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O prazer mais obscuro
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O prazer mais obscuro
E-book362 páginas4 horas

O prazer mais obscuro

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Sobre este e-book

Ele era um guerreiro de carícias ardentes que estava proibido de conhecer o prazer…

Reyes vivia preso ao demónio da dor e estava proibido de conhecer o prazer. No entanto desejava com todas as suas forças uma humana, Danika Ford, e faria tudo o que estivesse ao seu alcance para a conseguir, inclusive desafiar os deuses.
Danika andava há meses a fugir dos Senhores do Submundo, uns guerreiros imortais que não descansariam enquanto não a vissem morta e à sua família. Apesar de tudo, Danika não parava de sonhar com Reyes, o guerreiro cujas carícias ardentes não conseguia esquecer. No entanto um futuro juntos podia provocar a morte a todos os que amava…
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de abr. de 2012
ISBN9788468702674
O prazer mais obscuro
Autor

Gena Showalter

Gena Showalter is the New York Times and USA TODAY bestselling author of over seventy books, including the acclaimed Lords of the Underworld series, the Gods of War series, the White Rabbit Chronicles, and the Forest of Good and Evil series. She writes sizzling paranormal romance, heartwarming contemporary romance, and unputdownable young adult novels, and lives in Oklahoma City with her family and menagerie of dogs. Visit her at GenaShowalter.com.

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    O prazer mais obscuro - Gena Showalter

    Um

    Reyes estava sobre o telhado do seu castelo de Budapeste, de cinco andares, com os pés apoiados precariamente na cornija mais alta. Por cima da sua cabeça, a lua derramava vermelho e amarelo do céu, sangue misturado com ouro, escuridão e luz, feridas recém-abertas na cúpula interminável de veludo preto.

    Olhou para o vazio que se abria aos seus pés, escuro e lúgubre, como se estivesse à espera dele com os braços abertos. «Milhares de anos e ainda me vejo reduzido a isto.»

    Soprou um vento gelado que lhe despenteou o cabelo e lhe acariciou o peito nu, a tatuagem da odiada borboleta que tinha no pescoço. Fê-lo sentir outra vez os salpicos de sangue que tinha na pele. Não era o seu sangue, mas de um amigo. Cada chicotada de uma madeixa de cabelo contra aquela prova de vida e de morte era como um monte de lascas que avivava o fogo da sua culpa.

    Estivera tantas vezes ali, desejando coisas que nunca poderiam tornar-se realidade… Pedira tantas vezes a absolvição, o alívio daquela tortura diária… Ver-se livre da sua completa dependência da mutilação e do demónio que a provocava.

    As suas preces, no entanto, não tinham encontrado resposta. Nunca encontrariam. As coisas eram assim e seriam sempre assim. E a sua agonia aumentaria. Uma vez fora um dos guerreiros imortais dos deuses, mas já só era um Senhor do Submundo, possuído por um dos muitos espíritos que antes estavam confinados na dimOuniak. De favorito a desonrado, de amado a desprezado. Da felicidade à contínua tristeza.

    Cerrou os dentes. Os mortais conheciam a dimOuniak com o nome de «caixa de Pandora». Ele conhecia-a como a causa da sua ruína eterna. Os seus amigos e ele tinham aberto aquela caixa há séculos. Depois, tinham-se transformado na caixa, porque cada um deles tinha de albergar um dos seus demónios.

    «Salta», disse-lhe o demónio.

    O seu demónio, a Dor. O seu companheiro constante. O sussurro tentador que ecoava sempre na sua mente, a entidade escura que desejava sempre um mal inqualificável.

    A força sobrenatural contra a qual lutava a cada minuto de cada maldito dia.

    «Salta.»

    – Ainda não.

    Mais alguns segundos de impaciência, sabendo que os ossos se fragmentariam com o impacto. Sorriu ao pensar nisso. As lascas de osso, afiadas como lâminas, cortar-lhe-iam os órgãos, já danificados, e aqueles órgãos explodiriam como balões cheios de água. A sua pele explodiria por causa do excesso de fluido e, daquela vez, o sangue que se derramaria seria o seu. A agonia, uma agonia ditosa, consumi-lo-ia.

    Pelo menos, durante um momento.

    O sorriso apagou-se lentamente dos seus lábios. Em dias, ou horas, se não conseguisse feri-lo o suficiente, o seu corpo sararia por completo. Acordaria inteiro outra vez e a Dor voltaria a ser a força dominante da sua mente, uma força a que não podia negar nada.

    Mas… Oh, durante aqueles benditos tiquetaques do relógio, antes de os seus ossos se reestruturarem, de os seus órgãos se restaurarem, de a sua pele voltar a aparecer e de o sangue correr pelas suas veias, ele experimentaria o nirvana. O paraíso. O êxtase mais doce. Retorcer-se-ia no prazer delicioso que a dor lhe causava. A dor era a sua única fonte de prazer. O demónio gemeria de satisfação, tão embriagado com a sensação que não conseguiria falar mais e ele poderia render-se a uma paz compensadora.

    Durante um momento. Sempre, somente, durante um momento.

    – Não preciso que me recordem como a paz de espírito é efémera – murmurou, para acabar com aquele pensamento tão deprimente.

    Sabia que o tempo passava rapidamente. Às vezes, tinha a sensação de que um ano era apenas um dia. Às vezes, um dia era apenas um minuto.

    «Salta», disse a Dor. Depois insistiu: «Salta! Salta!»

    – Espera um pouco.

    Reyes olhou novamente para o chão. As rochas recortadas e ásperas atraíram-no à luz ensanguentada da lua. Os charcos claros que as rodeavam ondularam por causa do vento. A névoa elevava-se como se tratasse de dedos fantasmagóricos que o chamavam para que se aproximasse.

    – Se cravar uma faca no pescoço do meu inimigo, ele morre, sim – disse ao seu demónio, – mas então tudo acabou e não há nada para ansiar.

    «Salta!», ordenou-lhe o demónio, impaciente, ansioso, como se fosse uma criança com uma birra.

    – Espera um pouco.

    «Salta! Salta! Salta! Salta!»

    Sim, algumas vezes os demónios eram como uma criança embirrenta. Reyes passou uma mão pelo cabelo despenteado e arrancou algumas madeixas. Só conhecia um modo de sossegar a sua outra metade: a obediência. Nem sequer sabia porque é que tentara resistir e saborear o momento.

    «Salta!»

    – Talvez desta vez voltes para o inferno – murmurou Reyes.

    Oxalá.

    Finalmente, estendeu os braços. Fechou os olhos. Inclinou-se…

    – Sai daí – disse alguém, atrás dele.

    Reyes abriu os olhos e ficou tenso. Ergueu-se, mas não se virou. Sabia que quem estava ali era Lucien e sentia demasiada vergonha para olhar para o amigo. Lucien não entenderia o que fizera.

    – É isso que tenciono fazer, sair daqui. Vai-te embora e fá-lo-ei.

    – Sabes a que me refiro – respondeu Lucien. – Preciso de falar contigo.

    Um cheiro a rosas intenso invadiu o ar tão inesperadamente, que Reyes poderia ter jurado que o tinham transportado para um canteiro de rosas em flor. Para um humano, aquele cheiro teria sido hipnótico e calmante, e teria feito tudo o que o guerreiro lhe pedisse. Reyes apenas o achava incómodo. Depois de passarem milhares de anos juntos, Lucien devia saber que aquela fragrância não tinha nenhum efeito nele.

    – Falaremos amanhã – disse, com tensão.

    «Salta!»

    – Vamos falar agora. Depois, podes fazer o que quiseres.

    Depois de ele ter admitido o seu novo crime? Não, obrigado. Talvez a culpa, a vergonha e a tristeza pudessem causar-lhe dor emocional, mas nada disso acalmaria o seu demónio, não. Só a dor física lhe causava alívio, razão pela qual ele sempre protegera o seu bem-estar emocional com tanta diligência.

    «Sim e fizeste um trabalho muito bom.»

    Passou a língua pelos dentes, sem saber exactamente quem lhe sussurrara aquele pequeno sarcasmo. A Dor ou ele próprio.

    – Neste momento estou numa má situação, Lucien.

    – Como os outros. Como eu.

    – Tu, pelo menos, tens uma mulher para te dar consolo.

    – E tu tens amigos. Tens-me a mim.

    Lucien, guardião do demónio da Morte, tinha a tarefa de acompanhar as almas humanas para o outro mundo, ou para o Céu, ou para o mais profundo do Inferno. Era estóico, calmo, durante a maior parte do tempo. Transformara-se no seu líder, o homem com que todos os guerreiros falavam quando precisavam de ajuda.

    – Fala comigo.

    Reyes não gostava de abandonar o amigo, mas disse-se que era melhor que Lucien não descobrisse o acto tão terrível que cometera. No entanto, enquanto pensava nisso, apercebia-se de que era uma falta de coragem da sua parte.

    – Lucien… – disse, mas interrompeu-se.

    – O rasto de Aeron perdeu-se e ninguém sabe onde está – disse Lucien. – Não sabemos o que está a fazer, nem se foi ele que matou esses humanos nos Estados Unidos. Maddox disse-me que te telefonou mesmo depois de Aeron escapar do calabouço. Depois, Sabin disse-me que saíste de Roma e do Templo dos Não Mencionados a toda pressa. Queres dizer-me para onde foste?

    – Não. Mas podes ficar tranquilo, Aeron não voltará a matar mais mortais.

    Houve uma pausa e o cheiro a rosas intensificou-se.

    – Como sabes? – perguntou Lucien.

    Reyes encolheu os ombros.

    – Deixa-me dizer-te o que penso que aconteceu –disse Lucien. – Penso que seguiste Aeron com a esperança de conseguires proteger a rapariga.

    A rapariga. Aeron raptara a rapariga. Aeron cumpria ordens dos novos deuses, os Titãs. Devia assassiná-la. No entanto, só de lhe dar uma olhadela, Reyes permitira que aquela rapariga invadisse os seus pensamentos mais íntimos, que colorisse os seus actos mais insignificantes e que o deixasse reduzido a um estado de amor e idiotice.

    Com um simples olhar, mudara-lhe a vida e não para melhor. No entanto, o facto de Lucien não querer pronunciar o seu nome irritou Reyes. Desejava mais aquela mulher do que desejava que lhe dessem uma martelada na cabeça. E para a Dor, aquilo era muito.

    – E então? – insistiu Lucien.

    – Tens razão – disse Reyes, entredentes. Porque não havia de o admitir? Os seus amigos não iam odiá-lo mais do que ele se odiava. – Fui procurar Aeron.

    A frase ficou suspensa no ar, tão pesada como correntes, e ele fez uma pausa.

    – E encontraste-o?

    – Encontrei – disse Reyes e ergueu os ombros. – E também… O destruí.

    – Mataste-o?

    As lajes de ardósia que cobriam o telhado rangeram sob as botas de Lucien quando ele se aproximou.

    – Pior ainda – respondeu Reyes, sem se virar. Olhou para baixo com melancolia. – Enterrei-o.

    O som dos passos cessou.

    – Enterraste-o, mas não o mataste? Não entendo.

    – Estava prestes a matar Danika. Vi a tortura que se reflectia nos seus olhos, percebi que não queria fazê-lo. Apunhalei-o para o debilitar e agradeceu-me, Lucien. Agradeceu-me. Rogou-me que o parasse para sempre. Rogou-me que o decapitasse, mas eu não consegui fazê-lo. Levantei a espada, mas não consegui fazê-lo. Portanto, pedi a Kane para ir buscar as correntes de Maddox e para mas trazer. Como Maddox já não precisa delas, usei-as para prender Aeron clandestinamente.

    Antes, Reyes via-se obrigado a prender Maddox à cama todas as noites, a atravessar o seu amigo com uma espada, seis malditas vezes, sabendo que o guerreiro ressuscitaria na manhã seguinte e que teria de o matar outra vez. «Que rico amigo!»

    Depois de centenas de anos, Maddox aceitara a sua maldição, mas de todos os modos era necessário imobilizá-lo. Maddox era o guardião da Violência e tinha a tendência de atacar sem aviso, mesmo os seus amigos. E, com a sua força, teria conseguido destruir um homem de ferro em segundos. Assim, usavam umas correntes que os próprios deuses tinham forjado, umas correntes que ninguém conseguia abrir sem uma chave apropriada. Nem sequer um imortal.

    Tal como Maddox, Aeron estava indefeso face ao poder daquelas correntes. Ao princípio, Reyes recusava-se a usá-las, porque não queria tirar mais liberdade ao amigo. Depois, transformara-se numa necessidade, como acontecera com o seu amigo Maddox.

    – Onde está Aeron, Reyes?

    – Não vou dizer-te. Aeron não quer ser livre.

    «E mesmo que quisesse, não penso que o libertasse.»

    Ali estava a essência do sentimento de culpa que o consumia.

    Houve outra pausa entre eles, cheia de tensão e de expectativa.

    – Posso encontrá-lo sozinho. Sabes.

    – Já tentaste e fracassaste, caso contrário, não estarias aqui.

    Reyes sabia que Lucien podia transportar-se para o mundo dos espíritos e seguir o rasto psíquico único de cada pessoa. Algumas vezes, no entanto, aquele rasto desaparecia ou manchava-se.

    Reyes suspeitava que o rasto de Aeron estava manchado, porque o guerreiro não era quem costumava ser.

    – Tens razão. O seu rasto acaba em Nova Iorque – admitiu Lucien. – Poderia continuar a busca, mas demoraria algum tempo e isso é uma coisa que nenhum de nós tem neste momento. Já passaram duas semanas.

    Reyes sabia-o bem. Sentira cada um daqueles dias como um nó que se apertava à volta do seu pescoço, como uma preocupação que se acrescentava à anterior. Os Caçadores, os seus inimigos, estavam à procura da caixa de Pandora, com a esperança de conseguirem sugar os demónios para o seu interior, tirá-los do corpo dos guerreiros e, desse modo, destruir o homem e encerrar a besta.

    Se os guerreiros quisessem sobreviver, tinham de encontrar a caixa antes dos Caçadores. E, por muito caótica que fosse a vida, Reyes não estava disposto a deixar que acabasse.

    – Diz-me onde está – disse Lucien, – e trá-lo-ei para a fortaleza. Fechá-lo-ei no calabouço.

    Reyes suspirou.

    – Já escapou. Poderia escapar outra vez, mesmo com as correntes de Maddox. A sede de sangue que o possuiu proporciona-lhe uma força que nunca tinha visto antes. É melhor ficar onde está.

    – É o teu amigo. É um de nós.

    – Agora está transtornado e sabes disso. A maior parte do tempo nem sequer se apercebe dos seus actos. Matar-te-ia, se pudesse.

    – Reyes…

    – Destruir-te-á, Lucien.

    Danika Ford. A rapariga. Reyes vira-a poucas vezes, mas desejava-a com todo o seu ser. Era uma coisa que não entendia. Ele era a escuridão, ela era a luz. Ele era a angústia, ela era a inocência. Ele era a pessoa errada para ela em todos os sentidos, mas mesmo assim, quando olhava para ela, parecia-lhe que estava tudo bem.

    Sabia que, da próxima vez que Aeron chegasse até ela, a mataria. Não haveria maneira de o parar, porque tinham ordenado a Aeron que acabasse com Danika, com a mãe, com a irmã e com a avó dela, e estava indefeso face aos deuses e aos seus poderes, como todos os outros. Fá-lo-ia.

    Reyes enfureceu-se e teve de olhar para baixo para se acalmar. Ao princípio, Aeron resistira a cumprir aquela ordem dos deuses. Era… Não, «fora» um bom homem. No entanto, a cada dia que passava, o seu demónio fortalecia-se, gritara com mais fúria e, no fim, conseguira o controlo da sua mente. Naquele momento, Aeron era o demónio que tinha dentro de si. Era a Raiva. Obedecia, matava. Enquanto não conseguisse acabar com aquela mulher, só viveria para caçar e assassinar.

    No entanto, no apartamento temporário de Danika, há catorze dias, quatro horas e cinquenta e seis minutos, uma pequena parte de Aeron tomara consciência dos crimes que cometera. Uma pequena parte de si próprio, que odiava aquilo em que se transformara e desejava morrer acima de tudo, acabar com aquela tortura. Por que outra razão teria pedido a Reyes para o matar?

    «E eu neguei-lho.»

    Não conseguira magoar outro guerreiro, mas que tipo de monstro deixava que o seu amigo continuasse a sofrer, um amigo que lutara por ele, que matara por ele e o adorara?

    «Tinha de haver outro modo de salvar Aeron e Danika», pensou Reyes pela enésima vez. Passara horas incontáveis a meditá-lo, mas ainda não encontrara a solução.

    – Sabes onde está a rapariga? – perguntou Lucien, interrompendo as suas reflexões.

    – Não, não sei. Aeron encontrou-a, eu encontrei Aeron e foi então que lutámos. Ela fugiu e eu não a segui. Agora pode estar em qualquer lugar.

    E era melhor assim. Reyes sabia, mas de todos os modos estava desesperado por conhecer a sua situação, o que estava a fazer… Se continuava viva.

    – Lucien, porque demoras tanto?

    Face àquela segunda intrusão, Reyes virou-se finalmente. Paris, o guardião da Promiscuidade, estava junto de Lucien. Ambos olhavam para ele com os olhos semicerrados. Os raios de cor púrpura da lua caíram à sua volta, mas não sobre eles, como se aqueles raios coloridos tivessem medo de tocar numa maldade que nem sequer o inferno conseguia conter.

    Como era imortal, Reyes via-os com clareza, porque a sua visão penetrava a escuridão.

    Paris era alto, o mais alto de todo o grupo, tinha o cabelo multicolorido, a pele pálida e os olhos de um azul tão puro, que nem a poesia mais imaginativa conseguiria fazer-lhes justiça. Para as mulheres humanas era irresistível, hipnotizante e atiravam-se constantemente para os seus braços, com a esperança de conseguirem uma carícia. Um beijo abrasador.

    Lucien, embora já tivesse companheira, não era tão sortudo. As mulheres humanas sempre tinham fugido dele. Tinha a cara cheia de umas cicatrizes terríveis que lhe davam a aparência dos monstros que só podiam encontrar-se nos contos de fadas. Também não ajudava o facto de ter os olhos de cores diferentes, um castanho, com que via o mundo natural, e outro azul, com que via o mundo espiritual. Ambos prometiam que a morte bateria à porta em breve.

    Os dois guerreiros tinham o corpo musculado de um modo que só se conseguia com horas diárias de exercício. Estavam carregados de armas e preparados para lutar em qualquer momento do dia. Tinham de estar.

    – Não me lembro de termos combinado dar uma festa aqui cima – disse Reyes.

    – Bom, a idade prejudica a memória – respondeu Paris. – Lembra-te que temos de falar dos nossos planos, entre outras coisas.

    Reyes suspirou. Os guerreiros faziam o que queriam quando queriam e nenhum comentário mordaz ia pará-los. Sabia muito bem, porque ele era exactamente igual.

    – Porque não estão à procura dos esconderijos de Hidra?

    Paris fechou os lábios carnudos, que eram mais próprios de uma mulher, até formarem uma linha. Nos seus olhos, apareceu um sofrimento que, normalmente, Reyes via no seu reflexo quando se olhava ao espelho, mas rapidamente a irreverência habitual do seu amigo substituiu-o.

    – E então? – perguntou Reyes, ao não obter nenhuma resposta.

    Finalmente, Paris disse:

    – Até os imortais precisam de uma pausa.

    Era evidente que havia mais alguma coisa, mas Reyes não insistiu. «Não sou o único que tem segredos.» Há várias semanas, os guerreiros tinham-se dividido para procurar Hidra, um ser que era metade mulher, metade serpente e que tinha muito mau humor. Aquela coisa… Tinha a tarefa de proteger alguns dos brinquedos favoritos do rei dos Titãs. Aqueles brinquedos, que eram armas, supostamente conduziam à caixa de Pandora. Por enquanto, só tinham conseguido uma delas: a Jaula da Coacção. E, quanto à localização das outras armas, só dispunham de algumas pistas duvidosas.

    – Sim, mas dada a ameaça que se aproxima, os descansos não têm importância. E sim, sei que tenho de fazer mais pela nossa causa. Fá-lo-ei. Depois.

    Paris encolheu os ombros.

    – Eu faço o que posso. Os Estados Unidos são um país muito grande e estudá-lo de longe é quase tão difícil como viajar pelo seu território entre tanta gente.

    Cada um dos guerreiros fora para países diferentes, à procura de pistas para encontrar a caixa, mas não tinham conseguido nada e tinham regressado a Budapeste para investigar de lá. Sem desviar o olhar de Reyes, Paris perguntou a Lucien:

    – Disse-te onde está Aeron ou não?

    Lucien arqueou uma sobrancelha.

    – Não.

    – Avisei-te de que seria difícil – disse Paris. – Há semanas que anda estranho.

    Reyes podia dizer o mesmo de Paris. Tinha rugas de fadiga à volta dos olhos. Talvez ele devesse interrogar o amigo. Claramente, acontecera alguma coisa e fora muito importante.

    – Estamos a ficar sem tempo, Reyes – disse Paris, num tom de acusação. – Coopera. Ajuda-nos.

    – Os Caçadores estão mais decididos do que nunca a acabar connosco – acrescentou Lucien. – Os humanos descobriram o Templo dos Não Mencionados e limitaram o nosso acesso a ele. Só encontrámos um dos quatro artefactos, mas precisamos dos quatro para encontrar a caixa.

    Reyes arqueou uma sobrancelha, tal como Lucien fizera um pouco antes.

    – E achas que Aeron pode ajudar-nos a encontrá-los?

    – Não, mas não deve haver desavenças entre nós. E também não devemos ter de nos preocupar com ele.

    – Podem deixar de se preocupar – disse Reyes. – Ele não quer que o encontrem. Odeia o que é, no que se transformou e detesta que o vejamos assim. Juro-vos que está contente onde está ou não o teria deixado lá.

    A porta do telhado abriu-se de repente e apareceu Sabin, o guardião da Dúvida. O vento balançou o seu cabelo preto.

    – Pelos deuses! – disse, abrindo os braços. – O que se passa?

    Ao olhar para Reyes, entendeu tudo e revirou os olhos.

    – Bolas, Dor, tu és um desmancha-prazeres.

    – Porque não estás em Roma? – perguntou Reyes. Todos tinham deixado de procurar durante a meia hora que passara no telhado?

    Gideon, o guardião da Mentira, estava perto de Sabin e impediu que o guerreiro respondesse ao dizer:

    – Oh, isto parece divertido.

    No idioma de Gideon, «divertido» significava enfadonho. O guerreiro não podia dizer uma só verdade sem sentir uma dor atroz. «Dor, exactamente o que eu preciso», pensou Reyes. Oxalá só tivesse de mentir para a sentir. A sua vida seria muito fácil.

    – Não deviam estar a ajudar Paris a procurar pelos Estados Unidos? – perguntou Reyes, mas não se incomodou em esperar que respondessem. – Isto parece um circo. Será que uma pessoa não pode estar de humor e mutilar-se um pouco em privado?

    – Não – disse Paris. – Não pode. Deixa de mudar de assunto. Dá-nos as respostas que queremos.

    «Livra-te deles», disse-lhe o demónio. Reyes observou os seus novos hóspedes. Gideon vestia-se de preto e tinha o cabelo pintado de azul. Tinha piercings em vários pontos das sobrancelhas. Os enfeites de prata brilhavam sobre as suas pestanas pretas. Os humanos achavam-no aterrador.

    Sabin também se vestia de preto, mas tinha o cabelo e os olhos castanhos, e um rosto quadrado e sem malícia, que não fazia supor com que os outros pensassem que assassinaria qualquer pessoa que se aproximasse, rindo-se enquanto o fazia.

    Ambos eram muito teimosos.

    – Preciso de tempo para pensar – respondeu Reyes, com a esperança de ganhar a sua compreensão.

    – Não tens nada para pensar – replicou Sabin. – Farás o que tens de fazer, porque és um guerreiro com sentido de honra.

    «A sério? Talvez seja tão fraco como a mulher humana que desejo. De outro modo, porque havia de magoar as pessoas que amo?»

    «Ai», pensou, enquanto se encolhia. Era fraco. Era…

    – Sabin – resmungou, assim que se apercebeu do que se passava. – Pára de enviar dúvidas para a mente. As minhas chegam-me.

    O outro guerreiro encolheu os ombros timidamente e nem sequer tentou negá-lo.

    – Lamento.

    – Como está claro que a nossa reunião não vai cancelar-se – disse Gideon, – eu não vou à cidade, nem vou visitar o Clube Destiny, nem vou provocar alguns gritos de prazer a uma humana – declarou.

    Desapareceu pela porta alguns segundos depois, abanando a cabeça com exasperação.

    – Não cancelem a reunião – disse Reyes aos outros. –Só… Comecem sem mim – olhou por cima do seu ombro, do céu para baixo. O cenário sinistro da noite ainda esperava, chamando-o para que desse o salto final. – Descerei dentro de um minuto.

    Paris franziu os lábios.

    – Descerás. Que engraçado. Talvez nos vejamos lá em baixo e possamos tentar procurar o teu pâncreas outra vez. Obrigar-te a regenerar sem deixar que te cures, diverte-me.

    Até Lucien sorriu ao ouvi-lo.

    – Oh, que divertido! Posso esconder o seu fígado desta vez?

    Ao ouvir a voz de Anya, Reyes olhou para o céu com resignação.

    A deusa de cabelo loiro, Anarquia, apareceu também pela porta e atirou-se para os braços de Lucien. O seu cheiro a morango impregnou o ambiente. Aqueles dois não faziam mais do que abraçar-se e beijar-se como dois idiotas, como se se esquecessem do mundo que os rodeava.

    Reyes achara muito difícil gostar daquela mulher. Ela pertencia a Olimpo, como todas as coisas que ele odiava. Provocava o caos, uma coisa tão natural para ela como respirar. No entanto, no fim, ajudara todos os guerreiros e dera a Lucien uma felicidade que Reyes só conseguia imaginar.

    Sabin tossiu.

    Paris assobiou, embora com uma certa tensão.

    Reyes sentiu uma pontada de inveja no peito, uma pressão tão forte no coração que parecia que ia parar de bater. Oxalá não tivesse coração. Sem ele, não desejaria Danika sabendo que não podia tê-la.

    Não importava. Ela nunca o desejaria. A maioria das mulheres não gostavam da sua particular marca de prazer e doçura, e a angélica Danika odiá-lo-ia mais do que a maioria. Só o facto de estar perto dele aterrorizara-a.

    No entanto, talvez tivesse conseguido seduzi-la, fazer com que se suavizasse com ele. Talvez… Mas recusara-se a tentá-lo. As mulheres com que ia para a cama sucumbiam sempre ao seu demónio, embebedavam-se com ele e desenvolviam um vício das suas predilecções. Elas acabavam por precisar também de dor e provocavam-na a todos os que estavam à sua volta.

    – Alguém chame os outros – disse Reyes com sarcasmo e com a esperança de disfarçar o seu sofrimento. –Faremos uma festa aqui em cima.

    O que estaria a fazer Danika naquele segundo? Estaria com um homem? Estaria a aninhar-se contra ele como Anya se aninhava contra Lucien? Estava morta e enterrada como Aeron? Cerrou os punhos. As suas unhas estenderam-se, cortaram-lhe a pele e magoaram-no maravilhosamente.

    – Deixa-o, Dor – disse Anya. – Estás a fazer com que Lucien perca tempo e isso irrita-me muito.

    Quando Anya se zangava aconteciam coisas más. Guerras, desastres naturais.

    – Nós já falámos. Já tem toda a informação de que precisava.

    – Não

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