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Tudo Pode Se Romper
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E-book383 páginas5 horas

Tudo Pode Se Romper

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Sobre este e-book

JAKE C. Uma garota que esconde segredos atrás do sorriso, o drama psicológico que vive em casa mas é proibida de expor, e a paixão platônica que nutre já à algum tempo pela melhor amiga. EMMA. A melhor amiga e fiel escudeira, alguém de personalidade forte e teimosa. TAVY C. A irmãzinha com paralisia cerebral cuja presença fantasmal leva Jake a dar seu próprio sangue para protegê-la. MARK. Toda boa história precisa de um vilão. ANNA C. A mãe enfeitiçada pelo vilão. CAROLINA C. A avó cuja presença sempre marca novos recomeços. DEAR DIARY. O livro e amigo abstrato que absorve os pensamentos mais sombrios, capaz de quebrar a quarta parede. Há um observador, mas cuidado, porque tudo pode se romper antes mesmo do final.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de abr. de 2022
Tudo Pode Se Romper

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    Tudo Pode Se Romper - L.c.castanheiro

    Contar a verdade nunca é simples ou fácil. Por isso só os melhores de nós tentam.

    – Daredevil

    Uma coroa de papel e um coração feito de vidro, um vestido esfarrapado e um reino de cinzas. Ela caminha sozinha.

    Ela nunca pode olhar para trás.

    A história de uma rainha, cujo castelo caiu ao mar. Ela sobreviverá, mas nunca mais será a mesma. Ela olha para baixo, para as cicatrizes que permanecem.

    Mas você se mantém no seu lugar, embora seus reinos estejam em chamas.

    Porque é a história de uma rainha, cujo castelo caiu ao mar, sabendo que ninguém será o rei que virá salvar a sua rainha. Quando tudo o que ela precisa, quando tudo o que ela quer, quando tudo que ela encontra, quando tudo o que ela é e sempre foi, está comprometido. Pois não tem ninguém para te amar quando você constrói seus muros tão altos. Ela está desviando o olhar da guerra que está por dentro. Ela está gritando, porque ninguém sobreviveu. Mas quando você está completamente sozinha, você espera e se esconde. Pois é a história de uma rainha, cujo castelo caiu ao mar… e não existe ninguém que seja forte o suficiente para salvar seu amor. Não existe conto de fadas.

    – Alec Benjamin

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    TUDO PODE SE ROMPER

    L.C.Castanheiro

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    QUERIA UMA DESPEDIDA DIGNA DE MIM

    MESMA

    01 de janeiro de 2016

    Quinze horas e dezenove minutos.

    Tavy está dormindo, e eu resolvo voltar a escrever.

    Jake. Altura: 1.62 metros. Idade: 17 anos e 3 meses.

    Estou indo para o terceiro colegial — acho que o A — E

    tudo o que você precisa saber sobre mim é exatamente o que estou começando hoje. Não que eu tenha resolvido apagar as memórias, talvez. Mas é que agora dispenso apresentações.

    Não é a primeira vez que escrevo assim. Então se de algum modo eu já sei quem sou, você também vai ficar sabendo.

    Até gostava de registrar esses começos, assim não me esquecia do que havia sido até o preciso momento de encher as páginas com o grafite de um lápis. Ou a tinta de uma caneta esferográfica.

    A transição entre passado e presente é uma mudança que necessita ser explicada, e a comparação entre os detalhes é um fantasma que sempre estará presente. Com o tempo aprendi que o que importa é o que somos no momento, e o que eu sou… está bagunçado, porque ando um pouco triste.

    Meu nome é Jake Carstairs, e agora nós estamos em uma cidade pequena.

    Geralmente costumo gostar de escrever com música de fundo, mas nenhuma delas seria capaz de se encaixar no agora.

    Músicas são feitas para serem sentidas com os olhos fechados, seguidas de uma ou duas sensações distintas que se completam.

    Exatamente como a sensação de voltar a pisar em um skate depois de cair.

    Não é como eu dizia que seria, que meus pés seguiriam firmes em linha reta e que seria tranquilo. A sensação é de inutilidade por 4

    5

    não remar direito, bem decepcionante. Ainda mais quando não existe nada mais solitário do que um céu azul com sensação térmica de deserto.

    Ela me alertou de que talvez fosse assim mesmo. Até poderíamos ter andado juntas. Minha percepção disso é amarga, e não só porque brigamos outra vez, mas porque no fundo sinto um medo que me impede de sair da estagnação e falar com ela de novo.

    Alguma música para um sentimento assim?

    Prazer estranho, sou aquela pessoa que quase sempre fica sentada nas escrivaninhas existentes no canto dos cómodos, ou próximas a janelas. Hoje não é diferente. Em algum lugar confortável, vejo em minha mente como um rolo de filme dois momentos com gente diferente. E uma sensação de que eu deveria esquecer algo me acompanha, estou surpreendentemente passiva quanto a isso.

    Segundos depois alcanço o celular e toco na tela para apagá-la. A sensação anterior vem junto com meus dedos, e a ideia que os pensamentos talvez irão se prolongar… implorando por minha atenção.

    As imagens que vi foram de duas garotas com personalidades bem opostas, uma delas me faz lutar contra o impulso de querer ter o corpo em chamas. Seria como encontrar gasolina. Fire meet gasoline.

    Claro, estou falando de Emma. Existe sincronicidade quando nossas essências se tocam, e a calmaria de Melanie dá lugar ao calor, eu não queria esquecer aquilo. Mas deveria. Deveria. Deveria…

    Emma me abraça e o topo de minha cabeça encosta em seu queixo, tão infantil, tão protegida.

    Nós mudamos com o tempo, ela mudou. Mas ainda sinto como se eu fosse a telespectadora de pé em frente as quentes labaredas do fogo que me consome por dentro ao lembrar de suas últimas palavras por mensagem.

    É perigoso, penso.

    Minha amiga Melanie era a outra pessoa, e a sua calma torna qualquer coisa mais leve. Mesmo quando estamos dançando descalças em sua casa com o volume do som no máximo.

    4

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    01 de abril de 2016

    Não posso deixar o cansaço me vencer, mas fisicamente estou esgotada.

    Vai lá para a sua vó, fia, ouço quando Mark diz.

    São 15: 45h de uma sexta-feira.

    Ele entra no meu quarto onde estou deitada de costas, lendo um livro. Não respondo de imediato, mas gostaria de ter respondido porque parece soar grosseiro. Ao mesmo tempo, para mim nada soava melhor como a minha indiferença a sua presença no meu espaço pessoal. Depois de falar ele toca nas minhas costas, talvez fosse um gesto para enfatizar a sua boa vontade. Talvez não.

    Não faço absolutamente nada, não queria pensar se estava stressada ou não, entrei e me joguei na cama porque não havia nada para fazer enquanto esperava minha mãe voltar.

    Segundos depois Mark me toca de novo, mas desta vez seus dedos estão descendo minhas costas. Subindo e descendo. Massagean-do-me os ombros. Não reajo. O último gesto é íntimo e demorado demais porém dura apenas alguns instantes.

    Logo o livro é tomado das minhas mãos.

    Gostoso? Des-stressa, a massagem, ele diz enquanto suspende o livro no ar e o examina. Fazer isso que você faz é muito bom, o livro se move bruscamente, Mas deveria relaxar um pouco, parece exausta.

    Não respondo. Mark então percebe meu desgosto e devolve o livro.

    Ixxi uma vez, véi, deixei o moço fazer isso, dei um grito. Dói né, no ossinho, diz.

    AH, respondo sem olha-lo.

    Respiro fundo.

    Eu o vi no batente da porta, antes de entrar. E fiquei pensando no que Mark diria desta vez, mas não pensei que ele poderia me tocar. Minha mente estava em branco, despertando apenas para o seu

    até mais tarde. Mesmo assim respiro fundo, porque ele está me 6

    7

    oferecendo uma chance de ir até a casa da minha avó. E isso é algo que vem aliviando bastante meus finais de semana, pelos períodos da manhã e noite. É quando posso ficar totalmente sozinha comigo mesma. Mark está na porta novamente, seus lábios se abrem.

    "Sábado você vai andar com aquele seu negócio comprido lá.

    Aproveita e já leva as coisas pra sua vó".

    Um segundo depois estava encarando as páginas do livro, apenas Magnus, Alec e eu. Mas não dura muito.

    O guarda-roupa aberto serviria bem como paisagem para vidrar os olhos depois de jogar o livro bem lá no fundo e imaginar o quanto gostaria de ir correndo até Emma.

    Não. Aquele acontecimento foi exclusivamente meu, algo que apenas EU deveria saber.

    Eu também sinto com intensidade, Emm, digo alto.

    Quero dormir nesse momento, mas não posso. Fui para o quarto e não foi para dormir, não posso me sentir cansada. Mark me ajuda quebrando a rotina, e as horas extras que ele me desse... já estaria devendo isso a ele, e pelo simples fato de ter me permitido desabar.

    O favor sem dúvida seria que eu continuasse não contando nada a minha mãe.

    Primeira regra:

    Se você suporta carregar o seu psicológico o tempo inteiro, se você tem um psicológico forte, não deixe a exaustão física te abalar se acumulando sobre você. Porque aí o seu psicológico cede, e você desaba.

    Venho agindo com indiferença, como hoje. Esse é um dos problemas que meu conceito de normalidade cotidiana aceita (boa parte do tempo), pois sei que é inevitável. Também sei que, como dá última vez há alguns anos, contar para minha mãe teria pouco efeito.

    Agora ele tem me visto com a vida corrida, vem puxando meu saco com pontos que podem me favorecer em casa. Como....

    6

    7

    Como o pai te ajuda muito, para que contar essas coisas pra sua mãe.

    E é mesmo algo que foge do meu controle evitar, enquanto eu tiver esses pontos não poderei contrariá-lo.

    Comecei a sentir os efeitos de ficar calada, as cenas que vão se acumulando me abalam profundamente.

    Também comecei a ficar angustiada e inconformada, mas minha consciência grita para que eu não desfizesse a ordem social de casa.

    Porque sentiria remorso e me corroeria de forma exagerada, junto da dor de me maldizer sem razão aparente e, por algum motivo bem estranho, junto com a neblina que abafa a visão dos demais.

    Final da tarde.

    Vou tomar banho na minha avó. Olho a imagem refletida no espelho por um tempo, e me incomoda a ideia de que ela só está lá porque ele quis me agradar. Assim como me incomoda o que fiz hoje cedo na escola.

    Eu gosto de uma garota, foi o que eu disse alto.

    Uma colega chegada parecia com receio de se aproximar, porque isso me incomodou tanto? Meu amor é puro e incolor.

    Mas eu era exatamente o tipo de garota que era para ser acari-ciada pelo sexo oposto. Ou assim dizia a imagem no espelho, pele morena dourada que se ilumina com a luz artificial acima da cabeça, e um cabelo liso escuro que solto cairia quase até a cintura delineada pelas roupas.

    Dear Diary, estou com pensamentos em excesso.

    E. .. por mais que diga a mim mesma que necessito relaxar nada muda, então coloco meus fones e depois subo o volume até o máximo. Estou ouvindo Fade do Alan Walker em NCSS.

    De repente quem eu seria nesse caos todo? Nada além de um amontoado de carne humana viva e dos movimentos das mãos val-8

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    sando no ar até as articulações arderem.

    01 de abril de 2016 22h 44min, sábado

    Não fui dormir ainda. E já não tenho mais tanta certeza de como meu humor irá se comportar segunda-feira. Isso me faz sentir-me como uma tola. Que diferença faz se vou falar com Emma ou não?

    A diferença é que agora cronometro o tempo que fico calada como algo ruim, e em muitas dessas vezes me interiorizo e me pego pensando nela. Algo que não posso de forma alguma.

    Eu gosto de garotos! Ou pelo menos é o que devo pensar.

    Esses pensamentos sempre me levam a mesma conclusão, de que Emm deveria saber. Mas sempre a vejo desabando em todas as minhas situações imaginárias.

    22h 52min

    Pensamentos não me deixam, mesmo que eles estejam ordenados. Definitivamente não consegui dormir porque não paro de pensar. A questão é que tudo fica ruim quando não paramos de pensar de forma acelerada.

    Então, pensamos porque queremos quando não deixamos ir um dilema ou outro? Acredite ou não, me sinto culpada por gostar dela da forma como gosto, mas ao mesmo tempo não consigo deixar de ouvir Girls Like Girls e All The Things She Said. Há quanto tempo me torturo assim? Há quanto tempo esse sentimento oculto que era aceitável se tornou a parte cinza dos meus sorrisos? Há duas semanas?

    Todos temos algo pelo qual se envergonhar.

    Tirando isso, minha vida está uma bagunça. Mesmo com os sorrisos na cor cinza, mesmo com nenhuma ação fingida para estar com ela e aproveitar o nosso último ano juntas, ainda preciso me manter firme na posição de aluna com as notas mais altas da turma.

    Após duas semanas as coisas voltaram a acontecer em casa, a 8

    9

    sensação que tenho é a de que eu posso explodir a qualquer momento, e os sorrisos ficam cada vez mais cinza. Eu não deveria levar essa preocupação para o intervalo das aulas. Devo ser agradável com minha melhor amiga e não ficar pensando na presença ambígua de Mark. Mas não sei quando ele pode ser bom, nem quando pode rep-resentar uma silenciosa ameaça. Não ter controle é algo inevitável que aprendi a aceitar, mas que não consigo absorver sem tornar o resto caótico.

    E a impressão de relevância é ainda pior, tudo porque contei para Emm. Gostaria de ter dito aquilo sem pensar que há cinco anos ele já me fazia tirar a camiseta no carro, sempre quando entrávamos na estrada após um dia de trabalho. E que essas coisas sempre estiverem presentes em partes, mas ninguém ouviu meu interior gritar.

    Porque nem eu mesma teria ouvido, na época.

    23 de maio de 2016

    Há coisas que acontecem na sua vida e são experiências traumáticas, você não fala para um psicólogo, mas, ás vezes, gostaria. Ontem por volta das vinte e três horas estive controlando meu medo, é o medo de uma garota que ouve uma ordem aos cochichos. Uma simples ação de tirar a calça e esperar.

    Então o que fiz foi me fechar em meu mundo, um onde tudo é bom. Porém apesar disso, eu ainda era uma garota de quase 18 anos deitada debaixo dos cobertores e com os fones no último, vendo um vídeo da irmã de 5anos.

    Minha mentalidade nesse momento não é a de alguém de 17

    anos. Eu não tenho tudo isso para contar nos dedos, imagino. Não foi o medo de alguém que pensa passar por situações como esta pela primeira vez. O medo foi só... a vontade de contar com alguém.

    Abraçar alguém. Qualquer um que não tomasse atitude alguma de me julgar e apenas me abraçasse, que me tirasse de dentro de mim mesma.

    Mas apesar disso correndo nas veias, não faríamos nada. Apenas 10

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    usamos aquele gel que segundo ele estimularia o desenvolvimento dos meus músculos.

    Horas mais cedo eu ouvia calada ele fazer comentários sujos sobre Emm. Horas mais cedo eu já sabia o que teria que fazer, e apenas cedi de forma silenciosa. Mas eu também sabia que passaria por aquilo como se não fosse nada, passaria como alguém distante e fria, com um humor irrelevante.

    Mas ontem de repente quis contar para alguém o que faríamos.

    Não sei se fora a agitação ao passar pela porta do corredor e ir caminhando lentamente para o quarto, pois não senti medo- medo.

    Não contei. Foi um ocorrido comum aqui em casa. E eu? Uma simples garota comum, que gritaria se algo a mais acontecesse. Gritaria... se houvesse uma voz para ser gritada.

    Não havia. Porque estaria sendo fraca e a culpa seria minha em não conseguir lidar com isso. E se não consigo lidar, que tipo de vida levarei fora de casa? Chorar sozinha.

    Infelizmente os dias de me fechar e imaginar um amor que não dói acabariam em breve, eu seria um monstro ao imaginar qualquer coisa com Emma tendo consciência de que agora o F sabe disso.

    O melhor que farei é acreditar que a amo com sinceridade e não apenas para fugir de situações ruins. Não usarei mais a palavra

    traumáticas porque quase sempre não estou em mim. Não inter-fere em minha vida. E não devo contar a Emm sobre essas situações pois...

    Pensarei em algumas alternativas para acrescentar as que já existem para mim logicamente: cada uma possui a sua vida; não é para poupá-la, mas porque me sinto insignificante demais para ter impacto; o que ela pode fazer?; não posso escapar desse looping; isso não me abala o tempo todo.

    Confio nela o tanto suficiente para comentar, ou será que seria para preocupá-la? Duas coisas que não faço com Melanie.

    Emma não quer mais ouvir, talvez porque não consegui contar a minha mãe como ela sugeriu hoje. Mas não dependi de sua opinião para que ela me abraçasse no intervalo. Algo em mim sente que foi 10

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    por isso que meus dedos digitaram a mensagem àquela hora da noite, foi um simples Hey, oi.

    Falar com ela é como estar sendo protegida, mesmo quando não há sentimentos intensos envolvidos.

    Sabe, ocorreram alguns fatos que me abalaram psicologicamente esta semana. Estava irritada, mas nada tinha haver com Mark. Pensei algo semelhante depois de ouvi-lo reclamar sobre minha postura.

    Nem vou pedir pra você, parece irritada e de cara fechada com o pai.

    Respondi que não estava e segui dobrando o edredom sobre minha cama. E Mark demonstrara-se ressentido, o tanto para sair sem dizer outra coisa além do rotineiro não diga a sua mãe.

    Voltando ao hoje, ele me perguntou o que eu teria dito dentro do consultório de psicologia. Onde, aparentemente, eu tratava apenas o meu sentimento de confusão quanto a vida.

    Suspiro.

    25 de maio de 2016

    Talvez esse meu medo seja bobo e derive de longas meditações sobre a ideia de quem dita que o que acontece comigo é algo grave, mas TUDO sempre foi assim. E as vezes por períodos pausados.

    Não sei se começou a me irritar pelo fato de ver que Emma não consegue entender minha resiliência.

    Não é sobre essas coisas que quero falar agora.

    Dear Diary, estou ouvindo Feel Again - Onerepublic.

    27 de maio de 2016

    Dear Diary,

    Deveria evitar comer para me punir. Mas nesse feriado comi sem freios, sem parar. Também deveria ter evitado comer porque me sentiria pesada, e odeio me sentir de lado por razões socialmente 12

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    negativas. Também porque é assim que ele gosta de mim, com meu corpo delineado mas cheio.

    Só quero a atenção das pessoas de forma boa.

    Me lembro diary, de ser chamada de draga na sétima série. Mas agora não mais, porque eu havia conseguido, meu rosto está bonito.

    Do jeito que aqueles babacas gostariam! Do jeito que eu gostaria que ele fosse...

    Minha avó demorou na loja hoje, estava com minhas tias avós que vieram da capital.

    Acabei esperando com Tavy e minha mão do lado de fora da dĺibrary. Estava ficando chato porque segurar o cinto de Tavy e ver ela impaciente era uma realidade perigosamente próxima de vê-la chorar. Então sentei no degrau de pedra na entrada da pequena loja de roupa, pude ouvir a conversa da minha mãe com uma das meninas da loja em um canto.

    Me chateio com o que ouço, era a forma como minha mãe de-screvia que a vida dela havia ido por água abaixo. E um sentimento forte sobre contar o que estava acontecendo me ocorreu, seria apenas um ponto negativo a somar aos de Mark. Mas apenas me ocorreu, e eu não poderia fazer nada. Abandono a ideia porque minha mãe também disse que estava com ele por Tavy ser cadeirante. Olho para Tavy, sentada inocentemente em sua cadeira. Nossos olhos se encontram, estavam impacientes por ter de esperar tanto.

    Ouvir minha mãe reclamar que ele era preguiçoso me deixa mais mal, porque para ela era só aquilo. Para mim era um labirinto o qual estava presa, e não havia saída visível. Em parte porque Mark conhece bem esse lugar, e porque sabe contorna-lo muito bem. Minha mãe chamais saberia. Meu coração pesa.

    Não, ele não gosta de trabalhar para outros. Prefere ser o patrão no próprio negócio, diz em seu desabafo momentâneo.

    Acabei entrando na conversa com ar de indiferença, respondo,

    E depois ele fala sobre o meu pai.

    Minha mãe diz, Não se meta.

    Penso sobre como ela tem razão, que eu não poderia. Não deve-12

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    ria, porque ela não SABE de nada.

    Estou calada nesse momento, e apenas escuto.

    Ele sempre teve inveja do pai dela, dizendo que ele havia es-tragado a minha vida e que agora ela é a filha que eu mais gosto, por isso sempre a defendia.

    Tais palavras tornam minha impaciência mais óbvia. Levanto, e como uma criança a puxo pela manga comprida da camiseta.

    Não sou a filha preferida da minha mãe, porque ela não pode me proteger, penso.

    Desejo ir embora no meu íntimo, e ela me vê. Continuo puxando sua roupa porque queria poder falar com ela, antes que a coragem me abandonasse por completo. Agindo como uma criança grande, puxo Anna pela calçada até Tavy. No curto caminho de volta coloco uma música e a deixo tocar alto. Uma música sem significados ocultos. Mas que para minha mãe era doentemente melancólica.

    E eu estava errada, era feliz por ter tudo. A justificativa dela pela minha escolha aLiatória.

    A vida é perfeita afinal, ela diz sorrindo.

    Mudo para Mama Said, escolha que a anima.

    Dear Diary,

    Contar me traria complicações. As crianças precisavam dele. E, se eu contar, minha mãe ficaria triste por um tempo e seu comportamento com ele mudaria, Mark descontaria em mim, saberia que eu abri a boca e mudaria comigo. Existem muitas coisas que ele pode usar contra mim de acordo com seu nível hierárquico e seu grau de força. Pela ordem social da casa, aprendi a ficar quieta e evitar furações ao máximo.

    19:00h

    Sento com Emm em um banco na pracinha perto de sua casa.

    Minha passividade estando em voga.

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    Sabe, comecei a dizer, Minha mãe quase sempre brigou comigo por meu jeito de enfrentar as pessoas no momento errado, ela disse que as brigas aconteciam porque eu não sabia ouvir e ficar quieta. Foi ai que... de certa forma, vi que a culpa poderia ter sido minha. Acha que as brigas podem sempre ser evitadas? Comecei a ser passiva.

    Emm discordou com um movimento de cabeça.

    Vi o olhar no rosto dela em seguida, e saber que logo se en-cheria de lágrimas me faz querer rever os conceitos de passividade que acreditei ter absorvido de minha mãe. Também pude notar pela expressão naqueles olhos, que minha mãe talvez fosse discordar de uma passividade dessas.

    Os olhos de minha melhor amiga são notáveis, mesmo estando secos. Absolutamente não suportaria ver ela os preencher com tristeza e pesar. Apesar disso não contei como ela não me entenderia, como era difícil falar. E como eu estava presa a um imenso jogo de PacMan construido por meu padrasto.

    Fico no banco mais um pouco, em silêncio.

    E logo me sinto confortável para tirar um peso de mim mesma e o deixar pairar pelo ar ao discorrer sobre como eu me via nua no espelho, e logo atrás de mim, ele passando por ali.

    Emma, digo após uma pequena pausa.

    Sim? , sua voz é acolhedora.

    Hoje eu...

    Parte rasurada.

    21:00h

    Ele veio aqui agora e me deu uma tampa de papelão com dois pedaços de pizza dentro.

    Mark pergunta se eu quero lanche também, em seguida diz, Vai esquecer de ir lá hoje não né?.

    Contrariada digo que não.

    Ele sai e fecha a porta do quartinho onde estou estudando. Poucos 14

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    segundos depois retorna com meia garrafa de Coca-Cola. O ruído do metal se arrastando pelo chão depois que ele se vai definitivamente me trás de volta a situação presente, e só consigo pensar que eu teria que comer as pizzas. Eu queria come-las.

    Fico estática, olhando para a comida inerte no papelão. Pizzas gordas com queijo derretendo sob o tomate e a calabresa, e as bordas bem recheadas deixando escapar catupiri.

    23h

    Passo pela sala.

    Ele pede para minha mãe ficar com o Levi no sofá, para que ele pudesse tomar um banho. Mas Mark espera, tempo de nós vermos meu irmãozinho deitar a cabeça no braço de tecido e lutar contra o sono. Levi abre e fecha os olhos algumas vezes seguidas, deixando os braços pendentes ao lado do corpo.

    Meu único irmão, e também o mais novo. O garotinho que havia puxada para a família da nossa mãe é simplesmente um Deus grego.

    Pele morena caramelo cedro, cabelos ondulados castanho escuro, cílios negros e fartos, olhos escuros como a noite, dentes grandes e brancos, feição delicada com traços masculinos bem marcados.

    Mark entra logo atrás de mim, passando diversas vezes em frente a minha porta.

    Irritantemente ri e gesticula. Me pedindo para não fazer ruídos e levando o dedo indicador aos lábios pálidos. Seu braço direito aponta o cómodo para onde eu deveria obedientemente seguir.

    Antes de seguir atrás ele para e se certifica de que ninguém mais cruzaria por aquela linha invisível que repartiria a casa quase todas as noites a partir daquele momento. A visão me causa repulsa e ódio.

    Um ódio amargo e que me paralisa. Que irónico. Estava naufraga em meu próprio lar. Todos aqueles que eu amo estão distantes, me observando como se suas mentes estivessem a milhares de quilómetros. E apenas uma porta de madeira nos separa.

    Saio do torpor de ver Mark com o ouvido na porta do corredor 16

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    quando ouço sua voz em tom baixo, Vai no banheiro do meio e tira o sutiã. Mas vai sem fazer barulho, se não sua mãe mete o fumo.

    Obedeço sua ordem, temendo que aquele homem viesse atrás de mim antes que eu estivesse pronta. Ou seja, antes que eu fosse até o banheiro e tomasse o fôlego que necessitava para não chorar.

    Desabar em lágrimas e soluços que só o Universo sabe qual reação desencadearia em Mark.

    ***

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    17

    Quer que eu passe com a língua?, Mark pergunta.

    Depois de ouvir congelei no lugar onde estava, talvez movendo a cabeça de forma inconsciente e dizendo não, porque sua resposta é abrir um pequeno sorriso confuso e nojento.

    Você vai rir?, diz.

    Concordo em silêncio, movendo a cabeça mais uma vez. E esperando que ele me deixasse em paz. Conscientemente

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