Colonizador colonizado No holocausto dos empobrecidos
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O livro incomoda e transforma. Poderia transformar. Deveria transformar. Fausto, além de tudo, é poeta.
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Colonizador colonizado No holocausto dos empobrecidos - Fausto Marinetti
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Colonizador colonizado No holocausto dos empobrecidos
Prima Edições Loyola 1985 agora nova Edições de autor Fusto Marinetti
COLONIZADOR COLONIZADO
No holocausto dos empobrecidos
Prima Ediç õ es Loyola 1985
agora nova Ediç õ es de autor Fusto Marinetti
Colonizador colonizado
No holocausto dos empobrecidos
S. Paulo 1985
Eis o testemuho de um "missioná rio" que, nos anos 0itenta mergulha na situa ção de injustiça institucionalizata do Nordeste, Brasil. Aos poucos percebe che se há povos empobrecidos é porque há povos enriquecidos; povos crucificados, por que há povos cricificadores. Um Calvá rio, uma tragédia social. Como salvar al almas
se o corpus não são honrados como a Vida requer? Como construir o cristão
se não há o homem
?
"... comecei como um curioso, mas terminei multo impressionado pela sua linguagem que é de profeta e poeta. Não vou falar dos outros; foi a mim que o livro fez bem. Estou aqui há muitos anos e ainda não sou sacerdote para celebrar a Míssa da vida com o pão das lágrimas. A pobreza, de tão gentil, chora baixinho. O seu livro faz a pobreza gritar e o juízo de Deus vai começar.
Graças a Deus é um livro para o povo e não de gabinete. Lhe agradeço porque me ajudou a aprofundar minha opç ão (Adolfo).
... Aqui vai um alerta aos colonizados de ontem, para que não se tornem colonizadores de hoje, dentro da sua própria terra. Que os gritos contra os invasores de outrora não sufoquem o clamor contra os Cains de hoje, que continuam massacrando seus irmãos em nome do progresso, da ordem, da nova colonização, isto é, da integração nacional.
(Chico)
Informações sobre o autor Fausto Marinetti
FAUSTO MARINETTI
Fausto Marinetti nasceu em Milão em 1942. Ordenou-se sacerdote em1968, licenciou-se em Teologia Pastoral em Roma, renunciando ao doutorado acadêmico para entrar na universidade do povo
.
Três experiências determinam a sua vida:
1 – A convivência com os refugos humanos descarregados às margens da cidade (miseráveis, dependentes de tóxico, prostitutas, etc.) lhe ensina que os males da sociedade não podem ser curados com simples paliativos.
2 – Dez anos em uma pequena sociedade alternativa (Nomadelfia: a fraternidade é a regra
), onde quarenta famílias (dividindo todos os bens) estão tentando a aventura do novo homem, da nova família e da nova sociedade, lhe infundem a esperança da utopia.
3 – Quase vinte anos sobre o Calvário do terceiro mundo (Nordeste do Brasil) lhe revela a maior tragédia da história: o oceano da miséria, o enriquecimento dos povos do norte ao preço da pobreza extrema daqueles povos do sul. Na escola dos empobrecidos do planeta
ele aprende, com a própria experiência, que é necessário meter o machado à raiz do mal e que a coisa mais urgente é uma mudança radical da nossa civilização.
A CORAGEM DE LER ESTE LIVRO
Apresentação de Monsenhor Pedro Casaldáliga
Apresentação de Monsenhor Pedro Casaldáliga
Um desafio lançado a quem tem ainda um resto de consciência. Não é necessário recorrer à fé cristã para ver o homem que, explorado, emerge destas páginas comoventes. É suficiente sentir como seres humanos. Com esta fé, a visão do homem se torna uma questão vital: aceitar Cristo ou negá-Lo. Eis o homem
: eu tive fome, era espoliado de todos os direitos, era colonizado, era empobrecido e tu nem ao menos te dignaste de fixar em mim um olhar. Estas cartas refletem a vida real, o cotidiano de um pároco, testemunha de uma pastoral encarnada, dado ao Brasil, em empréstimo, pela nossa Europa, ocidental e cristã
, Fausto Marinetti profetiza da fronteira do Maranhão. Aqueles que têm ouvidos e coração de carne, escutam e reagem.
O livro incomoda e transforma. Poderia transformar. Deveria transformar. Fausto, além de tudo, é poeta. Sobre tanta miséria- juntada como massa feita de pranto, suor e sangue, por uma sempre possível fermentação evangélica – ele espalha um sopro de ternura. Escreve com as mãos ungidas
com o óleo santo, como um bom pastor. Por ser sincero, tenho minhas dúvidas sobre o resultado da leitura do teu livro, meu irmão. Faz algum tempo que um cardeal europeu dizia que, na Europa, todos, inclusive os cardeais, estão se habituando a ver na televisão as imagens crucificadas do terceiro mundo. Passada a imagem, se desvanece a compaixão. Nem sempre, mas quase sempre. Faz mal ao coração, também para mim – europeu, cristão e bispo, no momento, estando aqui no terceiro mundo, – constatar quanta dificuldade se opõe à teologia da libertação, e como é difícil contestar a dívida externa, - que é iníqua e já foi paga com juros de sangue, - e que, humanamente,
pertence ao mundo, - nem ao terceiro, nem ao segundo e nem mesmo ao primeiro, mas simplesmente pertence - ao mundohumano,
o nosso mundo, a terra de Deus
, que deveria ser terra de irmãos
. Os pobres não colonizam, nem pretendem colonizar. Nós deveríamos ajudar a descolonizar o mundo! Nem colonizadores, nem colonizados. A eles, vítimas do holocausto do lucro e do etnocentrismo, agradaria viver humanamente e poder ver os seres humanos em todos e nos seus possíveis colonizadores de ontem e de hoje, sejam eles militares ou eclesiásticos, políticos ou intelectuais. E o Fausto sabe bem disso. Conviver com os pobres
ajuda a libertar-se, desde que se viva evangelicamente a pobreza deles e se lute com eles, profeticamente, contra a miséria.
Não obstante as minhas dúvidas sobre o mundo ocidental e sobre a sua conversão social, sou de parecer que serão os europeus, os eclesiásticos inclusive, que acolherão este livro, - o clamor dos pobres – como um clamor quaresmal, um convite à conversão da pessoa e das estruturas. Irmãos, que estão sobre o outro lado, tenham a coragem de ler este livro. Juntem as suas Bíblias imaculadas com estas páginas ensangüentadas. E reajam, segundo a medida do seu coração humano e cristão. Te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondestes estas coisas aos grandes, aos sábios, àqueles que dizem sempre
Sim, Senhor e as tendes revelado aos pequenos, aos livres, aos rebeldes; àqueles que cultivam a esperança de ver o teu Reino realizar-se progressivamente já aqui no Maranhão do Fausto e em todo o mundo dos pobres
.
Pedro Casaldaliga
Bispo de São Felix do Araguaia - Mato Grosso (Brasil)
Goiânia, 19 de janeiro de 1986
Carta 1
MAS NÓS TEMOS CRISTO
Matriz, 22-1-1983
Caríssimo,
Hoje tomarei posse da paróquia. A sensaç ão que tenho é a do enxerto: um povo ser-me-á plantado no coração. Ontem à noite, após vinte dias de jejum
, voltei para o meio do povo e celebrei a missa no bairro do Jacú. A cena de sempre: uma estrada, um magote de gente, uma mesa qualquer, poucas velas. L ê-se a pobreza no rosto de cada um, e eu me senti plenamente em casa: no coraç ão deles.
Após a missa, uma senhora pediu-me que fosse visitar o seu menino. Já gastou tudo o que tinha. Amanhã terá que vender o jumentinho para comprar o remédio. Veja as enormes contradições que estes fatos apresentam: por um lado, esta gente é vítima de todas as insídias da vida; por outro, parece viver uma resignação (ou apatia?) secular. Deixar como está não se pode. Exigir que seja como nós ocidentais, também não.
Se conseguíssemos dar a esta gente o bem-estar da nossa civilização, acabaríamos criando egoístas e individualistas como nós, ou piores do que nós. Qual é, pois, a herança histórica do Ocidente cristão senão a falência da qualidade humana? Os macro problemas são a última denúncia de uma civilização falida, perdida, porque nada mais sabe respeitar: nem as florestas nem o mar, nem as espécies animais ou vegetais, nem as reservas da terra nem sequer as do coração.
E' preciso, então, inventar uma nova qualidade humana. Uma nova forma de viver. Hábitos novos. Uma nova maneira de ser gente em relação às coisas e aos próprios semelhantes. Uma coisa é certa: os frutos envenenados da nossa civilização põem em perigo até o ecossistema. Uma mulher que não pode comprar o remédio desmoraliza qualquer progresso. Até quando a história haverá de tolerar que os povos ricos tornem-se cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres? Na minha paróquia, podem-se contar os abastados nas pontas dos dedos; há os que têm uma casa decente, mas a grande maioria vive em casas que, na nossa acepção, não são casas. Como terei a coragem de entrar nessas não-casas
? Não se trata somente de cultura e de experiência diferentes; eu sou diferente
; pertenço a outro nível de humanidade. Não experimentei o que significa viver em condições subumanas, viver de arroz e feijão, sem água, sem energia elétrica, sem instrução, sem segurança alguma. Não posso entender o que representa vender o jumento para comprar o remédio. (Note-se que, no interior, o jumento é meio de transporte indispensável, porque é com ele que o povo busca água a vários quilômetros de distância.) Também não sei como é possível viver com dez mil cruzeiros por mês, com um monte de filhos. Não sei o que é ser perseguido pelo fazendeiro que, da terra, despeja o povo que a regou de suor. Da terra que o alimentou durante anos a fio. Da terra que, por anos e anos, calejou-lhe as mãos e chupou-lhe o sangue.
A última destas paixões dolorosas foi-me contada por um posseiro. O grileiro Hermógenes mandou os pistoleiros incendiarem a mata justamente quando Lourenço e os outros posseiros estavam trabalhando nela. Salvaram-se por sorte, numa área limpa. E sustentava que o único que lhes valia, a ele e aos seus companheiros, era Jesus Cristo; que ele, o Lourenço, nascera por vontade de Deus e que se Deus agora quisesse a sua morte por causa da terra estava pronto a morrer:
Os ricos têm tudo, mas nós temos o Cristo
.
Encontrei de novo o proprietário
da casinha de um metro e meio por três. Tinha as mãos tão esfoladas que não pude olhar para elas. Trabalha numa serraria: Quando trabalhava na lavoura, nunca tive as mãos tão feridas. Mas agora que mexo com tábuas e toras...
.
Ganha vinte e sete mil cruzeiros por mês, sem carteira assinada, sem previdência social, sem nada. E não dá para reclamar. A serraria está rodeada por mortos-de-fome que só aguardam que algum operário adoeça ou se machuque para lhe tomar o lugar. Não por maldade, é claro; é a fome que obriga. A mão-de-obra nada vale, pois aqui há uma reserva inesgotável. Chegam cada ano em São Paulo quinhentos mil retirantes em busca de emprego ou de um jeito de sobreviver. O entrevistador perguntava aos que nada tinham conseguido (e era a maioria deles) o que pensavam fazer. Com uma resignação inimaginável, a maior parte respondia não saber, mas Deus sabia...
Acontece, porém, que à medida que mergulho no povo e penetro nos seus problemas, sinto-me outro; aquele outro
que quero ser. Durante a missa estava com tantos pobres que conheço; tinha à frente o panorama destas colinas áridas, povoadas de casinhas de taipa. A cada dia, elas mudam de aspecto porque outras casinhas se acrescentam, como que apoiando-se às que lá já estavam. O povo vem, atraído por uma esperança: Deus não pode deixar de estar do seu lado.
Eles escolheram a leitura do evangelho: Jesus sobe a Jerusalém para sofrer. Fitando os olhos deles, parecia-me ver um Cristo enorme, continuando a subir estas colinas de dor. Procurei dizer que a dor purifica, que nos torna mais humanos. Mas senti vergonha. Fiz a distinção entre miséria e pobreza; mas aqui, ao falar, sente-se que as palavras se pulverizam. Nós, os filhos desta chamada civilização, talvez não sejamos idôneos para falar a este povo. Ou não tenhamos o direito. Ou não sejamos dignos. As circulares das serrarias (na cidade há umas vinte delas) oferecem o fundo musical à nossa missa. Começou o segundo turno: mais doze horas para explorar o suor e o sangue dos operários. O que fazer? Conscientizar os operários sobre os seus direitos? Mas que culpa tem o patrão? É o sistema que autoriza uns a enriquecerem e condena todos os outros à pobreza. Não é possível que todos tenham sorte na vida. A regra do jogo é esta: Ou eu ou você; quem pode mais ganha mais
. Só quem for esperto por vocação tem o direito de explorar os fracos. E este direito cabe a todos, a todos que conseguirem abrir caminhos. Trata-se de um prêmio: a riqueza é a recompensa dos fortes, da esperteza e dos sacrifícios
dos ladinos. Todos podem concorrer nesta maratona: a sorte favorecerá os melhores.
Carta 2
OS ESCRAVOS DO ARROZ E FEIJÃO
Matriz, 31-1-1983
Estava de saída para o interior, quando a Rosinha me parou. Eis-me novamente na rua
. Para agravar a situação, já começou a estação das chuvas. Achei a Rosinha muito abatida. Ela e os filhos querem voltar para seu pai. Como sempre, nessas situações, sinto-me atordoado. Como resolver o caso de forma correta? Em situações tão absurdas, é difícil conseguir ajudar os pobres sem paternalismo ou assistencialismo. A profissão dela: doente e mendiga. A sua pobreza é estrutural tanto quanto a riqueza, ou até pior. Fizemos um acordo: a paróquia emprestaria à comunidade de Rosinha dois mil cruzeiros para pagar o aluguel da casa e a comunidade faria uma coleta na próxima missa. O que se quer é responsabilizar a comunidade: é uma tentativa. O principio é bom, mas quero ver em que vai dar tudo isto, porque aqui quase todos estão nas mesmas condições de Rosinha, quer dizer, um tipo de gente que sobrevive unicamente a arroz e feijão. O dinheiro foi entregue à animadora, pois o povo comenta que a coleta anterior acabou em sorvetes que o filho da Rosinha achou por bem se presentear. Também isto faz parte da pobreza dos pobres.
Já estava com o pé no acelerador, quando dona Amélia me chamou de urgência para visitar uma doente. Estava convencido de que me encontraria, como de costume, com um doente que parecia um monte de ossos ressequidos, embrulhados num lençol, no