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A recriação do paraíso: Judeus e Cristãos-novos em Olinda e no Recife nos séculos XVI e XVII
A recriação do paraíso: Judeus e Cristãos-novos em Olinda e no Recife nos séculos XVI e XVII
A recriação do paraíso: Judeus e Cristãos-novos em Olinda e no Recife nos séculos XVI e XVII
E-book203 páginas2 horas

A recriação do paraíso: Judeus e Cristãos-novos em Olinda e no Recife nos séculos XVI e XVII

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Sobre este e-book

O povo judeu construiu uma história singular em Pernambuco, notadamente em Olinda e Recife. Trazidos pelos portugueses como cristãos-novos, durante a colonização, tinham conhecimentos básicos
de difícil acesso na época, como astronomia, economia e finanças, que contribuíram para o sucesso da expansão da Península Ibérica. Muitos foram perseguidos pela Inquisição.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de mai. de 2016
ISBN9788578584061
A recriação do paraíso: Judeus e Cristãos-novos em Olinda e no Recife nos séculos XVI e XVII

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    A recriação do paraíso - José Luiz Mota Menezes

    Agradecimentos

    Na oportunidade em que minha filha Luciana e eu nos tornamos autores do projeto de intervenção que ocorreu na Sinagoga Kahal Zur Israel, situada na Rua do Bom Jesus, antes conhecida como Rua dos Judeus, tivemos que estudar detidamente os hábitos e costumes da gente da nação. Isto porque tal ação envolvia a restauração não de um simples prédio, mas de um dos lugares mais importantes, à luz do seu uso, iniciado no século 17, do Recife e das Américas. Era uma tarefa das mais gratificantes, e tive o integral apoio da comunidade judaica do Recife. O maior agradecimento é a ela, que tem, no Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, seu centro de interesses. Depois, vêm muitos outros que não nomeio, por conta de que, ao longo do tempo, me deram um verdadeiro incentivo, nas aulas ou na vida, para me aventurar em tarefa tão grandiosa.

    A todos a minha homenagem.

    p5.jpg

    Introdução

    A presença de cristãos-novos em Olinda e no Recife, no início da colonização do Brasil, tem sido objeto do interesse de inúmeros pesquisadores. Por outro lado, esses cristãos-novos eram originários de uma agressão do rei Dom Manuel à etnia judaica, quando os obrigou, com um batismo forçado, a se tornarem cristãos. Eles foram batizados de pé, ou seja, tornados cristãos pela força. As razões de tal ato se explicam perante a História, mas nem por isso acreditamos ser justificável, mesmo naquela altura dos acontecimentos em Portugal e na Espanha.

    Ao se transferir com a família para sua capitania, o donatário Duarte Coelho trouxe em sua comitiva alguns cristãos-novos. Entre eles, feito tão conhecido dos historiadores, a família de Diogo Fernandes e Branca Dias. Em Olinda, nos primeiros tempos do assentamento da gente e da formação da vila, a participação desses cristãos-novos teve grande importância, uma vez que eram alfabetizados e alguns se tornaram conhecedores de princípios básicos em Economia e Finanças.

    Para o autor, não restam dúvidas de que a sustentabilidade da capitania, com o emprego da fabricação do açúcar, muito deve a tais batizados de pé.

    Dessas e de outras questões trata o presente texto.

    p7.jpg

    A recriação do Paraíso

    Uma das tarefas mais fascinantes e bem própria do historiador é a reconstrução do lugar habitado pelo homem. Em tempos mais recentes, sobre a imagem reconstituída desse lugar, profissionais de outras áreas têm colaborado com as pesquisas históricas, e os resultados são surpreendentes. A própria História, ao ser adjetivada, por exemplo, como urbana, recompõe povoados, vilas e cidades desde suas origens, considerando não somente seus aspectos técnicos mas, sobretudo, sociológicos, antropológicos e outros. Os impactos culturais, quando ocorre de uma gente ocupar, de forma benigna ou através da força das armas, como exemplos, são de grande interesse na construção de civilizações ou na transformação das existentes. A presença dos judeus em Pernambuco, na vestimenta de cristãos-novos ou desvestidos dela, quando vindos da Holanda, é motivo de muito interesse para a história da gente da nação. Os episódios de Olinda e do Recife são singulares na vida e na trajetória dos judeus nos primeiros anos do Brasil.

    p9.jpg

    Além do mar interior

    No ano 2000, comemorou a gente da Península Ibérica e a de todo o restante da Europa os quinhentos anos das primeiras notícias sobre as novas terras existentes além daquele Mar Mediterrâneo, quer na direção do oriente ou ao ocidente. Navegar o mar tenebroso não foi tarefa fácil. Uma verdadeira epopeia para aqueles navegadores e suas frágeis embarcações. A Espanha, com a coragem de Cristóvão Colombo, chegou às terras ao norte do equador, e Portugal começou, nos anos 1500, a explorar as que ficavam ao sul desse grande divisor geográfico. O mundo conhecido, girando principalmente em torno do mar interior, ganhou dimensões nunca antes imaginadas, e, a cada viagem, novos mapas, numa cartografia que nascia com precisão, foram confeccionados e, nos antigos, iam sendo anotados os acidentes geográficos encontrados naquelas descobertas marítimas. Uma reviravolta no comércio ocorreu diante dos novos caminhos para as Índias, trocando-se o caminhar na terra por outra forma, mais controlada pelos reinos responsáveis pelas viagens, embora não tão segura: a de navegar nos mares.

    Para atingir tais objetivos grandes esforços foram realizados por detrás das cortinas, essencialmente nos lugares onde eram programadas essas viagens. Foi necessário mudar o desenho dos barcos e a sua forma de fabricação, além de uma escolha melhor do tipo de vela, ressurgindo um maior uso da vela latina, com três pontos de apoio.¹

    Am%c3%a9ricas%20em%201500.tif

    CASA, Juan de la. Mapa do mundo. Pergaminho. Museu Nacional de Madrid.

    Navios%2002.tif

    POST, Frans. Classis navium qua hinc discessit comes Mauritius. Estampa gravada, colorida a mão. In: BARLÉUS, Gaspar. Rerum per octennium in Brasilia. Amsterdã, 1647.

    Então, a caravela latina, a portuguesa, passou a ser o navio usual nessas navegações. Não mais aquele navegar o Mediterrâneo em sua forma mais próxima ao litoral, e sim o singrar o alto mar, onde se tornaram necessárias outras referências de localização para os pilotos.

    Caravela.tif

    Caravela. Modelo existente no Museu de Ciência de Londres.

    Foto: Coleção JLMM.

    A geometria euclidiana tornou-se a figura central nos ensinamentos para navegar. Uma geometria prática e destinada não apenas àqueles pilotos, mas também aos engenheiros militares que acompanhavam tais expedições. Não era somente descobrir, mas manter o lugar sob guarda da gente que o colocou no mapa e nos domínios do soberano financiador da frota. Aquela geometria modificou a maneira de navegar e permitiu que as medições de ângulos e as relações de escala pudessem servir para que os derroteiros fossem mais seguros e capazes de evitar perdas de navios e de gente. As matemáticas tinham de ser não ciência de poucos, mas de todos aqueles que desejassem atravessar o grande mar.

    pergaminhos.jpg

    Tabelas de Abrahão Zacuto, referentes à declinação do Sol. Códice com tabelas produzidas entre 1473 e 1478. Museu de Salamanca, Espanha. (Data do códice: 1491).

    No tratar com essas matemáticas, sem os atropelos e dificuldades da escrita numérica romana, estavam os árabes e judeus. Alfabetizados, por conta da necessidade de leitura dos livros sagrados, os judeus eram personagens importantes naquelas escolas no que se refere à formação dos navegadores e pilotos. Escolas práticas e localizadas, em alguns casos, junto às ribeiras onde eram fabricadas as naus.

    Em Portugal, o uso mais frequente da caravela e sua manutenção, mais simples que a dos demais modelos de embarcação da época, foram elementos importantes para a facilitação da travessia dos longos períodos em águas tropicais.²

    Os judeus, por exemplo, Abraão Zacuto, astrônomo, e José Vizinho, matemático, muito contribuíram nesse momento dos descobrimentos, com seus conhecimentos aplicados à navegação.³ Era necessário reformular a consagrada Geografia de Ptolomeu para que a compreensão do novo espaço geográfico fosse compatível com um mundo não tão plano quanto antes dito. Não se tratava mais de um mar interior, e sim de imensos e inexplorados oceanos situados nos dois lados da África. A terra move-se e aquilo que a igreja oficialmente não aceitava começou a ser comprovado no dia a dia do navegador. O movimento dos astros levou à contestação de Galileu e, apesar de sua negação forçada, a Terra continuava a mover-se no espaço sem fim. Medidas astronômicas referenciais para a navegação mudavam a cada dia e isto proclamava, alto e em bom som, a verdade então escondida pela religião. O papa João Paulo II, em sua notável Encíclica sobre a Fé e a Razão, pediu perdão ao mundo e hoje estamos reconhecendo o quanto de perdão deve-se ainda pedir.

    O melhor atlas do mundo, de 1387, guardado na Biblioteca de Paris, foi elaborado pelo judeu Abraham Cresque, o mestre da escola de cartografia de Maiorca, a pedido de Pedro IV, rei de Aragão. São doze folhas montadas em tábuas que se fecham como um biombo. No século 16, o melhor cartógrafo foi Fernão Vaz Dourado, nascido na Índia e formado pela Universidade de Coimbra, Portugal. Tal título encontra-se confirmado pelos seus inúmeros mapas de grande beleza e precisão.

    Em Portugal as primeiras obras impressas de que há segura notícia foram em língua hebraica e os impressores hebreus. Anteriormente a todas, o Pentateuco, de 1487, saído do prelo de Samuel Gascon, em Faro. Só em 1494 em diante nos aparecem as produções tipográficas de oficinas alemãs; primeiro a Breviário bracarense, por João Gherling, em Braga; depois, a contar de 1495, as impressões de Valentim Fernandes de Moravia e Nicolau de Saxônia.

    A contribuição dos judeus em terras lusitanas foi muito grande, além da introdução da tipografia, naqueles distantes séculos 15 e 16. Na tesouraria real, nas aulas de matemáticas, no ensino da pilotagem de barcos e como cosmógrafos, tais judeus ajudaram a ampliar o horizonte do conhecimento de um mundo que girava à volta de um mar interior, horizonte esse que não podemos avaliar tão bem sem o compararmos com aquele desvendado pelos primeiros astronautas quando dominaram o espaço além dos limites da nossa atmosfera.

    J. Lúcio de Azevedo, em belo texto, tenta explicar a importância desse povo para a Europa e desde as descobertas do Novo Mundo:

    Na treva profunda da Idade Média, em que, não digamos a ciência, as rudimentares prendas do ler e escrever eram privilégio de restrita minoria, o judeu possuía instrução. Iniciado desde a infância na difícil aprendizagem do seu idioma sagrado, ocupado por espaço de anos a decorar capítulos da Bíblia e livros inteiros do Talmude, o hebreu não somente trazia para a luta pela vida o intelecto muito mais desenvolvido que o competidor cristão: assumia também o exercício exclusivo das profissões científicas, visto que as lucubrações dos letrados e teólogos realmente em nada importavam às trivialidades do viver corrente da população. Desta arte eram eles os médicos, cirurgiões, boticários e astrólogos; da mesma sorte, astrônomos e geógrafos; e com qualquer dessa profissões acumulavam, se havia oportunidade, a usura, cujos proventos lhes eram mais seguros e abundantes. É de notar que os notáveis médicos, opulentos capitalistas, insignes administradores da fazenda pública e os próprios ministros de Estado, que deles houve no tempo dos árabes, se mostravam igualmente estudiosos e abalizados talmudistas.

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    HOMEM, Diogo (1530-1576). América do Sul. 1558. Mapoteca do Itamarati, Rio de Janeiro.

    Chegar àquelas terras ao Sul do Equador talvez tenha sido uma consequência natural do grande salto permitido pelas ciências que se associaram às técnicas da navegação. Povoá-las e as manter como domínio da nova gente que a estas terras chegaram foi um grande problema a ser enfrentado pelas cortes envolvidas. Em Portugal. Dom Manuel não encontrou saída para o impasse. Não eram terras quais aquelas encontradas pelos espanhóis, onde existia a prata e, em alguns lugares, o ouro. Matar, trair, corromper os chefes locais, destruir civilizações, faziam parte dos objetivos, meios e metas das conquistas desses lugares. Sob a égide de uma missão civilizadora, aceita

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