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A Unesco Por Trás Do Espelho
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E-book922 páginas7 horas

A Unesco Por Trás Do Espelho

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Sobre este e-book

O Brasil vive tempos de colonização educacional. Como muitas nações pelo mundo afora, importa conteúdos curriculares e métodos pedagógicos incubados nas universidades norte-americanas para difusão periférica via UNESCO e conversão do MEC em franquia cultural da ONU. A sala de aula se transformou em linha de montagem de cabecinhas politicamente corretas. A escola virou fábrica de eleitores progressistas. E o professor se tornou inocente útil de um propósito geopolítico que mal visualiza. O ensino formata um cidadão Coca-Cola de afetividade única, racionalidade idêntica e espiritualidade homogênea. Igual na França, no Brasil, no Canadá ou em qualquer lugar. Porque o projeto de governança global não opera sem padronização antropológica. É preciso uniformizar os valores, as expectativas, os reflexos, as atitudes, os juízos e os comportamentos. Faz-se necessário produzir funcionalidade política, conformismo ideológico e ajuste psicológico. Logo, aprender a ler, escrever ou contar já não é prioridade. Docência se confunde, desde já, com engenharia social. Um fenômeno cuja origem, intenção, estrutura institucional e mecânica decisória a presente obra explora em perspectiva sistêmica ...
IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de jan. de 2024
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    Pré-visualização do livro

    A Unesco Por Trás Do Espelho - Jean-marie Lambert

    Introdução

    Morreu há muito a figura carinhosa da professora amiga que morava no coração dos pais e das crianças. A tia a ensinar vírgulas e tabuadas com amor de sobra e castigo na dose certa já faz parte do passado. Professor é hoje doutrinador a apropriar-se do aparato educacional para promover uma agenda política e substituir a família no papel de educar.

    O fenômeno remonta à queda do regime militar e representa, sem dúvida, o maior sucesso de estratégia gramsciana da história. Nasce da aliança das associações docentes com sindicatos e partidos de esquerda para confiscar a Constituinte no fim da década de 1980. Um momento de suma importância para entender os rumos do ensino, porque, entre barganhas e negociatas, a Carta Magna assentou os fundamentos de uma ditadura cultural que as vertentes de inspiração marxista chamam de gestão democrática ...

    Tentar captar o episódio como fato isolado conduz a perder o alvo por uma distância astronômica, pois a guerra escolar integra uma campanha mais ampla cujas voltas e reviravoltas transcendem de longe as fronteiras do Brasil e as manobras da hora. Sala de aula, na realidade, funciona como átomo ínfimo de um projeto imenso. E professor é inocente útil de uma intenção bem maior que o próprio entendimento.

    A Nação – como tantas outras – vive tempos de colonização educacional. Importa conceitos pedagógicos e quadros ideológicos incubados nas universidades norte-americanas para difusão periférica via organismos multilaterais com a cumplicidade ativa de uma esquerda ironicamente radicada no discurso anti-imperialista.

    Diversidade sexual, gayismo, minorias, gênero e demais fantasias a compor o imaginário globalista não emanam do Brasil profundo. São, isto sim, invenções alienígenas a atropelar o ambiente de casa com a ajuda de forças políticas e financeiras de fora. O dinheiro sempre carrega as ideias pelo mundo. E, hoje como ontem, não falta índio para vender a alma em troca de espelhinho. Da Coroa Portuguesa à UNESCO, nada mudou na essência.

    Longe de gerar pensamento autônomo, CNTE, LDB, PNE, PPP, BNCC e todo o labirinto de entidades, siglas, conselhos ou instrumentos legais a brotar de duas décadas de governo participativo trabalharam no ajuste de currículos e métodos à regra onusiana, transformando educandário em linha de montagem de cabeças politicamente corretas.

    Universidades e ministérios fizeram-se correia de transmissão de uma cosmovisão externa. Veiou das conferências internacionais para o MEC ... para as Secretarias ... para as escolas ... e para a cabeça da garotada. Com uma constelação de ONGs e movimentos sociais abrindo as portas.

    Foi um contágio mão-única. Sempre de lá para cá. Nunca de cá para lá. O que pensa o povo, por sinal, jamais foi problema. A sociedade civil organizada conversou com o Banco Mundial, a ONU ou as fundações filantrópicas conforme a hora e pouco tempo teve para indagar os gostos da terra.

    As páginas a seguir empreendem de confrontar a hipótese com a realidade dos fatos. Para tanto, rastreiam as origens históricas do ensino público na Prússia do século XIX e o subsequente transplante de modelo nos Estados Unidos. Explicam, outrossim, a gênese da psicopedagogia e a conversão progressiva da escola americana em laboratório de psicologia behaviorista a priorizar indução de atitude e produção de funcionalidade social em detrimento dos conteúdos cognitivos. Realizam, ademais, uma incursão no construtivismo a compor a base pedagógica da matriz educacional global.

    A sequência desmonta o quebra-cabeça ideológico UNESCO, esmiuçando cada elemento constitutivo. Humanismo científico, internacionalismo, multiculturalismo, darwinismo, freudianismo, feminismo, homossexualismo político, marxismo, pós-modernismo, desconstrutivismo, direitos humanos, ambientalismo, racialismo, indigenismo e derivados representam a pauta de adesão. Antiocidentalismo, anti-intelectualismo, anticristianismo, antipatriarcalismo, antinatalismo e correlatos constituem o bloco da rejeição.

    A primeira parte dilucida, pois, a base institucional e o fundo pedagógico da politização UNESCO. Enquanto a segunda desvenda a fonte, a construção, a natureza e o propósito das doutrinas em oferta.           

    O terceiro capítulo adentra, então, a geopolítica. Examina os mecanismos de clonagem mental e propagação da cultura globalista. Analisa a homogeneização afetiva. Pesquisa a moldagem do cidadão universal, uniforme e unidimensional. Estuda a produção de uma sensibilidade única, de uma emotividade única, de uma racionalidade única, de um tipo antropológico único.

    Perscruta, ainda, a informatização do ensino e da avaliação, ressaltando o interesse dos setores de alta tecnologia em tal política, bem como o efeito correlato de padronização do pensamento.

    Aborda, em seguida, a crescente influência da psicologia ou da psiquiatria na educação e a consequente medicalização dos problemas de aprendizagem e disciplina. Repertoria as técnicas de manipulação psicopedagógica e – por que não dizer? – de lavagem cerebral subjacentes às metodologias propostas. Disseca as armadilhas do multiculturalismo a transversalizar a apresentação de toda e qualquer matéria. Comenta o revisionismo histórico a redesenhar os livros didáticos para diminuir o mérito civilizatório do Ocidente e enaltecer aportes africanos, ameríndios ou asiáticos. E expõe, finalmente, as formas de disseminação ideológica via fundações filantrópicas, ONGs ou conferências internacionais.

    O último segmento faz a ponte entre o quadro universal e o plano nacional, percorrendo os mecanismos de internalização do molde UNESCO. Volta, para tanto, às origens do associativismo professoral e descreve a articulação do sindicalismo docente com a esquerda a ocupar o vácuo de poder no fim do derradeiro governo militar. Explana, nesse contexto, as manobras para a inserção da participação popular com a noção derivada de gestão democrática do ensino na Constituição de 1988. Termina mostrando a hegemonia esquerdista na construção do atual Sistema Nacional de Educação e na sua subsequente geminação com o referencial global.

    A obra se quer acadêmica e argumenta nos limites da ciência política. Pouco espaço abre, portanto, à reflexão teológica ou a juízos de inspiração religiosa. Contudo, a base filosófica e espiritual do globalismo colidem frontalmente com o cristianismo, pois rejeitam os pressupostos bíblicos sobre a natureza humana e convidam a maneiras diametralmente opostas de relacionar-se com a vida. Logo, a educação UNESCO descristianiza o mundo e propõe uma dogmática distinta, causando um choque de culturas e inúmeros problemas de ajuste societal em toda configuração civilizatória de fundo protestante ou católico. Um fato material e suscetível de apreensão científica que, a esse título, será oportunamente evocado sempre que útil à clarificação do fenômeno político.       

    Embora rigorosamente alicerçada em fatos e citações jornalísticas ou bibliográficas nos moldes clássicos da produção académica, finalmente, a redação não é filosoficamente neutra. Assume antes a defesa daquilo que a proposta mundialista agride. Veicula, portanto, a intenção dupla de transmitir conhecimento e induzir a reação política, somando as feições de um texto de opinião à perspectiva de interpretação teórica. No total, convida a uma análise sistêmica dramaticamente ausente da formação docente e visa despertar o professor para a leitura crítica da própria realidade política. Muito além disso, contudo, propõe uma ferramenta cidadã de empoderamento da família, hoje tão perto dos dramas da vida, mas tão longe dos mecanismos decisórios de Brasília.

    A exposição, ademais, se vale ocasionalmente da anedota, ironia ou analogia, mas recorre também a diálogos intermitentes em linguagem coloquial com uma figura imaginária a proporcionar um conveniente eixo de reflexão paralelo.

    A pesquisa subjacente alimentou-se de fontes bibliográficas assim como de informação extraída de websites governamentais, blogs especializados, reportagens jornalísticas, anais judiciários, artigos acadêmicos e da Internet em geral.

    A forma, por outro lado, busca simplicidade e clareza. Fugindo do tecnicismo e intelectualismo, usa uma linguagem universal de fácil acesso, focalizando os pontos principais e evitando o acúmulo de detalhes.

    CAPÍTULO I: A GÊNESE DO PROBLEMA

    1 – A Era uma vez na Prússia ...

    A política educacional do Brasil não se explica pelo Brasil, porque vem de fora. O aparato nacional não olha para dentro. Como todo Estado herdado do colonialismo, importa pensamento de pronta entrega. Funciona hoje como receptáculo passivo de um sistema pacientemente maquinado pela UNESCO desde o fim da Segunda Guerra. Mas este, por sua vez, planta raízes filosóficas e pedagógicas numa antiga paixão da classe professoral norte-americana pela Prússia (GATTO, 2017). Para entender o que acontece hoje na sala de aula, portanto, é preciso estudar história. 

    A Carta Magna dos Estados Unidos – contrariamente às constituições latinas – não fala de educação. A América do Norte ignorou o conceito mesmo de instrução pública até a segunda metade do século XIX. A ideia de um sistema escolar controlado pelo Estado era totalmente alheia à cosmovisão dos colonos e dos Pais Fundadores a libertá-los do jugo britânico. Mesmo assim, as comunidades puritanas apresentavam elevadíssimos índices de alfabetização, porque sua cultura repousava por inteiro na leitura da Bíblia (BREEN, 1980).

    Os pioneiros eram letrados por obrigação religiosa. E ninguém ficava de fora, porque tinham como dever universalizar os meios de salvação. Os mais abastados mandavam os filhos para um estabelecimento particular ou contratavam tutores, mas cada cidade mantinha um centro de escolarização gratuita chamado de common school ¹ e aberto a todas as classes sociais sem diferença. Desde então, pobre aprendia a ler e escrever com a mesma eficiência (BLUMENFELD, 1984).

    Cada localidade organizava currículos e aulas com total autonomia. Não existia sistema de credenciamento, ministério responsável, obrigatoriedade legal, mecanismo de seleção de livros ou curso de formação docente. Não havia sombra de centralização ou de supervisão governamental. Mas funcionava a contento, pois a tradição calvinista passava sem falha de uma geração à outra (PARKERSON & PARKERSON, 1998).   

    O ano de 1636 viu a criação do Colégio de Harvard que funcionava como seminário para a formação de pastores, magistrados e administradores. A mesma época registrou as primeiras grammar schools ² a ministrar ensino de nível secundário voltado para a aprendizagem do Latim, Grego e Hebraico. Mas sempre com base em iniciativas e recursos locais – com a exceção do Harvard College que se beneficiou de subsídios públicos (STORY, 1975).

    O ambiente da época não tolerava qualquer heresia, mas o Massachusetts se distinguia por um fundamentalismo particularmente rígido que, de tanto reprimir os diferentes, acabou provocando uma dissidência de profundas consequências.

    Em Roma, linguagem de romano. Por isso, oposição secular costuma moldar-se em contornos religiosos no cristianismo. Contestar a Trindade era, pois, um pretexto. Mas é o que acharam os unitários para destronar o calvinismo (FRITCHMAN, 2007).

    A sociedade americana passava por profundas mudanças econômicas, e a Revolução Industrial cobrava seus direitos. Muitos já pensavam em termos cosmopolitas e sufocavam no estreito referencial paroquiano. Predestinação não cabia mais na cultura em gestação. O self made man ³ do sonho americano sentia-se dono de si mesmo. Restava, pois, inventar uma encrenca teológica para mudar a trajetória política.

    A tomada de Harvard pelo pensamento unitarista aconteceu em 1805, com uma virada eleitoral que deixou o calvinismo sem espaço. Saber se Deus é uno ou trino pouco tem a ver com os rumos do ensino brasileiro, mas é preciso entender que a controvérsia foi o gatilho de uma reviravolta intelectual a impactar as órbitas ideológicas de Washington até o presente dia ... pela boa razão que repensar a natureza divina, implica reconsiderar a essência humana.

    O calvinismo postulava homens fundamentalmente depravados e de antemão condenados salvo disciplina de ferro a resgatar alguns eleitos. No menor cochilo, o ser humano corrompia as instituições e abria o coração para o diabo. Ideias exóticas comportavam risco sob esse ângulo. Valia, desde então, fechar portas e janelas para proteger a ortodoxia das forças malévolas.

    O unitarismo vinha justamente inverter o quadro. A natureza humana era essencialmente boa, asseverava. As instituições é que pervertiam. Portanto, valia soltar as rédeas para libertar os talentos. Excesso de regras travava as potencialidades e gerava mediocridade. Restava, pois, romper o casulo ideológico para ver o que outros pensavam da vida (ELLIS, 1857).

    A mudança de perspectiva não apenas relativizava a importância da Bíblia e do supranatural nas opções éticas. Postulava, ao mesmo tempo, a responsabilidade pessoal no desenho do destino. Um homem racional e autoperfectível tomava assim o centro do palco para tornar-se ator da própria excelência. Educação já não se resumia a ganhar o paraíso. Evocava, isto sim, uma coisa mais ampla a desviar o foco para interesses temporais. Não bastava estudar para dar-se bem no Céu. Era preciso adquirir conhecimentos para prosperar na Terra. Despontava assim a corrente humanista ⁴, fadada a crescer durante duzentos anos para erodir e finalmente arrebentar os diques teístas.

    Abrir a cabeça implicava essencialmente ver o que sucedia na Europa, entender o Iluminismo, acompanhar a reação idealista, entrar na onda romântica. Muita coisa acontecia além-mar, mas o Velho Continente logo entraria em decadência e contaria com a pujança econômica do Novo Mundo para viralizar suas ideias. Como o cristianismo germinou na Palestina para desabrochar em Roma e conquistar o Ocidente, o materialismo moderno brotou na Europa e se fortaleceu no receptáculo americano para pegar carona no dólar e catequizar o mundo.   

    Os unitários entendiam a importância da escola na guerra cultural em formação e se organizaram para trazer as common schools sob controle governamental, estabelecendo assim um sistema embrionário de educação pública logo exportado do Massachusetts para vários Estados (CREMIN, 1980).

    Os professores – que já contavam com verbas para viagem e bolsas de estudo – estavam convencidos da necessidade de universalizar o ensino gratuito. Sofriam a influência do socialista utópico Robert Owen cujos seguidores tinham replicado as experiências escocesas em solo americano. A colônia cooperativista de Nova Harmonia ⁵, fundada em 1814 no Estado de Indiana, teve existência efémera, mas marcou desde o início a consciência docente estadunidense (PITZER, 2012).

    O homem é fruto do meio, dizia Owen. Uma sociedade capitalista egoísta e competitiva gera inevitavelmente personalidades de características análogas. E não há como quebrar o círculo vicioso, a não ser em contexto cooperativo e altruísta. O jeito, portanto, é criar ambientes coletivistas, propícios à metamorfose almejada. Mas, por mais que tentasse, as experiências práticas se esvaziavam ligeiro e morriam por falta de combatentes. Logo, o que estava na cabeça dos professores nunca esteve no mundo. Assim mesmo, a fantasia – diametralmente oposta à mentalidade americana primeira – se instalou para sempre no imaginário da classe. 

    Por outro lado, o mundo germânico estava em plena efervescência intelectual. Na esteira da crítica kantiana à razão iluminista e da onda romântica, Hegel fabricara o mito do progresso social contínuo. O homem, em constante interação dialética com a família humana universal, elevava-se inexoravelmente para ápices civilizatórios totalmente emancipados das Escrituras. A Figura Divina objetiva, personalizada e transcendente do Velho Testamento recuava frente a uma cosmovisão panteísta a converter cada indivíduo em expressão máxima de Deus na Terra. Racional e autor da própria perfeição, o homo secularis adquiria assim uma espécie de estatuto divino. Justiça e igualdade estavam sim a caminho. Contudo, não plantavam raiz na Bíblia. Dependiam, isto sim, do homem e do Estado (BEISER, 2005).     

    A Prússia ⁶ – terra de Kant e Hegel – passava por um período conhecido como Despotismo Esclarecido e ostentava um ritmo de modernização sem igual no mundo. Exemplo consumado do estatismo em ascensão, criara um sistema inédito de ensino sob o inteiro controle do governo. Uma novidade na época.

    A ideia de uma estrutura de ensino sob controle estatal, materializada por decreto imperial na Prússia, conheceria uma extraordinária fortuna pela curiosidade de um grupo de educadores americanos no fim do século XIX (GATTO, 2017). Os Estados Unidos estavam em busca de alternativa à multiplicidade de programas e sistemas. Os currículos variavam de acordo com a região, e cada escola mandava na própria vida. Educação simplesmente não era problema de governo. Portanto, toda localidade se organizava como queria. Mas muitos clamavam por padronização. Notadamente, a classe docente sob a liderança da National Education Association-NEA.

    A história da NEA, criada em 1857 ⁷, se confunde com a consolidação da educação pública no Ocidente, pois a entidade importou com entusiasmo a ideia prussiana para reexportá-la com o mesmo fervor para o resto do mundo (WESLEY, 1957). E o amor não se limitou às facetas organizacionais do modelo, pois foi uma paixão de corpo e alma que integrou tanto o esqueleto institucional quanto a carne pedagógica e a medula filosófica da proposta. Uma fixação que começou como flerte inocente com um catedrático de Leipzig na década de 1880 ...

    --------------------------------------

    - Olha, José. Sei que vamos ter uma conversa longa, porque escolhi de te criar para trocar ideias. Logo, vamos estar juntos por um bom tempo, e não deveria te assustar com grosseria no primeiro encontro. Farei o possível para te poupar disso no futuro. Mas nem sempre vou conseguir falar da academia de forma educada, porque zona não se explica em linguagem de mocinha bem criada. Então, vou te apresentar a oficina Por uma Ética da Passividade: o Cu como Dispositivo PolíticU da Sexualidade.

    - Você ´tá brincando!

    - Não. É sério. Na UNICAMP. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Jornadas de Antropologia John Monteiro. Tem 20 vagas, se você interessar ... kkk

    - Rapppaiz! Essa turma tem o cérebro entre as pernas!

    - Sem dúvida. A UNICAMP ainda produz outra coisa. Graças a Deus. Mas esse tipo de delírio denota inequivocadamente o estrago intelectual e moral da matriz UNESCO que vamos descortinar ao longo desta obra. Então, não é por gostar de feiura. É só para te dar uma ideia do resultado final da coisa.

    - Tranquilo!

    - Bem. Antes de mais nada, é bom saber que a professora é mestre e doutoranda em ciências sociais ... só para você ter ideia do tipo de profissional que a Universidade produz com seu dinheiro. E a digníssima dama começa assim a apresentação do curso: A única coisa que nos salva, a única coisa que nos une, a única utopia possível, é a utopia do cu.

    - Mas o que significa isso?

    - Sei lá o que a imbecil quer dizer?!? Ela continua mencionando a polka do cu, que é o centro do sujo e da não reprodução ... dos perigos e dos prazeres ... do extermínio e do cárcere.

    - Caramba! Cátedra não é o lugar dela! Ela precisa de um divã e de tratamento!

    - Sim. Mas não é só. Ela segue perguntando o que pode um cu e o que significa pensar com e a partir do cu.

    - ?!?!

    - E explica que a proposta da oficina é estabelecer uma análise histórica da sexualidade, tendo o cu como epicentro e fonte de conhecimento. Depois, fala de política sexual, de preconceito e de virada analética.

    - Mas que conversa de manicômio é essa?!? Numa universidade!!!

    - É o que produz um ensino fundamental UNESCO ... um secundário UNESCO ... uma faculdade UNESCO ... um mestrado UNESCO ... e um doutorado UNESCO.

    - Francamente complicado entender por que o contribuinte paga por isso. Qual é a utilidade?

    - Eu te pergunto! E aí, vem a cisheteronormatividade ... a valorização do cu enquanto objeto teórico e político ... a genealogia da analidade ... o cu dos artistas trans enquanto dispositivo estético e político de tensionamento de normas de gênero e sexualidade binárias e cisheterobrancocentradas.

    - Meu Deus!

    - Não apavore, não! É só uma amostra da lavagem cerebral UNESCO. Nas próximas páginas, você vai começar a entender como essa tragédia aconteceu e segue acontecendo. 

    - Deprimente. Não?

    - Um pouco. Mas não há como corrigir sem entender o problema. Então, vai ter que estudar.

    - Hmm ...

    - E olha a bibliografia sugerida, para você acabar de deprimir: HOCQUENGHEM, Guy. O Desejo Homossexual. Tradução Daniel Luhmann. A Bolha, 2020; MOURA, Iago (org), et al, Cutucando o cu do cânone: insubmissões teóricas e desobediências epistêmicas. 1.ed. Salvador, BA: Devires, 2022; PRECIADO, Paul, Terror anal: notas sobre os primeiros dias da revolução sexual. Tradução Kauan Amora, Trecho do epílogo de O Desejo Homossexual, de Guy Hocquenghem, 2019; SAEZ, Javier & CARRASCOSA, Sejo, Pelo cu: políticas anais, Tradução Rafael Leopoldo, Belo Horizonte, MG, Letramento, 2016.

    - Pfff!

    - Voilà! Bem-vindo à educação UNESCO!

    2 – As origens da Psicopedagogia

    Wilhelm Wundt foi a canal. A referência máxima. O ídolo a compor a saga da German Connection (LIONNI, 1993). A partir de 1870, a Saxônia fez parte da recém unificada Alemanha que herdara o protótipo educacional do componente prussiano. E eis onde professores e estudantes americanos iam buscar a verdade. A peregrinação parou com a Primeira Guerra Mundial. Mas, até então, a universidade de Leipzig funcionou como Meca da psicopedagogia em gestação. E Wundt foi o inconteste profeta.

    Ele era ateu e não enxergava nada fora da estreita equação da ciência. O mundo era, pois, feito de átomos e vácuos. A morte não passava de uma catástrofe biológica. Bem entendido, não havia alma. Aperfeiçoar o espírito era quimera ... porque espírito simplesmente não existia. O homem se limitava a corpo e cérebro interagindo via sistema nervoso. Tentar educar outra coisa equivalia, desde então, a perder tempo com absolutamente nada. Reduzindo a ideia a expressão caricatural, educação resumia-se a converter input sensorial em output comportamental. Algo muito perto do conceito informático de programação (MUNDEL, 2018).

    Wundt, na realidade, redefiniu a psicologia em termos fisiológicos. Segundo ele, a impossibilidade de medir ou quantificar qualquer conclusão filosófica mandava por si só abandonar toda especulação abstrata para buscar resultados palpáveis em experiências concretas. Compreender sentimentos e percepções individuais por interpretação de condutas e mensuração de reações orgânicas fazia muito mais sentido do ponto de vista científico (MUNDEL, 2018).

    O behaviorismo, mais tarde sistematizado de forma magistral por Skinner, e hoje base da pedagogia americana, nasce claramente desse caldo de cultura. John B. Watson – pioneiro no uso do termo – não deixa dúvida sobre o parentesco teórico:

    … o objeto da psicologia é o comportamento humano ... o conceito de consciência não tem qualquer utilidade ... os behavioristas associam consciência a superstição ... [ é como ] é o conceito de alma distinta do corpo  [ ... ] que ninguém nunca tocou nem viu ... o behaviorismo estima que se deve limitar a psicologia ao que se pode observar e expressar em leis ... e só podemos observar comportamentos, ou seja, o que o organismo faz e diz ... [ a psicologia trabalha com ] estímulos e respostas ... mas o interesse do behaviorista vai além da simples observação ... ele quer controlar o comportamento exatamente como o físico manipula e controla outros fenômenos ... a psicologia behaviorista tem a ver com [ explicação, previsão, indução, modificação e controle ] da atividade humana ... (WATSON, 1930)

    A criança, sob esse prisma, é essencialmente um mecanismo de respostas atitudinais à informação do meio. Insumo X ... feedback Y. O ato intelectivo se reduz a mero processamento cerebral de estímulos nervosos. A partir disso, o livre arbítrio cai a zero, pois o educando se torna receptáculo passivo de comandos externos. A arte da pedagogia se confunde então com a exposição das mentes e dos sentidos a experiências suscetíveis de gerar o resultado almejado. Um condicionamento a transformar aluno em ratinho de laboratório, em suma.

    Vale mencionar, en passant, que a década de 1930 registra frequentes estágios de professores americanos no laboratório do também wundtiano doutor Pavlov em Moscou, com a subsequente criação de um centro de estudos pavlovianos na Johns Hopkins 8 (REESE, 1982). Não se falava em Guerra Fria na época, e intercâmbio cultural com a União Soviética era normal. Havia inclusive toda uma estrutura institucional de cooperação universitária copiosamente aproveitada pelos acadêmicos de Columbia e Chicago que – além de reforçar as convicções behavioristas com os discípulos de Vygotsky e Luria – se familiarizaram com os segredos da psicopolítica 9 (NEWSWITHVIEWS, 2008) a transformar o mundo socialista em imenso esquema de manipulação de massas (BLUMENFELD, 1984).   

    É de se notar o fascínio dos seguidores de Wundt pelo estudo dos macacos, gatos e cachorros. Assim Edward Thorndike – que frequentou a universidade de Leipzig – foi pioneiro nesse tipo de pesquisa nos Estados Unidos e definia a psicologia como ciência do comportamento animal ... inclusive do animal humano (MUNDEL, 2018), explicando que:

    "O homem é parte da natureza particularmente no que diz respeito a suas capacidades mentais. Seus instintos, ou seja, suas tendências em sentir e agir de uma maneira ou outra demostram claro parentesco com os animais inferiores 10, especialmente com seu parente mais próximo, o macaco [ ... ] Seu intelecto ... é uma versão melhorada [ da inteligência ] animal [ ... ] A mente humana lidera as mentes animais [ ... ] não como semideus de outro planeta, mas antes como rei da mesma raça" (THORNDIKE, 1911).

    As insuficiências epistemológicas do darwinismo ficaram patentes com os progressos da biologia molecular 11, mas a época ignorava tudo aquilo. Portanto, o evolucionismo reinava sem partilha com ideias de ancestralidade nos primatas e de atavismo comportamental simiesco a radicar a consciência humana nos instintos do chimpanzé.

    Deixar de olhar para Deus para espelhar-se no macaco não é negócio do ponto de vista moral, mas é fundamentalmente o que então propunha a ciência. O que explica provavelmente porque a humanidade hodierna tende a funcionar como um bando de babuínos ...

    De qualquer forma, entre essa crença e a pedagogia da manipulação, só há um passo que não parece ter assustado a velha guarda. George Counts – outro discípulo de primeira hora – estimava que a educação deve abarcar toda a extensão da vida e lidar com lazer, sexo, esporte, religião, arte, estética. Um ensino total visando formatar a totalidade da pessoa humana conforme o princípio mesmo do totalitarismo 12. E é de se notar que o mesmo admitia flertar com a ideia de doutrinação, explicando que escola serve para contrabalançar a influência da família, da tradição e da Igreja (COUNTS, 1932).

    Vale abrir aqui um espaço para Jonathan Kozol que estudou o sistema escolar cubano nos anos 70. Educador americano de esquerda, simpatizava com a revolução castrista e se sentiu chamado a propagandear suas virtudes. Passou um tempo em Havana de onde voltou encantado para logo publicar um livro sob o título de Crianças da Revolução 13 que descreve as realizações de Castro como último grito civilizatório. No entanto, em meio a elogios e aplausos, ele relata inadvertidamente uma entrevista do Ministro da Educação que entrega toda a artimanha.

    Toda educação – diz a autoridade cubana – tem um viés classista. Nenhum sistema promove uma educação na contramão dos seus interesses. Educar não se limita a instruir e informar. Implica a formação total do homem ... seu caráter ... sua essência ... (KOZOL, 1978)

    Uma visão que fazia de cada escola um bunker e de cada professor um soldado da revolução! Assim, as tão badaladas campanhas de alfabetização do Fidel eram de quebra programas de doutrinação. E não é por nada que muitos pedem agora a separação da educação e do Estado, exatamente como outras épocas afastaram a Igreja do governo. 

    -----------------------------

    - Agora ... preciso de uma explicação ...

    - Pois não, José.

    - Bem. Você apresentou o sistema prussiano como uma ruptura radical com o passado. Mas como se apresentava a escola até então?

    - Bem. Para simplificar, a Prússia rompeu com o modelo medieval que dominou a cristandade por mil anos.

    - Ah!

    - Primeiro, porque inventou a escola pública ... centralmente controlada pelo Estado.

    - E isso, não havia antes?

    - Não. Mesmo porque a Idade Média desconheceu a figura institucional do Estado. Isso é uma criação moderna.

    - ...

    - A descentralização do poder foi o comum denominador de todas as configurações políticas a desenhar o mapa europeu entre a queda do Império Romano e a Revolução Francesa.

    - A lei era fragmentada. Correto?

    - E múltipla. Era uma pirâmide de lealdades pessoais, unindo barão, duque, marquês, rei e imperador sob o guarda-chuva moral do Papa.

    - E as competências educacionais hoje exercidas pelos governos, então?

    - Bem, eram o exclusivo apanágio da família e do aparato religioso.

    - A escolarização básica passava pelo mosteiro, não é mesmo?

    - Sim. E depois, pela escola paroquial ... enquanto as universidades gozavam de total autonomia curricular e administrativa. Ensino unificado sob controle estatal era, pois, uma ideia absolutamente alheia à época ...

    - Estado nem havia ... como você disse.

    - Justamente. E é preciso entender que o Estado democrático veio concentrar um poder outrora difuso.

    - Mas, como assim?

    - Bem. A autoridade monárquica podia ser absoluta até onde chegava. Mas, por ser tão personalizada, não alcançava grande coisa. Antes do confisco estatal, iniciado na reviravolta iluminista, desde então, imaginário e conhecimento eram monopólios da Igreja.

    - Mas se tornou exclusividade do Estado na esteira da Revolução Francesa ...

    - Mais ou menos isso. Mas, até então, a herança greco-latina formava a base da cultura ... a tradição aristotélico-tomista ditava as formas de pensar a vida e de ver o mundo ... a síntese escolástica funcionava como bússola física, metafísica, epistemológica, lógica, ética ...

    - ...

    - O cenário se manteve inalterado por mais de um milênio ... que muitos qualificam de estático, quando seria talvez melhor falar de continuidade e equilíbrio ... porque, francamente, havia uma solidez cultural e filosófica que se perdeu, hoje em dia.

    - Ah! Estranho! Porque Idade Média evoca antes obscurantismo.

    - Sim. O Iluminismo pintou um quadro negro do feudalismo para racionalizar os próprios excessos, mas um estudo factual e ideologicamente isento mostra uma estabilidade sem igual a sugerir tudo, menos caos e trevas.

    - Paris, na realidade, tomou a Bastilha, alegando o resgate do legado grego. Entre o brilho clássico e a ciência moderna, imaginou uma Idade prontamente batizada de Média para insinuar um hiato obscurantista a separar o pico civilizatório da Antiguidade do esplendor renascentista.

    - Ah! Então, Idade Média foi um neologismo da Revolução Francesa? Uma invenção conceitual a posteriori?

    - Mais ou menos isso. Foi uma qualificação pós mortem do sistema.

    - Hmm! Pensando bem, cavalheiros, escudeiros e trovadores não tinham o sentimento de viver tempos intermediários nem podiam julgar-se piores ou melhores que um futuro desconhecido.

    - Exatamente. A percepção hodierna é que se deixou aprisionar numa armadilha linguística oportunisticamente cultivada para apagar a luz da razão e deixar a verdade no escuro.

    - As coisas nem sempre são o que parecem!

    - Não, José. É para desconfiar das narrativas que correm por aí.

    3 – O Enxerto Ideológico de John Dewey

    O conceito de formação integral acima aludido incorpora os fundamentos teóricos da chamada educação progressista que transforma a sala de aula em clínica de psicologia behaviorista para indução de reflexos atitudinais. Mas os prosélitos de Wundt nos Estados Unidos apresentavam uma inclinação política alheia às preocupações do pai intelectual. Este, com efeito, não advogava o socialismo. Os americanos, sim.  Pisavam em falso no ambiente individualista ¹⁴ do Novo Mundo. Eram movidos por ideais coletivistas e simpatizavam com as teses marxistas então em voga na intelectualidade europeia. Mas não se identificavam com o comunismo puro e duro. Eram antes liberals no sentido estadunidense do termo. Ou seja, esquerdistas na acepção brasileira (BLUMENFELD, 1984).

    Precursores do marxismo cultural ¹⁵, plantaram o germe de uma politização escolar a desdobrar-se de várias maneiras na sequência. Porém, sempre na perspectiva de ajuste psicológico do aluno a uma ordem social utópica (CARDINAL PRINCIPLES, 1918). 

    Para John Dewey – chamado por muitos de pai da educação americana (LIONNI, 1993) – a finalidade da escola não era bem o conhecimento nem a autonomia de raciocínio. Era sim a socialização ... entendida como preparação para a vida democrática ¹⁶ por compartilhamento de experiências coletivas (MUNDEL, 2018). O alvo pedagógico, em tal perspectiva, era antes os afetos que o intelecto.

    Como ateu, Dewey rejeitava qualquer valor transcendente. Enxergava consequentemente a moral sob um ângulo materialista pragmático a equiparar funcionalidade social com ética. Coletivista e wundtiano até a ponta das unhas, via a criança como ente gregário, confundindo educação com condicionamento, educandário com agência de socialização e escolarização com treinamento à cidadania (LIONNI, 1993).

    Expressando esse pensamento em tom de catequese esquerdista, falava em despertar das faculdades por dramatização de cenários sociais, assimilando escola com instituição social, falando de aula como forma de vida comunitária e descrevendo educação como processo de socialização, estímulo à vida comunitária ou ajuste à consciência social (DEWEY, 1867).   

    Em tal perspectiva, a adequação do indivíduo à coletividade era o fim último. Educar era moldar o homem em função do grupo. A ideia de reconstrução cultural movia a empreita (DEWEY, 1900). Naturalmente, era preciso tornear as ferramentas humanas da reforma. Docência tomava assim ares de arquitetura antropológica, e escola virava centro de engenharia social por consequência. Uma ideia expressa nestes termos no National Education Association Journal ¹⁷ de março 1937 ...

    O abandono da visão individualista para abraçar o grupo e a cooperação social tem implicações profundas na educação [ ... ] o produto da era individualista já não atende as necessidades de transformação sócio-econômicas [ ... ] A educação do futuro deve preocupar-se com o bem-estar e progresso do indivíduo somente na medida em que contribui com o  progresso da coletividade [ ... ] Apenas a educação que busca a reconstrução da sociedade é capaz de realizar os princípios da democracia  [ ... ] É função do professor promover novos valores sociais entre os alunos, mesmo ao arrepio das comunidades locais. (NEA JOURNAL, apud BLUMENFELD, 1984).

    Repensar o mundo em bases novas e garantir a transição para o coletivismo fazia claramente parte do projeto ¹⁸. A utopia motora, em suma, era inconfundivelmente socialista. Cooperação, sim. Competição, não. O indivíduo saia de moda, enquanto o grupo entrava, tirando Deus da jogada ... porque foi exatamente onde apareceu o Manifesto Humanista ¹⁹ a entronizar o trio Marx-Freud-Darwin para deletar o cristianismo e inaugurar uma religião secular ²⁰ baseada no determinismo social e no relativismo moral de um mundo tão ateu quanto antropocêntrico e autoexistente.

    O Manifesto Humanista, em síntese, vê o fim último da vida na plena realização do homem na sociedade terrena, convertendo destarte ação social em ação religiosa. Defende uma ética relativista sem âncora divina ²¹. Aponta para a diversidade, o feminismo, a educação sexual e o direito ao aborto. Assimila coletivismo, cooperativismo, socialismo e globalismo com virtude para equiparar individualismo, livre iniciativa, capitalismo e nacionalismo a pecado. Lança assim as bases de um credo materialista de vocação planetária a rejeitar a ideia de Deus para venerar a humanidade carnal aqui e agora. O salvacionismo, em tal perspectiva, alimenta esperanças falsas. O paraíso está na Terra sob alguma forma de governança mundial com ordem jurídica transnacional. O homem é autossuficiente, com certeza (BRIEY, 2009).

    Embora a ideologia UNESCO tenha evoluído para uma nova forma de espiritualidade na sequência, a forma de pensar acima evocada perpassou os currículos escolares até o fim do século XX. Tornou-se crença oficial do sistema educacional ocidental. Ela – e ela só – foi permitida em sala de aula ... apesar do Ocidente rechaçar enfaticamente a noção de religião de Estado. Para bem dizer, transformou a escola pública em escola confessional do Humanismo Científico ²² (BLUMENFELD, 1984).

    Eis precisamente aonde Dewey queria chegar, porque estimava que a reorganização da escola prenunciava a reforma da sociedade inteira, como explica a seguir um sumo ideólogo da proposta:

    O capitalismo histórico, com sua deificação do egoísmo, sua dependência em relação às forças da competição, sua valorização da propriedade acima dos direitos humanos e sua exaltação do lucro, terá de ser totalmente banido, ou então radicalmente alterado em sua forma e espírito, ao ponto de perder completamente a identidade. […] Obviamente, o crescimento da ciência e da tecnologia chegou a um ponto em que a competição deve ser substituída pela cooperação; a compulsão por lucro deve ceder lugar ao planejamento cuidadoso e o capitalismo privado a alguma forma de economia socializada. Mudanças em nosso sistema econômico demandarão, é claro, mudanças em nossos ideais. (COUNTS, 1932)

    Faltava ainda uma peça para completar o quebra-cabeça. Ela veio nas malas do psicólogo social Kurt Lewin que se refugiou nos Estados Unidos na década de 1930, quando Hitler caminhava para o controle da Alemanha (CHERRY, 2017).

    Estabelecendo-se definitivamente no Maine depois da Guerra, tornou-se diretor do Laboratório Nacional de Treinamento em Dinâmica de Grupo ²³ patrocinado pela NEA para estudar e experimentar técnicas de sensitivity training, group dynamics e collective psychology ²⁴. 

    Na realidade, ele aplicava as teorias subjacentes à propaganda nazista que aprendera com o inimigo na terra de origem. Suas pesquisas buscavam aprimorar os métodos empresariais de motivação profissional, mas chamaram fatalmente a atenção de quem queria manipular a sala de aula. Mesmo porque os princípios a operar num caso também agem no outro.

    Lewin trabalhava a hipótese da interdependência humana, argumentando que toda visão individual é social na gênese por refletir percepções coletivas. Cada um – dizia – pertence a uma determinada categoria da qual herda uma forma particular de enxergar a realidade. Em outras palavras, a comunidade direciona o olhar da pessoa e inspira sua conduta por conformismo.

    Pertencer a um grupo significa aderir a um código. Quem pertence, obedece. A pressão da coletividade regula as condutas desviantes. O membro fica com o grupo em que se espelha, mesmo se o grupo parece estar equivocado ... porque mudar de comportamento lhe traria problemas com o grupo ... (MARROW, 1969)

    Todos buscam harmonia com o contexto. A aceitação de um conjunto de valores provém consequentemente da pertença à comunidade. Há, pois, um subjetivismo social a induzir o subjetivismo individual. Logo, o membro vai ultimamente onde vai o grupo. E o controle das mentes esconde seus segredos no manejo da interação entre esses campos de energia (LEWIN, 1948).

    Joseph Goebbels, ministro da propaganda hitlerista, teria dito exatamente a mesma coisa, pois eis como fez o Terceiro Reich marchar em bloco rumo à tragédia. Stalin usou os mesmos métodos. A Revolução Cultural de Mao também. E, finalmente, todos os regimes totalitários. Mas, por mais espantoso, Dewey confundiu tudo aquilo com democracia, porque esta – contrariamente à autocracia, dizia – precisa ser reaprendida a cada geração: depende da adesão sempre renovada a regras cuja eficiência depende de integral assimilação. E, para tanto, Lewin trazia a solução porque era um dos poucos psicólogos a saber tratar um problema da vida real em ambiente experimentalmente controlado – leia-se em sala de aula (MARROW, 1969).   

    Conexão com Deus, entretanto, pode ser mais importante para muitos que união com o grupo. Eis precisamente por que religião não cabe numa educação construída em tal base. Hoje, group dynamics, group leadership, group process, group interaction, group association, group decision, group roles, group therapy, group values, group sensitivity, group cohesion … group … group … group ²⁵ é o que ocupa pedagogo. E com gerações inteiras escoladas nesses parâmetros, mulher vota em bloco com mulher, negro pensa como negro, latino milita com latino, gay manifesta com gay, branco fala com branco e rebanho anda com rebanho. A tal ponto que se perde a noção de opção individual, e mente independente fazendo escolha fora do grupo com base em juízo próprio cai imediatamente no ostracismo.

    O sistema educacional está em guerra contra a autonomia intelectual. E também contra o conhecimento que fornece base para a independência de raciocínio.

    … sugerimos priorizar o afeto em vez do conhecimento [ porque ] a cognição não afeta diretamente o comportamento [ porque ] é um ato intelectivo desconectado do mundo real e dos sentimentos  [ ... ] enfatizar a cognição em detrimento do afeto produz indivíduos frios sem compromisso com os valores humanitários [ ... ] conhecimento em si não leva a condutas desejáveis [ ... ] A não ser que o conhecimento seja relacionado com o estado afetivo do aluno, não influenciará os comportamentos ... (WEINSTEIN&FANTINI, 1970)   

    Paixão sem razão produz tipos humanos crédulos e altamente manipuláveis. Contudo, é precisamente o que evoca o trecho acima. O que está na prancheta visa destruir a capacidade de recuo filosófico para confeccionar escravos dos sentidos. Porque o intelecto é que habilita o homem para deliberar sobre seus atos e torná-lo senhor do próprio destino. Mas o projeto nada tem a ver com isso. O objetivo é

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