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Pérola Negra
Pérola Negra
Pérola Negra
E-book477 páginas6 horas

Pérola Negra

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Sobre este e-book

1971. A África vivia fortes conflitos de etnias. Os confrontos entre tutsis e hutus se intensificavam a ponto de gerar verdadeiras carnificinas, geralmente afetando a vida de pessoas inocentes, quando a sua única culpa era ser tutsi. Os anos transcorriam mergulhados em intensa violência, manchados de sangue e sem nenhuma perspectiva de solução para as diferenças étnicas. Entretanto, Pérola Negra, uma jovem tutsi comum, vivia uma vida incomum inserida nesse contexto. Ela venderia caro sua liberdade e a dos entes queridos. Travava uma luta pela justiça, pela sobrevivência e pelo amor à sua terra natal, Ruanda. Todavia, a peleja parecia fadada ao fracasso depois de perder seus bens mais valiosos. Mas, ainda lhe restava o grande amor de Akin, a perspectiva de uma nova terra ao lado de seus poucos amigos: Kibuzue, o pigmeu Batwa; Yasmin, uma amiga salva ao acaso e Tabat, um outro jovem emergido das tragédias étnicas, além de Phillippi, seu irmão. Todos estavam envolvidos nas mesmas dores e perseguidos pelo mesmo destino. Quando a morte parecia ser a única perspectiva para o dia seguinte, se viram como o centro das atenções do mundo. Uma carta, um salvo conduto abriu uma janela para a tão sonhada liberdade. Mas, nada seria tão fácil naquela terra marcada pela violência e com um futuro previsível e funesto ...
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de dez. de 2020
Pérola Negra

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    Pérola Negra - Devair Módolo

    Prefácio

    Eram corpos macilentos. Caminhavam, ou melhor, arrastavam-se sobre pernas finas, ossudas. Os passos cansados venciam a longa e estreita estrada poeirenta com muitas dificuldades. Não havia força física para sustentá-los, apenas a vontade sobrehumana de sobreviver mesmo frente ao total abandono.

    O cenário contribuía e até mesmo justificava tal circunstância de miserabilidade. O mato que circundava a precária trilha estava mirrado e sedento por uma gota d’água, tanto quanto seus tristes andarilhos. Absolutamente não havia nenhum verde nesse período do ano. Apenas as cores de folhas ressecadas como a pele dos melancólicos caminhantes. Era época de extrema secura e escassez da terra sob a luz escaldante de um sol impiedoso.

    Aos olhos externos, se ali houvesse algum, simbolizaria, da forma mais categórica possível, a decadência humana. A paisagem ressequida desenhada naquele quadro deprimente era de inevitável fim de jornada. Não chegarão ao destino! ─ diriam embrutecidos pela atroz evidência.

    Existem muitas maneiras de se olhar para uma cena tal qual aquela. Uma família inteira de seres humanos, reunida e vitimada pela mesma miséria. Eram seres tão reais e humanos quanto quaisquer outros habitantes dos dispersos confins da terra, fartamente abastados por toda sorte de superfluidades. Seres esses que ignoravam tal quadro retratado no anseio daquela família pela seiva da vida.

    Eram pessoas que gostariam de gritar em altos brados por socorro e serem ouvidas. Porém, não eram percebidas, muito menos ouvidas, embora suas dores e seus gemidos fossem gigantescos.

    A verdade seja dita. Já choraram e gritaram muito. Muito mesmo. Ainda continuam gritando, chorando e implorando, contudo, ainda não são ouvidas. E, mesmo agora são observadas, mas é como se não fossem vistas. Quando as percebem, de fato, não é como gostariam de ser percebidas. São simples vultos perdidos na extensão do tempo e seus clamores se perdem ante a morte prematura.

    Creiam senhores que estamos falando de seres humanos a nossa imagem e semelhança. Gente que sente as mesmas dores, os mesmos amores e com as mesmas pretensões de vida, como nós também as sentimos. São nossos semelhantes, são nossos irmãos. Representam as congruências e as divergências dissonantes e divisórias das imposições com que a vida nos brinda de forma egoísta, rebaixando-as ao nível dos escombros da sociedade humana.

    Ainda não aprendemos a lidar com tudo isso.

    São caminhos que nos deixam à margem da justiça social por não termos competência ou atitude arrojada para combater tais discriminações. Vemos nossos iguais à distância, e, nos convencemos de que não temos nada com isso. Somos, de alguma forma, coniventes com tal miserabilidade. O descaso e a ausência de sentimentos humanos são os grandes vilões responsáveis pelo sofrimento daquela pobre gente desafortunada e ignorada. Elas estão lá, mirradas, entristecidas, esfomeadas com as mãos estiradas num único suplício ante as garras da morte. Seus pés se levantam como a areia fina que produzem e como ela, volta ao solo, sedentas e incógnitas.

    A história é estarrecedora e se repetindo com mais vagar e maior sofrimento. São os enormes fragmentos de uma apartheid moderna do branco contra o negro; do negro contra o negro; do rico contra o pobre, gerando o caos social.

    A omissão encorpa assustadoramente nossa culpa!

    Sempre me pareceu que um importante elo de união existisse entre os seres vivos, dotados de inteligência, independesse da cor da pele, da crença religiosa ou do poder financeiro. Infelizmente vim a perceber que o capitalismo emergente exigiu dos homens da cúpula humana uma frieza mortuária e fazem os miseráveis se encolher cada vez mais. E, de forma patética e omissa à essa miséria alheia, usa-os como degraus para escalonar seu podre e passageiro poderio.

    Havia heróis naquele país vindos de nações distantes, pessoas cheias de boa vontade e espírito humanitário, tentando salvar alguns nativos da terra. Mas, eram como pequeninos pigmeus lutando para salvar uma manada de elefantes de um imensurável banco de areia movediça, onde quanto mais faziam força para sair, mais o atoleiro os tragava para as profundezas de uma terra amolecida pelas lágrimas e pelo sangue derramado de seus frágeis corpos decrépito.

    Este romance, na singeleza de espírito que me inspirou a criá-lo, digna-se retratar, numa visão fictícia, relatos realistas de episódios ocorridos em algum momento da história da humanidade, e que este seja um alerta para motivar corações apáticos a abraçarem a digna causa a favor de todos aqueles que, por alguma desventura, sofrem discriminação em razão da miséria, ou simplesmente da cor da pele ou abatidos pela posição religiosa.

    Kézia, uma mulher comum, vivendo uma vida incomum, quando a única coisa que realmente desejava era viver em paz com sua família. Ela nasceu em meio a um cenário turbulento e se fez dura e imponente tanto quanto foi possível como uma Pérola Negra e, como tal, lutou por sua vida e de todos aqueles que nela viram uma esperança de salvação.

    Vemos em toda a extensão do mundo conflitos similares e em proporções diversas. Uma infinidade de exemplos de mulheres guerreiras, não portadoras de armas, mas portadoras de lemas: vencer ou vencer, nada como um dia após o outro; morro lutando ou Só quando a morte me derrubar. Etc. As batalhas são travadas diariamente contra os preconceitos no trabalho, contra a violência doméstica, contra a capacidade de produzir tanto quanto o homem e a liberdade de ir e vir sem serem molestadas, entre tantas outras dificuldades.

    Os cenários são diferentes, os personagens pensam e agem em circunstâncias totalmente adversas, contudo a luta pela sobrevivência de seus entes queridos e a busca de liberdade nesta sociedade machista são iguais. Não há distinção em suas constituições, apenas na forma como convivem com seus tormentos e suas dores.

    A figura de Pérola Negra é marcada por uma época em que só o fato de ser mulher já criava perspectivas nebulosas de futuro. A incerteza enchia seus olhos de lágrimas. Lágrimas invisíveis, choradas para dentro, derramadas sobre a musculatura pulsante de um coração ansiosos por dias melhores e felizes. Dias que poderiam jamais chegar.

    Não há nenhuma dignidade no menosprezo aos de condição humilde. Deus é para com todos. Então, porque seremos nós a fazer distinção?

    Em hipótese alguma a miséria ou a cor da pele nos faz melhores ou piores do que outrem. Infeliz é aquele que assim pensa, pois, ao fazer isso se posiciona como inferior aos olhos de Deus.

    ~~~~

    Ruanda é um país africano marcado por conflitos entre grupos étnicos: a grande maioria da população é composta pela etnia dos hutus e pela etnia dos tutsis. Houve um tempo em que a Bélgica dominou administrativamente o país. Durante o processo de colonização feita pelos Belgas, os tutsis, minoria da população, foram escolhidos para governar o país. A maioria hutu ficou excluída desse processo socioeconômico. Em 1959, houve a revolta dos hutus em oposição a tal condição e assumiram o poder em 1961. Esse episódio originou a perseguição aos tutsis, que adentrou ao tempo. Conflitos esses sempre marcados por derramamento de muito sangue. Era como uma bola de neve, sempre crescente até culminar no grande genocídio ocorrido em 1994. Milhares de pessoas foram dizimadas, famílias inteiras destruídas ou dispersadas para países vizinhos por grupos radicais e extremistas. Nossa história se desenrolará dentro desse contexto e nossos personagens, nascidos nesse cenário de discriminação, dor e morte, travarão intensa luta para sobreviver, se possível até o dia seguinte.

    Capítulo 1

    A Fuga

    Aquele olhar sobressaltado deixava aflorar através de deformadas expressões um único e involuntário sentimento: medo. Era uma sensação indescritivelmente arrasadora subindo desde a base da barriga, passando pelo estômago e indo em direção à garganta, crescendo como uma bolha de ar, sufocando-a. Era muito mais do que um simples medo, era pavor. As pernas delgadas, porém, fortes e ágeis corriam como uma gazela enlouquecida através da savana quando perseguida por uma leoa faminta. Sua resistência ia se perdendo ao longo do campo a cada novo e sofrido passo. Havia muitos obstáculos aos quais precisava vencer e isto consumia suas energias. Via-se às raias da exaustão, entretanto era preciso continuar a qualquer custo. Desistir de lutar pela sobrevivência consistia em aceitar um destino muito pior do que a da gazela ao ser dominada pelas fortes e mortíferas garras da fera leonina. Não seria apenas devorada pelos perseguidores inimigos. Seria, com toda certeza, torturada, humilhada e depois, quando não fosse mais de nenhuma serventia para seus desejos perniciosos, massacrada de forma impiedosa e animalesca.

    Essa perspectiva horripilante injetava mais potência aos seus músculos já fadigados e doloridos. Não se entregaria facilmente àquele bando de cães ferozes. Com renovada determinação, alimentada pelo terror do vitupério iminente, lançava-se impetuosa por entre o espesso matagal, ignorando os arranhões causados pelos galhos finos e secos dos arbustos ou pelos espinhos que perfuravam seu corpo suado. A fadiga atingiu limites quase insuportáveis e consigo trouxe fortes dores abdominais, obrigando-a a curvar-se em busca de alívio enquanto mantinha o ritmo da fuga.

    Os inimigos ganhavam terreno rapidamente. Suas vozes agitadas e o barulho do tropel de muitos pés apressados pisando forte no chão ressequido pela falta de água e o som dos galhos secos sendo triturados sob sandálias de couro chegavam aos seus ouvidos como o som de uma terrível tormenta. O efeito de tais sons não seria tão devastador aos seus sentidos de presa fugitiva não fosse o fato de sua isenção de culpa. Os olhos grandes e negros buscavam com desespero um refúgio seguro enquanto os membros inferiores tremiam enfraquecidos. A abrupta chegada de um intenso formigamento se alastrando ao longo de sua estrutura muscular, acompanhado de intensa e descompassada aceleração dos batimentos cardíacos, obrigou-a a parar por alguns segundos. Naquele momento não sentia mais a fadiga do cansaço. Já havia superado essa fase e passado a um estágio mais avançado de sofrimento e saturação de resistência. Sentia terríveis câimbras nas pernas e dores pontiagudas ao longo do corpo. Esforçava-se para manter o compasso ritmado da corrida, contudo as forças lhe faltaram. Os movimentos se tornaram como o andar vacilante de um recém-nascido filhote de zebra ao se levantar pela primeira vez. Não tendo firmeza nas pernas, vai ao chão de forma desengonçada.

    Seus perseguidores aproximaram-se com tal rapidez que ela quase já podia ouvir respirações ofegantes e descompassadas ao alcance de seus ouvidos. Estava com os sentidos aguçados em busca de orientação quando um som retumbante e distinto dos outros a abordou de modo ainda mais aterrorizante. Latidos. Eram latidos fortes, e ao serem incitados se tornavam cada vez mais raivosos e cheios de fúria, querendo abocanhar logo sua presa. Os homens a caçavam como a um animal selvagem, lançando mãos daqueles adestrados predadores domésticos. Eram feras monstruosas e a devorariam como se fosse um simples filhote de gazela se a alcançassem. Toda sua estrutura óssea estremeceu diante da prenunciação de um trágico e desonroso fim nas garras vorazes de criaturas portadoras das neuroses humanas.

    Compreendia que a única chance de sobrevivência seria continuar correndo, e correndo muito. Num derradeiro esforço, gastando o último fôlego, retomou a corrida rumo às montanhas onde poderia ter uma chance de safar-se. Embora o terreno fosse relativamente plano, era densamente ocupado por arbustos, vegetação própria de savanas e alguns aglomerados de grandes árvores. No afã de transpor uma gigantesca raiz exposta por alguma erosão no passado, originária de uma centenária árvore conhecida por Baobá, comum nos países africanos, tropeçou e, perdendo totalmente o equilíbrio, desabou sobre ela e foi parar no interior de uma estreita, mas profunda vala. A fenda aberta no solo era larga apenas o suficiente para acomodar o corpo magro da jovem de apenas dezoito anos.

    A respiração acontecia de modo dificultoso e ofegante tanto pelo esgotamento físico quanto pelo ambiente abafado em que se encontrava e que a comprimia impiedosamente. Não conseguia se mover e seus músculos sofriam dores atrozes. As pernas pareciam inchadas e adormecidas em razão do extremo esforço. Apesar de estar consciente da situação complicada em que se encontrava procurou relaxar para recuperar o fôlego e pensar numa maneira de sair daquela armadilha onde caíra acidentalmente e retomar o combate contra um destino aterrador. Sentia algo ferindo suas costas, possivelmente uma raiz, enquanto os seios pareciam estar sendo perfurados por lâminas pontiagudas, e, no entanto, nada podia fazer quanto a isso, a não ser suportar as dores.

    Não sabia se seus sentidos estavam sendo afetados em razão dos esforços ou pela tensão à qual estava sendo submetida, mas um estranho silêncio envolveu de forma misteriosa a extensa savana. Era como se todos os habitantes do agreste africano se calassem para assistir o desfecho dramático daquela perseguição obstinada. Uma aragem quente soprou em seu rosto suado e sujo de terra. A jovem respirou aliviada acreditando ter se livrado de seus perseguidores e conseguido a liberdade. Essa era uma suposição, contudo não lhe dava nenhum conforto, pois, de qualquer forma estava prisioneira, como se o pecado cometido fosse tão grande a ponto de não merecer misericórdia e a penalidade não poderia ser outra senão sucumbir e ser engolida pela terra até sua própria existência se esvair por completo nos veios secretos do solo faminto.

    De súbito, mudando suas perspectivas de futuro, a bocarra do mundo se abriu e despejou novamente os ruídos da destruição nas vozes latidas dos cães comandadas por seus instrutores que liberavam a mesma violência no tom de seus clamores.

    ─ Vamos! Pega ... pega! ─ incitava um dos perseguidores ao seu cão que latia eufórico, mas com furor.

    ─ Procura... por ali, ande! ─ gritava outro não menos afoito para pôr as mãos em sua presa.

    E os cães babavam ferocidade enquanto irrequietos farejavam os rastros deixados no solo pedregoso e seco. Repentinamente um dos animais, excessivamente exaltado começou a latir com grande cólera atrás da velha Baobá, acercando-se de sua presa. Todos correram precipitados naquela direção com as mãos armadas de facas, facões, espingardas e porretes. Eram oito homens e quatro cães treinados para matar. Difícil determinar qual dentre eles detinha maior desejo de derramamento de sangue. A selvageria demonstrada durante a perseguição a uma única e indefesa jovem não deixava dúvidas quanto ao que aconteceria se colocassem as mãos assassinas sobre ela.

    Eufóricos e raivosos chegaram ao local onde o cão ainda ladrava furiosamente como se estivesse encurralando um tatu em sua toca. Os outros três cães incitados pelo primeiro iniciaram um ensurdecedor coro de latidos raivosos. Os homens, com exagerada impetuosidade, abriram espaço em meio às feras que criaram e miraram satisfeitos a frágil silhueta da jovem mulher com aparência de menina aterrorizada. Seus olhares se cruzaram sem se compreenderem, sem ver um no outro alguém igual, humano. Estavam de lados opostos, caça e caçador. Os olhos dela, amedrontados e impotentes, pareciam suplicar por misericórdia, enquanto os deles, perniciosamente famintos, animalescos, vislumbravam horas de diversão, sem nenhuma intenção de tratá-la com clemência.

    Ela ainda era uma jovem donzela. Aquela ferocidade desenhada nos olhos deles a fazia sentir em suas entranhas os suplícios que a aguardavam e silenciosamente chorou. Quantos sofrimentos poderia suportar aquele corpo aparentemente frágil? Na verdade, as trilhas por onde andara até ali foram marcadas por grandes tormentas. Não eram apenas lembranças amargas passando por sua mente num momento de se auto isolar do mundo. Eram cicatrizes incrustradas em sua carne, eram partes de sua vida. Eram tormentos de todas os dias e noites de sua vida.

    Capítulo 2

    Conflitos Étnicos

    Kigali – Ruanda, África, 1972

    Baakir Zambin, cabisbaixo, ia se arrastando à frente como um soldado derrotado que acabara de chegar de uma frente de batalha frustrada. Hadhi, sua esposa, seguia de perto seus passos conduzindo o pequeno Phillippi pelo braço, mais parecido a um graveto seco, grudado ao tronco esquálido. Logo mais atrás, Kézia. Ela nasceu em oito de janeiro de 1954 e o nome de batismo foi dado pela mãe, contrariando a vontade de Baakir, pois desejava chama-la de Joana D’arc em homenagem à heroína francesa que muito ouvira falar em tempos de paz e pelo fato de ter nascido também no mês de janeiro. A jovem Kézia, dissonante do grupo, os seguia altiva nos seus dezessete anos como se tudo aquilo não fosse com ela. Diferentemente do irmãozinho mais novo que carregava ao colo para folgar os braços fracos da mãe adoentada, ostentava uma inexplicável robustez. O espírito materno precocemente desenvolvido devido às necessidades familiares fez dessa tarefa de carregar o frágil menino um indizível prazer. Amava-os como a si própria e por eles poderia entregar a própria vida. Ela se alimentava por sonhos de liberdade e igualdade. Não se curvava resignada diante da ignominiosa situação pela qual se viam envolvidos, como frágeis abelhinhas nas poderosas teias de aranhas venenosas. Embora assistisse a resignação dos pais e amigos ante o destino medonho que se sobrepunha aos seus mais intensos desejos, no íntimo nutria um sentimento de indignação e revolta. Tanto uns quanto os outros conservavam-se imersos num degradante silêncio, enquanto caminhavam ao encontro da infelicidade.

    Influenciada pelas histórias contadas pelo pai, Kézia deixava-se levar nas asas da imaginação até o ponto em que a pobreza, a discriminação e os sofrimentos advindos daquela condição rebaixada a fazia acreditar que eram suplícios pré-estabelecidos para se firmar na convicção de que era uma guerreira especial assim como a própria Joana D’arc. Emocionava-se todas as vezes quando o pai sentava ao seu lado, passava as mãos pelos cabelos e coçando a rala barbicha, como se procurasse resgatar o ponto da história onde havia parado da última vez, continuava contando em minúcias as aventuras da heroína, tida como santa. Enquanto as palavras de Baakir, cheias de emoção, fluíam por sua imaginação fértil, sentia todo o corpo inflar em sonhos de atos heroicos, destemidos, porém legítimos e protetores para com os seus contemporâneos. Às vezes, soavam revolucionários, mas justos e fazia-se forte, audaciosa. Uma heroína anônima, reclusa a um mundo de fantasias, mas amadurecendo na medida e no tempo apropriado.

    Com tudo isso cresceu virtuosa. Desde a primeira infância se desdobrava em zelos para com os familiares a quem amava acima de tudo e de todos. Porém, às ocultas, sob o manto negro da noite, pranteava profusamente o que lhe restava de lágrimas ao assistir, desolada, seus queridos pais e irmãos pequenos se definharem imersos na miséria. Nenhuma perspectiva de vida futura podia ser deslumbrada. Nos fins das tardes quentes de verão, como de hábito, sentava-se em frente à casa, a qual chamava de lar, porém se enquadrava mais como uma velha palhoça e assistia o deprimente crepúsculo se desenhando no horizonte. Era um anoitecer manchado de vermelho sangue se estendendo por toda extensão das desoladas campinas. Da remota linha do horizonte parecia desprender uma tênue luz de esperança, como se de lá, de algum lugar secreto, das entranhas das montanhas ou das longínquas terras desconhecidas onde abundavam riquezas inimagináveis, como por milagre, surgisse um salvador para pôr fim aos terríveis infortúnios de seu povo.

    Meros devaneios. Eles costumam nascer natimortos debaixo de uma couraça de miséria, para quem o sofrimento chegara a limites insuperáveis. Somente Kézia ainda conseguia sorrir acalentada por ondas de esperanças, pois não pretendia se ocultar como um coelho assustado ante o estouro de uma manada de gnus. A vida ainda tinha muita coisa para lhe proporcionar e lutaria sua batalha até a última gota de sangue. Esperava poder conquistar seu espaço no mundo.

    Naquele país onde só se via desolação, guerra e fome, isso poderia ser um sonho frustrante. As coisas aconteciam nas piores condições e sempre se poderia esperar novos fatos agravantes para tornar a vida um pouco mais miserável. Era apenas uma questão de tempo para acontecimentos ruins surgirem de forma inesperada e devastadora de algum lugar improvável. Kézia sabia muito bem disso e compreendia a necessidade de combater toda carência com pulso firme antes de vir à ruína total. Algo precisava ser feito em antecipação à inanição total ou simplesmente sucumbir sob as mãos exploradoras de opositores inflexíveis. Contudo, esse era o retrato de seu mundo e quase nada poderia fazer quando a isso. Era como uma simples formiguinha perdida na vastidão hostil do continente africano, e, Ruanda parecia não pertencer a ninguém naqueles tempos ...

    Depois de uma longa caminhada chegaram finalmente à tapera que lhes servia de morada, localizada numa região entre o vilarejo de Kibuye e a província de Gitarama. As paredes de barro batido, esburacadas em alguns pontos, denunciavam a penúria de seus moradores. Estas, sustentavam um telhado tão precário quanto elas próprias, e lhes serviam de proteção contra o sol e um pouco contra a chuva, quando esta, ocorria em esparsos períodos. Mesmo frente às aflições impostas pelos confrontos étnicos, Kézia conseguia manter um fio de otimismo de tempos melhores. Olhava para a precariedade da construção incrustada na aridez daquela terra inóspita, consciente das poucas probabilidades de chegar à vida adulta e recuperar os destroços de sua sofrida família. Doía assistir a mãe, antes bela e forte, e agora esgotada, se deixando cair sobre o velho catre, desfalecida pelo cansaço e pela fraqueza física. A cena feria seu coração inquieto dentro do peito com profundo pesar. Sofria tanto quanto a própria mãe que mesmo sendo ainda jovem, sucumbia ante a perdição da desnutrição desde o dia quando gerou o pequeno Abay. Estava além de sua competência humana compreender a força que mantinha a existência precária de uma mulher teimosa, se agarrando aos fios da vida. Os encargos do trabalho pesado e infrutíferos na terra seca, sedenta, assim como as feridas dilacerantes dos corpos de seus familiares, castigavam as derradeiras energias naquele semblante abatido. Suas chagas não eram apenas carnais, eram muito mais profundas, nas entranhas do espírito. Doía presenciar a fome gritando desde os estômagos esmagados contra as costas de seus irmãos famintos e, ver o pai sentado à porta da casa como se ela fosse uma passagem para a sepultura. Kézia olhava perdida em direção à vastidão seca, infrutífera e inimiga das savanas, sorvendo o amargor que a vida lhe proporcionava. Havia um enorme precipício entre a realidade e seus sonhos de adolescente.

    Kézia fazia um escrutínio acerca dos pensamentos do pai e queria compreendê-lo. O pesar causado pela impotência ante o infortúnio derramado sobre as pessoas amadas era tão terrível quanto a própria dor daqueles que a sentiam. Não conhecia outro caminho a não ser o da fé. Fé plantada em seu coração nos tempos de paz, esquecido num passado não muito distante, mas, ainda fazia emergir forças das profundezas da alma para lutar contra a própria fraqueza e encontrar disposição física e psicológica para acudir sua progenitora moribunda.

    A longa caminhada fora ingrata. Os recursos vindos dos países mais abastados para suprir as necessidades básicas desse povo açoitado pela miséria não chegaram a acontecer. Dezenas de pessoas secas e famintas pelo prolongado tempo de inanição, assim como a família de Baakir avançaram como matilhas de cães esfomeados para apanhar seu quinhão de alimento. Porém, inesperadamente foram atacados por Leões vigorosos e dominadores. Eram homens sanguinários da etnia dos Hutus procurando confusão. Há muito tempo que os Tutsis eram subjugados com crueldade e até mesmo selvageria pela etnia dominante, embora nem sempre tivesse sido assim. Em épocas passadas, porém não muito distantes, a classe minoritária do povo Tutsi havia galgado o poder e ditado as regras. Contudo, a ferro e fogo a etnia dos Hutus inverteu a situação e passou a perseguir, dominar e inferiorizar a etnia dos Tutsis.

    O leão que rugia, agora não passava de um coelho assustado.

    Um grupo formado por jovens Hutus em campanha, sendo informados do carregamento de alimentos que seria distribuído à comunidade dos Tutsis, habitantes da região, resolveram intervir com suas armas e requisitar toda a carga. Foi uma luta díspar, covarde. Eram homens jovens fortes e bem armados contra a decadência humana. Velhos, mulheres e crianças desnutridas em busca de migalhas caídas das mesas fartas das distantes almas caridosas. Aquele deveria ter sido um dia de fartura de alimentos. Os olhos afundados nas faces esquálidas daquelas crianças famintas brilhavam de desejos por um bocado de comida, porém tornaram-se mortuários ante uma carnificina impiedosa, desumana. Nem mesmo o ataque esfomeado de um bando de aves de rapina sobre a carcaça de um animal ou mesmo de um homem morto pela inanição teria sido tão nauseante quanto àquela cena de horror. Muitos morreram enquanto seguravam com ambas as mãos seu bocado de comida. Crianças foram trucidadas com todos os requintes de crueldades enquanto ainda sorriam com os braços estendidos em busca de uma porção de quitutes como se fosse o maná caindo do céu. Outros ficaram gravemente feridos, enquanto alguns poucos conseguiram safar-se ilesos daquele ataque bárbaro. Aquilo não era um campo de batalha. Era uma chacina descomedida, sádica e covarde.

    Baakir, sua esposa Hadhi, Kézia e seus irmãos, movidos pela esperança de conseguirem uma porção de víveres, também haviam empreendido aquela jornada. Partiram todos, pois esperavam que cada membro da família pudesse pegar uma porção de alimento e com isso multiplicar sua cota por cinco. Não parecia muito justo, todavia a tortura da fome por um período prolongado justificava e até valorizava a iniciativa de um chefe de família que presenciava a decadência de sua prole. Felizmente chegaram atrasados. A fraqueza de Hadhi obrigou-os a se arrastarem ao longo das trilhas irregulares até o local da distribuição dos mantimentos. Chegaram a tempo de ver com seus próprios olhos as atrocidades praticadas naquele lugar. Ocultos atrás de uma espessa vegetação, de onde se podia ouvir gritos de horror, Baakir olhou e arrepiado assistiu ao terrível massacre infligido por um grupo de rapazes negros furiosos e descontrolados. Kézia, sorrateiramente por entre as folhagens vislumbrou a terrível cena. Hutus massacrando impiedosamente pessoas inocentes. Tutsis iguais a ela. Algo aconteceu em seu interior, tipo assistir aves de rapina sobre carniças antigas. Sentiu ódio, asco e medo. Era difícil acreditar, mesmo vendo, seres humanos, certamente possuidores de casas, onde devia existir um pai, uma mãe e irmãos, ou mesmo uma esposa e filhos, estivessem agindo como animais selvagens, totalmente fora da racionalidade. Mas era exatamente essa a cena se desenrolando à luz do dia. Feras humanas perdendo o foco da dádiva da vida e aniquilando seus semelhantes já agonizantes pela própria ação das adversidades da miséria.

    Baakir envolveu as crianças sob os braços e recuou por entre as espessas moitas de capim. Por enquanto estavam a salvos, porém o tempo parecia acompanhar os passos de cada membro daquela nação marcada para morrer em algum momento do confuso encontro de grupos étnicos. A vida arruinava-se a cada novo dia e até o sol já nascia manchado de sangue.

    Impelidos pelo instinto de autopreservação esgueiraram-se ocultos até o caminho de retorno para casa. O trajeto não seria tão longo e doloroso se tivessem conseguido um quinhão de ração para sobreviverem mais alguns dias. No entanto, aquela se tornou a trilha dos desamparados. Baakir se sentia exatamente assim, tamanha sua frustração. O peso do fracasso afligia impiedosamente o corpo tanto ou mais do que se estivessem carregando pesadas cargas de mantimentos às costas. A jornada acontecia lenta e terrivelmente exaustiva em razão da distância e pelo fato de não terem descansado de sua primeira etapa. A fome se fazia ainda mais destruidora à medida que seus corpos requisitavam as últimas doses de energia e, em função disso acrescentavam-se mais dores à enfermidade de Hadhi, debilitando-a a ponto de quase perder os sentidos. Radhi se fazia forte para não se tornar um fardo aos seus familiares, porém isso lhe custaria muito caro.

    A ruína escoltava, de perto, o caminhar incerto daquela família como um abutre à espreita de suas presas na iminência de expirarem. Os corpos magricelos iam gingando de um lado para outro no mesmo compasso sobre pernas finas, doloridas, esbranquiçadas pela falta de higiene regular. Os pés descalços ou sobre precárias sandálias feitas manualmente de couro, rachavam profundamente como o leito do riacho sem água exposto ao sol escaldante, e arrastando-se na poeira seguiam em frente rumo às infinitas incertezas do momento seguinte.

    A longa e sofrida marcha terminou diante do pequeno casebre tão arruinado quanto suas próprias esperanças de vida. Casa e moradores se complementavam perfeitamente e se fortaleciam no mesmo espírito de desolação. Era uma choupana vazia de calor humano, carente da alegria de um sorriso de criança, do crepitar do fogo incinerando a madeira seca sob panelas cheias, a borbulhar e, fumaça saindo pela chaminé para anunciar a existência de vidas. Era o fulgor do extermínio se associando à certeza da ruína.

    Enquanto Phillippi e o irmão menor Abay se encolhiam timidamente a um canto da sala escura como cães que não possuíam um lugar para descansar os corpos ressequidos devido a inanição, o pai, taciturno, recostava-se à esquadria da pequena janela de madeira para mirar a pradaria poeirenta e seca. Nada havia até a linha do horizonte que o fizesse mudar de semblante. Tudo era pintado como seu estado de espirito. Uma paisagem tórrida e desoladora que depois de ser aniquilada pelos raios escaldantes do sol, entregava-se à solidão do breu da noite fria. Por toda aquela extensão só conseguia visualizar o reinado da miséria e da morte. Seus pequenos olhos desiludidos com a vida turvaram-se quase às lágrimas, porém não chorava de tristeza porque já não havia nenhum fluido em seu corpo com o qual pudesse chorar. Não havia palavras a serem ditas. Tudo estava às claras, mesmo no escuro.

    Kézia sabia o que se passava no íntimo do pai. Ela também sentia e compartilhava com ele aquela mesma dor. Não conseguia ignorar tal sofrimento, porque ele estava dentro de seu corpo, manifestado pela revolta e pela indignação com que a sorte os acolhia. Cabisbaixa foi até a cozinha, acendeu o fogão feito de barro batido com alguns gravetos secos, colocou uma panela amassada e toda preta por baixo de tanto receber aquele fogo ardente para cozinhar a sobra de um bocado de feijão, enquanto preparava uma porção das derradeiras mandiocas amarelas e mirradas colhidas no dia anterior nos fundos da casa. Depois de cuidadosamente preparar aquela iguaria valiosa e única, foi até o catre da mãe que dormitava em meio a pequenos gemidos sussurrados, contudo sofridos.

    ─ Mãe! Mãezinha! Acorde. Trouxe-lhe de comer ─ falou com voz serena e gentil.

    ─ Hum! ─ respondeu Hadhi como se a voz lhe faltasse e uma grande angústia lhe constrangesse a fala ─ minha filhinha! Minha boa menina!

    ─ Não se canse minha mãe. Vou te ajudar a sentar para comer.

    ─ Que me trouxeste menina? Não temos mais nada para comer e creio que a morte agora não me tolherá a felicidade, pois descansará meus ossos do peso da fome ─ resmungou com total desalento, prenunciando algo terrível.

    ─ Mãezinha, não fale assim. A vida é um dom de Deus, precisamos lutar por ela enquanto houver alguma esperança.

    Hadhi, já sentada com a ajuda da filha, ajeitou os trapos que a cobriam sobre os peitos secos e recebeu uma porção de mandioca cozida com feijão.

    ─ Mandioca! Outra vez mandioca e feijão. Acha mesmo que alguém pode sobreviver comendo mandioca todos os dias? Esperança... já não as tenho.

    ─ É o que temos mãe. Com fé se remove montanhas. Havemos de conseguir alguma coisa. Vou sair com o pai pra caçar e arrumaremos alguma carne para você e os meninos.

    ─ Ah, minha filha! Como você é boa e dedicada. Morrerei com muita tristeza por deixá-los numa situação tão difícil, mas peço que seja forte Kézia. Cuide dos meninos e de teu pai como se fossem teus filhos e você será abençoada por Deus.

    ─ Por que diz isso mãe? Está me deixando com medo.

    ─ Nunca tenha medo mais do que o necessário. O medo protege minha filha, mas também inibe e impede as nossas ações. Seja forte e guerreira e olhe sempre pra frente. O passado é simplesmente passado e não removerá as pedras que surgirão nos teus caminhos. Se tiver de chorar, seja somente hoje porque amanhã já terá suas próprias dores e as lágrimas de hoje não poderão transpô-las. Está me entendendo, filha?

    ─ Sim mãe! Mas, por que me diz estas coisas?

    ─ Vivemos num mundo cruel onde nossas vidas nada valem. Se não morremos de fome, morremos nas mãos dos inimigos que batem às portas. Sabe, meus dias estão contados. Não tenho mais forças pra viver e serei um estorvo pra você e teus irmãos. Assim, quando eu partir, não se abalem por mim, mas sintam-se aliviados de um peso tirado de vossas costas. Seja livre, seja guerreira e salve teus irmãos.

    ─ Não sei o que fazer mãe. Se você se for, ficaremos perdidos. O que será dos meninos e o pai como ficará?

    ─ Filha, deixe teu coração te guiar. Você sempre foi muito amorosa, dedicada, inteligente e arguciosa. Teu senso de justiça também te guiará e a fará agir sempre com prudência e amor. Agora vai, cuida de alimentar teus irmãos.

    Kézia saiu emocionada, porém arrasada. Entrou na cozinha com as palavras da mãe retumbando em seus ouvidos. A pequena janela estava fechada deixando o ambiente imerso na escuridão. Abandonou-se ali na penumbra por algum tempo. Não queria aparecer diante dos irmãos menores com os olhos vermelhos, embora não entenderiam nada além de um simples choro. Ela tinha plena noção, depois de tanto tempo, a morte rondava sua casa e em breve a privaria daquela que sempre fora sua protetora. O futuro se desenhava como uma nuvem negra vindo rapidamente em sua direção e não podia fugir dela sem perder a compostura.

    No dia seguinte, quando o sol mal havia despontado no horizonte, Kézia saiu com o pai em busca de alguma caça, deixando os dois irmãos menores com a mãe moribunda. Não havia outra opção. A sobrevivência do grupo precisava de provimentos mais substanciais e não poderia ficar cuidando da mãe doente e privar as duas crianças de sustento. Era uma decisão difícil, mas ela sabia que nada poderia fazer pela mãe ficando

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