Teoria da Sanção Premial: um novo olhar sobre a Teoria do Direito
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Sobre este e-book
É patente que a punição, como técnica de controle social, tornou-se um instrumento inadequado, insuficiente e obsoleto em face das transformações e dos avanços do mundo moderno.
Apesar de esquecida no mundo teórico, as sanções premiais passaram a ser largamente adotadas no mundo real, constando do nosso ordenamento jurídico sobre diversas designações: incentivos fiscais, incentivos culturais, prêmios, etc.
Diante dessa nova realidade, faz-se necessário rever os tradicionais conceitos da Teoria do Direito, abrindo-se espaço para a inclusão da sanção premial na estrutura da norma jurídica.
Com esse objetivo, o presente estudo traz à exposição as opiniões dos mais relevantes pensadores que discorreram sobre o tema nos últimos séculos, para, ao fim, propor uma reformulação no tradicional pensamento jurídico, propondo-se a maior utilização da sanção premial como meio para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
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Teoria da Sanção Premial - Mauricio Feijó Benevides de Magalhães Filho
CAPÍTULO 1
O CONCEITO DE RECOMPENSA ENTRE OS SÉCULOS XVI E XVII
Introdução
A noção de recompensa como instrumento do soberano ou do Estado, neste período, aparece adstrita a dois enfoques. O primeiro, jungido às teorias da Razão de Estado onde se delineia já o núcleo utilitarista que justificaria a maior parte dos sucessivos discursos sobre recompensa jurídica. O segundo é aquele promanado da filosofia racionalista, que se ocupa do problema da eficiência e do fundamento das recompensas terrestres, assim como busca justificar seu uso.
Cumpre ressaltar, doutro ângulo, que a idéia principal do utilitarismo clássico, segundo já observado por John Rawls, é a de que:
a sociedade está ordenada de forma correta e, portanto, justa, quando suas instituições mais importantes estão planejadas de modos a conseguir o maior saldo líquido de satisfação obtido a partir da soma das participações individuais de todos os seus membros.
¹¹
Uma vez examinadas as opiniões dos mais insignes representantes destas teorias, passar-se-á a expender comentários sobre a idéia de recompensa nos séculos sub oculi, por constituir argumento recorrente nos discursos sobre o novo papel do legislador e do direito, inserido de maneira homogênea nas teorias filosóficas e políticas da época.
O prazer e a dor terrenos são considerados como únicas e imprescindíveis motivações dos comportamentos humanos. Penas e recompensas tornam-se, consequentemente, os exclusivos instrumentos para dirigir as ações individuais: delas valem-se o legislador para realizar o interesse da comunidade. O utilitarismo filosófico liga-se, assim ao de ordem política.
1.1. Recompensa: Instrumento do Príncipe ou do Direito?
1.1.a. As teorias da Razão de Estado
Sabido e ressabido que os teóricos da Razão de Estado fulcraram o exercício do poder soberano na ameaça e coação. Entretanto, pode-se vislumbrar, ainda que tênues, diversas referências ao uso das recompensas. Alguns escritos entremostram, já no século XV, uma procura por um instrumental de governo diversificado e indireto que fosse além da imposição de comportamentos por meio da força.
Na obra política de Maquiavel as ameaças e o temor são os principais meios pelos quais o Príncipe obtém a obediência de seu povo. É mais interessante ao soberano ser temido que amado, uma vez que o homem mais facilmente fere a quem ama, na esperança do perdão, do que desafia a quem teme, por ter certo o castigo. Entretanto, acrescenta ser mister o Príncipe saber também conquistar, com intervenções excepcionais, o amor do povo. Um dos requisitos para o bom governo é de fato "manter o povo amigo, o que é muito fácil, uma vez que este deseja apenas não ser oprimido"¹². Entre as intervenções excepcionais está, verbi gratia, a distribuição de recompensas, dês que "quando alguém tenha realizado qualquer coisa de extraordinário, de bem ou de mal na vida civil, para premiá-lo ou puni-lo o príncipe deve agir de modo tal que dê margem a largos comentários"¹³. Infere-se, pois, que Maquiavel entende residir na publicidade a eficácia das recompensas; somente assim o príncipe pode fazer surgir expectativas nos submetidos, como potenciais destinatários, e, deste feito, desencadear comportamentos importantes para o príncipe. As recompensas também são citadas, em outras passagens, como forma de controle social em sentido lato.
É com Jean Bodin, outro grande defensor do poder absoluto e autor de Le Six livres de la République
, que a recompensa desponta com maior relevância como instrumento promocional de condutas por parte do Estado. Em sua obra a recompensa é enquadrada na teorização da soberania como condição de sujeição à lei. Inicialmente Bodin assimila penas e recompensas como recursos legais essenciais a toda República, cuja sábia distribuição faz feliz e próspero o povo. Destaca, contudo, que enquanto as penas estão presentes em toda modalidade de lei e costume, as recompensas fazem parte de um campo jurídico reservado à vontade do soberano, ou seja, a recompensa é uma ferramenta, por excelência, do princeps legibus solutos, em contraposição à pena que está entregue aos juristas.
Para este teórico a recompensa é estranha ao âmbito do direito e, este fato, assegura-lhe uma superioridade sobre a pena:
Os príncipes criaram o costume de deixar as penas aos magistrados e reservar a eles as recompensas para ganhar a gratidão dos sujeitos e fugir de sua malevolência: essa é, de fato, a causa porque os juristas e magistrados tratam amplamente das penas e se ocupam tão pouco das recompensas.
¹⁴
A administração das penas pertine, portanto, exclusivamente aos juristas.
No concernente às recompensas, integrantes do poder soberano, pode ser repontada uma outra distinção fundamental consignada nesta obra: a existente entre lei e contrato. Enquanto a recompensa tem origem no contrato ou na promessa, a pena lastreia-se na lei. Noutra passagem Bodin escreve que o soberano não é sujeito às leis, nem às próprias, nem às dos seus antecessores, mas é obrigado a respeitar, como qualquer cidadão, sua palavra empenhada. Dois elementos somente vinculam o soberano: a promessa feita e o interesse de seu cumprimento. O príncipe é obrigado a dar aquilo que anunciou, mesmo que - e talvez exatamente por isso - não previsto em lei. A atribuição de uma recompensa se configuraria, portanto, como uma contraprestação, isto é, como uma obrigação de caráter privado.
Considerando, porém, a obra no seu conjunto, nota-se que Bodin, mesmo excluindo formalmente a recompensa no âmbito jurídico, substancialmente procura dar-lhe esta dimensão. Ele intenta delinear uma noção estável de recompensa meritocrática e fixar regras para sua atribuição. Com efeito, distingue a recompensa "loyer, que tem como pressuposto o mérito do sujeito, do
bien-faict que é um ato de graça, afirmando ainda que a recompensa é, obrigatoriamente,
honnorable ou profitable" para o recebedor. Além disso, admite que, em nome da utilidade social, o soberano deva observar regras que servem de guia e de freio ao seu arbítrio. Também sua generosidade não deve ser incerta, mas calculada e prevista:
As leis da liberalidade pedem que sejam considerados com atenção a quem são dadas, quando são dadas, em qual momento, em qual lugar, com qual finalidade e o poder daquele que as doa.
¹⁵
Este pensamento principia a tendência à racionalização da sanção, sendo uma das principais contribuições para alteração na compreensão do fenômeno da recompensa, transmutando-se de graça soberana à sanção legal. Esta tendência encontra supedâneo na necessidade de predeterminar as sanções, penas e recompensas, tirando-as da arbitrariedade dos reis ou do acaso, e colocando-as sob o domínio de normas que as diferenciam em relação ao comportamento adotado e às finalidades as quais tendem. Isso, talvez, não tanto pelo clamor de uma justiça retributiva, mas para uma melhor eficiência promocional.
O cardeal Richelieu, em seu Testamento Político
, cita igualmente as recompensas como instrumento do soberano. Ele tauxia que: "é dito comumente em todos os tempos e por todos os homens que a pena e a recompensa são os dois pontos mais importantes para conduzir um Reino". Pontifica, adiante, que caso fosse obrigado a escolher, descartaria a recompensa, pois "os homens esquecem muitas vezes os benefícios recebidos" e "as punições são o meio mais seguro para obrigar cada um a seu dever. Punir um crime é uma obrigação, dês que a impunidade leva ao arbítrio. Ao revés
o bem deve ser escolhido em si e, a rigor, não se deve dar nenhuma recompensa a quem o faz."¹⁶
A pena é, destarte, o principal recurso do governo. Com o escopo de justificar sua escolha o Cardeal realiza uma avaliação de ordem moral, concluindo que a virtude desnecessita de recompensa. Este entendimento, todavia, soçobra subordinado a motivações utilitaristas. "A consciência pode tolerar deixar sem recompensa uma ação gloriosa e sem punições um crime considerável, mas a Razão de Estado não pode permiti-lo" As sanções não teriam função retributiva: " as punições e as recompensas se referem ao futuro mais do que ao passado."¹⁷ Se a severidade nas penas intenta prevenir males futuros, a generosidade nas recompensas serve para encorajar a repetição do comportamento da parte de quem a recebe e a motivar outros a seguir o