Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Máfia do Norte
Máfia do Norte
Máfia do Norte
E-book432 páginas4 horas

Máfia do Norte

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Um assassinato na noite do Porto abala os corredores dos serviços secretos Portugueses. As investigações indicam grupos criminosos de leste como possíveis culpados, porém não conseguem desenvolver uma incriminação plausível. Impossibilitados de combater a nova ameaça que se alastra descontroladamente, são obrigados a chamar o nobre Henrique de Guerra. A sua missão: infiltrar-se na poderosa Máfia da noite que opera impunemente nas ruas Portuenses, controlando clubes noturnos e seguranças privados. Ao enfrentar perigo mortal Henrique desvenda uma conspiração que coloca toda a Europa em perigo. Infiltrado e sem contato com a equipa militar de apoio, vê-se forçado a lutar pela sua própria sobrevivência.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de ago. de 2014
ISBN9781310061059
Máfia do Norte
Autor

Luis Portas

Luis Portas is a Portuguese Architect, a fiction writer, and a director. Welcome to his page.

Relacionado a Máfia do Norte

Ebooks relacionados

Ficção de Ação e Aventura para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Máfia do Norte

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Máfia do Norte - Luis Portas

    de

    Luís Portas

    Máfia do Norte

    Direitos de Autor © 2013 Luis Portas

    Design da capa por IDEOMA

    www.ideoma.pt

    Publicado por Smashwords

    ISBN-978-1310061059

    Todos os direitos reservados.

    Notas:

    Esta obra é distribuída apenas para a sua utilização pessoal.

    Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida sobre qualquer forma, nem por meios eletrónicos e mecânicos, incluindo sistemas de processamento de dados, sem a autorização por escrito do autor. A única excepção, é a possibilidade de um revisor mencionar pequenos excertos aquando a publicação de críticas.

    Este livro é vendido com a limitação de não poder ser alugado, revendido, temporariamente emprestado, ou ser feito circular sob qualquer forma, nem com alteração de capa com a qual é publicado, sendo estas condições impostas a qualquer comprador subsequente. Obrigado por respeitar o trabalho deste autor.

    Nesta obra de ficção, os personagens, lugares e eventos, são produto da imaginação do autor e são usados livremente de forma ficcional.

    Índice

    Título

    Direitos Autorais

    Dedicatória

    Prólogo

    Capítulo I

    Capítulo II

    Capítulo III

    Capítulo IV

    Capítulo V

    Capítulo VI

    Capítulo VII

    Capítulo VIII

    Capítulo IX

    Capítulo X

    Capítulo XI

    Capítulo XII

    Capítulo XIII

    Capítulo XIV

    Capítulo XV

    Capítulo XVI

    Capítulo XVII

    Capítulo XVIII

    Capítulo XIX

    Capítulo XX

    Capítulo XXI

    Capítulo XXII

    Capítulo XXIII

    Capítulo XXIV

    Capítulo XXV

    Capítulo XXVI

    Capítulo XXVII

    Capítulo XXVIII

    Capítulo XXIX

    Capítulo XXX

    Capítulo XXXI

    Capítulo XXXII

    Capítulo XXXIII

    Capítulo XXXIV

    Capítulo XXXV

    Capítulo XXXVI

    Capítulo XXXVII

    Capítulo XXXVIII

    Capítulo XXXIX

    Capítulo XL

    Capítulo XLI

    Capítulo XLII

    Capítulo XLIII

    Capítulo XLIV

    Capítulo XLV

    Capítulo XLVI

    Capítulo XLVII

    Capítulo XLVIII

    Capítulo XLIX

    Capítulo L

    Capítulo LI

    Capítulo LII

    Capítulo LIII

    Capítulo LIV

    Capítulo LV

    Capítulo LVI

    Capítulo LVII

    Capítulo LVIII

    Capítulo LIX

    Capítulo LX

    Capítulo LXI

    Capítulo LXII

    Capítulo LXIII

    Capítulo LXIV

    Capítulo LXV

    Capítulo LXVI

    Capítulo LXVII

    Capítulo LXVIII

    Capítulo LXIX

    Conclusão

    Sobre o Autor

    Para a Nora-Netta Pelamo…

    minun tärkeimpäni.

    ‘Enquanto ele comandava ele foi mais amado

    do que alguma vez alguém foi antes dele.’

    Diodoro da Sicília

    Prólogo

    As auditorias aos negócios da noite do Porto efectuadas pelo ministério público e conduzidas por membros da PJ, PSP e ASAE, acabaram apenas com bodes expiatórios acusados, fazendo com que as duas verdadeiras facções emergissem incólumes. A máfia nocturna portuguesa, que tentava manobrar dentro das sucessivas alterações à lei, e a máfia de Leste, que aumentava rapidamente o nível de violência, aniquilando por vezes famílias inteiras ligadas ao ramo empresarial noturno.

    Na eminência de sanções internacionais devido a descuidos de segurança nos aeroportos Portugueses e com o intuito de controlar a violência crescente e a vaga de assassinatos, uma comissão governamental portuguesa, o Observatório de Segurança, decide intervir. Usam todos os meios ao seu dispor para eliminar o crime organizado e impossibilitá-lo também de traficar terroristas para a América do Norte. A SIS, enquanto ramo operacional governamental, contacta uma facção de segurança impenetrável, os Nobres, e tenta infiltrá-los na estanque organização russa de segurança, esperando controlar os crimes noturnos da cidade do Porto.

    Capítulo I

    Naquela madrugada sangrenta, o sol acabado de nascer esticava as sombras pela rua. Depois de estacionar o carro no passeio do bairro social como sempre o fazia, acendeu, sem o saber, o seu último cigarro à porta de casa. Olhou em volta para a rua deserta e respirou fundo. Apenas alguns cães abandonados vasculhavam o lixo. Ainda faltavam horas até que os primeiros habitantes começassem a sair dos seus exíguos apartamentos, para se dirigirem para o centro da cidade. Ele sempre odiou aquele lugar insalubre. Finalmente, a oportunidade que lhe tinha sido apresentada pelo seu patrão Dom Bento, aumentava as perspectivas de se poder mudar para uma área melhor. A sua jovem esposa não gostava que ele trabalhasse toda a noite como segurança, mas o salário que tal proporcionava era bem-vindo.

    Foi-lhe comunicado no início da noite, ao chegar conforme previsto a um dos clubes nocturnos onde deveria coordenar os seguranças, que necessitaria de ir urgentemente à sede no centro do Porto. Tal não poderia ser bom sinal. Durante toda a viagem pensou no que poderia ter feito mal. Talvez tivesse mentido, sem qualquer intenção, na quantidade de horas de trabalho do último mês. O nervosismo aumentou vertiginosamente até entrar numa sala com quatro seguranças e o boss Dom Bento. Pensou que seria punido fisicamente pelo possível engano, como era costume acontecer aos outros seguranças. Isso significaria que iria passar os próximos meses a recuperar de lesões. Talvez tivesse a sorte de apenas lhe partirem algumas costelas, mas antes que se pudesse desculpar, Dom Bento disparou. Todos prestaram a máxima atenção às suas palavras demonstrando respeito.

    ‘Peso, depois de falar com os gerentes, todos me garantiram que és o segurança com maior integridade que temos, portanto decidi elevar-te ao posto de conselheiro pessoal.’ Quando acabou de falar esperou com um sorriso a resposta de Peso. Ele sabia qual o poder que lhe estava a transmitir. O seu sorriso iluminava as feições enrugadas e fazia com que os olhos parecessem menos encovados, mas ele raramente ria. O seu fato dava-lhe presença sobre a sua camisa branca imaculada, iluminando a cara, o que lhe retirava algum peso e idade.

    O cargo de conselheiro pessoal descrito na listagem de empregados referia-se, na verdade, aos seguranças privados do próprio Dom Bento. A luta entre seguranças da noite estava a ficar cada vez mais violenta e Dom Bento sabia que precisava de melhorar a sua segurança pessoal sempre que fazia a ronda pelos clubes nocturnos.

    Peso ficou sem palavras. Sorriu e acenou ‘sim’ com a cabeça, entusiasticamente.

    Peso era o diminutivo de Pedro Sousa. Até então, ele ganhara a vida com pequenos trabalhos, mas desde que tinha sido contratado como segurança privado de algumas discotecas da noite do Porto, a sua vida parecia ter encarreirado pelo caminho certo.

    A sensação de alívio misturada com a oportunidade de se tornar numa das pessoas mais importantes da agência encheu-lhe o espírito, antes de se começar a preocupar com as novas responsabilidades. Já lhe tinham sido incumbidas diversas tarefas importantes, relacionadas até com o funcionamento internacional da agência e dos clubes nocturnos, mas ele nunca tinha imaginado conseguir um lugar de conselheiro. Durante a noite, necessitaria de ter mais atenção a quem se aproximava do seu boss. Ficou encarregue de filtrar e de afastar todos os indesejáveis, e, caso algum membro de uma agência de segurança rival se aproximasse em demasia, era esperado que ele retaliasse quase mortalmente de forma a proteger Dom Bento e a manter o seu nível de respeito intacto. Isso faria com que chegasse a casa ainda mais tarde mas, em compensação, o seu salário iria dobrar. Por vezes precisaria até de substituir o próprio Dom Bento em negociações. Ele avisou de imediato a sua esposa Joana por telemóvel que por sua vez ficou também radiante.

    A noite passou sem incidentes de maior. Após conduzir Dom Bento até casa no centro do Porto parou numa roullote de cachorros quentes na marginal do rio Douro para matar a fome. Só depois se dirigiu para casa, em Vila Nova de Gaia.

    Enquanto inalava o fumo à porta do seu edifício, tentou sonhar com o futuro. O sono já não o incomodava mas os seus sentidos estavam notoriamente mais lentos, o que fez com que não reparasse no homem que se esgueirou da lateral do edifício para a traseira do seu carro.

    Com um suspiro enfumarado, elevou a cabeça para saborear o vento fresco da manhã. As nuvens alaranjadas pelo sol passavam devagar entre os edifícios de tijolo burro e eram reflectidas nas janelas de caixilharias brancas. Como num sonho, após um piscar de olhos, uma janela estilhaçou-se como uma explosão. Peso assistiu horrorizado enquanto um corpo voava do quarto andar até ao chão. Naquele segundo, ele admirou a silhueta inanimada que saiu pela janela. A mesma silhueta que tinha jurado amar para o resto da sua vida. No mesmo momento, um desconhecido saltou detrás do carro de Peso com uma arma em punho. Peso conseguiu ver a sombra pelo canto do olho, mas não olhou. Pensou em reagir imediatamente, pensou em rodar o pescoço para a sombra ameaçadora, mas a vontade de olhar para a sua esposa Joana foi maior. Seguiu o corpo da sua amada até ao chão. Os cães olharam estupefactos para a janela e começaram a fugir com a cauda entre as patas. Alguns pardais e pombas em árvores próximas esvoaçaram abanando ramos. Mas Peso permaneceu imóvel com o fumo do cigarro a queimar-lhe os dedos. As emoções transbordaram dentro de si, fazendo-o inspirar um pouco de ar fresco que lhe limpou os pulmões. A adrenalina foi introduzida na sua corrente sanguínea mas ele não conseguiu mexer nenhum músculo. Toda a energia, toda a impetuosidade, foi canalizada para o olhar atento sobre o corpo flutuante. Quando a figura dela embateu no chão, Peso tinha já revivido todos os momentos que passaram juntos. No mesmo instante, quando uma bala o atingiu na têmpora direita, todos os mesmos pensamentos se desvaneceram. Peso nunca ouviria de novo a voz de Joana. A sua imagem não ficaria gravada na sua memória. Ela nunca lhe contaria como tinha acordado a meio da noite com um som abafado. Nunca lhe descreveria o arrepio na espinha que a alertou para o perigo eminente, apesar de nunca se assustar com facilidade. As suas últimas palavras em pânico nunca seriam ouvidas por Peso e ele nunca a salvaria dos encapuçados que romperam pelo quarto onde estava deitada.

    O autor do disparo vasculhou a carteira de Peso e em seguida colocou a arma na sua mão para dissimular um homicídio seguido de suicídio, e caminhou para as traseiras do prédio onde se sentou no Audi A4. Antes de dobrar a esquina, olhou para trás, ligeiramente orgulhoso do seu trabalho. Nunca iria ser descoberto. A terrível violação de Joana seria mais tarde atribuída a Peso. A sua atitude violenta era já famosa no bairro e em vários locais da noite do Porto. Ainda na mesma noite, ele tinha sido provocado de modo a agredir um jovem em plena rua, para protecção de Dom Bento e essa atitude leviana tinha ficado registada pelas novas câmaras de segurança que protegiam as inseguras ruas da cidade do Porto.

    A notícia apareceu no jornal do dia seguinte.

    ‘Homem de Gaia assassina mulher e suicida-se em seguida.’

    Capítulo II

    Henrique de Guerra olhou para as montanhas quando saiu de casa. Tinha por hábito tomar o ‘mata bicho’ na casa dos seus vizinhos, antes de se dirigir para o seu terreno para tratar dos vegetais. A paixão por trabalhar a terra, descobriu-a na aldeia. Durante os últimos anos, após ter regressado da sua experiência como emigrante onde teve a oportunidade de entender a razão para a sua existência, aprendeu a arte do cultivo no pequeno terreno que adquiriu. Estação após estação, usou o seu próprio suor para fazer a terra desabrochar. O prazer de ver as plantas crescer incentivou-o a continuar até que percebeu que conseguia viver apenas com o que a terra lhe fornecia. Em dois anos, viu as suas jovens mãos calejarem. Os seus músculos ficaram mais definidos.

    Por vezes, durante alguns meses, procurava um emprego na cidade, apenas para conseguir adquirir pequenos luxos electrónicos, que de outra forma não conseguiria. No entanto, todo o alimento que necessitava vinha da terra. Toda a comida usada nas refeições locais era produzida na própria aldeia. Esses breves empregos citadinos proporcionavam encontros amorosos, que nunca duravam mais que alguns meses. Quando regressava à aldeia, após ter arrecadado dinheiro suficiente para um novo computador ou telemóvel, apagava sem razão aparente a chama da paixão com a distância.

    Henrique gostava da paz das montanhas. Levantava-se cedo todos os dias para ver o sol ascender atrás da serra que protegia a aldeia, aquecendo todo o vale. Esperava ver os habitantes saírem das suas casas de pedra como costume. Por vezes, amigos da cidade visitavam-no, por vezes aldeões vizinhos. Todos os dias, alguém aparecia para agradecer os seus feitos. Henrique minorava as suas acções. Tinham sido ora actos de bondade que o levaram a emprestar dinheiro a alguém em dificuldade, ora cartas de recomendação para jovens que ansiavam sair da aldeia para a grande cidade e tinham como intuito encontrar emprego. Muitos dos aldeões caíam frequentemente em contos do vigário. Henrique servia assim como filtro para ajudar os seus vizinhos iletrados a não entregar dinheiro a estranhos. Astuciosamente, de forma a surpreender os burlões, Henrique fingia-se aldeão com algum dinheiro guardado de forma a convencer os aldrabões a voltar, quando tinha já convidado os seus amigos da GNR local para os prender.

    Enquanto viveu na Finlândia como emigrante, para fugir aos tempos difíceis de Portugal, nunca tinha tido a oportunidade de comunicar com a comunidade, uma vez que os Finlandeses lhe pareciam muito fechados. Depois de se mudar para a aldeia encontrou essa nova paixão, a de usufruir de amizades vizinhas.

    Naquela manhã, ele acordou com um sentimento de desconforto. Saiu de casa ainda de noite e sentou-se no frio banco de granito com um jornal velho que tinha comprado na aldeia no dia anterior. O sol nasceu calmamente e Henrique admirou-o como se fosse o último nascer do sol. Sempre preferira o nascer do sol ao pôr-do-sol. Um dia de novas e excitantes oportunidades apresentava-se com o primeiro raiar de luz. Ao olhar para o primeiro raio de sol imaginava a distância que o separava da sua origem. Henrique sabia que ele tinha percorrido milhares de quilómetros em oito minutos. Pensou em caminhar pela aldeia. Sempre que o fazia, era convidado pelos habitantes para comer carnes fumadas e beber copos de bagaço e aguardente. Esse era o verdadeiro ‘mata-bicho’ e dava força para um dia de trabalho na terra. Enquanto aquecia ao sol, como um animal de sangue frio, Henrique viu um jipe UMM aproximar-se pelas estradas esburacadas da aldeia. Dentro dele estavam um militar de alta patente e um homem engravatado.

    Henrique continuou sentado na sua pedra de granito a admirar a envolvente enquanto o jipe se aproximava. Ele sabia que aquele dia iria ser diferente. Acendeu um cigarro com o seu Zippo enquanto via o veículo aproximar. Analisou a condução e as silhuetas no seu interior sem preocupação. O seu receio baseava-se nas notícias que lhe trariam os dois estranhos.

    O militar, com as insígnias de Capitão, saiu do UMM e o homem de fato ficou ao volante. Henrique manteve-se concentrado a olhar para o Capitão, enquanto segurava uma faca sob o jornal vendo o militar aproximar-se com cuidado.

    Henrique, sentado, manteve uma posição imutável, olhando friamente para ambos que se mantinham em linha, receando ao que viriam.

    ‘Bom dia Sr. de Guerra, o meu nome é José Castro.’ O militar tinha ouvido falar do temperamento austero que Henrique ganhara ao longo dos anos portanto optou por uma aproximação cuidada, uma vez que iria necessitar do seu auxílio.

    ‘Que deseja senhor Capitão? Seja breve.’. Henrique tinha deixado de confiar em desconhecidos, mantendo o seu círculo de amigos fechado. Essa atitude apareceu naturalmente ao longo dos anos, mas algo lhe dizia que o militar estava ali para pedir ajuda.

    ‘O seu nome e localização foi-nos indicado pelo Guarda-Mor. Pertencemos ao Observatório de Segurança Nacional. Pensamos que Portugal está em perigo e precisamos da sua ajuda. Mas se desejar, não o incomodaremos mais.’

    Tanto o militar como Henrique sabiam que ele nunca recusaria.

    Os seus feitos passados tinham-lhe garantido o reconhecimento pela Ordem de Bragança. Henrique possuía ainda vívidas as imagens dessa cerimónia. A sua mente relembrou-se de todos os momentos de imediato. O local utilizado tinha sido uma cave de Vinho do Porto, secreta e obscura, na margem de Vila Nova de Gaia. Naquela noite, tinha sido preenchida pela maior quantidade de Nobres que Henrique alguma vez tinha visto. No fim da cerimónia, Henrique foi chamado a uma sala privada pelo Guarda-Mor. A sala tinha alguns barris encostados a uma parede e do lado oposto, estava uma mesa de madeira. Sobre ela descansava uma caixa negra de madeira trabalhada com um enorme cadeado. Esse homem, que astuciosamente conseguia manter a face na penumbra, anotou todos os dados de Henrique, com o seu consentimento, num pequeno e frágil papel amarelecido. Quando acabou de escrever, tirou do bolso uma chave ferrugenta e abriu a caixa para guardar o papel. Lá dentro, Henrique viu dezenas de outros papéis, manuscritos pela mesma mão.

    ‘Eu mantenho esta informação segura. Garanto que só serás incomodado caso a tua ajuda seja essencial para a segurança da pátria.’

    Henrique sorriu incrédulo, em dúvida se as palavras daquele homem teriam algum real significado.

    O homem olhou para o anel de prata que Henrique ostentava, representação física da sua linhagem.

    ‘Tens a tua carta?’

    ‘Carta de condução?’, Henrique não sabia a que o Guarda-Mor se referia e achou estranho precisar de a mostrar naquele momento, mas levou a mão à carteira que estava no bolso interno do casaco. O Guarda-Mor olhou-o sobre os óculos, para perceber se Henrique estava a brincar, mas rapidamente entendeu pela sua expressão que não sabia do seu paradeiro, o que o deixou preocupado.

    ‘O seu pai deixou-nos inesperadamente. Não teve tempo para tratar dos últimos detalhes. Não se preocupe, De Guerra. Eu farei com que toda a informação lhe chegue às mãos. Até lá, como Nobre que és, deverás proteger os inocentes. Estou certo de que o teu pai te falou disso enquanto eras criança. Procura no teu interior, procura no teu ser, e vais saber sempre o que fazer. És Nobre.’ Dizendo isto, fez uma respeitosa vénia com a cabeça e com a mão indicou-lhe o caminho para a porta.

    Henrique tinha saído dessa reunião certo de que seria contactado. Pensou durante dias no que lhe tinha sido dito. Pensou no que representaria o seu anel e em como gostava de ajudar o próximo. Era óbvio que o risco de atentados terroristas tinha aumentado e seria necessária toda a ajuda possível para conseguir desmantelar essas redes.

    Quando os dois militares apareceram em sua casa, Henrique acreditou que tivessem obtido informações pelo Guarda-Mor, mas o seu instinto não o deixou largar a faca escondida debaixo do jornal até ao fim da conversa.

    Depois de uma ligeira pausa respondeu, finalmente.

    ‘Sim, estou disposto a ajudar, caso se trate da segurança da pátria. Quando?’

    ‘Precisamos de partir de imediato.’

    Henrique quebrou a sua impassividade pela primeira vez, arregalando um pouco os olhos. Quando voltou a prestar a máxima atenção aos dois estranhos, tentou analisar qualquer acção que desmascarasse o Capitão como impostor, sem sucesso.

    ‘Sei que é um pouco repentino. No carro está um agente da SIS. Ele pode apresentar-lhe o dossier enquanto o levamos para a cidade. A República Portuguesa ficar-lhe-ia extremamente grata.’

    Henrique analisou o seu olhar. Pareceu-lhe honesto. Em seguida analisou a envolvente. Respirou as últimas passas de fumo do seu cigarro e atirou-o para longe. O UMM tinha uma matrícula militar, começada por MX. A cor era verde azeitona e Henrique sabia que essa cor era reservada a veículos do exército. O pára-brisas não tinha qualquer selo. Mas o que lhe deu segurança foi a expressão apreensiva do agente no veículo, sem qualquer réstia de crueldade. Antes do militar pestanejar, Henrique ergueu-se ainda com a faca na mão, sem lhe dar tempo para reagir. O militar assustado deu um passo atrás. Henrique sorriu e pousou a faca na pedra de granito.

    ‘Só demoro um minuto. Vou fechar a casa e buscar a carteira.’

    O militar respirou de alívio e voltou para o UMM ainda um pouco atordoado por ter visto a faca na mão de Henrique.

    Quando o militar se sentou no veículo, desabafou para o agente:

    ‘Bem... não estava a contar com esta. Ele podia ter-me limpado o sebo naquele segundo.’

    ‘Também não estava a prever aquilo.’

    ‘Acho que vamos ter de manter este debaixo de olho, para não nos causar problemas. Pode eliminar alguém importante.’

    O agente da SIS sorriu.

    ‘O Guarda-Mor avisou que este Nobre era perigoso. Mas disse, também, que daria a vida pela pátria. Disse-me que lhe estava no sangue.’

    ‘Vais dar-lhe já a encomenda?’, perguntou o agente da SIS.

    ‘Primeiro, vamos apresentar-lhe o caso. Só depois, quando o deixarmos na cidade, damos-lhe também a encomenda do Guarda-Mor, para ele não se distrair.’

    Um pouco irrequieto e entusiasmado por voltar à cidade, Henrique correu pela casa, agarrou em duas calças jeans, tirou algumas camisas da gaveta e pegou em alguma roupa interior. Dobrou tudo, sem grande complexidade para dentro de um pequeno saco de viagem que colocou às costas. Na mesa-de-cabeceira, um banco de Alvar Aalto, tinha alguns preservativos e um relógio CK minimal branco. Pegou no relógio e colocou-o no pulso. Lembrou-se que tinha protecção na carteira, caso necessitasse. A última relação que tivera foi com uma empregada de mesa de um restaurante, onde tinha trabalhado em part-time e tinha acontecido há já alguns meses.

    Depois de apertar os atacadores das suas Panama Jack, vestiu um blazer preto e saiu do quarto.

    Tudo demorou menos que um minuto. Em seguida, pegou na escova dos dentes, fechou a água e desligou as luzes, antes de carregar o saco até ao exterior, fechando a porta atrás dele.

    Embora o militar não tivesse dito quanto tempo Henrique iria estar fora, ele suspeitava ser bastante. Talvez por ser o primeiro contacto desde o emissário da ordem de Bragança, talvez por ter mencionado que a ‘República Portuguesa ficaria agradecida’. Henrique colocou a carteira no bolso interior direito do casaco. Enquanto caminhava para o UMM, olhou em volta. Admirou a aldeia oculta na montanha com os seus escassos habitantes. O pacífico Tâmega banhava as eiras carregadas de parra e uvas maduras e corria lentamente para o Douro.

    Naquele momento, tudo pareceu deserto. Algo lhe dizia que já tinha sonhado com aquele cenário, naquele preciso momento. No entanto, não teve tempo para se lembrar quando tinha sido. Ao chegar ao UMM, o homem engravatado apresentou-se.

    ‘Bom dia senhor De Guerra. O meu nome é Narciso Oliveira. Sou um agente de informação especial do Estado, a conhecida SIS.’

    Depois de o cumprimentar, os três conduziram pelas apertadas estradas da aldeia de Gondar em direcção à serra.

    Durante a viagem para o Porto, Henrique admirou as montanhas como tinha feito tantas outras vezes. Porém, desta vez sentindo a pátria em perigo, nutriu um especial carinho pelo cenário.

    ‘A situação é relativamente simples, precisamos de um agente infiltrado que nos possa transmitir informações sobre uma empresa de segurança que pensamos estar envolvida em crime organizado.’

    Henrique já conhecia as polémicas do crime organizado do Porto ligado a seguranças de alguns clubes nocturnos, mas não entendia como tal podia pôr em causa a segurança nacional.

    ‘De que forma é que esses pequenos casos põem a segurança do país em risco?’

    ‘Bem... O dossier ao seu lado tem os dados de uma empresa de segurança assim como de todos os membros que se acredita terem ligações com o crime organizado. Atribuímos-lhes a autoria de vários assassinatos recentes, pelo que os consideramos muito violentos. Já os seguimos há algum tempo e conseguimos, através de escutas telefónicas, bastante informação indicando que serão eles os responsáveis pelo tráfico de Iranianos para o Canadá, mas precisamos de ajuda interna para descobrir como o fazem e para capturar o cabecilha, Vlad Skripnikov que se esconde atrás da fachada da empresa de segurança.

    ‘E essa é a ameaça a Portugal? Estarem a traficar pessoas para o estrangeiro?’

    O agente Oliveira olhou para o Capitão Castro.

    ‘Bem... na verdade vamos precisar de lhe contar tudo o que não está nesses ficheiros. O tráfico de pessoas para o Canadá é feito em troca de um produto. Pensamos que esse produto seja apenas informação, mas se estivermos correctos, então essa informação traficada será extremamente valiosa. Mas continuamos sem saber como ou onde se podem estar a comunicar. Esta organização mantém linhas muito fechadas de comunicação. Não lhes conseguimos extrair nada, nem mesmo com todas as escutas nos telefones e descodificação de mensagens enviadas pela Internet. Apenas agora, encontrámos uma oportunidade para nos infiltrarmos na organização. Por isso é que precisamos de si.’

    ‘Mas porque não usam o telemóvel dele para escutar todas as conversas que ele tem, a tempo inteiro? Soube recentemente que basta enviar um vírus dissimulado para o telemóvel, para que o microfone deste fique sempre ligado, transformando-o numa escuta muito fiável, uma vez que andamos com os telemóveis a tempo inteiro.’ Henrique falava com naturalidade, mas o agente Oliveira ficou impressionado e tirou os olhos da estrada esburacada por momentos.

    ‘Como é que você sabia disso? Esse ‘vírus de escuta’ nunca foi amplamente divulgado!’

    ‘Sabe que apesar de viver numa aldeia tenho ligação à Internet.’, Henrique disse-o num tom de escárnio. ‘Portanto, tenho sempre acesso a todas as informações do vosso mundo. Além do mais, gosto de estar atento a qualquer tipo de ataque.’

    O agente hesitou um pouco antes de responder. ‘Pois, é verdade que temos um vírus implantado no telemóvel dele, mas o Vlad é muito cuidadoso. Tem o telemóvel desligado sempre que pode.’

    Enquanto o

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1