Os limites do poder de inspeção nas concessões de serviços públicos
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Os limites do poder de inspeção nas concessões de serviços públicos - Raphael Leandro Silva
CAPÍTULO 1 - CONCESSÃO: UMA BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO
A concessão é certamente um dos institutos que mais instigam os estudiosos do Direito Administrativo⁴. Sob uma perspectiva histórica⁵, a concessão tem sido um instrumento de há muito utilizado como elo entre o Estado e os particulares para a consecução de atividades⁶ que se entendem relevantes em um dado momento da história – e, portanto, antecede, mesmo, ao próprio surgimento do Direito Administrativo enquanto matéria autônoma (em fins do século XVIII e início do século XIX).
Ao longo de seu percurso evolutivo, a concessão, nas suas diversas modalidades⁷, foi adquirindo contornos jurídicos específicos, que se identificavam com os interesses estabelecidos pelo Estado em cada época. De qualquer modo, em todo esse caminho histórico, a concessão não perdeu uma marca que lhe é essencial: a transferência de poderes do Estado a particulares para o exercício de determinadas tarefas entendidas relevantes pelo poder concedente.
Consoante registra Floriano de Azevedo Marques Neto:
(...) de comum a identificar a concessão, em face de tão diversificados objetos, está o fato de que pelo ato concessório a administração atribui um conjunto de direitos e obrigações ao particular para que ele os exerça dentro de certos quadrantes e para o atingimento, direto ou indireto, de finalidades perseguidas pelo Poder Público⁸.
Durante a Era Moderna, após um longo período de dispersão do poder político na Idade Média, os poderes restaram concentrados nas mãos de soberanos, que os manejavam de acordo com os seus interesses. Nesse contexto, as concessões foram mormente utilizadas como instrumentos para alcançar finalidades desejadas pelos reis. Sendo assim, mais que em outros tempos, o instituto torna-se mecanismo para a designação de privilégios para particulares atuarem em nome dos soberanos⁹.
A formatação e a consolidação do Estado de Direito alteraram esse panorama. Com a submissão do Estado ao Direito, é a lei (em sentido amplo) que passa a afirmar as finalidades a serem perseguidas pelo Poder Público, e não mais a vontade real. Ademais, passa-se a reconhecer, em linhas gerais, a igualdade entre os indivíduos, o que desacredita o sistema de privilégios presente durante o Antigo Regime.
Floriano de Azevedo Marques Neto analisa o instituto da concessão em face do novo quadro estabelecido pelo Estado de Direito:
(...) as concessões foram perdendo o seu caráter de privilégio realengo e assumindo, mais e mais, caráter funcional de viabilizar a oferta de utilidades públicas, de atingir objetivos demandados ao Estado. Não perderam, porém, sua ligação com a ideia de objeto próprio, de domínio do Poder Concedente, de algo que corresponda a um monopólio ou a uma exclusividade do Estado¹⁰.
A concessão, nesse cenário, portanto, assume outros contornos, mais complexos que em outros períodos. Sem perder características que lhe são essenciais, adapta-se às estruturas do Estado de Direito.
Ainda, acomoda-se, no mesmo período, a um momento de expansão do capitalismo como modelo de organização econômica e, desse modo, às novas articulações necessárias entre o Poder Público e os particulares para a consecução de objetivos consagrados pelos ordenamentos jurídicos, e que até hoje, com algumas nuanças, mantêm-se vigentes.
Ademais disso, a partir sobretudo de meados do século XIX e início do século XX, muitas das relações estabelecidas entre o Estado e os particulares sob o signo da concessão visaram à prestação de serviços públicos. Alguns autores¹¹ identificam esse momento como o do desenvolvimento das concessões, em especial porque se nota que, ao assumir, de forma crescente, a responsabilidade de prestar serviços públicos, o Estado necessita do auxílio dos particulares.
O assunto concessão, nesse sentido, foi absorvido pelo tema dos serviços públicos, muito em razão dos intensos debates propostos pela doutrina francesa quanto à noção de serviço público naquele período (lembre-se, aliás, que a ideia de contrato administrativo – e, fundamentalmente, é o contrato de concessão para a prestação de serviços públicos (em sentido amplo) o típico contrato administrativo – emerge justamente nesse momento da história¹²). Nesse debate, por exemplo, Vera Monteiro aponta que "não há história propriamente dita da concessão como gênero contratual; há, sim, história da concessão de serviço público"¹³.
De fato, se considerarmos a concessão apenas como aquele instituto que surge da expansão das atividades estatais e da incapacidade do Estado em promover, por si, todos os serviços que lhe são acometidos pela lei, em um contexto de evolução do Estado de Direito e do capitalismo como modelo de organização predominante que até os dias de hoje se mantém estruturado de maneira relativamente semelhante, pode-se lhe restringir a análise histórica¹⁴.
É também durante a evolução do Estado de Direito (do Estado Liberal ao Estado Social¹⁵) e do trabalho da doutrina e da jurisprudência desse período – em especial a francesa¹⁶ – que se vislumbra a natureza jurídica contratual da concessão – e, assim, também, da própria noção de contrato administrativo.¹⁷
Vera Monteiro, nessa toada, anota que foi no ambiente do século XIX que nasceu o contrato de concessão de serviço público, o qual:
(...) coincidiu com o momento em que a teoria do contrato administrativo era elaborar na França para afirmar o regime jurídico exorbitante desses contratos em relação ao direito privado, a qual foi concebida para, em nome do interesse público, reconhecer poderes de autoridade à Administração na execução do contrato¹⁸.
Sem embargo, a natureza jurídica contratual da concessão gerou importantes discussões ao longo tempo. Não são todos os estudiosos que aceitam a tese segundo a qual a concessão deriva de um vínculo contratual estabelecido entre pessoa estatal e um particular (concedente e concessionário).
Pode-se apontar, em suma, duas teses divergentes em relação à teoria contratual da concessão: uma que acredita ser a concessão um ato unilateral do Poder