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Das cláusulas de inalienabilidade
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E-book196 páginas2 horas

Das cláusulas de inalienabilidade

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Sobre este e-book

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o regime jurídico da função notarial e de registro sofreu significativa metamorfose. O art. 236 consagrou que tais serviços são exercidos em caráter privado, mediante delegação do Poder Público, marcando assim uma ruptura com paradigmas pretéritos. Sob seus parágrafos, incumbiu-se ao Poder Judiciário a importante missão de fiscalizar os atos notariais e de registro, impondo, ainda, a imperativa exigência de concurso público para o ingresso na atividade. Neste ínterim, emergiram novos conceitos basilares, sobretudo no que concerne à responsabilidade civil dos tabeliães e oficiais de registro. Mais recentemente, destaca-se o termo "desjudicialização", cujo avanço se dá a passos largos, apoiado em diversos pilares, sendo um dos mais preponderantes a atividade registral e notarial. Há muito o mercado editorial carecia de uma sistematização sobre direito registral e notarial. Atentos a essa demanda, a editora Almedina e o CENoR - Centro de Estudos Notarias e Registrais da Universidade de Coimbra, apresentam à comunidade jurídica esta notável coleção, coordenada com primor por Mónica Jardim, Presidente do CENoR, e Sérgio Jacomino. Criado em 2004, o CENoR - Centro de Estudos Notariais e Registais, promove a formação de juristas que se dedicam ao estudo e à prática notarial e registral. A coleção assim, congrega autores especializados na matéria, detentores de vasta experiência prática neste domínio.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mai. de 2024
ISBN9788584937219
Das cláusulas de inalienabilidade

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    Das cláusulas de inalienabilidade - Ademar Fioranelli

    1.

    INTRODUÇÃO

    Tem-se por principal que o direito não está sujeito a restrições de quaisquer espécies, sob pena de se estar ferindo o próprio direito. Todavia, esse conceito está longe de ser absoluto, pois normas legais emergentes ou originárias de inúmeros fatos sociais — e, portanto, legitimadas pelos princípios de direito — vêm, muitas vezes, opor restrições e limitar um direito.

    Assim acontece hoje com a propriedade, consagrada constitucionalmente, que se vê, após o passar dos séculos, cercada por restrições.

    É a propriedade, sem dúvida, um bem de extraordinário valor e peso na vida em sociedade, pois nela temos tanto a circulação de riquezas quanto a segurança familiar. Assim, as restrições a esse direito de propriedade — ora consolidadas na legislação pátria — necessitaram de muito tempo para seu aprimoramento e implantação, embora mantenham acesas, ainda hoje, as chamas de um acalorado debate entre as correntes que se articulam pró e contra tais restrições que têm sido objeto de severas críticas da doutrina. A mais contundente, feita por Ferreira Alves:

    A inalienabilidade está em oposição com uma lei fundamental da economia política, a que exige a livre circulação dos bens, lei esta que interessa em mais alto grau à riqueza pública e, portanto, toda disposição que derroga esta lei é contrária ao interesse geral e assim ilícita¹

    Por esses e tantos outros motivos, dignos de ponderação, é que entendemos serem de transcendental importância as funções dos Cartórios de Notas e Registros Imobiliários que têm a tarefa de aperfeiçoar o ato de vontade das partes, por meio da escritura, e estes, de garantir a publicidade, validade e eficácia do ato para o conhecimento e oponibilidade em face de terceiros. O direito de propriedade responde a uma expressiva parcela dos negócios imobiliários. Por esse motivo, o desempenho dos registradores e notários garante os interesses de terceiros envolvidos nas transações imobiliárias. Não será, portanto, admitido um conhecimento limitado e superficial da matéria.

    A eventual falta de averbação de cláusulas restritivas nos Cartórios de Registro de Imóveis espelha tanto a desatenção no exame do título, quanto o desconhecimento do alcance e dos objetivos das restrições estabelecidas, sejam estas determinadas por manifestação de vontade (doação e testamento), sejam decorrentes de lei. Tal fato poderá, portanto, acarretar irreparáveis prejuízos às partes, sem falar na eventual e consequente responsabilidade para o registrador ou o notário.

    O resultado da nossa já longa carreira registral e o fruto da experiência prática no assunto, aliados ao estudo incessante da matéria, nos revelam que o conhecimento daqueles que lidam diretamente com o tema deve ser estimulado e incrementado, a fim de que a prestação dos serviços registrais seja revestida de uma segurança cada vez maior.


    ¹ FERREIRA ALVES. Sucessões apud RT 474/29.

    2.

    ORIGENS DAS CLÁUSULAS RESTRITIVAS

    O homem tem assegurado o direito de usar, gozar e dispor da coisa; contudo, há situações em que o dispor lhe é vedado. Feliciano Pena, autor do projeto que originou o Decreto n. 1.839/1907, ao justificar o regulamento, assinalou que se tratava de providência a que os testadores recorreriam nos casos em que o seu conhecimento profundo das condições dos herdeiros determinaria a necessidade ou a conveniência da adoção das restrições. Essa linha de pensamento, originária do direito romano, prevaleceu para o estabelecimento das conhecidas cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.

    Tais restrições sempre tiveram entre seus opositores brilhantes juristas e magistrados, circunstância que tem gerado ao longo do tempo jurisprudência divergente. Contudo, é inegável que as cláusulas restritivas têm prevalecido, pois os nossos códigos e um variado conjunto de normas têm consagrado o instituto, emprestando validade e eficácia à sua aplicação.

    As baterias contrárias, invariavelmente, voltavam-se, sobretudo, contra a cláusula de inalienabilidade, por excluir do comércio um bem por período prolongado. Mas a constatação de sua utilidade, em defesa da família, tem superado todos os argumentos contrários. E a família, ineludivelmente, é o maior bem da sociedade.

    O direito romano, ao agasalhar, entre outras, a Lex iulia de fundo dotali, que proibia o marido de alienar o imóvel dotal sem o consentimento da esposa; a que proibia a venda de terrenos religiosos; a que proibia a venda dos imóveis em litígio; e a Lei das xii Tábuas, sempre tiveram a inspirar-lhe a proteção da família.

    Segundo informa H. Rongier, a cláusula de inalienabilidade no direito romano e no antigo direito, ‘funcionava exclusivamente no interesse do gratificado ou da família’, embora se tenha alargado seu domínio de aplicação até a proteção, mesmo, de interesses de terceiros.

    A proibição de alienar, imposta por um testamento, tinha por fim, primitivamente, proteger as famílias contra as prodigalidades ou a má administração de um de seus membros, para o efeito de conservarem os bens do patrimônio familiar. Apresentava, assim, a cláusula de inalienabilidade o caráter especial e muito restrito de ser essencialmente pessoal e por isso temporária: após a morte do instituído a quem ela era instituída, o bem tornava-se livre ou alienável.²

    As desavenças familiares, a prodigalidade ou a perspectiva de dilapidação do patrimônio por má administração foram, enfim, gerando as restrições ao direito de propriedade. Registra-se que, no direito romano, tais restrições tornaram-se obrigatórias por força do conceito do direito de testar livremente, ou seja, o testador podia dispor de seus bens como bem entendesse.

    Influenciado decisivamente pelo direito romano, o direito luso-brasileiro antigo abrigou as restrições ao direito de propriedade sob o mesmo manto: proteção da família.

    A inalienabilidade relativa já era prevista nas Ordenações Filipinas (L. 4, Tít. XI, 1 e 2). A inalienabilidade absoluta inexistia em nosso direito antigo e era considerada cláusula nula e não escrita.

    Várias foram as leis promulgadas e dirigidas para esse campo antes do Decreto n. 1.839/1907, cujo art. 3º gerou o art. 1.723 do Código Civil de 1916. Como já dito, o diploma de 1907, conhecido por Lei Feliciano Pena, transformou-se em marco significativo no direito brasileiro, pois alterou profundamente o conceito de inalienabilidade dos bens particulares ao estabelecer a inalienabilidade provisória ou absoluta. Aberta estava, portanto, a possibilidade de restringir a alienação da propriedade de forma vitalícia.

    Eis uma pálida e resumida visão das origens das cláusulas restritivas ao direito de propriedade, que é apresentada unicamente para não negar ao leitor, pelo menos, essas mínimas informações, pois o real objetivo do trabalho está voltado para o estudo e a prática das cláusulas restritivas da perspectiva do Registro de Imóveis.


    ² MALUF, Carlos Alberto Dabus. Das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. 5. ed. São Paulo: YK, 2018. p. 18.

    3.

    A NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA PARA IMPOSIÇÃO DAS CLÁUSULAS

    No campo do direito das sucessões, o Código Civil de 2002, em seu art. 1.848, estabelece a necessidade de ser declarada a justa causa para imposição das cláusulas restritivas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade sobre os bens que compõem a legítima dos herdeiros necessários.

    A disposição não é nova e, segundo alguns renomados mestres, ela remonta às Ordenações Filipinas. A exigência, segundo interpretações nesse sentido, ficou mais clara na dita Lei Feliciano Pena (Decreto n. 1.839/1907), que prescrevia no seu art. 3º, in verbis:

    O direito dos herdeiros, mencionados no artigo precedente, não impede que o testador determine que sejam convertidos em outras especies os bens que constituirem a legitima, prescreva-lhes a incommunicabilidade, atribua à mulher herdeira a livre administração, estabeleça as condições de inalienabilidade temporaria ou vitalicia, a qual não prejudicará a livre disposição testamentaria e, na falta desta, a transferencia dos bens aos herdeiros legitimos, desembaraçados de qualquer onus.

    Foi centrado na expressão estabeleça as condições que Ulpiano desenvolveu seu pensamento e expressou sua convicção de que a norma exigia do testador a declaração de suas razões e motivações para impor à propriedade a cláusula restritiva. Sua conclusão foi clara:

    Para estabelecer a sua inalienabilidade, precisa expressar os motivos, as circunstâncias, as hipóteses, ou as condições, ou a causa porque a estabelece. De modo que, se o testador limitar-se a estabelecer puramente que os bens legitimários serão inalienáveis, sem expressar os seus motivos ou condições, ou melhor, a sua causa, arrisca-se a impugnação da validade de sua cláusula, diante desta interpretação restrita.³

    O indigitado regulamento vigorou até a promulgação do Código Civil de 1916 (Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916), com seus termos mantidos no art. 1.723:

    Não obstante o direito reconhecido aos descendentes e ascendentes, no art. 1721, pode o testador determinar a conversão dos bens da legítima em outras espécies, prescrever-lhes a incomunicabilidade, confiá-los à livre administração da mulher herdeira e estabelecer-lhes condições de inalienabilidade temporária ou vitalícia…

    Com relação à definição da necessidade de declaração da justa causa para clausular o bem, o debate entre os doutrinadores manteve-se aceso e a jurisprudência conflitante durante toda a vigência do Código de 1916.

    Alguns entenderam que as cláusulas seriam as reclamadas condições previstas no artigo, enquanto outros rechaçaram tal afirmativa (v.g., Orosimbo Nonato e Carlos Maximiliano).

    O sempre acatado Clóvis contrariou o pensamento de Ulpiano com relação à interpretação do art. 1.723 do CC/1916:

    Em particular, a locução — estabelecer-lhes condições — não significa, de modo algum, que o testador seja obrigado a declarar os motivos de sua determinação; ou que torne a sua eficácia dependente de algum acontecimento futuro e incerto. O vocábulo condições é aqui empregado no sentido correspondente a modos de ser, situações jurídicas. É comum dizer-se a condição do escravo, do estrangeiro, do filho natural. O Código, semelhantemente, disse condições de inalienabilidade temporária e vitalícia, para significar a situação jurídica imposta aos bens. E não se explicaria por que o testador, dispensado de dar as razões pelas quais torna os bens da legítima incomunicáveis, fosse obrigado a explicar-se quanto à inalienabilidade, ou somente a pudesse estabelecer condicionalmente.

    A verdade é que, durante a vigência do Código de 1916, na prática, não foi incorporada — nem aceita — a necessidade de o clausulador estabelecer, no ato de disposição, a justa causa, ou seja, indicar as razões pelas quais estava impondo ao bem a cláusula restritiva.

    Daí ter-se como positiva a posição adotada no Código Civil brasileiro vigente (CC/2002), pondo fim à divergência no que diz respeito à interpretação e ao real significado do termo condição, ao determinar que o testador deve, de forma expressa, indicar a justa causa para impor a restrição à legítima.

    É o que diz o art. 1.848:

    Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade sobre os bens da legítima (art. 1.848, CC/2002, grifos nossos).

    Eliminada a expressão condições de inalienabilidade, fixou o artigo a necessidade expressa de o testador não poder estabelecer cláusulas restritivas à legítima se, no testamento, não declarar a justa causa que fundamenta sua decisão. É o fim da prática existente até a edição do Código Civil de 2002, quando os herdeiros necessários recebiam seus bens gravados com cláusulas restritivas desconhecendo as razões que levaram o autor da herança, ou por liberalidade, a assim agir.

    A respeito da cláusula de incomunicabilidade, que impede a comunicação ao cônjuge do bem doado, ou partilhado, ao seu companheiro, há defensores de que essa restrição deveria ser feita livremente e sem sujeitar-se aos termos do art. 1.848 do CC/2002.

    É o que pensa Zeno Veloso, invocando o ensinamento de Orlando Gomes, in verbis:

    Não deveria ter sido incluída na previsão do art. 1.848 a cláusula de incomunicabilidade. De forma alguma ela fere o interesse geral, prejudica o herdeiro, desfalca ou restringe a legítima: muito ao contrário. O regime legal supletivo de bens é o da comunhão parcial (art. 1.640, caput), e, neste, já estão excluídos da comunhão os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão (art. 1.659, I). Assim sendo, se o testador impõe a incomunicabilidade quanto aos bens da legítima de seu filho, que se casou sob o regime da comunhão parcial, nada mais estará fazendo do que seguir o próprio modelo do Código, e acompanhando o que acontece na esmagadora maioria dos

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