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Sangue e Pó
Sangue e Pó
Sangue e Pó
E-book370 páginas5 horas

Sangue e Pó

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Sobre este e-book

Após anos de dúvidas, de suposições e falatórios, por fim se conhecerá a verdade.

Antes daqueles dias, aconteceram diversas disputas e guerras, mas no fim, se alcançava algo parecido com a paz, ou ao menos os habitantes de Gaia acreditavam nisso. No entanto, iludido aquele que acredita que a paz durará para sempre, pois a natureza do ser humano é tentar dominar uns aos outros.

Só alguém parecia não acreditar no que seus olhos viam naquele momento, o que tanto desejou e almejou. Era a pessoa que segurava as páginas que com tanto afinco tinham procurado, aquele no qual estavam destinados tais escritos. Certamente era seu autor que tinha desejado que essas páginas chegassem às mãos daquele que as segurava agora. Ao menos esse tinha sido o propósito de alguém adorado por muitos e odiado por tantos. Muito tempo esperaram as pessoas de Gaia para saber a verdade, ainda que fosse só uma parte dela. E finalmente conseguiram, pois nas mãos de Indúrinel estava a história de uma vida e de muitas mortes.

Uma história cheia de aventuras, viagens, batalhas, amor e traições que prenderá o leitor desde a primeira página. Você se atreve a descobrir o segredo atrás das Portas do Conhecimento?

IdiomaPortuguês
EditoraWalden
Data de lançamento20 de mar. de 2018
ISBN9781547517657
Sangue e Pó

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    Sangue e Pó - David Hijón

    CRÔNICAS DE GAIA:

    SANGUE E PÓ

    DAVID HIJÓN

    TRADUÇÃO: NAYRA TAVARES

    SANGUE  E PÓ

    David Hijón

    Copyright  © 2014 David Hijón

    Twitter: @davidhijonro

    www.davidhijonromero.blogspot.com

    davidhijoncontacto@gmail.com

    Tradução: Nayra Tavares

    Todos os direitos desta obra pertencem a David Hijón

    Para minha família, em especial aos meus pais, que me ajudam sempre em tudo, e para minha avó, que eu prometi dedicar uma vitória importante em minha época como ciclista. Não consegui isso, mas este livro também será para ela.

    ÍNDICE

    Prólogo

    Capítulo 1. A queda de um gigante

    Capítulo 2. Perdas

    Capítulo 3. Um olhar de pesadelo

    Capítulo 4. Arriscar para viver

    Capítulo 5. Amizade

    Capítulo 6. Notícias inquietantes.

    Capítulo 7. Uma sombra a mais

    Capítulo 8. A dor da traição

    Capítulo 9. Solidão

    Capítulo 10. Cenouras e batatas

    Capítulo 11. As portas do conhecimento

    Capítulo 12. Os Agnitios

    Capítulo 13. A Guerra dos Elementos

    Capítulo 14. Confrontar o medo ou sucumbir

    Capítulo 15. As Montanhas Nevadas

    Capítulo 16. O homem mais sábio de Gaia.

    Capítulo 17. Procura

    Capítulo 18. Senado

    Capítulo 19. Ao quarto dia

    Capítulo 35. A ira da chama

    Capítulo 36. Sonhos

    Capítulo 37. A sabedoria da terra

    Capítulo 38. O relato de uma vida

    Capítulo 39. O rugir do aço. Dia 1

    Capítulo 40. O rugir do aço. Día 2

    Capítulo 41. O rugir do aço. Dia 3

    Epílogo

    Prólogo

    Após anos de dúvidas, de suposições e falatórios, por fim se conhecerá a verdade.

    Rajadas de vento faziam com que os cavalos empinassem nervosos, aquele dia de verão em que o sol brilhava forte em um céu sem nuvens.

    Antes daqueles dias, aconteceram diversas disputas e guerras, mas no fim, se alcançava algo parecido com a paz, ou ao menos acreditavam nisso. No entanto, iludido é aquele que acredita que a paz durará para sempre, pois a natureza do ser humano desde o início dos tempos é tentar dominar uns aos outros.

    Só alguém parecia não acreditar no que seus olhos viam naquele momento, o que tanto desejou e almejou. Era a pessoa que segurava as páginas que com tanto afinco tinham procurado, aquele no qual estavam destinados tais escritos. Certamente era seu autor que tinha desejado que essas páginas chegassem às mãos daquele que as segurava agora. Ao menos esse tinha sido o propósito de alguém adorado por muitos e odiado por tantos.

    Não era ódio o que sentiam os que iam se agrupando em volta de Indúrinel, só curiosidade, uma curiosidade latente no ar. Durante os últimos meses, as especulações e falatórios haviam aumentado, tinha, inclusive, quem se atrevesse a afirmar que tais escritos não existiam. Era então quando Ládenor levantava a voz e calava os rumores, insistindo que seu pai esteve ali no momento que Sínduner escreveu tudo. No entanto, era a palavra de uma pessoa morta já há muitos anos.

    Todos tinham um grande respeito por Únlinor, mas de certo ninguém esteve ali quando aconteceu. As histórias daqueles tempos se contavam por todos os povoados, as cidades, as torres de vigilância, os pavilhões, definitivamente em todos os cantos do mundo. O certo é, contudo, que a cada dia aumentavam os céticos. As tentativas de desprestígio para com os heróis daqueles tempos, que agora pareciam bem distantes, incrementavam cada dia. Sabia que aquele livro tinha chegado, inclusive, a falsificar por pessoas que desejavam que todos contassem o que sua mão tinha escrito, ou simplesmente queriam vender a algum ingênuo aqueles documentos por preços exorbitantes.

    Por muito tempo, haviam esperado as pessoas de Gaia para conhecer a verdade, ainda que fosse somente um fragmento dela. E por fim o conseguiram, pois, nas mãos de Indúrinel se encontrava a história de uma vida e de muitas mortes.

    1º Livro

    Capítulo 1. A queda de um gigante

    Sangue.

    Entrava pela janela daquele quarto o primeiro raio de sol, onde se respirava suor, dor, alegria e sangue. Pois Únlinor Terdelion, filho de Rágar, rei de toda zona oeste de Gaia, acabava de nascer após múltiplos anos de fracasso na missão de trazer um herdeiro ao mundo. Mas enfim, o esperado momento tinha chegado e a alegria se refletia no rosto do rei.

    Este foi o contexto em que Únlinor nasceu loiro, como os raios de sol que acabaram de presenciar uma chegada. Mas também uma partida, pois nesse momento Lasha, esposa de Rágar, faleceu devido à grande perda de sangue durante o parto. Quarenta anos tinha aquela mulher então, uma idade considerável para dar a luz a um filho num mundo como aquele. Ela sabia, mas sempre insistia que nunca seria feliz enquanto não desse a luz a um filho. Pois no fundo temia a morte, o maldito destino dos homens, e considerava que em seu filho ficaria parte de seu ser, fazendo com que sua presença naquele mundo não fosse em vão.

    A tristeza de Rágar foi grande naquele momento, pois, ainda que tivesse desejado por muito tempo um herdeiro, amava sua esposa como nunca havia amado ninguém. E naquele momento amaldiçoou ao bebê que acabou de nascer, o mesmo que levou tudo o que tinha sentido para ele.

    As notícias do nascimento do herdeiro do trono se espalharam com rapidez por todo o reino.  Infelizmente, para o povo foi o nascimento do filho daquele rei que durante os últimos anos através de feitiços e poções procurou e encontrou o que queria: o filho; e o que merecia: a morte.

    Loucura. Desolação. Isso foi o único que prosperou no reino de Rágar. Pois quando o rei perdeu sua esposa, o único que seguiu foi dias escuros, escuros para o rei e por toda extensão de seu reino. Dias que marcariam a vida e o destino de Únlinor e, ainda que esse momento não se soubesse, o do oeste de Gaia. Era um reino poderoso aquele, já que acumulava riquezas e terras, ainda que só entre os habitantes mais poderosos. E quando isso ocorre se multiplicam os inimigos.

    As guerras nas fronteiras eram mais sangrentas a cada dia. Cada vez mais pessoas se uniam para lutar contra Rágar liderados por alguém chamado Tol-Doroth, que garantia que diante de seu mandato acabariam todas as injustiças que o povo estava sofrendo. Aquela promessa era muito tentadora para muitos e mais ainda quando Rágar não parecia ter a menor intenção de mudar a situação da maior parte do povoado.

    Criado estúpido

    Únlinor, que naquela época já era um rapaz de dezoito anos, acordou mais tarde do que de costume. O cansaço dominava seu corpo, pois no dia anterior tinha feito muito esforço em seu treino. Essa era a atividade principal de seus dias como herdeiro ao trono. Seu treino consistia em manusear a espada e o arco e flecha, ainda que também era propenso a fazer longas  caminhadas durante o dia, já que os enfrentamentos com outros reinos se livravam a muitas milhas de Delfas. Teria de se preparar para quando tivesse que cumprir com seu dever de nascimento e dirigir seu exército para acabar de uma vez por todas com os rebeldes concentrados na fronteira. Pois quem ia pensar que a guerra alcançaria as muralhas daquela cidade? Impossível. Uma ilusão.

    As defesas do Castelo de Delfas estavam descuidadas, muros baixos dedicados mais a beleza daquela cidade do que para sua defesa. A guarda real estava acomodada, prova disso era que os ferreiros passavam suas horas de trabalho alargando armaduras que já haviam dado suporte àquela tarefa com antecedência. A comida era abundante nos altos círculos e isso era o que mais parecia importar a Rágar.

    Únlinor se levantou e abriu a janela, dando lugar assim ao labirinto de ruas e a mistura de cheiros que compunham aquela cidade. Voltou a amaldiçoar o seu criado cujo nome não conhecia e nem o lugar onde dormia se é que merecia dormir, devido a sua atitude.

    Aquele dia o castigaria. Sim, pois não tinha acordado e chegaria tarde ao seu encontro com Lina, a quem havia prometido mostrar um segredo. Segredo que Únlinor não conseguia imaginar, pois como ela não iria estar apaixonada por ele? Indiscutível. Ele era filho do rei, ela de um nobre rico do leste de Gaia, a união perfeita. Além disso, ela era linda, o que mais poderia pedir Únlinor?  Beleza, dinheiro, sangue nobre. Perfeita, sim. Ainda que uma vez tivesse lido em um livro algo sobre o amor, algo que não conseguia entender. Era impossível que um homem fizesse tais loucuras, um cavaleiro que abandonou seu reino por amor. Amor? Mais bem se assemelhava a uma demência, um feitiço, uma estupidez. Únlinor também o vinculava com o medo, medo da batalha, de seguir combatendo ate a morte. Sim, devia ser isso.

    Vestiu-se e desceu ao quintal, já teria ocasião de repreender logo àquele estúpido.

    Verde. Todo o quintal permanecia o mesmo de sempre, povoado de múltiplas flores e árvores trazidas de lugares exóticos. De algumas daquelas flores emanava uma magia estranha, pois ao morrer, voltavam a renascer. Era flores de Éreban, cidade situada no norte de Gaia. Únlinor nunca esteve lá, mas logo percorreria todos os cantos do mundo e visitaria as cidades mais famosas. Essa era uma de suas ambições, ainda que nunca houvesse confessado a ninguém e nem nunca o faria.

    Aço. Essa era a vida, o dogma de Únlinor. Cada manhã treinava e cuidava de seu corpo, a diferença de muitos outros soldados. Pois ele tinha ambição de ser um herói, queria lutar nas guerras das fronteiras, apesar de que não fosse tradição entre príncipes o lutar em conflitos tão triviais como aquele, apesar da oposição de seu pai.

    Físico. Isso era o que Únlinor tinha trabalhado. Vagamente as palavras soavam como filosofia, matemática e literatura. Conhecia as letras, naturalmente, mas para que as necessitava? Uma vida dedicada ao estudo como os sábios costumavam fazer era uma completa perda de tempo para ele. O reconhecimento, a glória, isso se adquiria lutando, mediante ação e não mediante palavras.

    Únlinor foi até o Salão de Armas, pegou uma espada curta, colocou na coxa e foi correr como costumava fazer todo dia. Esse era um método que ele adotava para prevenir a fricção que o choque da bainha causa ao correr. Uma parte, o considerava como uma fraqueza sua, um bom soldado tinha que tolerar atritos e feridas; mas outra algo em seu interior lhe dizia que isso era o adequado, que também deve evitar o dano quando se é possível. Um pensamento de covarde, talvez, mas não poderia ter se desfeito dessa mania ainda que tivesse tentado. Mania era como ele mesmo tinha denominado, ao menos soava melhor que fraqueza.

    Correu até que lhe doeram os músculos das pernas. Depois disso, lutou com seu amigo Treno no quintal. Sempre lutavam com espadas sem cortes, sem ponta, para prevenir feridas e contusões desnecessárias.

    –Está lento hoje, Treno. Estou te achando distraído.

    –Estou tentando imaginar o que terá no próximo banquete do seu pai –respondeu Treno com um sorriso brincalhão.

    –Trate de parar de pensar nos excessos por um momento e concentre-se. Assim não será um bom cavaleiro nunca –o tom de Únlinor era rude.

    –Nestes tempos a única arma que todo cavaleiro precisa é uma faca para cortar a carne –disse Treno seguido de uma gargalhada alta.

    Depois disso, lançou um golpe rápido dirigido à cabeça de Únlinor.

    Únlinor esperava aquele golpe. Um golpe rápido e eficaz se não estivesse suficientemente atento, mas Únlinor sempre estava atento. Treno deixou sua lateral desprotegida, então Únlinor aproveitou para lançar um forte golpe entre as costelas, que se fosse uma espada com ponta teria perfurado o pulmão ou as costelas se encarregassem disso ao quebrarem. Teria sido uma morte lenta e dolorosa.

    Treno levantou uma mão para que seu amigo parasse.

    –Já chega por hoje.

    –De acordo, mas amanha se estiver menos atento te prometo que te desloco o ombro –ameaçou Únlinor com um sorriso.

    –Perderia seu melhor combatente nesse caso.

    –Acredito que se subestima demais, querido amigo –afirmou Únlinor entre risadas.

    Qualquer um que os visse, teria notado em seguida que eram velhos amigos. E não teria errado nessa conclusão. Treno e Únlinor cresceram juntos desde bebês, sempre dividiram aventuras, comidas, risadas e inclusive alguma jovem amante.

    A principal diferença entre ambos era que Únlinor era o filho do rei, enquanto Treno era filho de um dos mais simples cavaleiros do oeste de Gaia. E aquilo, apesar de tudo, marcava uma grande diferença entre eles.

    Ao anoitecer aconteceu um banquete, algo nada atípico numa cidade como Delfas. Aquele dia Únlinor foi, como sempre, mais por obrigação do que por desejo. Pois ainda que não o desagradasse a comida, via aquilo como impróprio. Guerreiros com mais habilidade manuseando um pé de frango do que com a espada. Mulheres exuberantes o cercando o tempo todo para tentar se deitar com ele. Todas sabiam que Únlinor era o herdeiro do trono e isso sempre implica em fama, dinheiro e poder.

    Únlinor sentou-se à mesa junto de seu pai, e como de costume não trocaram uma palavra. Um instante depois, no extremo oposto da mesa, a viu. Era Lina com seu longo cabelo preto e aqueles olhos cinza grudados nele. Mais tarde a veria, agora não sentia interesse algum em conversar com ela.

    O banquete decorreu como sempre, conversas banais cruzavam o quarto passando como sombras que não deixariam marcas nos ali presentes. Nenhuma dessas conversas estava relacionada com ajudar o povo, apenas para zombar de alguns de seus costumes. Naturalmente, Únlinor não era uma exceção a esta regra.

    Ao terminar o banquete, Lina deixou seu lugar para falar com ele. Únlinor pensou por um momento em ir embora, em inventar uma desculpa, essa noite só desejava dormir. Mas estava tão bela aquela noite e o cheiro que vinha dela era tão fascinante que não pôde resistir. Quando se aproximou se deixou levar e em segredo compartilharam uma noite no quarto de Únlinor tomando cuidado para que ninguém os visse, já que a honra de Lina estava em jogo. Ainda que ele estivesse seguro de que nenhum dos presentes continuaria pondo em dúvidas que ele não tivesse roubado sua inocência faz tempo. Mas o que era a inocência de Lina comparada com o poder que aguardaria nos anos futuros?

    No dia seguinte, Únlinor se levantou para completar sua rotina de treinamentos. Para aquele dia tinha se proposto a realizar práticas com a lança no cavalo. Afastou-se do lado de Lina enquanto pensava no quanto ela era linda, em como cada fração de seu corpo era provocativo, o quanto foi maravilhosa a noite anterior. Evidentemente, era digna de obter o direito de ter alguém como ele.

    Depois de se vestir, foi até o estábulo e pegou seu cavalo. Era escuro como a noite e de raça pura. Era, com exceção ao do seu pai, a melhor montagem de Delfas. Ao passar pelo Salão de Armas pegou a lança, nem capacete nem proteções seriam necessários aquele dia. Só serviriam para aumentar o peso que sentia após a noite passada de álcool e sexo.

    Ao montar em seu cavalo percebeu que ele estava nervoso, mas não deu a menor importância. Únlinor começou com um trote suave para acalmar sua montagem. A cabeça não deixava de dar voltas e precisava que esta se integrasse um pouco antes de começar suas manobras mais complexas. Quando seu cavalo começou a suar, atirou a lança o mais longe que pôde e fez com que sua montagem desse o melhor de si em direção até onde havia prendido sua arma. Acelerou e acelerou e justamente antes girou à esquerda para agarrar bem a lança. Nesse momento, seja por algum movimento errado de Únlinor, por falha daquele nobre animal, por uma pedra oculta no chão ou pela ação do destino, seu cavalo escorregou.

    O mundo pareceu desacelerar para Únlinor. Sua visão estava grudada no chão que se aproximava cada vez mais. Estava paralisado, não pôde fazer nada, a não ser cair. Todo o peso de seu corpo recaiu sobre seu quadril.

    Nesse momento, uma pontada de dor cresceu de maneira exponencial pelo quadril de Únlinor, uma dor que percorria todas suas fibras internas, uma dor que nunca havia sentido antes. Sua vista escureceu imediatamente. Foi só um instante e depois sua visão foi clareando e recuperou a capacidade de pensar.

    Está quebrado.

    Pó.

    Capítulo 2. Perdas

    Esta não será a história mais feliz, e também não será a mais trágica, mas é a história do seu pai, a história da minha vida e quero que saiba tudo o que aconteceu, sem nenhum mediador, sem mentiras. Meu nome como bem sabe é Sínduner e aqui começa tudo.

    A sujeira e o barro percorriam meu rosto após uma forte jornada onde não pude roubar nada. Aquele dia passaria fome, minha família e eu, ainda que não fosse a primeira vez.

    Apesar dos treze anos que contava naquela época, minha mente havia amadurecido muito mais, não me incomodava por ainda brincar, meu único objetivo era simples: sobreviver. A morte era uma constante naquela época ao meu redor, crianças e adultos que um dia andavam pelas ruas, no dia seguinte o faziam no inferno. A sujeira era regra e não exceção. Ao menos isso é o que acontecia na minha zona da cidade.

    –Papai, como você está? –perguntei preocupado.

    –Melhor, filho. Sairei dessa –respondeu com a voz fraca Rod, meu pai–. Conseguiu alguma coisa?

    –Não, pai. Além do mais, a guarda estava patrulhando, se chegassem a me pegar já sabe de sobra o que poderia me acontecer.

    –O importante é estarmos unidos, filho. Já comeremos amanhã.

    –Sim, pai. –Se não comer logo não haverá amanhã para você, pensei com tristeza.

    A doença percorria o rosto do meu pai. Poucos se lembravam de seu nome, a verdade era que ninguém parecia se importar, com a exceção do dia de arrecadação de impostos. Então, aquele nome anotado na lista o delatava. Nesse momento, ele deixava de ser invisível.

    Difíceis eram aqueles anos. O trabalho era escasso, as guerras fizeram que diminuíssem a comida e o povo passava fome. Era o custo a pagar por manter a fronteira.

    Dei uma volta pela minha casa, ou ao menos pelo que sobrou dela. O teto caía por todo lado. Agora não dispúnhamos de um quarto para cada um, somente nos amontoávamos nos lugares onde a presença do vendo e da chuva era mais escassa.

    Sobrevivência. Minha mãe tinha morrido minhas duas irmãs mais novas também. Somente meu pai e meu irmão mais velho sobreviviam, mas meu irmão ajudava pouco em casa, quase nada. Sua melhor opção ao atingir a maioridade tinha sido se alistar ao exército. Ao menos assim comeria todos os dias ou isso foi o que prometeram quando escreveu seu nome naquela maldita lista. As guerras nas fronteiras foi seu destino. Meu pai só pôde chorar com sua partida, pois sabia que com quase toda a certeza que seu filho não voltaria a caminhas pelo mundo dos vivos em alguns meses. Manter-nos unidos desde então era a bandeira que meu pai levantava dia após dia.

    Procurei entre os diversos esconderijos que tinham naquela casa, onde guardava tudo que considerava importante. Não encontrei nenhuma comida, tudo eram escombro e objetos quebrados. Tudo, exceto um velho livro coberto por uma capa de couro marrom empretecido escrito numa linguagem que não dava para entender.

    Sabia ler, meu pai tinha me ensinado quando eu era pequeno para que eu pudesse me defender no mundo.

    –Um homem que não sabe ler nem escrever é um homem fácil de enganar –costumava me dizer.

    Mas os símbolos registrados nesse livro não eram como os demais. Aqueles símbolos me chamavam, parecendo gritar meu nome. Tinha vezes que eu acreditava em suas frases estavam dirigidas a mim, esperando serem compreendidas. Eu perguntava ao meu pai constantemente sobre aquele livro, mas ele nunca me explicou nada sobre o livro. Notei que ele se sentia incomodado com esse assunto e com o tempo aprendi a ignorá-lo.

    Deixei de lado aqueles pensamentos e guardei de novo o livro naquele esconderijo, livre de ladrões como eu. Ratos em busca de comida.

    A morte atingiu minha família como eu havia dito anteriormente. Veio como uma sombra e arrastou o que eu mais amava uma parte de minha alma. Meu pai morreu devido à doença que o prendeu durante um mês.  Nenhum de nós dois sabíamos identificá-la pelo nome, não éramos curandeiros nem dispúnhamos de dinheiro para pagar um. Aquela doença acabou com a vida do meu pai, mas eu sabia que a real causa era a fome. Como poderia uma pessoa doente lutar contra esse verme?

    Meu mundo se desfez com sua partida. Durante os dias seguintes não desviei o olhar do lugar, do canto do meu pai. Às vezes me imaginava ali, repetindo uma e outra vez que tínhamos que nos manter unidos. Nesses momentos era quando o desespero me envolvia e gritava a cada um dos cantos chamando seu espírito, implorando para que volte e cumpra aquela promessa quebrada.

    Foram naqueles dias que algo dentro de mim dissipou. Era minha infância. A morte tinha arrastado ela consigo junto com a vida do meu pai. Maturidade prematura e precoce aos treze anos. O que faria então?

    Preso na dor eu comecei a ver perigo por todo lado. Até então as pessoas daquela cidade respeitavam meu lar, mas quanto tempo mais duraria aquela segurança antes que alguém necessitado de um lugar para dormir decidisse me matar e reivindicasse minha casa para si? Quem me defenderia naquele mundo caótico e cruel?

    Prometi-me uma única coisa: que sobreviveria. Algo em mim me incitava a lutar e até me imaginava levando a justiça ao mundo, à mesma que nos haviam privado a mim e a minha família. Certamente seriam somente sonhos de um garoto inocente, incapaz de ver que não possuía poder para mudar nada.

    Com aquela promessa em mente tirei meu velho livro do buraco em que o guardava. E também um pequeno pedaço de cristal que usava para me defender quando saía para roubar em caso de perigo. Nunca se sabia o que te esperaria nas ruas de Delfas e muito menos se era um ladrão, como era meu caso. Ninguém sentiria o menor remorso em acabar com a vida de um ladrão.

    Por último, peguei uma velha mochila que meu pai não usava há anos, coloquei o livro e coloquei nas costas. Pensei em vendê-lo para ganhar dinheiro, havia lojas que pagariam muito bem por um livro com uma capa como aquela; mas desfiz essa ideia na mesma hora. Se meu pai tinha me abandonado, seu velho livro iria comigo até o fim. Um fim que não via muito longe, dadas às circunstâncias.

    Saí de minha casa evitando os olhares dos meus vizinhos, daqueles não tão futuros e nem tão passados usurpadores. A cidade de Delfas se dividia em duas zonas: a dos desafortunados de terem nascidos em famílias pobres e os que por sorte se situam nos berços da nobreza. Certamente, não poderia ir às zonas mais ricas, não por agora.

    Perambulei por cantos escuros e ruas estreitas para evitar ser visto. O segredo da minha sobrevivência consistia agora no sigilo, em total silêncio, na invisibilidade da minha existência. Por fim, a fome quem decidiu qual seria meu destino. Tinha que conseguir algo para comer, algo que me enchesse a barriga, devia encontrar logo.

    Procurei e procurei, mas nenhum lugar me parecia seguro o suficiente para roubar sem sair ferido ou morto. Passou um bom tempo até que encontrei uma casa pequena em um velho beco. A janela estava aberta e de lá emanava o cheiro de algo que estava sendo cozido, o cheiro de pão e vida. Devia ser uma das poucas padarias que ficaram naquela zona da cidade.

    Fiquei posicionado de forma escondida embaixo da janela e fiz um movimento rápido que somente os animais em minha situação, famintos, poderiam se igualar. Não vi nada perigoso, mas realmente procurava. Uma fileira de pão se encontrava em cima de uma mesa gritando para que a comprassem, ou a roubassem.

    Pão. Fazia tempo que não comia algo assim, tão crocante e delicioso. Acho que entrei naquele lugar com tanta rapidez, sem cuidado algum. Mas o que teria acontecido, não? Um dos piores efeitos que tem a fome é que a racionalidade do homem é totalmente neutralizada.

    Entrei pela janela e meu braço agarrou a fileira de pão com força. Tinha um aspecto tão suculento e meu estômago tão vazio que devorei o pão inteiro naquele lugar mesmo. Minha boca voltou a se lembrar do sabor daquela delícia inclusive antes de ter dado a primeira mordida. Minha fome era tanta, que meus instintos de ladrão tinham me abandonado, e isso poderia ter me custado à vida ou a liberdade.

    Algo duro me bateu na cabeça. Foi um golpe forte, mas não o suficiente para me fazer cair e perder os sentidos. Virei com rapidez e meus olhos viram uma senhora bastante assustada. Podia perceber o medo em seus olhos, no tremor de suas pálpebras, nas vibrações do pulso que sustentava a tábua que havia me acertado.

    –Vá embora ou juro que vou te bater ainda mais forte, você ainda não sentiu a força do meu braço. Acredite jovem, o melhor que você pode fazer por sua vida é sair por essa mesma janela que você entrou.

    –Senhora, eu... –respondi tentando encontrar as palavras adequadas.

    –Saia agora mesmo e eu não farei nada com você. Saia ou te juro que se arrependerá!

    Sem pensar duas vezes pulei a janela. Não sabia por que aquela senhora tinha feito isso, mas me deixou ir sem me castigar. Sentia curiosidade, mas aquele não era o momento adequado para enchê-la de perguntas.

    Corri e corri. Livrei-me de acabar morto ou preso nas masmorras e trazia a barriga cheia, não podia pedir mais nada. Bom, sim, mas os deuses não tinham escutado minhas preces.

    Finalmente parei num canto, meu peito e minhas pernas queimavam. Olhei ao redor e pude observar como várias crianças corriam pelas ruas. Estavam sujos e cheios de pó. Mas o que havia de estranho na sujeira? Estranharia mais se eu visse sua ausência naquele lugar.

    Pensei que tinha que evitar que me vissem a todo custo para evitar que alguém me roubasse. Agachei e me escondi atrás de umas caixas de madeira.

    Não podia ficar ali. A luz do dia ainda me dava uma sensação de proteção, mas durante a noite tudo se tornaria mais escuro, mais perigoso. Somente os bêbados, as prostitutas, os loucos e os assassinos vagavam naquela parte da cidade quando o sol se punha.

    Olhei em volta à procura de um lugar para me esconder. Vi os telhados das casas e aquilo me deu uma ideia, mas antes eu teria que encontrar um modo de subir. Pensei durante um momento e ao olhar ao meu redor

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