Recolhendo plumas: contos do além
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Sobre este e-book
Em Recolhendo plumas Daniela I. Norris combina a perspicácia da contação de histórias com uma aguçada consciência espiritual para nos trazer um belo e assombroso conjunto de contos do além. Um baquete para coração, mente e alma. Cada história é mergulhada em desdobramentos intrigantes, que permaneceram com você por muito tempo depois que as páginas foram viradas.
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Recolhendo plumas - Daniela I. Norris
Uma Razão para Seguir
Nós vimos a tempestade nos olhos dos outros pacientes. Eles nos observavam com inveja enquanto caminhávamos naquela manhã triste e sombria. Podiam nos ver? Nós éramos os que partiam; eles, os que ficavam para trás. Ou seria o contrário?
Adeus, Olivier!
, disse o guarda-noturno, bebendo seu café da manhã no posto de enfermagem. Seu boné, escuro e felpudo, parecia um animal raro enrolado na cabeça, piscando para mim com seus olhos sempre vigilantes. Eu pisquei de volta. O vigia noturno acenou para mim e sorriu. Mal sabia ele que o animal peludo em sua cabeça tinha pensamentos próprios, e não eram felizes.
Cuide-se, Olly
, disse uma enfermeira loira que havia acabado de chegar para o turno matutino.
Eu esperei este dia durante onze meses, desde que fui admitido à Saint Mande. Onze meses de reflexão, de olhar em volta e dentro de mim. O que encontrei? O que me encontrou? As sombras escuras que se escondiam em minha cabeça quando cheguei abrigavam-se, agora, no em meu fígado, no em meus rins, nas em minhas articulações e sob minha pele. Escondiam-se onde não podiam ser vistas por outras pessoas, mas eu sabia que estavam lá. Recusavam-se a deixar o meu corpo, ou talvez eu me recusasse a deixá-las ir.
Havia sido um ano sem visitas. Eu assistia a neve derreter em correntes de chocolate e baunilha que me seguiam por toda parte. Tinha o cuidado de não pisar nelas para não interromper seu fluxo. Logo depois, as árvores nuas iniciavam um florescer de alegria, banhando-se ao sol frio de abril, seus dentes, tão espinhosos como os de um filhote de cachorro, aqueciam meu pescoço enquanto eu sentava em meu banco favorito, esperando os convidados que nunca chegavam. Eu observava os outros, que passeavam nos jardins ou dividiam chá quente e bolo com seus visitantes no salão, o que fazia parecer que pertenciam a uma outra era. Sorrisos congelados em seus lábios, teias de aranha em seus cabelos.
Verdade seja dita, eu não me importo em ficar só. Eu me rendi à presença calmante que enchia os grandes cômodos, rodeando as paredes brancas e escovando os tetos altos com o toque mais suave. Eu podia ouvir os ventos do início do verão assobiando suas canções melancólicas, acompanhados pelo som de um piano distante. Eles sopravam na minha direção, para mim. Ninguém mais parecia ouvi-los. Ush, ush, diziam eles, e eu soprava de volta, ignorando os protestos veementes dos estorninhos, que pareciam tentar me distrair.
É claro que eu tinha alucinações. Era a medicação que insistiam para que eu tomasse. Disseram que me tranquilizaria, acalmaria os nervos, aliviaria a minha tensão.
Pode ter acalmado meus nervos, mas fez algo à minha mente. Fez-me ver padrões nessas paredes brancas, figuras que cresciam, tomavam forma, preenchiam o espaço, rastejando para dentro e para fora, como a mulher do Papel de parede amarelo
, de Charlotte Perkins Gilman. Como ela, eu tinha uma depressão nervosa temporária. Como ela, eu deveria tomar fortificantes, viajar, tomar ar e praticar exercícios. E eu estava proibido de trabalhar até que estivesse recuperado.
Somente agora que eu havia sido declarado saudável e mentalmente são, pelo menos são o suficiente para caminhar pelas ruas, eu comecei a me preocupar com o futuro. Gostaria de fazer parte da comunidade outra vez. Será que eles se importariam comigo? Eu me importava com eles quando era um todo-poderoso banqueiro, bebendo meu macchiato em um copo de papel, passando por aqueles que sentados sentavam-se na calçada, olhando como se o mundo deles houvesse acabado de se desintegrar?
De fato, eu dava-lhes umas moedas de vez em quando, sentindo, depois, que havia feito minha boa ação do dia. No entanto, na maior parte do tempo eu atravessa seu caminho sem refletir nem por um minuto sobre sua condição. E se o fazia, concluía que eles estavam sentados lá simplesmente porque havia algo errado com eles. Talvez fossem loucos.
Eu descobri que insanidade temporária era, de fato, um bom escudo contra as adversidades e responsabilidades da vida - não que eu fosse um homem que evitava responsabilidades. Afinal, eu havia trilhado o caminho certo para o sucesso, exatamente como meus pais habilmente planejaram para mim: uma faculdade, um trabalho bem remunerado, o casamento com uma mulher bonita, com a pele perfeita. E, então, tudo desmoronou quando ela foi embora. Ou talvez foram as sessenta horas de trabalho semanais que passava em meu escritório de esquina, na praça do mercado St. Honoré, pois, em minha anterior vida, eu fora um vaidoso banqueiro de terceira geração, vestindo ternos listrados e bebendo champanhe refrigerado para selar negócios multimilionários.
Talvez a solidão fosse a culpada. Eu não tive amigos de verdade antes, e certamente, não tive depois. É claro que eu tinha colegas que estavam sempre dispostos a sair para uma bebida após o trabalho. Lembro-me de noites em que bebíamos até o mundo girar e arriarmos nas primeiras horas da manhã. Eu a encontrava chorando na em nossa cama, e logo a cama estava vazia. Descobri como um bando de executivos ricos e esnobes em seus ternos listrados podiam se transformar em pequenas porções de almas infelizes. Aqueles que não tinham ninguém para quem voltar, como eu, ficavam fora a noite toda, ou encontravam uma companhia eventual. Não queríamos voltar para quatro paredes vazias. Aquelas paredes estavam sempre em alguma parte sofisticada da cidade, mas isso não os tornava menos solitários.
Estes não eram amigos. Bebiam minha felicidade com gelo e um pequeno guarda-chuva colorido. Eles se mostraram solidários quando me tornei um deles; depois, deixaram-me para trás, e seguiram em busca de sua própria felicidade. Isso foi antes; depois, foi pior.
Depois da minha tentativa de suicídio havia apenas rumores em torno de mim, ninguém corajoso o suficiente para me dizer que eu estava jogando minha vida pelo ralo.
Todos pareciam ter esquecido que, um dia, eu existi. E meu escritório de esquina foi dado a outro figurão que provavelmente despencaria num caminho semelhante ao meu.
Não me lembro de quando tive um amigo de verdade, se é que já tive algum. Foi então que o notei olhando para mim por trás de uma árvore, no jardim, e senti que ele era diferente. Ele trazia sorriso ao meu rosto e encanto à minha alma num momento em que nada mais parecia fazer diferença.
Ele me fazia sentir menos isolado, encorajava-me com um sorriso estreito ou um aceno de mão. Às vezes, eu sabia que ele estava por perto antes mesmo de virar para vê-lo. Ele se tornou parte da minha vida, tanto quanto a dúzia de comprimidos pequenos e redondos que eu tomava todas as manhãs, o café aguado na cantina e as sessões diárias de terapia com Dr. Gerard, o psiquiatra residente.
Esta companhia, este amigo improvável, era um jovem da minha idade. Ele me seguia em silêncio onde quer que eu fosse. Nunca dizia nada. Eu nunca lhe disse coisa alguma. Ele era tão calmo, tão discreto, ninguém mais percebia sua presença.
Ele costumava demorar-se pelo jardim. Eu podia vê-lo através das grades da minha janela, quando olhava através dela para o gramado bem cuidado. O jardim de Gilman era agradável, cheio de caminhos ladeados de relva e forrados com mandris de videira com assentos em baixo. Apenas a visão deste perfeito gramado poderia deixar alguém louco, mas eles não se importavam. A seus olhos, éramos todos loucos mesmo.
Eles não se importavam quando eu andava pelo chão de cascalho, em linha reta, um pé a frente do outro, meus braços para cima para manter o equilíbrio. E se eles não se importavam, muito menos eu. Era bom ser criança de novo, para fazer coisas que um homem respeitável, em seus trinta anos,