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Todas as coisas no seu lugar
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E-book100 páginas1 hora

Todas as coisas no seu lugar

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Sobre este e-book

Sara tem pouco mais de vinte anos e descobre que tem um tumor. A doença, embora devaste a sua existência, constitui uma ocasião para se pôr em jogo. Continuar a fazer prgramas, a lutar e a amar, a querer com todas as forças a sua vida, a tal ponto que até a sua relação com o seu médico, Roberto, sai das paredes do hospital e catapulta-se para a vida real, onde amor e medo se cruzam num emaranhado de emoções fortes. A medir o tempo existem os internamentos no hospital, os exames que nunca mais acabam, as lágrimas, os sorrisos, a consciência de uma doença que não a quer deixar, e o  renascer de uma rapariga que é obrigada demasiado cedo a tornar-se mulher.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento4 de out. de 2015
ISBN9781507112397
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    Todas as coisas no seu lugar - GIULIA DELL'UOMO

    1.

    — Sara, tens de voltar a tirar sangue. Estica o braço.

    Ainda estou a dormir, quando a voz da enfermeira ressoa na minha cabeça como um eco. Não estou a sonhar, e, antes de me aperceber disso, sinto a agulha que me fura a veia e vejo a seringa a ficar vermelha. Estendi o braço inconscientemente, talvez de forma automática.

    — Já está! Pressiona com força, vou pôr-te o penso.

    Ok, agora já me lembro onde estou e quem sou. Bocejo e espreguiço-me, com alguma energia, enquanto a enfermeira sai. Pela janela entra uma fresta de luz ténue. Espalha-se pela sombra da sala, atravessa a escuridão destas quatro paredes que me separam do mundo exterior.

    Puxo os cobertores até cima, olho para o relógio. São quase seis da manhã, felizmente ainda posso dormir. Fecho os olhos e o barulho do telefone em cima da mesa-de-cabeceira traz-me de volta à realidade. Uma mensagem. Pai. "Olá minha princesa, não te preocupes. Jesus está a tomar conta de ti neste percurso."

    Sempre me disseste que era preciso paciência, pai, mas, se calhar, às vezes, a vida mete-nos à prova. Por isso percebo que se estás acordado a esta hora, é porque a preocupação te leva o sono e não permite aos olhos fecharem-se e ao cérebro desligar. O cérebro não, esse está sempre em movimento, até está presente demais, demasiado consciente. Se falas de Jesus, pai, e tu nunca falas dele, isso significa que, lá no fundo, acreditas. Acreditas que existe um Deus que olha por nós, lá de cima, e que toma conta de nós. Ou, se calhar, acreditas que nos podemos agarrar a Deus em momentos como este. Se falas dele, uma coisa é certa: tens olhado para dentro de ti e precisas de alguma coisa grande à qual te possas agarrar. Algo forte, que, não obstante o mistério, existe, desde sempre, e para sempre. Aquilo que a ciência não te pode dar. Aprecio isso. Aprecio isso porque me demonstras o teu medo enquanto tentas vencer o meu. Chamares-me princesa é já um grande presente para afastares esse medo. E, quando me dizes que Jesus tomará conta de mim, fico contente. Quero pensar que é mesmo assim. Mais tarde ou mais cedo tudo irá passar. Eu garanto-to, prometo-to. Farei de modo a restituir-te o sorriso depois da tristeza. A tempestade chegou, mas quando terminar, os nossos passos serão suaves, o equilíbrio mais estável e, passo a passo, iremos prosseguir, mais conscientes, mais fortes. Não voltaremos a cair. Eu prometo-te, pai.

    A minha colega de quarto dorme profundamente. Ressona alto, faz um barulho horrível, parece um trator. É quase um milagre que eu consiga dormir com ela ao meu lado. Foi operada há uns dias e irá ter alta brevemente. Agora dorme sonos tranquilos, e é por isso que permitoque se transforme numa pequena escavadora, de noite, e não lhe digo nada. No fundo, merece-o. O medo dela era o de não voltar a ver os netos. Quando a conheci, há poucos dias, disse-me Sabes, eu sou avó de dois meninos fantásticos. São a alegria da minha vida, e quando soube que tinha esta coisa, a primeira coisa em que pensei foi neles. Depois foi o desalento, depois o terror. Depois, comecei a rezar. A Fabiola, é este o seu nome, nunca diz o nome da sua doença. Como se assim não existisse. Como que se não a nomeando não a deixasse aparecer, improvisamente, e preencher demasiado espaço na sua cabeça. Uma forma de autodefesa. Uma escolha para sobreviver. Os meus netos para mim são filhos duas vezes! Gosto muito deles para os deixar sozinhos!. Sorri-lhe melancolicamente, porque os problemas, infelizmente, existem, mesmo se não os nomearmos.

    Há um momento na vida de todas as pessoas em que nos preguntamos porquê?. Todos, mais tarde ou mais cedo, nos interrogamos sobre a existência, em voz alta, tentando perceber o motivo pelo qual fomos escolhidos para um determinando acontecimento. Um dos meus filmes preferidos diz assim: A ninguém acontece alguma coisa que não seja capaz de suportar. Claro, até deve ser verdade. Mas eu sei que há algo mais subtil, algo mais intimamente ligado ao destino. Acho que todas as vidas já estão escritas num livro que podemos folhear apenas quando os acontecimentos narrados ganham forma, e, que somos apenas peões, que todos os dias se movimentam neste planeta, olhando para o céu à procura de respostas. Mas, se calhar, por vezes, a resposta a todos esses porquês seja mais simples do que aquilo que pensamos.

    Tinha de ser assim, pura e simplesmente. Talvez para alguns possa parecer uma solução simplicista, superficial, mas de que serve dar sentido ao inexplicável? Aqui, dentro das paredes deste hospital, mais ou menos todos já fizeram essa pergunta a si mesmos. Muitos, certamente, deixaram de interrogar-se. Já atravessaram a fase dos socos na parede, dos gritos e das choradeiras desesperadas. Já passaram bastantes noites sem dormir, noites de pesquisa na internet, de pancadinhas nas costas dos amigos mais íntimos. E agora, estão a combater, com todas as forças, porque não importa o motivo pelo qual estão em guerra. Só importa que se está em guerra, é preciso arregaçar as mangas e fazer o salto no vazio mais corajoso de toda a vida. Sem saber se afogarão ou se, e quando, voltarão à superfície. Mas é um risco necessário. Porque o tempo gasto a chorar quando descobres que és o soldado escolhido, ninguém to restitui. Cada segundo é fundamental, todos os segundos são fundamentais para poder ser o primeiro a jogar e tentar vencer. Não existem outras táticas senão a de correr rapidamente e ter coragem para percorrer muitos quilómetros, sem nunca perder o fôlego. Sem nunca nos rendermos.

    2.

    Aconteceu há uns dias. Numa tarde de fevereiro, quando tinha vinte e um anos. Tinha voltado da universidade. A minha mãe apareceu à porta:

    — Tenho uma coisa para te dizer.

    A minha mãe é uma mulher forte. Talvez seja a mais forte que eu conheça, a tal ponto que, muitas vezes, me parece que é como uma pedra. Enfrenta os problemas de peito, tem a mente sempre lúcida e racional, e consegue encontrar uma solução para tudo, analisar o obstáculo e superá-lo. As minhas amigas dizem que eu me pareço com ela, que tenho a cabeça de uma adulta e que sou a mais forte delas todas. Não sei se é verdade, mas como gostaria que assim fosse.

    Mas, daquela vez, a sua voz tremia pela emoção, os seus olhos falavam por ela. Pegou-me na mão e apertou forte. Depois, abraçou-me e, tentando manter a máxima serenidade disse:

    — Vai correr tudo bem, querida!

    Ela sabia que eu já tinha percebido do que é que ela estava a falar. Foi sempre assim entre nós as duas, temos a capacidade de percebermos o que vai na alma uma da outra.

    Alguns dias antes, uma sonda no meu pescoço, na luz ténue da sala do hospital. Bastou uma agulha para me tirarem as células. Para penetrar nos meus tecidos, para empurrar para o fundo, tão fundo, e reemergir com um

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