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Contos fantásticos japoneses: as quatro estações e a natureza
Contos fantásticos japoneses: as quatro estações e a natureza
Contos fantásticos japoneses: as quatro estações e a natureza
E-book195 páginas2 horas

Contos fantásticos japoneses: as quatro estações e a natureza

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Sobre este e-book

Nesta edição, juntamos toda a admiração que os japoneses têm pela natureza, expressa nas estações em forma de contos que tem alguma relação com a primavera, o verão, o outono e o inverno, seja ela mais íntima, apenas um cenário ou quem sabe relações sutis do enredo…

Foram selecionados 33 contos fantásticos tradicionais japoneses que, de alguma forma indicam as estações em que ocorrem ou mesmo tem uma relação intricadas com elas.

Parte desses contos vem de antigos registros como Otogizôshi e avulsos do período Muromachi (séc XIV-XVI), contando também com registros do século XIX e início do XX feitos por Richard Gordon Smith, Yei Theodora Ozeki e Grace James, além de um conto de um dos mais renomados escritores japoneses, Natsume Sôseki e um registro do poeta e monge Inô Sôgi. Também temos contos raros e arcaicos recolhidos pela professora e pesquisadora Márcia Hitomi Namekata.
IdiomaPortuguês
EditoraBuruRu
Data de lançamento26 de jan. de 2024
ISBN9786598015060
Contos fantásticos japoneses: as quatro estações e a natureza

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    Contos fantásticos japoneses - Márcia Hitomi Namekata

    As estações e as pessoas...

    Eis que chegou o momento de fazer o livro de contos fantásticos japoneses e, confesso, me senti extremamente pressionada. Como interessada e até estudante (esporádica, atualmente) da língua e da cultura, acreditava que tinha a missão de fazer A seleção, entendem?

    Por muito e muito tempo fiquei sem saber qual seria o tema, claro, não que necessariamente precisasse de um tema pra uma coletânea de contos fantásticos (isso em si já é um viés, certo?), mas eu queria algo que fosse coerente e desse um norte, afinal não estou fazendo uma coletânea tipo os melhores contos japoneses, nem pensar! Não me vejo no papel de eleger um conto como o melhor em detrimento de outros. Foi então que, durante uma pesquisa sobre outros assuntos com relação à cultura japonesa, me veio o óbvio; as estações do ano.

    Diz-se que desde a era clássica Heian (ali pelo século VIII a XII, a época de florescimento das artes), essa ligação passou a ser exaltada em seus poemas e histórias. E tudo é muito cheio de simbologia.

    Além disso, sendo um povo muito ligado à agricultura e pesca (lembrando que falo de contos fantásticos e esses são registros de épocas antigas), e estarem expostos a — para nossa experiência — peculiares intempéries da natureza como tsunamis, terremotos e erupções vulcânicas, é natural que desenvolvam um olhar atento e um elo especial com tudo que os rodeia.

    A dificuldade foi achar algo que falasse da estação em si. Não encontrei algo assim, e por um momento me frustrei. Até que percebi que essa ausência faz todo sentido: para um povo que vive em sua maioria em harmonia com a natureza, observando seu movimento e até mesmo guiando sua vida por seus ciclos, por que diabos contariam sobre uma estação? Não faria mais sentido falar sobre a floração das cerejeiras na primavera? Sobre o límpido céu noturno do outono? Sobre as folhas verdes do bambu no verão? Sobre os mistérios que a neve esconde na época em que todos se recolhem em casa?

    Sobre as violetas, peônias, vagalumes, raposas... e claro, não sobre eles, pois são (apesar de belos) apenas insetos, flores, animais, mas... no fundo toda história acaba falando sobre os sentimentos e relações humanas, relações que se estabelecem com essas coisas e que dão significados a elas... afinal, nós humanos também somos parte da natureza.

    Nós não apenas observamos a natureza, mas a vivenciamos. Dessa forma, ao transformá-la em texto, os japoneses foram muito felizes utilizando aqueles pequenos detalhes que fazem a diferença e nos chamam a atenção para o todo.

    A organização

    Nós sempre partimos do pressuposto de tentar publicar o texto mais inédito possível.

    Em se tratando de contos fantásticos, isso é às vezes complicado, pois os chamados clássicos já foram publicados. Mas eu os chamo de famosos, pois existem muitos e muitos contos antigos e tão clássicos quanto esses, e que passaram despercebidos, seja porque as pessoas da região Y conhecem tal história diferente das pessoas da região X, seja pelo tempo, que vai apagando alguns registros. Aqui no Brasil existem algumas histórias famosas entre os imigrantes a tal ponto que foram para fora da comunidade e todo mundo conhece, como por exemplo Urashima Tarô, A retribuição do Tsuru ou Tanabata — e eu os inclui por terem alguma ligação com o aspecto da estação — no entanto, existem contos que nem os imigrantes e seus descendentes conhecem, e são raros até no Japão. É o caso de A origem do bicho-da-seda e o noivo cobra, contos antiquíssimos recolhidos in loco pela professora doutora Marcia Hitomi Namekata. E claro, existem os que já se ouviu falar, mas nunca se leu, como a tradução do primeiro relato sobre a yôkai Yuki onna (mulher da neve) A primeira Mulher da neve, escrito pelo poeta Inô Sôgi, e a história da Tsurara onna, a mulher de gelo. Sem mencionar o conto ainu Neve raspada do céu que é sem dúvida a primeira tradução para o português.

    Acredito que, ao trazer contos menos conhecidos ou até desconhecidos seja bem mais interessante do que simplesmente fazer novas traduções de contos clássicos.

    Por isso, optei por um misto entre vários autores, alguns registros japoneses, outros registros de estudiosos ocidentais, outros registros de descendentes de imigrantes. Buscamos, dentro do possível, adicionar notas e buscar grafias mais fiéis aos termos japoneses sem ao mesmo tempo trair o texto fonte. Também, buscamos trazer contos que se remetam de alguma forma às estações e a natureza, seja por suas simbologias ou mesmo por se passarem nessas estações. Claro, sempre mantendo a característica de serem contos fantásticos.

    No haiku (uma das formas poéticas japonesas mais conhecidas por aqui), existe o chamado kigo que é o termo relacionado à estação do ano. Por exemplo, um famoso kigo para se referir ao outono é a lua. Um kigo de verão pode ser o pinheiro ou a cigarra. São símbolos. E podem ser maleáveis como o salgueiro que se aparecer como yanagi no me (observar o salgueiro) fala de meados da primavera, mas que se é hayanagi (folhas de salgueiro) é do verão, ou se quem se mostra é yanagi kibamu (folhas de salgueiro amarelando) é do outono.

    Essa maleabilidade vem a partir do momento que se entende que não há o fim de uma estação e início da outra, mas uma continuidade sucessiva cíclica.

    Já não me preocupo se fiz A seleção. Sei que o leitor irá se deparar com várias boas histórias fantásticas japonesas.

    Boa leitura!

    PRIMAVERA

    No Japão, a primavera se chama Haru e é uma das estações mais importantes. É quando se inicia o plantio do arroz, um dos mais importantes alimentos. Também, é quando se inicia a floração da cerejeira (sakura). A floração é um fenômeno chamado sakura zensen, que começa sempre do sul ao norte do Japão.

    É a época mais amena do ano e do hanami, a observação das flores (em especial das cerejeiras). Desde a época clássica (794 a 1185, o período Heian), é um costume que as pessoas façam passeios e piqueniques embaixo das sakura em flor.

    A árvore de camélia de Yosoji

    ¹

    O reinado do imperador Sanjo começou em uma época particularmente azarada. Foi por volta do ano 1013, quando Sanjo subiu ao trono — no primeiro ano de Chowa a peste eclodiu. Dois anos depois, o Palácio Real foi incendiado e teve início uma guerra com a Coreia, então conhecida como Shiragi.

    Em 1016, houve outro incêndio no novo palácio. Um ano depois, o imperador renunciou ao trono, devido à cegueira e a outras causas. Ele entregou as rédeas do cargo ao príncipe Atsuhara, que foi chamado de imperador Go Ichijo, e subiu ao trono no primeiro ano de Kwannin, por volta de 1017 ou 1018. O período em que o imperador Go Ichijo reinou — cerca de vinte anos, até 1036 — foi um dos piores da história japonesa. Houve mais guerras, mais incêndios e pragas piores do que nunca. Em geral, as coisas estavam desordenadas e até mesmo Kyoto era pouco segura para pessoas de posses, devido aos bandos de criminosos. Em 1025, ocorreu o mais terrível surto de varíola; dificilmente uma vila ou cidade do Japão escapou.

    É nesse período que nossa história começa. Nossa heroína (se é que podemos chamá-la assim) é nada menos que a divindade da grande montanha Fuji, da qual quase todo o mundo já ouviu falar ou viu uma representação. Portanto, se a lenda parecer estúpida e infantil, culpe apenas a minha maneira de contá-la (simplesmente, como me foi contada) e pense na Grande Montanha do Japão, em relação à qual qualquer coisa deve ser interessante; além disso, desafie outras pessoas a encontrarem uma melhor. Eu mesmo não consegui encontrar nenhuma.

    Durante o terrível flagelo da varíola, havia um vilarejo na província de Suruga chamado Kamiide, que ainda existe, mas é de pouca importância. Ele sofreu mais do que a maioria dos outros vilarejos. Quase nenhum habitante escapou. Um jovem de dezesseis ou dezessete anos foi muito provado. Sua mãe foi acometida pela doença e, como seu pai estava morto, a responsabilidade pela casa recaiu sobre Yosoji — esse era seu nome.

    Yosoji conseguiu toda a ajuda que pôde para sua mãe, não poupando remédios e cuidados; mas sua mãe piorou dia após dia, até que, por fim, sua vida foi totalmente perdida. Não lhe restando nenhum outro recurso, Yosoji resolveu consultar um famoso adivinho e mágico, Kamo Yamakiko.

    Kamo Yamakiko disse a Yosoji que havia apenas uma chance de curar sua mãe, e que isso dependia muito de sua própria coragem.

    — Se, disse o vidente, você for a um pequeno riacho que flui do lado sudoeste do Monte Fuji e encontrar um pequeno santuário próximo à sua nascente, onde Oki-naga-suku-neo é adorado, você poderá curar sua mãe levando-lhe água para beber. Mas eu o aviso que o local está cheio de perigos, de animais selvagens e outras coisas, e que talvez você não consiga retornar ou mesmo chegar ao local.

    Yosoji, de forma alguma desanimado, decidiu que partiria na manhã seguinte e, agradecendo ao vidente, foi para casa para se preparar para partir bem cedo.

    Às três horas da manhã seguinte, ele estava de partida.

    A caminhada era longa e difícil, algo que ele nunca havia feito antes, mas ele caminhava alegremente, pois estava bem disposto e empenhado em uma missão de grande interesse.

    Por volta do meio-dia, Yosoji chegou a um local onde três caminhos irregulares se encontravam e ficou muito confuso sobre qual tomar. Enquanto ele estava deliberando, a figura de uma bela garota vestida de branco veio em sua direção através da floresta. A princípio, Yosoji se sentiu inclinado a correr, mas a figura o chamou com uma voz melodiosa, dizendo:

    — Não vá. Eu sei por que você está aqui. Você é um rapaz corajoso e um filho fiel. Serei sua guia até o riacho e — acredite em minha palavra — suas águas curarão sua mãe. Siga-me, se quiser, e não tenha medo, embora a estrada seja ruim e perigosa.

    A garota se virou e Yosoji a seguiu, maravilhado.

    Em silêncio, os dois percorreram cerca de quatro quilômetros, sempre subindo e entrando em florestas mais profundas e sombrias. Por fim, chegaram a um pequeno santuário, em frente ao qual havia dois Toriis², e de uma fenda na rocha jorrava um riacho prateado, cuja limpidez era algo que Yosoji nunca tinha visto antes.

    — Ali, disse a garota de vestes brancas, está o riacho que você está procurando. Encha sua cabaça e beba você mesmo, pois as águas o impedirão de pegar a peste. Apresse-se, pois está ficando tarde e não seria bom para você ficar aqui à noite. Eu o guiarei de volta ao lugar onde o encontrei.

    Yosoji fez o que lhe foi pedido, bebendo e depois enchendo a cabaça até a borda.

    Eles voltaram muito mais rápido do que tinham ido, pois o caminho era todo em declive. Ao chegar ao encontro dos três caminhos, Yosoji curvou-se diante de sua guia e agradeceu-lhe pela grande bondade, e a garota lhe disse novamente que era um prazer ajudar um filho tão obediente.

    — Daqui a três dias você vai querer mais água para sua mãe, disse ela, e eu estarei no mesmo lugar para ser sua guia novamente.

    — Posso perguntar a quem estou devendo essa grande bondade?

    — Não, você não deve perguntar, pois eu não lhe diria, respondeu a garota.

    Curvando-se novamente, Yosoji prosseguiu seu caminho o mais rápido que pôde, maravilhado.

    Ao chegar em casa, encontrou sua mãe pior. Ele lhe deu uma tigela de água e contou-lhe suas aventuras. Durante a noite, Yosoji acordou como de costume para atender às necessidades de sua mãe e lhe dar outra tigela de água. Na manhã seguinte, ele descobriu que ela estava muito melhor. Durante o dia, ele lhe deu mais três doses e, na manhã do terceiro dia, saiu para cumprir seu compromisso com a bela dama de branco, que ele encontrou sentada à sua espera em uma rocha no encontro dos três caminhos.

    — Sua mãe está melhor, posso ver pelo seu rosto feliz, disse ela. Agora me siga como antes e se apresse. Volte daqui a três dias e eu o encontrarei. Serão necessárias cinco viagens no total, pois a água deve ser fresca. Você pode dar um pouco para os aldeões doentes também.

    Yosoji fez a viagem cinco vezes. No final da quinta vez, sua mãe estava perfeitamente bem e ele ficou muito agradecido por sua recuperação; além disso, a maioria dos aldeões que não haviam morrido estava curada. Yosoji foi o herói do momento. Todos ficaram maravilhados e se perguntaram quem era a moça de vestes brancas, pois, embora tivessem ouvido falar do santuário de Oki-naga-suku-neo, nenhum deles sabia onde ficava e poucos teriam se atrevido a ir até lá se soubessem. É claro que todos sabiam que Yosoji estava em dívida, em primeiro lugar, com o vidente Kamo Yamakiko, a quem toda a aldeia enviava presentes. Yosoji não estava mentalmente tranquilo. Apesar do bem que havia proporcionado, ele pensou que devia todo o seu sucesso em encontrar e levar a água para a aldeia à sua guia, e não achava que havia demonstrado

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