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Reverendo Antônio
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E-book212 páginas3 horas

Reverendo Antônio

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Sobre este e-book

“Com personagens intensos cujas histórias se interligam de maneiras
inusitadas, Reverendo Antônio é um livro instigante e denso. Repleto dos
mais diversos matizes que se entrelaçam de maneira surpreendente, resulta
em uma obra que lembra em muitos momentos um romance a la Capote:
forte, misterioso e marcante.”
Leonardo Lando – Jornalista

IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de set. de 2013
ISBN9788566822007
Reverendo Antônio
Autor

Roseni Kurányi

Roseni Kurányi - Natural de Petrópolis-RJ e reside em Stuttgart, Alemanha desde 1997. Estudou Psicologia e fotografia. Seus contos, livros infantis e romances foram publicados no Brasil e na Alemanha. A autora é premiada no Brasil e na Europa por seus trabalhos literários. No ano de 2012, convidada pela Focus Brazil Londres, junto com outros autores brasileiros, residente no exterior, recebeu da Brazilian International Press Awards em Londres, o reconhecimento especial por seus trabalhos litérários.

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    Reverendo Antônio - Roseni Kurányi

    Capítulo I

    Naquela tarde de outono, as últimas rajadas alaranjadas do sol poente entravam através das cortinas das grandes vidraças da aconchegante sala da casa do reverendo Antônio, dando assim, um contraste àquela atmosfera sombria que caíra sobre os vários grupos de pessoas espalhados pelos cantos. Alguns oravam firmemente, outros choravam e tentavam entender o que poderia ter acontecido a uma mulher tão digna e tão dedicada à igreja como Lílian, a esposa do reverendo Antônio.

    Aparecida, a empregada da casa, chegou perto do sofá onde Antônio, muito abatido, conversava com dois agentes que investigavam o caso. Ela tinha os olhos fundos, com visíveis olheiras de cansaço e preocupação, aparentava ter chorado muito. Cabisbaixa, depositou sobre a mesinha uma bandeja com três xícaras de café e afastou­-se, juntando­-se às outras senhoras ali presentes.

    — Reverendo, imagino que para o senhor deve estar sendo muito difícil, mas o senhor tem certeza de que sua esposa realmente entrou naquela lanchonete? — perguntou, com suavidade, a detetive que investigava o caso.

    — Tudo foi como já disse. Eu e minha esposa saímos da igreja depois do culto, mas desta vez não fomos direto para casa. Demoramos mais do que de costume, Lílian estava preocupada com o remédio que eu deveria tomar às oito da noite. Geralmente todos os dias a essa hora estamos em casa, pois ela não gosta muito de estar tarde na rua — o reverendo fez uma pausa e respirou fundo. — Enfim, resolvemos parar em uma lanchonete. Eu queria comer um sanduíche — disse parecendo envergonhado, como se confessasse algo terrível —, e quando chegamos, entramos em uma fila de carros enorme. Por mim, a fila, a espera, nada disso teria importância, mas... Lílian...

    Reverendo Antônio fitou para um ponto qualquer, e seu pensamento voltou­-se para o momento exato do acontecido.

    Meu bem, vamos embora, você tem que tomar seu remédio às oito como sempre, não se comporte como uma criança mimada, disse Lílian pacientemente, mas ao mesmo tempo parecendo se irritar com a atitude do marido.

    O carro parou em uma fila enorme, que parecia não andar. Era um daqueles sistemas do tipo lunch­-driver. Lílian começou a mostrar­-se impaciente, o que não era muito do seu caráter.

    — Reverendo — chamou a detetive, interrompendo suas lembranças —, o senhor disse que sua esposa não gosta de ficar até tarde na rua. Por quê? O senhor poderia me explicar isso melhor?

    — Eu não sei explicar exatamente, isso é próprio dela, Lílian sempre foi assim. Mas isso não tem a menor importância agora, o importante é encontrá­-la.

    — A sua esposa tinha alguma espécie de trauma, fobia, pânico ou coisa assim?

    — Claro que não! — respondeu, achando aquelas perguntas desnecessárias. — Ela apenas nunca suportou ficar até tarde fora de casa. Até porque se preocupava sempre com os remédios que eu deveria tomar.

    — Não ficaria mais fácil levá­-los com vocês?

    — Levar quem conosco? — perguntou, confuso.

    — Os medicamentos... — respondeu a detetive, mas o reverendo já estava novamente com o pensamento no dia do desaparecimento.

    * * *

    Meu bem, eu quero ir agora para casa!, disse Lílian, decidida.

    Antônio, que nunca gostou de contrariar sua mulher, pensou em dar ré no carro e sair daquela fila, mas viu que seria um transtorno; atrás de seu carro haviam se alinhado pelo menos mais uns sete ou oito automóveis, e todos queriam a mesma coisa: fazer seu pedido e levar para casa o lanche de sua preferência.

    De onde estavam parados, podia­-se avistar a entrada da lanchonete, crianças com seus pais, casais de namorados, adolescentes saíam e entravam a todo instante. Perceberam também um homem de pele morena, sua barba de dias por fazer e cujas roupas, de longe se mostravam velhas. Observaram quando ele, humildemente, pediu por comida a uma mulher que saía à porta naquele momento. A mulher, acompanhada por um casal de pré­-adolescentes, fingiu não ouvir e o ignorou. A fila de carros estava andando normalmente.

    — Querida, não demora muito e já estaremos fazendo nosso pedido. Você sabe que esse é meu único pecado — sorriu — além de você, é claro — concluiu, carinhoso num tom divertido, acariciando seu rosto.

    Reverendo Antônio gostava muito de ir até aquela rede de fast­-food. Quando pequeno, por obediência ao pai, um homem muito severo, que também fora reverendo, nunca pôde entrar em um local como aquele. O pai dizia que lanchonetes daquele tipo eram coisas do demônio, que os donos de uma rede como aquela ganhavam dinheiro fazendo com que as pessoas comessem em demasia e cometessem o pecado da gula. E agora, naquele momento, diante das perguntas daquela jovem agente, Antônio se questionava se talvez seu pai não tivesse mesmo razão, se aquele não estava sendo o castigo para tal pecado.

    — Está vendo, meu bem? A fila está parada, não conseguiremos sair daqui tão cedo! — reclamou Lílian, pegando sua bolsa e abrindo a porta do carro, decididamente. — Dê um jeito de tirar o carro desta fila, eu irei lá dentro direto no caixa e pedirei o de sempre para você — completou com uma expressão que demonstrava nervosismo.

    Depois que saiu do carro, Lílian ainda pediu ao motorista do veículo da frente que movesse um pouco adiante para que seu marido tentasse tirar seu carro da fila e em seguida se foi em direção à entrada principal da lanchonete.

    Pela atitude de Lílian, Antônio percebeu que a esposa estava realmente querendo ir para casa, e por alguns segundos se arrependeu por não tê­-la escutado antes.

    Lílian sumiu em meio aos carros, mas Antônio ainda a viu aproximando­-se da entrada da grande lanchonete, a uma distância relativamente curta.

    Depois de muitas manobras, o reverendo conseguiu sair daquela fila. Parou então o carro bem em frente à porta e ficou à espera da esposa.

    — Boa noite, reverendo! — disse uma voz vinda de fora.

    Era a irmã Marina, uma frequentadora assídua da igreja. O reverendo abriu a janela do carro um tanto sem graça, pois não gostava de ser visto naquele lugar, principalmente por um membro da igreja. Sentia­-se como sendo pego em flagrante, fartando­-se do pecado.

    — Boa noite, irmã Marina — respondeu, lançando um olhar furtivo na quantidade de comida e refrigerante que aquela mulher, que morava sozinha, estava levando para casa. E teve realmente que concordar em parte, com a teoria de seu pai.

    Marina, por sua vez, percebeu o olhar que o reverendo lançou sobre a sacola de papel que levava e disse rapidamente:

    — Meus sobrinhos virão hoje para passar o final de semana comigo. O senhor sabe como as crianças de hoje em dia são, não sabe? Uma velha como eu tem que fazer de tudo para agradá­-los, e o melhor apelo é este aqui, é quase impossível alguma criança não gostar — disse, dando um sorriso sem jeito.

    Irmã Marina tinha sérios problemas de saúde causados pela obesidade. Ela ajudava na igreja, mas ultimamente, para subir alguns poucos degraus, respirava ofegante por vários minutos, precisando sentar­-se para descansar. Além disso, tinha também problemas de relacionamento, tanto afetivos quanto de amizade. Era difícil alguém se interessar por ela, e quando isso acontecia, ela própria acabava por estragar o relacionamento, pois tinha vergonha de si mesma e descontava sua frustração nas outras pessoas.

    — Onde está a irmã Lílian? — perguntou, olhando com curiosidade dentro do carro. — Ela não veio com o senhor?

    — Ah? Sim, claro, está lá dentro. Resolvemos comer algo bem diferente hoje, e provaremos um desses hamburgers, dizem que são bons.

    — É verdade, reverendo, são bons mesmo; o grande problema é que pode­-se viciar nessas coisas — ela encerrou, parecendo ser uma expert no assunto.

    Irmã Marina se despediu e foi embora. Já havia passado algum tempo e Antônio via que a fila de carros andava muito mais rápido do que antes. Ou era a hora que estava passando sem que Lílian voltasse lá de dentro?, pensou. Já não estava tão certo. Deu um sorriso satisfeito ao ver aquele mesmo homem que pedira comida, com duas sacolas cheias, saindo de dentro da lanchonete.

    Ligou o rádio, que tocava uma daquelas músicas com pouco texto, mas muitos palavrões. Trocou de estação, pois estava na hora do noticiário.

    ... a polícia ainda está à procura da menina Margarida Costa. Já se passaram quatro dias do desaparecimento e até agora nenhuma notícia. O deputado Lírio Costa e sua esposa fizeram hoje um apelo emocionado em rede nacional, pedindo a quem pudesse dar alguma informação sobre a sua filha. A menina é filha única do casal e fora adotada ainda pequena; a mãe, muito zelosa, cuidava da menina com muito carinho. A menina desapareceu no parquinho perto da casa do casal, nem as crianças que estavam com a menina nem as mães e babás que tomavam conta das crianças souberam explicar o fato ocorrido. Segundo a amiga do casal, que estava com a menina, ela desapareceu em questão de segundos. Enquanto sua filha e Margarida se preparavam para voltar para casa, juntando os brinquedos que levavam, a menina se afastou para pegar a bola que havia rolado para fora da área de brincadeira. Contrariada, ela foi atrás da menina, mas em questão de segundos ela havia desaparecido assim como a bola que a menina fora buscar...

    Antônio desligou o rádio e respirou fundo ao ouvir aquela notícia. Lílian já havia falado com ele sobre o desaparecimento da menina; e na escola, junto com as crianças, ela orava pela volta da menina.

    Impaciente, olhou mais uma vez para ver se via a esposa, e viu quando o carro que antes estava à sua frente passou por ele. Se Lílian tivesse esperado..., pensou. Depois daquele, passaram por ele pelo menos mais uns cinco carros.

    O reverendo olhou para um lado e outro, não avistando guarda ou polícia; resolveu então arriscar a deixar o carro estacionado em frente à lanchonete por alguns segundos, a fim de apressar a esposa. Talvez ela precisasse de ajuda. Saiu do carro rapidamente e entrou na lanchonete, olhou para todos os lados à procura de Lílian. Havia poucas pessoas lá dentro, e até caixas vazios à espera de clientela.

    Provavelmente Lílian deve ter ido ao banheiro, concluiu depois de olhar ao seu redor e não ver sua esposa. Aguardou por alguns minutos, mas achando que era realmente muita demora, decidiu pedir ajuda. Aproximou­-se de uma mocinha que limpava um líquido que pouco antes caíra do copo de uma menina que passava com a bandeja exageradamente cheia, e pediu a ela que fosse à toalete e tivesse a gentileza de ver o que estava acontecendo com sua esposa.

    — O nome dela é Lílian! — Antônio informou à moça.

    A mocinha secou o líquido do chão e atendeu com simpatia ao pedido do reverendo. Por um instante, Antônio chegou a achar exagerado o seu comportamento, pedir a alguém para chamar a esposa no banheiro. Mesmo assim, não impediu que a mocinha cumprisse o seu desejo.

    O reverendo a seguiu até a toalete e esperou do lado de fora. A cada vez que alguém abria a porta para entrar ou sair, ele observava, ansioso na expectativa de vê­-la. Não sabia explicar por que, mas àquela altura seu coração já estava com uma sensação estranha.

    — Sinto muito, senhor, mas sua esposa não está aqui — informou a mocinha, educadamente.

    — Por favor, veja então no banheiro masculino — pediu, apesar de ter certeza que Lílian jamais faria tamanha confusão.

    — Desculpe, senhor, mas no banheiro masculino o senhor mesmo pode entrar, se desejar.

    — Claro... Claro — expressou­-se, confuso. — É... a senhorita tem razão.

    Ao entrar, viu alguns meninos que lavavam as mãos e brincavam de jogar água um no outro, só parando ao vê­-lo.

    — Lílian!... — chamou­-a em alto tom. — Lílian, meu amor, você está aí?... responda!

    — Os meninos se entreolharam.

    — Moço, não tem ninguém aqui além de nós, e aqui é banheiro só para homens.

    O reverendo os olhava como quem não os estivesse vendo. Começou realmente a ficar nervoso. Abriu todas as portas chamando por Lílian em voz alta:

    — Lílian! Lílian! Líliaaaann!

    Havia certo desespero em sua voz. Os meninos, que antes brincavam, agora estavam encostados num canto perto da pia e observavam com uma mistura de curiosidade e medo aquele desconhecido que se movia freneticamente dentro do banheiro masculino e gritava por um nome feminino. Para eles, aquela ocorrência inusitada era muito interessante e uma boa novidade para ser contada aos outros garotos.

    Não encontrando sua mulher, o reverendo saiu e entrou diretamente no banheiro feminino, sem pedir permissão. Algumas mulheres se espantaram com sua entrada repentina.

    Olho arregalado, respiração eufórica, seguiu em frente sem se importar com o espanto que havia causado. Repetiu então o que fez no banheiro masculino, chamando por Lílian. Abriu as portas das cabines e olhou por debaixo das portas fechadas. Sem dizer uma palavra, ele passou o olhar sobre aquelas pessoas que também o olhavam. Umas, amedrontadas; outras, revoltadas com o comportamento do desconhecido. As crianças estavam curiosas, mas seu olhar distante as transpassava, era como se nem as percebesse ali.

    O reverendo voltou para o salão onde havia várias mesas e não a encontrou. Por fim voltou para o carro na esperança de que tudo não passasse de um desencontro bobo. Mas quando lá chegou viu que Lílian não estava. Olhou para a fila de carros, estava longa, havia mais pessoas nos carros do que dentro do ambiente.

    A voz de seu rigoroso pai ecoou na sua mente. Isso é coisa do demônio! Isso é coisa do demônio! Isso é coisa do demônio! Antônio balançou a cabeça como se quisesse tirar aquela voz de sua mente e correu procurando em torno da lanchonete: Quem sabe Lílian encontrou alguma irmã da igreja e se perdeu na conversa, esquecendo­-se de mim aqui à sua espera, pensou, mesmo não acreditando naquela possibilidade, mas ele não quis descartar nenhuma hipótese.

    * * *

    — Qual era o estado de ânimo de sua esposa naquele dia, reverendo? Ela parecia nervosa, apreensiva... preocupada, talvez? — a investigadora interrompeu seu pensamento.

    — Não, ela não se mostrou nervosa ou apreensiva. Passamos o dia normalmente, Lílian apenas se irritou quando demorávamos na fila da lanchonete.

    A sua esposa já fez isso alguma vez antes? Sumir? Vocês tiveram alguma briga por estes dias, que pudesse deixá­-la magoada?

    O reverendo nem precisava pensar na resposta. Não brigavam, tudo estava na mais plena ordem.

    Em seu bloquinho, a investigadora anotava tudo que achava importante.

    — Reverendo, voltando ao assunto, o senhor acredita mesmo que o único motivo de sua esposa não gostar de estar à noite fora de casa seja por seus remédios? Há quanto tempo ela se comporta desta maneira?

    — De que maneira? Do que a senhora está falando?

    — Do fato de sua esposa não querer estar fora de casa depois das oito da noite, isto não é muito comum.

    — Já estamos casados há doze anos, e como já disse, não me lembro de ela ter sido diferente. Lílian é uma mulher do interior, foi criada desta maneira, acredito que seja este o motivo.

    Outro investigador interrogava algumas pessoas na sala. Não descobrira nada que fizesse sentido no sumiço da mulher do reverendo. Lílian era descrita como uma mulher engajada nos assuntos da igreja e da comunidade, a maioria de suas ações era direcionada a crianças.

    — Irmã Lílian ama as crianças — dizia uma mulher de uns vinte e cinco anos, provavelmente a mais jovem naquele recinto —, é dedicada, paciente... Sempre as tratou como se fossem seus filhos — disse a jovem, comovida.

    — Havia por esses dias alguma atividade diferente do normal que envolvesse pessoas diferentes, na igreja ou na escola?

    — Não havia ninguém e nada de diferente. As atividades eram

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