A Noiva Judia
De Pedro Paixão
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Sobre este e-book
Vamos de mãos dadas. Levam-nos os passos que damos. Neste preciso momento é o suficiente. Os passos levam-nos por entre as ruas estreitas e iluminadas. Ouvimos o coração um do outro, só isso, ou antes, imaginamos o barulho que faz o coração um do outro e é o bastante. E às vezes um pássaro voa baixo sobre as nossas cabeças. Todas as portas estão fechadas. Dorme-se lá dentro. É como se toda a gente tivesse morrido. Há uma saudade nisto tudo que não se sabe de quê. Voltamos para trás, pelo mesmo caminho, refazendo os passos. São só os passos que passam, e isso também é o bastante.
Depois estamos num quarto. Nenhum de nós tem a ousadia de abrir a luz. Temos medo de nós, e esse medo é bom, como um arrepio. A esta hora todos os corpos são demasiado pesados, diz. Eu penso, como sempre, o que não digo. Ela põe um disco e a música enche o quarto
Pedro Paixão
Nasceu em Lisboa em 1956. Estudou em Lisboa, Lovaina e Heidelberga. Tentou ensinar filosofia. Depois desistiu. Publicou vinte e um livros de ficção e dois álbuns de fotografia. Escreveu dois textos para teatro e um para ópera. Não é membro de qualquer clube, associação, partido ou igreja. Nunca votou. Tem um filho. É casado. Vive em Santo António do Estoril. Prepara um filme.
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A Noiva Judia - Pedro Paixão
A NOIVA JUDIA
Pedro Paixão
Edição Smashwords
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A Noiva Judia
Copyright 2012 por Pedro Paixão
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ÍNDICE
A minha vida
Alexandra Maria
Histórias
Erro
Casa da Praia
Ad Lib
Toronto
Passeio
Jerusalém
Dedicatória
De perfil
Encontro para almoçar
Carta ao José
Casa
"Fica querida com um beijo que não passe
Lágrimas
Quarto de Agosto
Ficção
Agora sou eu a falar
Paula
O menino
Ele
Paulo
Menina do circo
Um amigo
A noiva judia
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À Senhora Maria Holstein Campilho
Ao Senhor João Miguel Fernandes Jorge
***** ***** ***** ***** *****
A minha vida
Quase gosto da vida que tenho. Não foi fácil habituar-me a mim. Tive de me desfazer das coisas mais preciosas, entre elas de ti. Sim, meu amor, tive de escolher um caminho mais fácil. O dinheiro também tem a sua poesia. E tenho tido sorte.
Deixei para trás a obrigação de mudar o mundo. Corrompi e fui corrompido. Ainda sinto dificuldades em mentir, mas também aqui vejo melhoras. Trata-se só de deformar ligeiramente o que vai acontecendo, não de inventar tudo de novo. Tenho mais alguns anos diante de mim e depois quero acabar de repente. Não sei se valeu a pena mas também não me pergunto se valeu a pena. Há coisas assim.
Não é desistir, é só não dar demasiada importância a coisas que não a têm. Esta vida é uma delas. Ganha em valor quando deixamos de a encarar como o centro de tudo. É só por acaso que gostamos das flores e do mar. Claro que é um bom acaso. Mas mais do que isso não.
Quase gosto da vida que tenho. Quando a quis toda não gostava de mim. Agora há dias em que aceito que o tempo passe por mim e me leve para onde só ele sabe. Não entendo como nunca houve uma religião que adorasse o tempo. Será possível imaginar algo de mais elementar e poderoso? Que com ele não se possa falar não me parece um defeito. Há coisas das quais, de qualquer modo, não se pode falar.
Vivo sozinho. Passam pessoas, mas nunca ficam por muito tempo. A partir de certa altura intrometem-se tédios por entre as frases e não sabemos continuar. Não insisto. Há muitas pessoas. Não vale ter medo. Há muito que o amor mostrou ser um fracasso. No dia seguinte, no escritório, esperam-me problemas por resolver e decisões que valem dinheiro. Não posso sofrer.
Claro que por vezes me sinto triste como toda a gente. Mas é uma tristeza doce, um descanso. E como não espero nada, não faço nada. De uma maneira ou de outra também esta noite acabarei por adormecer.
Tenho um filho que cresce longe de mim e que ainda não sabe quem sou. Quis que fosse assim e não me arrependo. Não me julgo bom exemplo. Tenho um seguro de vida por morte violenta em seu favor que me poupa uma inquietação e lhe lega uma fortuna. Do resto não sou responsável. A biologia é uma ciência quase exacta e a natureza tem a inteligência das pedras.
Estudei durante muitos anos sem qualquer interesse prático. Os livros pareciam-me mais interessantes do que qualquer viagem. Escolhidos ao acaso. Mas o que se fica a saber não nos torna mais lúcidos. Agora quase preferia não os ter lido. O saber transforma as coisas em nada, ou, pelo menos, arruma-as numa gaveta escura e triste da memória que é sempre uma deusa nostálgica.
Durante algum tempo tentei distrair-me.
Cometi crimes contra a moral. Abusei do meu corpo sem qualquer respeito. Não fui feliz nem fiquei satisfeito. As mulheres de quem gostei não queriam de mim o que eu queria delas e há mal-entendidos que não convém alimentar. Foi assim que fiquei sozinho. A sério que tentei. Talvez da maneira errada. Agora, mesmo que quisesse recomeçar não tinha tempo. O tempo não mostra qualquer compaixão. E houve alegrias que bastassem. É justo assim.
Quase gosto da vida que tenho. Sou conhecido nalguns restaurantes, o que não significa que me sirvam melhor, mas é sempre bom ser reconhecido. Raramente saio à noite, mas quando o faço acabo sempre por encontrar alguém que ainda se lembra de mim e quando volto a casa tenho comprimidos que fazem dormir. Por vezes durmo com uma rapariga e faço o que se deve fazer e o prazer vem e passa como um alívio. Não espero encontrar ninguém, a minha melancolia é-me suficientemente querida. Nem tenho saudades de pessoas, só de sítios e de coisas. Em particular há um frigorífico que guardo zelosamente na memória. Ainda subsiste algures porque a matéria é a única coisa que resiste.
De que gosto? De literatura, whisky irlandês e de adormecer logo. O trabalho é um rentável entretém que me ocupa as horas mortas. Vejo os filmes em casa, de todas as séries. Incomodam-me os barulhos das pessoas sentadas ao meu lado e gosto de rever as cenas mais macabras. Por isso vivo sozinho. Quando preciso, conheço um massagista que é negro e silencioso como a noite. E de inverno nado. A minha mulher a dias vem todos os dias quer esteja ou não constipado. Se fosse mais bonita e menos surda casava com ela