes países, que já enfrentam algumas das questões que devemos travar num futuro não muito distante. O autor apresenta algumas possibilidades de análise quantitativa do universo idoso brasileiro. Com isso ele elucida questões que, diante do chamado senso comum, tomam feição nebulosa e pouco fundamentada do ponto de vista metodológico.

    Um dos pontos apontados no texto anterior foi pesquisado e analisado por Nadja Maria Gomes Murta e Ursula Margarida Karsch. Trata-se da assistência prestada aos idosos pelas Equipes Saúde da Família (ESF) no município de Diamantina/ MG, e como seus profissionais e agentes comunitários de saúde viam a sua prática em relação aos idosos no Programa de Saúde da Família (PSF). Nesta pesquisa de campo, as autoras observaram que para os entrevistados a velhice e o envelhecimento aparecem de forma conflituosa: por um lado os profissionais os vêem como um processo natural e como parte da vida, valorizando-os enquanto experiência; por outro, essa nova vida leva à insegurança, a sentimentos negativos e ao medo da perda da autonomia e independência. As autoras observaram ainda nas falas dos profissionais a presença da ideologia difundida pela indústria do consumo: a velhice como o momento para a realização pessoal. A velhice na família também é apresentada em situações opostas, ora o velho aparece como fardo, ora como aparato.

    No texto de Marília Anselmo Viana da Silva Berzins e Helena Akemi Wada Watanabe, observa-se que um grande número de idosos chegam ao envelhecimento em situação de risco e vulnerabilidade social, fatores que colaboram para as mais diversas formas de violências que os idosos brasileiros são vítimas. As autoras oferecem aos leitores alguns subsídios para a discussão das violências contra o idoso na nossa sociedade, fenômeno real e atual, mas ainda não incorporado como fenômeno de extrema magnitude e relevância no cotidiano. Na violência contra idosos ainda estamos na fase de chamar a atenção da sociedade sobre os abusos, negligências e maus-tratos que são praticados contra este grupo etário. Apesar de ser real ela ainda é invisível na vida social, porque é, sobretudo, doméstica e por isso muito difícil de romper o silêncio das famílias e dos próprios idosos que, em defesa do agressor (geralmente um membro da sua própria família) se calam, omitem e até mesmo justificam a agressão sofrida, ao dizerem já sou velho mesmo.

    Os textos aqui reunidos revelam, assim, parte das questões do envelhecimento e, ao mesmo tempo, uma amostra parcial dos estudos da Gerontologia no país, permitindo, a cada leitor, repensar sobre o processo de envelhecimento e o seu próprio envelhecer.

    Beltrina Côrte

    Elisabeth Frohlich Mercadante

    Irene Gaeta Arcuri

    Velhice: uma questão complexa

    Elisabeth Frohlich Mercadante

    O presente texto reflete sobre as noções de identidade, identidade social de idoso e a questão da complexidade. O que se pretende desenvolver aqui refere-se às possibilidades teóricas da noção de identidade para explicação da velhice, esta última considerada uma situação complexa. Inicio a reflexão indagando sobre o significado do termo complexo. Adianto a minha resposta ao dizer que concordo com Edgar Morin, que explica que algo é complexo, quando indica dificuldades para a sua explicação. Em outros termos, alguma coisa complexa, indica dificuldade e não uma explicação, implica conseqüentemente que não há uma resposta simples a ser buscada e, nem tampouco, um conceito chave, que abra as portas, que consiga analisar situações psíquica, existencial, social, econômica e política.

    É Edgar Morin que também alerta para o fato de que estamos freqüentemente confrontados com o desafio da complexidade pelas explicações insuficientes dadas pelas idéias simples. Em um segundo momento, neste mesmo texto, entendo como é importante indagar também sobre o que significa a velhice. Velhice seria uma questão visível, empírica? A velhice representaria um ponto último na vida dos indivíduos, que é o resultado de um processo natural, biológico de envelhecimento e que antecede a morte?

    Para essas questões formuladas, se respondidas de forma simples, temos, em geral, respostas que definem a velhice como um fenômeno biológico, como um processo natural que acontece a todos os seres vivos. Assim, temos na literatura da área médica geriátrica, o entendimento da velhice como fenômeno biológico e é apontado como gerador de declínio irreversível, tanto físico quanto mental, do indivíduo como conseqüência da passagem do tempo. Esse declínio se instala no organismo do indivíduo idoso, após esse mesmo organismo ter atingido uma situação de plena maturidade.

    Ressalto aqui, em primeiro momento, a análise médico-geriátrica que define a velhice com base em dados biológicos, com características físicas apresentadas no corpo do indivíduo, mas, imediatamente questiono e, portanto, coloco em dúvida, essa mesma análise – definidora e definitiva – sobre a velhice, quando verifico situações pessoais, sociais, culturais, muito diversas, vividas nas várias sociedades e, também em uma mesma, por esse corpo alquebrado, declinante, corpo velho. Assim sendo, entendo que essa resposta, fundamentada na variação do corpo, do organismo biológico é uma primeira aproximação para o entendimento da velhice. Ficar só com ela tem-se uma explicação parcial e, portanto, simples. Dessa forma, levar em conta somente características físico-biológicas é dar a elas uma força, uma substância que passa a ser prioritária para a definição da velhice.

    A compreensão dessa análise como simples

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