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A rendição mais obscura
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A rendição mais obscura
E-book423 páginas5 horas

A rendição mais obscura

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Sobre este e-book

Ao princípio, melhor prémio de todos não era o mais desejado!

Strider estava possuído pelo demónio a Derrota e, se perdesse um único desafio, sofria uma dor inimaginável. Para ele, nada podia interpor-se no caminho para a vitória. Até que Kaia, uma harpia encantadora, o tentou e conduziu-o ao limite da rendição.
Entre a sua gente, Kaia tinha o cognome de "a Deceção", e devia ganhar a "medalha de ouro" nos Jogos das Harpias ou morrer. Não podia distrair-se com Strider porque ele tinha os seus próprios planos. O imortal queria roubar o primeiro prémio, um artefacto fabricado pelos deuses, antes que o vencedor o levasse. Contudo, à medida que avançava a competição, os dois começaram a desejar unicamente um prémio: o amor que nunca tinham achado possível…
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de set. de 2012
ISBN9788468706221
A rendição mais obscura
Autor

Gena Showalter

Gena Showalter is the New York Times and USA TODAY bestselling author of over seventy books, including the acclaimed Lords of the Underworld series, the Gods of War series, the White Rabbit Chronicles, and the Forest of Good and Evil series. She writes sizzling paranormal romance, heartwarming contemporary romance, and unputdownable young adult novels, and lives in Oklahoma City with her family and menagerie of dogs. Visit her at GenaShowalter.com.

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    A rendição mais obscura - Gena Showalter

    Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

    Núñez de Balboa, 56

    28001 Madrid

    2011 Gena Showalter. Todos os direitos reservados.

    A RENDIÇÃO MAIS OBSCURA, N.º 43 - Setembro 2012

    Título original: The Darkest Surrender

    Publicada originalmente por HQN™ Books

    Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados.

    Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

    Todas as personagens deste livro são fictícias. qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

    ® ™, Harlequin, logotipo Harlequin e romantic Stars são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV.

    ® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

    As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros pases.

    I.S.B.N.: 978-84-687-0662-1

    Editor responsável: Luis Pugni

    Conversão ebook: MT Color & Diseño

    www.mtcolor.es

    Só da maravilhosa mente criativa de Gena Showalter é que podia ter surgido um livro tão surpreendente como A Rendição Mais Obscura.

    Um romance paranormal onde os acontecimentos se sucedem vertiginosamente e os cenários mudam tão depressa que os nossos protagonistas mal têm descanso: um guerreiro imortal, que alberga na sua mente um demónio e uma harpia bela, forte e divertida.

    Enquanto ambos vivem todo o tipo de aventuras e perigos, a nossa harpia desinibida tentará conquistar este Senhor do Submundo incapaz de aceitar uma derrota.

    Estamos certos de que esta história carregada de emoção e humor manterá o leitor acordado desde a primeira até à última página, por isso não queremos deixar passar a oportunidade de o recomendar tanto aos fãs de Gena Showalter como a todas aquelas pessoas que desfrutam do género.

    Os editores

    Para Donna Glass, uma Bianka Skyhawk da vida real. O teu apoio e o teu entusiasmo pelos meus Senhores do Submundo emocionam-me mais do que consigo explicar. Obrigada, obrigada, mil vezes obrigada! (Mencionei que estou agradecida?) E da parte de todos os guerreiros que estão a viver neste momento na fortaleza de Budapeste: são bem-vindos, voltem quando quiserem. Gideon acrescenta: «Espero que não o façam!» E Lysander diz que há uma nuvem com o seu nome ao lado da dele.

    Prólogo

    Há mil e quinhentos anos...

    Ou há um milhão de anos

    (Depende da perspetiva)

    Pela primeira vez, os bicentenários Jogos das Harpias acabaram com mais participantes mortas do que vivas e todas as sobreviventes sabiam que a culpada era Kaia Skyhawk, de catorze anos.

    O dia começou inocentemente. Sob o sol brilhante da manhã, Kaia andava pelo acampamento de mão dada com a sua irmã gémea, Bianka. Havia lojas por todo o lado e fogueiras para os proteger do frio matinal. O ar cheirava a bolachas e a mel e ela sentia água na boca.

    As harpias suportavam uma maldição dos deuses, uma maldição que as condenava a não poderem comer nada que não roubassem ou ganhassem. Se comessem alguma outra coisa, ficavam doentes. Assim, o pequeno-almoço de Kaia fora escasso: um pouco de torta de arroz e meia garrafa de água. Tirara ambas as coisas dos alforges de um humano.

    Talvez devesse apropriar-se de alguma bolacha de um clã rival, pensou. No entanto, abanou a cabeça. Não, teria de ficar com um pouco de fome. O seu povo não tinha muitas regras, mas tinha algumas, e respeitava-as à letra. E essas regras eram não adormecer num lugar onde os humanos pudessem encontrá-los, não revelar uma fraqueza a ninguém e, a mais importante, não roubar comida aos da sua própria raça, mesmo que os odiasse.

    – Kaia? – chamou a sua irmã, num tom de curiosidade.

    – Sim?

    – Sou a rapariga mais bonita que há aqui?

    – É óbvio.

    Kaia não teve de olhar à sua volta para o confirmar. Bianka era a rapariga mais bonita do mundo inteiro. No entanto, algumas vezes esquecia-o e tinha de lho recordar.

    Enquanto Kaia tinha um cabelo ruivo horrível e uns olhos cinzentos muito normais, Bianka tinha o cabelo preto e espesso e os olhos brilhantes cor de âmbar. Era a imagem viva da sua mãe, Tabitha, a Cruel.

    – Obrigada – agradeceu Bianka, sorrindo de satisfação. – Eu penso que tu és a mais forte.

    Kaia nunca se cansava de ouvir os elogios da sua irmã. Quanto mais importante era uma harpia, mais respeito ganhava. De todos. E Kaia desejava o respeito acima de tudo.

    – Mais forte do que...

    Observou as harpias que havia pela zona à procura de alguém com quem se comparar. As que tinham idade suficiente para participar naquelas provas tradicionais de poder e astúcia estavam a preparar-se para o último evento, O Confronto Imortal Definitivo.

    Finalmente, Kaia viu uma adversária com quem podia comparar-se.

    – Sou mais forte do que ela? – perguntou, apontando para uma mulher imponente e musculada, que tinha os braços cheios de cicatrizes.

    As feridas que lhe tinham causado aquelas marcas deviam ter sido muito graves, pois, visto que a sua raça era imortal e as harpias se curavam rapidamente das suas lesões, quase nunca ficavam sinais de alguma derrota.

    – Sem dúvida – respondeu Bianka, lealmente. – Tenho a certeza de que fugiria se tu te aproximasses para a desafiar.

    – Tens razão.

    Quem não fugiria dela? Kaia treinava com mais firmeza do que ninguém e tinha chegado a vencer o seu instrutor em duas ocasiões.

    Talvez algum dia a sua mãe se orgulhasse dela. Há algumas noites, Tabitha dera-lhe uma palmadinha no ombro e dissera-lhe que quase tinha melhorado no lançamento de adagas. Quase. Nunca ouvira um elogio tão doce dos lábios de Tabitha.

    – Vamos – disse Bianka, puxando-a. – Se não nos apressarmos, não teremos tempo para nos lavar no rio e quero ter muito bom aspeto quando o nosso clã destroçar a competição. Mais uma vez.

    Só de pensar nos prémios que a sua mãe ia monopolizar, Kaia enchia-se de orgulho. Os Jogos das Harpias tinham começado a celebrar-se há milhares de anos. Eram uma forma de os clãs conseguirem despachar os seus confrontos sem causar mais guerras e de conseguirem mostrar a sua superioridade. Os anciões de cada uma das vinte tribos reuniam-se e decidiam quais seriam as competições e os prémios.

    Naquela ocasião, cada vencedor das quatro batalhas ganhava cem peças de ouro. As Skyhawk já tinham ganhado duzentas peças. As Eagleshield tinham ganhado cem.

    Ao passar ao lado de um grupo de harpias, as duas irmãs chamaram a sua atenção e Kaia assegurou-se de acariciar o medalhão que tinha ao pescoço. A sua mãe dera-lho há uns meses, como símbolo de força, e a joia era um tesouro para ela.

    Quase todos os que passavam por ela cumprimentavam-na com deferência, embora pertencessem a clãs rivais. Aqueles que não o fizeram... Nenhuma harpia se atreveria a atacar outra em terreno neutro, portanto, Kaia não se preocupou com um possível conflito. Na verdade, não se preocuparia na mesma. Era tão valente como forte.

    Na beira do acampamento, num bosque, notou algo estranho e parou.

    – O que fazem aqui? – perguntou, apontando para um grupo de homens com o peito nu. Alguns mexiam-se com liberdade, mas outros estavam atados a postes e até havia um preso. Que ela soubesse, os homens nunca tinham podido ver os jogos.

    Bianka parou.

    – São consortes. E escravos.

    – Eu sei, mas, o que estão a fazer?

    – Estão a fazer as tarefas, tonta.

    Kaia franziu o sobrolho. A sua mãe sempre indicara a importância de cuidar dela própria primeiro e depois da família, sem se preocupar com os outros.

    – Que tarefas?

    Bianka encolheu os ombros.

    – Estão a lavar roupa, a lavar os pés, a guardar as armas. Já sabes, tarefas serviçais que nós não fazemos porque somos muito importantes.

    Se alguém tivesse um consorte ou um escravo não tinha de lavar mais a roupa?

    – Quero um – disse Kaia e as suas pequenas asas tremeram.

    Como todas as harpias, vestia um top que lhe cobria o peito, mas que era aberto na parte de trás, para poder acomodar as asas, que eram a fonte da sua força superior.

    – Sabes o que a mãe diz.

    – Oh, sim. Com uma palavra amável ganharás um sorriso, mas, quem é que no seu juízo perfeito quer um sorriso?

    – Não, isso não.

    – O quê, então?

    – Se não roubares os tesouros e os homens que desejas, nunca terás os tesouros nem os homens que desejas.

    – Ah... – disse Bianka e olhou para os homens com os olhos esbugalhados. – E qual queres?

    Kaia observou-os. Todos vestiam uma tanga e tinham o corpo manchado de lama e de suor, mas nenhum tinha cortes nem feridas, como ela, e isso indicava que não se enfrentavam no campo de batalha.

    Não, não era verdade, pensou. O que estava preso tinha marcas de batalha e o olhar dos seus olhos escuros era desafiante. Era um guerreiro.

    – Ele – disse Kaia, apontando para ele com o queixo. – Quem é a sua proprietária?

    Bianka olhou para ele e começou a tremer.

    – Juliette.

    Juliette Eagleshield, uma aliada do seu clã. Uma harpia cruel e bela que treinara a própria Tabitha Skyhawk.

    Conquistar o homem que nem sequer ela conseguira domesticar seria...

    – Melhor.

    – Não me parece boa ideia, Kye. Avisaram-nos de que não devemos falar com nenhum dos homens.

    – A mim não.

    – Claro que sim. Tu estavas ao meu lado quando a mamã nos disse. Devias estar a sonhar acordada outra vez.

    Kaia recusou-se a desprezar a ideia que concebera.

    – Há uma nova regra: se uma filha não ouvir o aviso da sua mãe, não tem de o seguir.

    Bianka não se deixou convencer.

    – É perigoso.

    – Nós adoramos o perigo.

    – E também adoramos respirar. Penso que ele preferiria cortar-nos em pedaços a lavar-nos os pés. Já para não mencionar o que Juliette nos fará se conseguirmos domesticar o homem.

    – Juliette não é tão forte como eu. Se fosse, não teria tido de o prender.

    Bianka pensou nisso por um momento e depois assentiu.

    – É verdade.

    – Explicarei o castigo que receberá se me desobedecer e juro-te que não me desobedecerá.

    – Mas, como vais escapulir-te com ele? E onde vais escondê-lo?

    Boa pergunta. No entanto, porque tinha de se escapulir? E porque tinha de o esconder? Se o fizesse, ninguém ia descobrir o que tinha conseguido. Ninguém escreveria histórias de admiração sobre a sua força e a sua ousadia.

    E ela desejava mais aquelas histórias do que o escravo. Precisava daquelas histórias. Como Bianka e ela eram gémeas, os outros gozavam com elas constantemente dizendo que partilhavam o que devia ser só para uma. Beleza, força, qualquer coisa. Tudo. Como se cada uma tivesse metade do que devia ter.

    «Eu sou suficiente sozinha, bolas! E vou prová-lo.»

    Apropriar-se-ia do homem ali mesmo, à frente de todos.

    Kaia virou-se para a sua irmã. Bianka tinha um ar de preocupação, mas isso não impediu que Kaia lhe dissesse:

    – Não permitas que passem deste ponto. Só demorarei um instante.

    – Mas...

    – Por favor. Fá-lo por mim, por favor.

    A sua irmã suspirou.

    – Oh, está bem.

    – Obrigada!

    Kaia deu-lhe um beijo e afastou-se antes de Bianka mudar de opinião. Pegou nas suas adagas. Os homens fingiram que não a viam passar e ninguém protestou. Ainda bem. Já a temiam.

    Quando chegou à frente do objeto do seu desejo, adotou uma pose que vira a sua mãe adotar mil vezes. A anca inclinada e o punho apoiado nela, com a adaga a apontar para fora.

    O homem estava sentado num tronco, com os cotovelos apoiados nos joelhos esfolados. Tinha a cabeça ligeiramente inclinada e o cabelo preto caía-lhe pela testa.

    – Tu – disse, na língua humana. – Olha para mim.

    Ele levantou o olhar para ela, por entre as madeixas enredadas. Kaia pensou que era bonito. Tinha as feições marcadas, um nariz afiado, as maçãs do rosto altas e os lábios finos, embora vermelhos. O seu queixo era forte.

    Kaia apercebeu-se de que só tinha os pulsos presos e que não estava atado a um poste. Ou Juliette não sabia como prender um cativo ou o homem era mais fraco do que ela pensara.

    Sentiu-se dececionada, mas não ia mudar de opinião.

    – És meu – disse ela, atrevidamente. – Se a tua proprietária anterior tentar lutar comigo por ti, vencê-la-ei.

    – A sério? – perguntou ele. Tinha uma voz grave e rouca, como um trovão longínquo. Ela teve de conter um calafrio. – E como te chamas, menina?

    Ela cerrou os dentes e esqueceu a sua apreensão. Não era uma menina.

    – O meu nome é Kaia... Kaia, a Forte.

    Os títulos eram importantes para as harpias. Os anciões das tribos escolhiam-nos e, embora ainda não tivessem escolhido nenhum para ela, Kaia tinha a certeza de que a sua mãe aprovaria aquele.

    – E o que tencionas fazer comigo, Kaia, a Forte?

    – Vou obrigar-te a satisfazer as minhas necessidades, é óbvio.

    Ele arqueou uma sobrancelha.

    – Como por exemplo?

    – Fazer as minhas tarefas. Todas as minhas tarefas. E se não obedeceres, castigar-te-ei com a minha adaga.

    Então, mostrou a adaga em questão. A lâmina da arma resplandeceu sob a luz do sol.

    – E sou muito cruel, sabes? Matei humanos. Matei tantos que sentiam dor depois de morrer.

    Ele não se alterou.

    – Quando começo?

    – Agora.

    – Muito bem.

    Ela esperava uma discussão, uma série de protestos, mas ele limitou-se a levantar-se do tronco. Era, era alto... muito, muito alto.

    Kaia não se sentiu intimidada. Nos treinos, lutara contra pessoas muito mais altas do que aquele homem e ganhara. Bom, talvez apenas um pouco mais altas. Não, na verdade, eram todos mais baixos. Não sabia se havia alguém mais alto do que ele. Não era de estranhar que Juliette tivesse ficado com ele.

    Kaia sorriu. O seu primeiro saque sozinha, em plena luz do dia, e levara o melhor prémio. Tinha escolhido bem. A sua mãe não conseguiria encontrar um só defeito naquele homem e talvez até o quisesse para ela. Talvez depois de acabar com ele, o desse a Tabitha.

    Tabitha sorriria, agradeceria e diria que era uma filha maravilhosa. Finalmente. O coração de Kaia acelerou.

    – Não fiques aí parado – disse e empurrou-o. – Mexe-te.

    Ele cambaleou para a frente, mas recuperou rapidamente o equilíbrio. Andou com a cabeça erguida, mas antes de chegar à beira da clareira onde se encontravam os homens, parou bruscamente.

    – Continua! – ordenou ela.

    – Não posso. Esta clareira foi rodeada com sangue de harpia e as algemas impedem-me de sair dela sem sofrer uma dor insuportável.

    Ela olhou para ele com os olhos semicerrados.

    – Não sou tola. Não vou tirar-te as correntes.

    – Não tens de o fazer. Só tens de acrescentar o teu sangue ao círculo e depois manchar as correntes com uma gota e poderás guiar-me sem problemas.

    Ah, sim! Ela já tinha ouvido falar das correntes de sangue. As pessoas que as usassem ficavam presas dentro de um círculo, por muito pequeno ou grande que fosse, e aquela restrição só podia anular-se com o sangue de outra harpia.

    – Boa ideia!

    Olhou para o acampamento. Ninguém reparara nela, mas Bianka estava a mexer-se com um pouco de nervosismo, olhando para a sua irmã e para os outros, com uma expressão suplicante.

    Kaia cortou a palma da mão com a adaga e deixou cair umas gotas de sangue no chão. Depois, passou a ferida pela corrente que havia entre os pulsos do homem. Depois, correu para ele e empurrou-o novamente.

    Ele passou o círculo, cambaleando. Depois, parou, abanou a cabeça, esticou as costas e virou os ombros. Kaia voltou a empurrá-lo, mas naquela ocasião não conseguiu mexê-lo. Então, ele virou-se e sorriu. Antes de ela conseguir perceber o que se passava, ele agarrou-a pelo pescoço e levantou-a do chão.

    Kaia esbugalhou os olhos enquanto lhe apertava o pescoço para a asfixiar. Tinha uma força que nenhum humano poderia possuir.

    Face à falta de ar, ao enjoo e ao ardor que sentia na garganta, Kaia apercebeu-se da verdade: aquele homem não era humano.

    Irradiava ódio e os seus olhos rodavam de uma maneira hipnótica.

    – Harpia estúpida. Talvez não consiga quebrar estas correntes, mas o círculo era a única coisa que me impedia de assolar este acampamento. E agora, vão morrer todas por me terem insultado.

    «Morrer? Não! Tens uma adaga, usa-a!»

    Kaia tentou apunhalá-lo, mas ele deu-lhe uma palmada na mão e emitiu uma gargalhada cruel. Atrás dela, ouviu um grito de Bianka. Ouviu os passos da sua irmã, que se aproximava a correr. «Não! Não te aproximes!», quis gritar. Depois, os seus pensamentos fragmentaram-se, porque o homem continuou a sufocá-la com mais força.

    No fim, Kaia perdeu os sentidos e perdeu-se num vazio escuro.

    Não, não um vazio. Havia gritos... muitos gritos... gemidos, rugidos. Ouvia-se o metal a cortar carne, ouviam-se os ossos a partir-se e as asas das suas companheiras. Aquela sinfonia de pesadelo durou horas, talvez dias. Depois, houve silêncio.

    – Kaia – disse alguém, ao mesmo tempo que umas mãos calejadas a puxavam pelos braços e a abanavam. – Acorda.

    Ela conhecia aquela voz... Lutou para recuperar os sentidos e abriu os olhos com dificuldade. Passaram uns instantes antes de a sua mente se esclarecer. Então, viu a sua mãe, que tinha a cara manchada de sangue e uma expressão de raiva.

    – Olha o que fizeste, filha – disse, com dureza.

    Embora Kaia não quisesse obedecer, levantou-se e sentou-se. Ao fazê-lo, sentiu uma descarga de dor no pescoço e no resto do corpo. Observou o acampamento e, então, sentiu também o sabor da bílis na boca. Havia harpias e... outras coisas por todo o lado, entre rios de sangue. As armas estavam abandonadas no chão. As tendas estavam rasgadas e alguns pedaços de lona branca pendiam dos ramos das árvores, balançando ao vento.

    – Bianka? – Kaia ofegou.

    – A tua irmã está viva. Por pouco.

    Kaia levantou-se, tremendo, e olhou para a sua mãe nos olhos.

    – Mãe, eu...

    – Silêncio! Tinhas a ordem de não entrar nesta zona e desobedeceste. E tentaste roubar o consorte de outra mulher sem me pedir permissão.

    – Sim – disse Kaia, com os olhos cheios de lágrimas. – É verdade.

    – Vês a destruição que há atrás de mim?

    – Sim – repetiu ela, suavemente.

    – Tu és a responsável por este dia trágico.

    – Lamento – disse Kaia, baixando a cabeça até o queixo tocar no seu peito. – Lamento imenso.

    – Guarda as tuas lamentações. Não servem para desfazer a angústia que causaste.

    Oh, meu Deus. No tom de voz da sua mãe havia ódio.

    – Envergonhaste o nosso clã – prosseguiu Tabitha e tirou-lhe o medalhão do pescoço. – Não mereces usar isto. Uma caçadora a sério salva as suas irmãs, não as põe em perigo. E deste modo, com esta ação tão egoísta, ganhaste o título. De agora em diante serás conhecida como Kaia, a Deceção.

    Tabitha virou-se e afastou-se. As suas botas chapinharam no sangue e aquele som encheu os ouvidos de Kaia.

    Caiu de joelhos e começou a soluçar como uma menina pela primeira vez na sua vida.

    Um

    – Desejo-o.

    – Quando ouvi isso antes? Ah, sim. O dia do Incidente Trágico. Obrigaste-me a prometer que não voltaria a falar disso, nem sob ameaça de morte. E não vou falar disso, portanto, tem calma. Só pensava que te tinhas tornado mais cuidadosa com os teus afetos desde então.

    Kaia Skyhawk olhou para a sua irmã, Bianka, a Celestial, como fora batizada recentemente. Um nome que a sua linda irmã merecia. A rapariga estava com um anjo. Com um anjo a sério. Claro que Bianka também tinha batizado Kaia: Aquece camas do Submundo, por ter ido para a cama com Paris, o mais promíscuo do mundo.

    Aquele título não a incomodava tanto como o verdadeiro. As harpias tinham uma memória muito longa e cada vez que ela se encontrava com alguém da sua raça, ouvia os comentários: «Olha, a Deceção.»

    Bom, de qualquer modo, Bianka estava tão maravilhosa como sempre, com o seu cabelo preto e sedoso a cair pelas costas e os seus olhos brilhantes cor de âmbar. Naquele momento, estava a rever um cabide cheio de vestidos de marca com uma mistura de decisão e preocupação.

    – Isso aconteceu há um milhão de anos – disse Kaia. – E Strider foi o único homem que desejei. Que desejei a sério desde então – acrescentou, antes de Bianka conseguir fazer algum comentário sobre os muitos que tivera durante a sua vida.

    – E Kane, o Guardião do Desastre? Pensava que tinhas tido algo com ele. Algo como um envolvimento sensual.

    – Não. Foi algo completamente passageiro.

    Suspirou.

    – Vá, tenta outra vez.

    – Não sei. Talvez o seu demónio tenha sentido que eu era uma alma gémea e tenha tentado avivar as chamas de um romance. Isso não significa que Kane e eu estejamos destinados um para o outro. Não me sinto atraída por ele.

    – Muito bem. Kane está descartado. Talvez precises de procurar um namorado noutro lugar, como por exemplo, no Céu. Posso encontrar um anjo para ti – disse Bianka. Pegou num vestido azul bordado com lantejoulas e pequenos folhos na bainha. – Gostas deste?

    Kaia ignorou o vestido e continuou:

    – Nada de encontros. Desejo Strider.

    – Não te convém.

    – Porquê? Para começar, não pertence a nenhuma harpia. Para continuar não é um psicopata. E para acabar, é o meu... consorte. Eu sei.

    Já o dissera. Finalmente. Tinha pronunciado as palavras em voz alta, para que outra pessoa pudesse ouvi-las, para além dela própria.

    Era muito difícil encontrar um consorte e era por isso que tinham muito valor. Na verdade, eram necessários. As harpias eram voláteis por natureza, perigosas e, quando se zangavam, tornavam-se mortais para todos. Os consortes acalmavam-nas. Os consortes aplacavam-nas.

    Oxalá fosse possível escolhê-los por um catálogo e acabar com os problemas. No entanto, era o instinto que escolhia e o corpo seguia o instinto. Não seria tão mau se uma harpia pudesse ter mais de um consorte. Mas só podiam ter um. Se o perdesse, sofreria eternamente. Ou tiraria a vida diretamente.

    Kaia estava envergonhada pelo facto de Juliette ter tido de estar sem o seu consorte durante tantos anos, sem saber se continuava vivo ou se tinha morrido, odiando-o pelo que fizera, mas precisando dele de todos os modos. Juliette odiava Kaia e prometera que ia vingar-se. Sim, tudo aquilo envergonhava Kaia e não podia dizer nada para se defender.

    Tinha desobedecido à sua mãe e tinha libertado um homem. Desencadeara a sua fúria sobre toda a sua comunidade.

    Todos os anos, Kaia enviava uma cesta de fruta a Juliette com um cartão em que lhe pedia perdão pelo que acontecera com o seu consorte e, todos os anos, Juliette devolvia-a cheia de maçãs podres, cascas de banana enegrecidas e uma fotografia de si própria a fazer um gesto letal e com a frase morre, ordinária, morre escrita com sangue em algum lado.

    Se Juliette não a atacara fora apenas por respeito a Tabitha, que continuava a ser alguém muito importante entre os aliados e os inimigos.

    «Não penses no passado. Vai ser pior para ti.»

    Melhor, pensaria no seu consorte. Strider, um bárbaro um pouco tonto, era um guerreiro imortal que, há muito tempo, roubara a caixa de Pandora e a abrira para «ensinar àqueles deuses imbecis uma lição por se atreverem a escolher uma mulher para vigiar uma relíquia estúpida». Por causa desta falta de bom senso, os seus amigos e ele, os Senhores do Submundo, tinham sido amaldiçoados e tinham de viver para sempre com os demónios que tinham libertado ao abrir aquela caixa.

    Strider era o guardião do demónio da Derrota. Não podia perder um só desafio, porque sentia uma dor imensa. Era por isso que estava sempre empenhado em ganhar tudo, mesmo que fosse uma estupidez. Aquele empenho transformava-o num estúpido e num egoísta. No entanto, não havia um homem mais bonito do que ele, nem mais feroz.

    Nem nenhum homem que tivesse menos interesse nela.

    Tinha mencionado que era um tonto?

    – E então? – perguntou Bianka, sacudindo um vestido à frente da cara de Kaia para chamar a sua atenção. – Por favor, diz-me o que achas. E que seja para hoje.

    – Bom... eu não gosto. É muito estranho.

    Bianka limitou-se a encolher os ombros.

    – Eu penso que me ficará muito bem.

    – Como queiras. Fá-lo. Compra o vestido e eu comprarei cem gatos para te fazerem companhia enquanto tu passas o resto da eternidade a tentar descobrir porque estragaste a tua relação com o anjo, sem perceberes que os vossos problemas começaram nesta mesma noite.

    – Mas não sabes que prefiro cães? Bom, como queiras.

    Bianka franziu os lábios e deixou o vestido no cabide. Depois, continuou com a sua busca do vestido perfeito, um vestido para usar enquanto dava uma má noticia ao seu consorte, Lysander.

    Pobre Bianka. Estava com um anjo e tinha de viver no Céu, onde ele vivia e trabalhava. Na opinião de Kaia, aquilo devia ser muito aborrecido.

    – Kaia? – perguntou Bianka. – Vá lá, concentra-te. Preciso de ajuda desesperadamente.

    – Sim, sim – respondeu Kaia, distraidamente.

    No entanto, continuou a pensar que um homem tão aborrecido precisava de uma alcunha igualmente tediosa... Algo como Papa Lysander. Era um guerreiro de elite com asas de ouro e, sim, era um assassino de demónios extraordinário, e, sim, também era muito sensual, mas além disso, achava-se moralmente superior. Kaia tremeu de desagrado. Aquele anjo estava a acabar com a faceta divertida da sua irmã deliciosa.

    Lysander odiava que roubassem nas lojas e, por esse motivo, tinham tido de sair de Budapeste, voltar ao Alasca e entrar em silêncio, à meia-noite, num centro comercial, em vez de levarem o que queriam em plena luz do dia. Como de costume havia muitos olhos curiosos.

    Para ser sincera, Kaia estava envergonhada por ter feito aquela concessão e lamentava que não houvesse emoção naquilo, mas amava a sua irmã e estava em dívida com ela. Nunca poderia esquecer a imagem de Bianka a retorcer-se de dor numa poça de sangue, com os olhos frágeis, a gemer de angústia, no dia do Incidente Trágico.

    Bianka suspirou.

    – Está bem. Vamos tratar dos teus problemas para podermos concentrar-nos em mim. Diz-me porque escolheste Strider como companheiro do teu coração. Sei que queres elogiar as suas virtudes.

    – Estás a gozar comigo? Acabaste de dizer «companheiro do teu coração»?

    Bianka riu-se.

    – Sim e quase vomitei. Influência de Lysander, sabes? Mas, bom, Strider é uma boa peça. E um desafio. Um desafio... não pode perder nenhum... mas vai procurando por aí...

    Kaia revirando os olhos.

    – Penso que ultimamente te relacionas muito com anjos. O teu intelecto decaiu.

    – O quê? Isso foi engraçado. E, além disso, os anjos não são maus.

    – Como queiras, meu amor.

    – A única coisa que digo é que Strider vai ser difícil de manejar. Além disso, já lhe disseste o que sentias por ele e rejeitou-te. Vai sentir-se incomodado se insistires nisso e um guerreiro possuído por um demónio que se zanga é um desastre global em potência.

    – Eu sei.

    Se se tivesse apercebido antes de como ele era importante para ela, não teria ido para a cama com o seu amigo Paris, o guardião da Promiscuidade. Então, Strider não a teria rejeitado.

    Talvez.

    Ou talvez sim. Porque, para sua consternação, parecia que ele desejava outra mulher, Haidee, uma beleza que pertencia ao seu amigo Amun, o guardião dos Segredos.

    Pelo menos, Haidee estava fora do seu alcance e Kaia não tinha de se preocupar com a hipótese de Strider tentar fazer alguma coisa com ela. Por causa da honra entre demónios e tudo isso.

    No entanto, só de pensar que ele podia olhar para outra mulher, Kaia punha as unhas e os dentes caninos de fora e o sangue fervia-lhe nas veias. Todas as células do seu corpo gritavam «Meu!» Mataria qualquer pessoa que se insinuasse e qualquer pessoa a quem ele se insinuasse. Não conseguiria evitá-lo. O seu lado obscuro dominaria a situação e obrigá-la-ia a defender o que era dela.

    – A sério, tem sorte por continuar vivo e não só porque eu quero cortá-lo aos pedaços e dá-lo de comer aos animais do zoológico – continuou Bianka. – Um homem que não reconheça o teu valor merece uma boa tortura.

    – Eu sei.

    E não porque ela pensava que era especial, embora fosse, claro, mas porque ninguém podia rejeitar uma harpia sem pagar bem caro.

    Na verdade, a maioria das harpias teria tomado Strider sem o seu consentimento. Talvez ela fosse tonta por deixar que ele a rejeitasse. No entanto, queria que ele estivesse disposto. Precisava dele. Obrigá-lo, passar por cima dele, teria sido vencê-lo e isso tê-lo-ia magoado.

    Kaia não era capaz de magoar Strider, nem sequer para proteger a sua própria prudência.

    – De todos os modos, és muito boa para ele – disse Bianka, tão leal como sempre.

    – Eu sei – respondeu Kaia, embora naquela ocasião estivesse a mentir. Ela era uma desgraça para o seu clã e Strider merecia alguém melhor.

    A sua irmã suspirou.

    – Mas deseja-lo.

    – Sim.

    – Bom e o que vais fazer para o conseguir?

    – Nada. Já o persegui uma vez e não vou fazê-lo novamente.

    – Talvez se...

    – Não. Há algumas semanas desafiei-o a matar mais Caçadores do que eu.

    Os Caçadores eram os inimigos que queriam destruir os demónios e tudo o que tivesse a ver com eles. Eram uns fanáticos que adoravam perseguir os inocentes que ousassem interpor-se no seu caminho. Os humanos iam enfrentar as suas garras se voltassem a aproximar-se de Strider.

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