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Testamento do General Francisco Barreto de Menezes; A cartografia holandesa do Recife; A rendição dos holandeses no Recife: (1654)
Testamento do General Francisco Barreto de Menezes; A cartografia holandesa do Recife; A rendição dos holandeses no Recife: (1654)
Testamento do General Francisco Barreto de Menezes; A cartografia holandesa do Recife; A rendição dos holandeses no Recife: (1654)
E-book615 páginas9 horas

Testamento do General Francisco Barreto de Menezes; A cartografia holandesa do Recife; A rendição dos holandeses no Recife: (1654)

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Sobre este e-book

Comemorativo do centenário do historiador José Antônio Gonsalves de Mello, este volume reúne três dos seus livros mais importantes sobre o período final da dominação holandesa no Brasil. As obras que compõem essa edição são relevantes para o estudo do tema, principalmente devido à erudição, ao rigor metodológico, ao conhecimento profundo das fontes e acervos e à capacidade de trabalhar com manuscritos de diversos idiomas, que tornaram José Antonio Gonsalves de Mello um dos grandes historiadores do século XX.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de jan. de 2018
ISBN9788578585839
Testamento do General Francisco Barreto de Menezes; A cartografia holandesa do Recife; A rendição dos holandeses no Recife: (1654)

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    Testamento do General Francisco Barreto de Menezes; A cartografia holandesa do Recife; A rendição dos holandeses no Recife - José Antônio Gonsalves de Mello

    Prefácio

    Muito feliz a iniciativa da Companhia Editora de Pernambuco de reeditar os livros Testamento do general Francisco Barreto de Menezes, A cartografia holandesa do Recife e A rendição dos holandeses no Recife (1654) , de autoria do historiador pernambucano José Antônio Gonsalves de Mello. É uma bela e merecida homenagem ao autor, que teria completado 100 anos de idade, e um afortunado presente aos leitores e entusiastas da monumental obra de Gonsalves de Mello.

    Pesquisador completo, seus trabalhos o credenciaram ao panteão dos grandes historiadores brasileiros do século XX. Definem a carreira quase monástica desse notável pesquisador a erudição, o rigor metodológico, o conhecimento profundo das fontes e acervos e, o que está cada vez mais raro entre os pesquisadores das novas gerações, a capacidade de trabalhar com manuscritos em diversos idiomas e de diversos períodos – principalmente dos séculos XVI e XVII – e publicá-los como fontes, algo a que o mercado editorial, infelizmente, ainda se mostra avesso, justiça feita a algumas casas editoriais.

    Os livros escolhidos para uma segunda edição são também de grande importância para o estudo de um dos temas mais caros e que marcaram sobremaneira a carreira de Gonsalves de Mello: o Brasil holandês e os anos anteriores e posteriores à presença dos holandeses no Nordeste. O tema o fez conhecido no Brasil e no exterior, sobretudo nos Países Baixos, onde teve sua obra mais afamada, Tempo dos flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e cultura do Norte do Brasil, de 1947, traduzida e publicada em holandês.

    É oportuno mencionar que podemos vislumbrar em Tempo dos flamengos a semente do conjunto da obra de Gonsalves de Mello. Nas riquíssimas notas de rodapé, verdadeiras monografias, estão os passos iniciais para pesquisas e livros publicados a posteriori. Em Tempo dos flamengos, Gonsalves de Mello já mostrava nítido interesse na cartografia holandesa para tratar da história da cidade. Foi certamente na elaboração desse trabalho que ele teve contato com alguns dos mapas depois selecionados para compor o livro de 1976, A cartografia holandesa do Recife.

    Alguns dos diversos personagens dessa saga holandesa no Brasil expostos na obra de 1947 seriam biografados por Gonsalves de Mello em oito publicações: Francisco de Figueroa, Antônio Dias Cardoso, Henrique Dias, Dom Antônio Felipe Camarão, Felipe Bandeira de Melo, Frei Manoel Calado do Salvador, João Fernandes Vieira e Antônio Fernandes de Matos. Esses livros, que em sua maioria narram a vida de personagens envolvidos nos turbulentos anos da guerra de Pernambuco, terminam, se vistos em conjunto, por perfazer uma laboriosa prosopografia. 

    Integrantes de um programa editorial que intencionava a publicação de monografias históricas, estudos e pesquisas sobre personagens e temas ligado à presença holandesa no Brasil, as três obras escolhidas para reedição, publicadas todas na década de 1970, são preciosas e importantes fontes de informações históricas. A cartografia holandesa do Recife é essencial para pensar a evolução urbana do Recife. No livro, Gonsalves de Mello faz uma detalhada análise de um conjunto de mapas da capital holandesa no Brasil entre os anos de 1631 e 1648. Serve, portanto, de subsídio à pesquisa de arqueólogos, geógrafos, historiadores e urbanistas.

    Em A rendição dos holandeses no Recife (1654), o autor traz elementos da história política, diplomática e militar do Brasil holandês. No livro, são reproduzidos os acordos que resultaram na rendição das tropas da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil, encerrando quase duas décadas e meia de ocupação. Também estão na publicação detalhes da intricada negociação feita entre as partes em contenda e os textos integrais, nos apensos, de três raras relações portuguesas da reconquista do Recife.

    Por sua vez, no livro Testamento do general Francisco Barreto de Menezes, Gonsalves de Mello publica o texto integral, com belo estudo biográfico introdutório, do testamento do comandante geral das tropas portuguesas no Brasil na fase final da guerra contra os holandeses. O testamento, além do interesse de genealogistas, é documento relevante para o historiador que intenciona remontar as amplíssimas redes de negócios de um figurão que fora o primeiro governador da Capitania de Pernambuco após a guerra contra os holandeses e, depois, governador-geral do Brasil.

    Como dito acima, o Testamento do general Francisco Barreto de Menezes, originalmente publicado em 1976, traz, além da íntegra do testamento, cuja leitura paleográfica foi realizada por Virgínia Pernambucano de Mello, uma biografia de Francisco Barreto de Menezes e uma detida análise de seu conteúdo. O documento oferece elementos para o estudo da história econômica, social e cultural do Brasil colonial do século XVII. E mais, mostra, de certa forma, como um fidalgo e administrador de elevada hierarquia exercia mercancia juntamente com suas funções militares e de governo, algo que não era raro no seu tempo, embora poucos tenham sido os documentos comprobatórios de tais atividades disponíveis aos historiadores.

    Pouco se sabe sobre as origens de Francisco Barreto de Menezes. São desconhecidos ou incertos os dados sobre seu local e ano de nascimento e até mesmo a denominação de sua mãe. Seu pai, de nome Francisco Barreto, foi comandante da fortaleza do Callao, Peru. Era aparentado de figura proeminente – o vice-rei do Peru e depois príncipe de Esquilache. Contudo, tal conexão familiar de Barreto de Menezes não foi suficiente para nos informar mais sobre seus primeiros anos. Ademais, as propositais lacunas sobre sua origem verificadas em seu testamento constituem indício de bastardia. Ele teria ido para Portugal muito novo, saindo do Peru – possível local de nascimento – e passando por Madrid. Ainda moço, integrou as forças da armada do conde da Torre que objetivavam reconquistar a parte do Brasil ocupada pelos holandeses, tarefa fragorosamente inconclusa devido a diversos fatores que não cabe analisar aqui.

    Integrou ainda as tropas de Luís Barbalho, que desembarcaram no Rio Grande em 1640 e realizaram uma incrível marcha em território inimigo até a Bahia, onde chegaram para socorrer a cidade de Salvador dos ataques de Johan Maurits van Nassau-Siegen, governador, capitão e almirante-general das tropas da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil. Barreto de Menezes ainda atuou em uma expedição que enfrentou os holandeses em Sergipe e, em 1641, já estava de volta a Portugal. Ele atuou nos campos de batalha da Guerra de Restauração de Portugal até sua nomeação como mestre de campo-general do Estado do Brasil em 1647 – escolha contestada, segundo alguns, por idade e experiência insuficientes. Partiu de Lisboa em março de 1647. Em maio, avizinhando-se da Bahia, foi capturado por uma fragata holandesa junto com outros membros de alta patente enviados para o Brasil. O cativeiro foi curto, pois com a colaboração de um soldado holandês, conseguiu escapar para as linhas portuguesas em fins de janeiro.

    Recebendo o comando de todos os terços de infantaria, Barreto de Menezes também foi nomeado governador da Capitania de Pernambuco e das mais do Norte em abril de 1648. Seu comando seria posto à prova ainda nesse mês, quando esteve na cabeça das tropas que bateram a gente da Companhia das Índias Ocidentais nos Montes Guararapes, nas vizinhanças do Recife. Teria, segundo um cronista da guerra, passado o comando das tropas para os mestres de campo André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira, por entender que não tinha experiência para aquela batalha. No ano seguinte, em fevereiro, estaria à frente das tropas que venceram os holandeses pela segunda vez nos Montes Guararapes.

    Até a assinatura do acordo de rendição da Companhia das Índias Ocidentais no Recife, em 1654, o comando de Barreto de Menezes foi marcado por conflitos com outros mestres de campo, por motins da tropa e por dificuldades logísticas que o levaram a pedir licença para regressar a Portugal. Os detalhes do acordo firmado entre as tropas portuguesas e da Companhia das Índias são tema central do outro livro reeditado pela Companhia Editora de Pernambuco nesse volume, como veremos adiante.

    Barreto de Menezes, à semelhança de outros restauradores das capitanias ocupadas pela Companhia das Índias Ocidentais, recebeu da Coroa portuguesa algumas mercês pelos serviços prestados, sendo o cargo de governador e capitão-general do Estado do Brasil, designado em 1656, a maior das honrarias recebidas. Detendo tal posição, coube a Barreto de Menezes atuar para restabelecer a organização política e econômica das capitanias antes dominadas, e, consequentemente, devastadas pela guerra após a restauração. Entrementes, Pernambuco voltou a ser capitania régia e o conflito com os holandeses transferiu-se para o campo diplomático na Europa, conquanto ameaças de novos ataques ainda rondassem as capitanias outrora subjugadas.

    Outra questão de destaque, durante seu governo, foi a disputa de opiniões com João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros – seu sucessor no governo da Capitania de Pernambuco – sobre a reorganização da defesa do território e o retorno da sede da Capitania de Pernambuco do Recife para Olinda, altercação em parte influenciada pela referida manutenção do estado bélico entre portugueses e holandeses e, majoritariamente, pelos interesses políticos e econômicos conflitantes da facção de proprietários de terras – incluindo senhores de engenho e religiosos – e do grupo de comerciantes recém-estabelecidos no Recife. Além disso, Barreto de Menezes, que comungava com o segundo grupo, exerceu atividades mercantis na praça do Recife, onde possuía diversas propriedades. Por fim, afora as antigas rusgas na relação com seus antigos mestres de campo subordinados, Vieira e Vidal, o confronto teve por raiz as amplas competências de administração dadas aos governadores nos tempos da guerra que não foram mantidas após o fim do conflito. Isso levaria a diferentes interpretações das capacidades de cada governante e, por conseguinte, a um conflito de jurisdição bem debatido pela historiografia pernambucana.

    Barreto de Menezes deixou o governo do Brasil em 1663 e retornou a Portugal. Com os riscos da viagem de volta ao Reino, haja vista que os conflitos de Portugal contra a Espanha e os Países Baixos ainda estavam inconclusos, fez o testamento aqui publicado, cuja escrita foi incumbência do Frei Francisco de Salas. No testamento, vemos referências a carregações, transferências de dinheiro por letras, empréstimos e fretamentos. São detalhes de suas intensas atividades comerciais em Pernambuco, na Bahia, em Lisboa, em Angola, exercidos indiretamente por homens de negócios e procuradores de diversas origens, inclusive holandesa em tempos de guerra. Também, e não menos importante, afloram informações sobre sua vida íntima e de sua prole, o que permite que se remonte sua vida privada e, também, sua extensa rede de negócios.

    A cartografia holandesa do Recife, obra publicada em 1976, reúne quatro planos representando a cidade do Recife nos anos de 1631, 1637, 1639 e 1648. Em conjunto, eles mostram a evolução urbana desse núcleo populacional durante a ocupação da Companhia das Índias Ocidentais. Além da reprodução desses planos e da tradução das informações dispostas nos mesmos, Gonsalves de Mello faz análise minuciosa de cada um deles e complementa seu debate com dados históricos obtidos em fontes primárias e secundárias de diversas procedências. Embora já demonstre sinais do tempo, haja vista a descoberta, nos últimos anos, de diversos outros documentos que contribuem para o estudo da história urbana da cidade do Recife – a exemplo dos publicados em Grote Atlas van de West-Indische Compagnie, 1621-1674, de 2011, na série Mauritiana: o Brasil em arquivos neerlandeses (1624-1654), publicada entre os anos de 2004 e 2013, e em Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial, de 2001 –, o livro de Gonsalves de Mello continua a figurar como fonte essencial para o estudo da história da cidade do Recife.

    Sem introdução, o livro foi dividido em quatro capítulos. Neles foram discutidos cada um dos planos da cidade selecionados pelo autor, que escolheu os levantamentos cartográficos da cidade mais importantes até hoje encontrados. O primeiro deles, Planta da Ilha de Antônio Vaz, do Recife e do continente no porto de Pernambuco, no Brasil [...], elaborado em 1631 por Andreas Drewisch Bongesaltensis (ou Langesaltensis), está atualmente depositado no Arquivo Nacional da Haia, Países Baixos (códice NA VEL 711). A planta do Recife elaborada por Drewisch é o primeiro levantamento cartográfico feito no Recife por gente da Companhia das Índias Ocidentais. Nele, Drewisch indica as várias obras de defesa erigidas para a proteção daquela posição contra os ataques dos portugueses. Gonsalves de Mello traduz e explica todos os elementos destacados na planta de Drewisch, que ficou no Brasil até pelo menos 1635.

    O segundo plano selecionado por Gonsalves de Mello, intitulado Ilha de Antônio Vaz [...] e datado de 1637, é de autor desconhecido. A planta foi incluída na obra de Gaspar Barleus publicada em Amsterdã no ano de 1647 e o texto de sua cartela é feito em língua latina. Gonsalves de Mello especula a autoria do levantamento cartográfico entre quatro engenheiros e cartógrafos que estiveram a serviço da Companhia das Índias Ocidentais no período datado no plano. Em comparação ao primeiro plano, de 1631, é possível observar a conclusão de alguns projetos que apareceram pontilhados, indicativo de que estavam em estudo ou em construção. Destaque ainda para a representação de áreas construídas e arruamentos no istmo do Recife, bem como a consolidação da posição defensiva da Companhia das Índias Ocidentais em Antônio Vaz e a indicação de um jardim e da primeira residência de Nassau no Brasil.

    A Planta do porto de Pernambuco, com a cidade Maurícia, a aldeia Recife e os fortes circunvizinhos e todas as particularidades deles, de 1639, é a terceira apresentada por Gonsalves de Mello. Pertence ao acervo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, tendo sido adquirida por José Higino Duarte Pereira ao livreiro Frederick Miller, em Amsterdã, no ano de 1886. A autoria é atribuída a Johannes Vingboons, embora não exista confirmação de sua presença no Brasil. É possível que seja uma cópia de mapas anteriores, entre levantamentos desconhecidos e conhecidos. Independente da autoria, que Gonsalves de Mello especula ser Cornelis Bastiaanszoon Golijath, a carta é a primeira a apresentar o projeto de urbanização de Antônio Vaz, a cidade Maurícia, em parte executado. Trata-se, portanto, de um plano de melhoramento urbano para a capital do Brasil holandês, como bem define Gonsalves de Mello. Vislumbra-se também o crescimento da urbe no istmo e na ilha, avançando sobre delimitações anteriores, sem desprezar, é claro, as necessidades defensivas da cidade.

    Cornelis Bastiaanszoon Golijath também é autor do último mapa analisado por Gonsalves de Mello, datado de 1648 e intitulado Representação de três cidades no Brasil, como são: Olinda de Pernambuco, Cidade Maurícia e Recife [...]. Esse mapa manuscrito pertence à Biblioteca Nacional de Viena e dele também existe uma versão gravada, de 1648. Algumas diferenças são percebidas entre as versões, contendo a gravada menos informações. Para Gonsalves de Mello, trata-se do melhor mapa do Recife sob o domínio holandês, haja vista a riqueza de subsídios de interesse para os pesquisadores e a técnica utilizada na confecção da versão gravada do mesmo. Sobre esses dados observados no mapa, vale destacar, entre outras, as indicações no Recife, Cidade Maurícia e áreas vizinhas de várias fortificações – inclusive portuguesas construídas na guerra de restauração –, engenhos das várzeas do Capibaribe e Beberibe – com seus respectivos proprietários –, aldeia de índios tupis, olarias, plantações e currais.

    O terceiro livro deste volume, A rendição dos holandeses no Recife (1654), de 1979, traz em detalhes as negociações entre portugueses e holandeses que resultaram no acordo de capitulação e entrega das praças dominadas pela Companhia das Índias Ocidentais de Pernambuco ao Ceará. O texto final do acordo, que até então não havia recebido a atenção dos pesquisadores, foi traduzido da língua holandesa e reproduzido integralmente nessa publicação. Gonsalves de Mello também procurou averiguar o cumprimento do acordo por parte dos portugueses, bem como trazer outros documentos, portugueses e holandeses, que contribuem para o entendimento de cada um dos artigos da capitulação.

    Já em sua introdução, Gonsalves de Mello relaciona todos os documentos utilizados na composição de sua obra. O livro foi estruturado em duas partes, intituladas: Condições gerais do acordo e Condições sobre a milícia. Complementando as discussões feitas nessas duas partes, o autor adicionou dois mapas com áreas citadas ao longo do texto e três apensos, que são reproduções de impressos portugueses do período – o lado português dos eventos: Relação de Francisco Brito Freire, de janeiro de 1654 – oriundo do Arquivo Cadaval, Muge, Portugal; Relação diária do sítio e tomada da forte praça do Recife [...], de 1654, e Breve relação dos últimos sucessos da guerra do Brasil, de 1654. Afora esses escritos citados, Gonsalves de Mello consultou relações impressas e outros manuscritos que, em conjunto, ajudaram a remontar vividamente a história da capitulação e dos seus negociadores, muitos deles biografados resumidamente.

    Além de demonstrar a capacidade de tratar com um volume extraordinário de informações, os três livros acima apresentados remontam a já referida atuação de José Antônio Gonsalves de Mello como tradutor e editor de documentos de relevância ao estudo da História do Brasil. Tal trabalho permitiu que muitos historiadores, sem acesso aos originais ou sem o conhecimento das línguas nas quais as fontes foram redigidas, utilizassem de seu trabalho para construir e disseminar conhecimento histórico. São incontáveis as monografias, dissertações e teses, de alunos e pesquisadores de diferentes programas de graduação e pós-graduação espalhados no país e no exterior, que se serviram dessas publicações.

    Gonsalves de Mello, incansável, ainda publicaria, em 1981 e em 1985, pelo mesmo programa editorial que disponibilizou as edições dos três livros supracitados, duas coleções de documentos de valor igualmente inestimável: Fontes para a história do Brasil holandês. Ambos os volumes de Fontes para a história do Brasil holandês foram reeditados pela Companhia Editora de Pernambuco em 2004, na sequência das comemorações dos 350 anos da Restauração Pernambucana. Agora, mais uma vez, a Companhia Editora de Pernambuco possibilita a reedição dos três livros que inauguraram o programa editorial lançado na década de 1970, em ocasião igualmente festiva. Todos nós ganhamos com tal iniciativa e temos aqui uma bela amostra do trabalho desse notável historiador pernambucano.

    Bruno Romero Ferreira Miranda

    Recife, janeiro de 2017

    p3.jpg

    in memoriam

    Rodrigo Melo Franco de Andrade.

    Determinou o tombamento da

    Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres

    e do campos das batalhas.

    Humberto de Alencar Castelo Branco.

    Desapropriou as terras para

    instalação do Parque.

    Introdução

    Com a publicação do Testamento do General Francisco Barreto de Menezes , o Parque Histórico Nacional Dos Guararapes inicia um programa editorial integrado pela publicação regular de monografias, estudos e pesquisas acerca de personagens e de fatos históricos relacionados ao logradouro e ao período da dominação holandesa.

    O presente trabalho é da autoria do historiador pernambucano José Antônio Gonsalves de Mello, que, mais uma vez, honra o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan com a sua sempre apreciada e notável colaboração; o professor José Antônio Gonsalves de Mello teve, no presente trabalho, a prestimosa colaboração da senhora Virgínia Pernambucano de Mello.

    É notório que as datas cívicas relacionadas com o Parque, desde a sua fundação, vêm sendo devidamente comemoradas em seu próprio campos, com a eficiente ajuda das Forças Armadas, sempre com notável vibração cívica. Justo é que se declare, desde já, que a coordenação de tais solenidades tem pertencido ao Comando do IV Exército, ao qual, servindo-se da oportunidade, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional agradece, penhoradamente.

    Na área do lazer têm, também, os responsáveis pelo Parque se esforçado para proporcionar à comunidade pernambucana atraentes programações.

    A publicação do texto integral do testamento, até agora desconhecido – descoberto e anotado pelo Mestre José Antônio –, revela a figura humana do General Comandante das Forças da Restauração e Governador-Geral do Brasil.

    Revela, é certo, uma personalidade bastante diferente daquela do apenas herói, católico convicto, fiel pagador de promessa à Virgem, à Senhora que lhe deu a vitória contra as forças invasoras; revela o homem de muitos haveres, dono de amplas extensões de terras, de uma frota de veleiros de carga, muito cuidadoso de seus bens e nunca esquecido dos que lhe deviam; até o Rei de Portugal, a quem se refere em certo ponto de seu testamento: declaro que Sua Majestade me deve perto de novecentos mil réis procedidos de cem mil réis que me deu das rendas da Alcaidaria de Vilar Maior.

    E não esquece de lembrar que Sua Majestade lhe havia prometido dois mil cruzados de renda e poder para fundar uma vila, paga pelos seus trabalhos na restauração do Recife.

    Mas, de maior interesse para o estudioso da personalidade de Francisco Barreto de Menezes e da época em que ele viveu é, talvez, a declaração que faz temendo a morte e desejando pôr minha alma no caminho da salvação, a respeito de suas mulheres, mulheres honradas e honestas, uma delas, Serafina de Jesus. A respeito desta, declara o general: a metam freira com minha filha ou filhas se o for a de que está pejada.

    Assim, a obra é das mais sérias, das mais úteis, fornecendo aos estudiosos da história social do Brasil e de Portugal, elementos significativos do caráter das personagens e dos costumes da época.

    Promete o 1º Distrito do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional que outras obras se seguirão a presente, todas sob a esclarecida e honesta orientação do professor José Antônio Gonsalves de Mello, privilégio para os nossos serviços e para os estudiosos de nosso passado, uma vez que tal orientação assegura o valor e a importância das futuras edições.

    Cumpre, aproveitando a oportunidade, um ligeiro comentário em torno das atividades do Parque Histórico Nacional dos Guararapes a promover apresentações de cunho cultural, realizadas no recinto da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, o monumento maior dos Guararapes. Basta recordar a apresentação do Guararapes Chorus, organizado por iniciativa do Iphan pelo eminente professor Padre Jayme Cavalcante Diniz, coro que hoje integra o âmbito musical da Secretaria de Educação e Cultura da municipalidade. O concerto inaugural, sob regência de seu organizador e diretor, constituiu fato de relevo na história musical do Recife, pelas qualidades artísticas do conjunto, pelo programa apresentado e pela elegância da regência.

    Programas de cunho folclórico foram apresentados na igreja e em seu pátio fronteiro, entre os quais se destacam os de Cecília Conde e Fernando Lebeis, com a participação da Escolinha de Arte do Recife, e a encenação, a cargo de alunos do curso de teatro sob orientação da professora Maria José Campos Lima, do auto de Joaquim Cardozo, De uma noite de Festa.

    A Orquestra Sinfônica do Recife, no adro da igreja, executou um concerto que, como as demais apresentações, logrou obter numerosa assistência.

    Merecem ser salientadas as memoráveis homilias pronunciadas ali, em solenidades religiosas, pelo Monsenhor Severino Nogueira, membro da Academia Pernambucana de Letras.

    Ultimamente, essas realizações culturais deixaram de ocorrer, mercê das obras de restauração com que vem sendo beneficiada a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, por iniciativa do Governo Federal, através do 1º Distrito do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

    É de esperar que, dentro em breve, sejam retomadas aquelas atividades, com maior ênfase para a participação das gentes de menores recursos econômicos, para o povo em geral, que terá no Parque Histórico Nacional dos Guararapes um motivo de conhecimento, de ilustração e divertimento.

    Tudo, na verdade, está a depender de trabalhos já iniciados, com a colaboração da Cohab-PE, de remoção para habitações de melhor categoria dos atuais ocupantes da zona do Parque, sem o que não se poderá iniciar a construção de um largo conjunto de edifícios destinados à frequência pública: biblioteca, museu, parque de esportes, lanchonete, restaurante etc., o que valorizará o Parque, possibilitando, por outro lado, o desenvolvimento de um programa de atividades sócioculturais, através do qual o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, responsável pelo Parque, espera tornar o logradouro num polo de atração, de caráter turístico, inclusive, com o que despertará o interesse do público em geral para o conhecimento de nossa História, sobretudo no que se refere aos Montes Guararapes, onde se desenrolaram fatos de inequívoca importância para o futuro de nossa terra.

    Esta obra marca a passagem do dia 10 de abril de 1976, trezentos e vinte e oito anos depois da Primeira Batalha dos Guararapes e cinco da implantação do Parque Histórico Nacional Dos Guararapes pelo ex-presidente da República, Emílio Garrastazu Medici.

    Parte 1

    Odocumento que aqui publicamos, inédito na sua integridade, oferece-nos um flagrante precioso da sociedade luso-brasileira do século XVII, pois nos revela fidalgo e alto administrador do Ultramar a exercitar a mercancia, lado a lado com sua função de governo. Não é ele caso excepcional na sua classe, pois a evidência já divulgada aponta-nos outros semelhantes. Mas, como ainda são poucos os exemplos conhecidos e documentados, um texto como o que agora divulgamos virá oferecer informações de valor para a história social de Portugal e do Brasil naquele século. ¹

    Por outro lado, sendo o documento relativo a um dos mais famosos cabos de guerra da campanha contra os holandeses no Nordeste do Brasil, cuja biografia apresenta dúvidas ainda por esclarecer, o interesse desta edição desdobra-se em nova face.

    D. Antônio Caetano de Sousa menciona que Francisco Barreto de Menezes faleceu com testamento, mas as buscas por nós empreendidas em Portugal – inclusive na preciosa coleção desse tipo de documentos no Arquivo Nacional da Torre do Tombo – tinham resultado infrutíferas. A divulgação em jornal do Algarve de algumas cláusulas do testamento daquele militar, levaram-nos ao exame direto do mesmo, na empresa imobiliária detentora da propriedade da antiga Quinta de Quarteira, com a qual passou à Lusotur S.A.R.L. parte do arquivo dos senhores daquela famosa gleba algarvia, onde no século XV se desenvolveu pela primeira vez em Portugal a agricultura açucareira. Queremos agradecer aos diretores da Lusotur e, em especial, ao senhor Jorge Amorim, a autorização que gentilmente nos concederam para o exame direto do documento, para a sua reprodução xerográfica e para a publicação do mesmo.²

    Francisco Barreto de Menezes, segundo algumas genealogias, nasceu no Peru, ao tempo em que os Filipes cingiam as duas coroas ibéricas. Seu pai, Francisco Barreto, foi comandante da fortaleza do Callao, quando era Vice-Rei daquele domínio o depois Príncipe de Esquilache, Dom Francisco de Borja y Aragon, com quem Barreto era aparentado.³ Que este realmente residiu no Peru, confirma-se pelo alvará e carta, ambos de 3 de março de 1618, pelos quais o Rei lhe concedia permissão para ali ser armado Cavaleiro e lhe ser lançado o hábito da Ordem de Santiago.⁴ Documento oficial de 1638 indica que o filho – o Restaurador de Pernambuco – nasceu ali; nas palavras do documento, era ele natural do Peru, donde seu pai o houve de uma mulher nobre e casada e que esta e os pais dela eram naturais da mesma província.⁵ Entretanto, ao requerer licença em Lisboa, em 1665, para casar com Dona Maria Francisca de Sá, Barreto de Menezes declarou ser filho de Francisco Barreto e D. Isabel de Borja, natural da Vila de Madrid e batizado na freguesia de Santa Maria, donde veio menino para Portugal e daqui foi servir a Sua Majestade nas partes do Brasil. Veio para esta cidade e é morador na freguesia da Trindade... e lhe é necessário justificar como veio menor e ser solteiro. Ao prestar depoimento perante a autoridade eclesiástica, encarregada da justificação, confirmou não só a filiação como o local do nascimento, acrescentou ser de idade de 40 anos e haverá mais de 30 que veio para este Reino, quando o Conde de Linhares partiu para a Índia, sendo menino de menos de dez anos e sempre cá residiu, exceto o tempo de ir servir a Sua Majestade no Brasil, donde veio o ano passado. Como testemunhas fizeram suas declarações Pascoal de Azevedo, oficial maior do Conselho Ultramarino e João da Silva, cavaleiro professor da Ordem de Cristo, os quais declararam que o justificante tinha de 9 para 10 anos ao vir de Madrid para Lisboa, há 30 para 32 anos; teria nascido, pois, entre 1623 e 1626.⁶

    Ora, o 4º Conde de Linhares, D. Miguel de Noronha, foi nomeado Vice-Rei da Índia em 17 de fevereiro de 1629, tendo partido de Lisboa para Goa em 3 de abril do mesmo ano. Se a esse tempo Barreto tinha 10 anos, teria nascido em 1619 – que pode realmente ser o ano de seu nascimento, mas não em Madrid. Segundo ele, teria sido batizado na Igreja de Santa Maria, na hoje capital espanhola. Identificamos a igreja como sendo a Santa Maria la Real de la Almude, na Calle Mayor nº 92, onde se conservam os livros de batismos desde 1543. Neles, porém, não foi encontrado o registro de Barreto de Menezes.

    Outro ponto obscuro da biografia é quem fosse a mãe dele. Barreto diz, no documento acima, em parte transcrito, que ela se chamava D. Isabel de Borja, apelido de família do Príncipe de Esquilache. Vimos que outro documento indica que a mãe dele era mulher nobre e casada mas não com o pai de Barreto. Uma genealogia existente na Coleção Pombalina da Biblioteca Nacional de Lisboa agrava o problema ao dizer que o pai dele não casou mas o houve natural em D. Ana, de Salamanca, filha de um desembargador.⁸ Barreto não menciona os nomes dos pais, como se costumava fazer nos testamentos. Ao que parece, com a indicação falsa do seu nascimento em Madrid e o seu silêncio acerca dos pais – que não eram casados – tentava esconder a bastardia de sua origem.

    Provavelmente nascido no Peru, Barreto de Menezes teria vindo para Madrid ao término da administração do Príncipe de Esquilache, em cuja casa viveu até 1629, quando se passou a Portugal: teria então 9 ou 10 anos de idade.⁹ Em 1637, com cerca de 18 anos, ofereceu-se para ir servir no Brasil e teve então promessa régia do hábito da Ordem de Cristo se embarcasse na armada do Conde da Torre; o Rei procurava animá-lo, como a muitos outros, a participar do esforço maior até então feito pelos Filipes para libertar o Brasil do domínio holandês.¹⁰ Essa armada, cujos preparativos se arrastaram por quase dois anos, partiu finalmente de Lisboa em 7 de setembro de 1638. O Conde fê-lo sob protesto, pois tendo examinado os navios notou as péssimas condições higiênicas dos mesmos, a insuficiência do abastecimento e o despreparo dos soldados. De tudo deu conhecimento ao Rei e ao Conde-Duque de Olivares, mas estas autoridades, reconhecendo a procedência das observações, resolveram que para satisfazer a todas as exigências e necessidades da frota seria forçoso uma longa demora, e um ataque rápido aos holandeses – pois a salvação do Brasil consistia nisto – era, na opinião dos governantes espanhóis, a condição segura da vitória. Além do mais, urgia socorrer a Bahia, assediada pelo Conde João Maurício de Nassau.¹¹

    O Conde da Torre recebeu instruções para partir incontinente para as Ilhas de Cabo Verde, onde deveria receber reforço de gente e aguardar a reunião dos navios que se ficavam a preparar. O Conde protestou novamente, alegando a pestilência dos ares daquelas ilhas, porém obedeceu. Mas, apenas partida a frota, irrompeu a bordo uma epidemia. O próprio Conde foi dos primeiros a adoecer: a 4 de octubre a las 5 de la tarde enfermé de unas calenturas que me llegaron al ultimo de la vida y con ellas y con muchas ventosas y sangrias llegué a este puerto de Santiago de Cabo Verde. Nos navios havia 1.000 enfermos y destes mueren 10 e 12 cada dia.¹² No momento da partida da frota ficaram enterrados na ilha 475 homens, existindo a bordo 1.214 doentes. Ao passar na altura de Pernambuco, em 6 de janeiro de 1639, a expedição contava nada menos de 872 mortos.¹³

    Por esse motivo não foi possível ao Conde realizar o desembarque da Infantaria na praia de Gaibu, como se determinava em instrução datada de 14 de setembro de 1638, depois que o governo espanhol veio a ter notícia do malogro do ataque holandês à Bahia.¹⁴ As condições em que se achava a esquadra não permitiam, porém, o desembarque. Com pouco abastecimento, com a maior parte da marinhagem e da tropa doente ou convalescente, o esforço era impossível. Em junta realizada a bordo dos navios, no Cabo Verde, em 19 de novembro, resolveu-se que não seria atacado Pernambuco, mas, para salvar as aparências, num gesto caracteristicamente espanhol (sugerido aliás pelo Almirante dos Galeões da Espanha, D. Juan da Vega Vazan) que se iria ao Recife e estaria sobre ele surta a armada por três dias, e se acharmos a do inimigo pelejaremos com ela... e quando não a acharmos entenderá o rebelde que só por doença, mortes e falta de forças não saltamos em terra, que com as que tínhamos o fomos buscar a sua casa para o castigar no mar. ¹⁵

    Mas, partida de Cabo Verde, pouco depois desgarraram-se da frota a nau capitania de Portugal e outros navios, pelo que, reduzida no seu poder, desistiu o Conde de ancorar em frente ao Recife, contentando-se com passar à vista de terra rumo à Bahia, onde chegou a 9 de janeiro de 1639, com quatro meses de viagem.

    A situação da Bahia, recém-libertada do cerco que lhe puseram as tropas holandesas, era calamitosa. Pedro Cadena de Vilhasanti, Provedor-Mor da Fazenda Real, pintou-a nas suas cores verdadeiras ao Conde da Torre, que assumira ao chegar o cargo de Governador-Geral do Brasil. Não havia dinheiro nos cofres e devia-se o soldo de seis meses à tropa. Víveres não havia e a pouca carne e farinha que aparecia logo era requisitada para abastecimento da guarnição local e do exército de Pernambuco, este sob o comando do Conde de Bagnuolo. Tais foram os problemas com que em terra – além dos da esquadra – se defrontou o novo Governador-Geral. O desembarque de quase 5.000 pessoas da armada agravou as dificuldades. Para manter a disciplina da tropa proibiu-se a venda de aguardente. Até os chefes militares criaram problemas: um deles, o Mestre de Campo D. Fernando de Lodeña, foi preso e processado por ter sido comprovada sua participação em contrabando de pau-brasil.

    No abastecimento da armada – para o que vieram gêneros do sul do Brasil e até de Buenos Aires –, na cura dos enfermos, no reforço de tropas de desembarque e nos preparativos do ataque a Pernambuco, o Conde da Torre despendeu vários meses, tempo que permitiu ao Conde de Nassau reforçar a sua frota e prevenir-se para a investida dos contrários. A esquadra luso-espanhola partiu da Bahia na segunda quinzena de novembro de 1639 e, depois de desembarcar tropas e munições nas Alagoas, rumou para o norte a tentar o desembarque na praia de Pau Amarelo. Ali foi-lhe ao encontro a armada holandesa, com a vantagem do vento, que lhe permitia aproximar-se do inimigo ou deixá-lo discorrer em direção à Paraíba. Em quatro encontros sucessivos, em 12, 13, 14 e 17 de janeiro de 1640, ao longo dos litorais de Pernambuco, da Paraíba e do Rio Grande do Norte, conseguiu o Almirante Willem Comeliszoon Loos e seu sucessor, Jacob Huyghens, causar consideráveis danos aos navios luso-espanhóis.

    A bordo dos navios do Conde da Torre, a situação após o terceiro encontro era de grande dificuldade, como se lê em ata de uma junta dos principais chefes, datada de 14 de janeiro, na altura da Paraíba. Disseram eles que era verdade que conforme ao estado em que hoje nos achamos, na altura da Paraíba, faltos geralmente de água, de poucos alimentos e muitos mortos e grande quantidade de feridos e alguns baixeis dos nossos desaparelhados, se podia temer nossa total destruição, se com brevidade se não tratava de fazer água e tomar posto donde melhor se pudesse, já que Deus não foi servido dar-nos tempo para tomar o que estava determinado, porquanto o inimigo nos tem sempre ganhado o barlavento e tem ordem, segundo dizem os flamengos que se tomaram do navio que se botou a pique (o Geele Son), para morrerem primeiro e perderem-se que deixarem desembarcar o nosso exército em terra, que é o seu principal intento, o que parece se prova bem, pois sendo tão sangrentas as pelejas que se tiveram em quinta e sexta-feira, em que lhe matamos o General, e ambas duraram a maior parte do dia, foi muito mais furiosa e sangrenta a que tivemos no sábado...¹⁶

    Resolveu-se então fazer aguada na baía da Traição ou onde pudesse ser, a todo risco, conforme parecer do Mestre de Campo Lourenço de Brito Correia, visto endoudecerem e cegarem muitos soldados e outras pessoas de sede e de beber água salgada e que ali desembarcasse o Mestre de Campo Luís Barbalho Bezerra com 1.500 soldados e com eles se vá à Paraíba e por todas as mais Capitanias até Alagoas, queimando todos os engenhos e canaviais e açúcares e pau-brasil que estiver feito, danando tudo de maneira que o inimigo não tenha proveito, nem esperança de o ter estes dois anos, e que a frota procurasse voltar para o sul e aportar nas Alagoas.¹⁷

    O desembarque das tropas de Barbalho fez-se no porto de Touros, no Rio Grande do Norte, tendo outros grupos desembarcado na Paraíba (sob o comando de André Vidal de Negreiros) e na Ponta da Pipa, no Rio Grande do Norte (ao mando de D. Francisco de Sousa, incluindo-se aí Henrique Dias). O grosso da infantaria estava, porém, com Barbalho e se compunha de 1.430 homens, sendo 340 da tropa recrutada nos Açores. Daí marcharam todos em direção ao sul, vindo a reunir-se em viagem os diversos grupos, sob o comando geral de Barbalho. O que foi esta marcha através do território ocupado pelos holandeses, com frequentes escaramuças com estes, com grande dificuldade para o abastecimento alimentar da gente, pois os contrários fizeram arrancar as plantações de mandioca nas áreas que eles deviam cruzar, com a impossibilidade de transporte dos feridos e estropiados, que eram sumariamente mortos pelo inimigo em represália a tratamento igual, bem se pode imaginar; documentação inédita, porém, nos oferece a descrição dela, de autoria do próprio Barbalho, lacônica mas cheia de flagrantes esclarecedores. Refere que padeceram os maiores riscos e misérias do mundo, sendo que em ocasião de grande fome comeram-se os poucos cavalos que havia, couros, raízes de bananeiras e muitas imundícies. Certa vez os soldados, que vinham debilitados e fracos, comeram muito mandioca crua e quente, de que morreram alguns.

    Barbalho, acostumado a frugalidade dos homens do Nordeste, queixa-se da gente das Ilhas [dos Açores] que serviu de mau exemplo, por respeito de serem grandes comedores.¹⁸

    Não consta em que grupo desembarcou Francisco Barreto de Menezes no litoral nordestino, mas sua participação nesta marcha está confirmada por documento. Quando das represálias empreendidas contra a Bahia e o seu Recôncavo pelo Conde de Nassau, em abril de 1640, no curso das quais foram saqueados e incendiados muitos engenhos, a tropa de Luís Barbalho veio em socorro da cidade ameaçada. Barreto tomou parte na luta, como participou ainda da expedição que partiu de Salvador a enfrentar os holandeses que haviam desembarcado no Rio Real, em Sergipe, em agosto daquele ano, sob o comando do Coronel Hans van Koin.¹⁹ Não se sabe quando Barreto regressou a Portugal, mas já ali estava pelo menos em 1641 e prontamente se pôs em campo em defesa da independência portuguesa, recuperada em 1º de dezembro de 1640.²⁰

    A presença de Barreto em Portugal, na altura da Restauração, está documentada em carta patente datada de Lisboa, 13 de abril de 1644, pela qual D. João IV, tendo em consideração os seus serviços no Brasil e na campanha do Alentejo do verão passado, em que ocupou o posto de Capitão de Infantaria de uma das companhias do terço do Mestre de Campo David Caley, procedendo sempre com valor e satisfação, nomeou-o Capitão de Cavalos da companhia que tinha sido de Rui de Brito Falcão, servindo sob o comando do Capitão-geral de Cavalaria do Exército do Alentejo.²¹ Dois anos depois, em 23 de agosto de 1646, o Rei nomeou-o para o posto de Mestre de Campo do terço que fora de David Caley, o qual guarnecia a Província da Beira, tendo em consideração não só a ser fidalgo de minha Casa como por nele concorrerem as qualidades, valor e experiência e mais partes que se requerem para ocupar este posto... e outras muitas que o fazem capaz desta e de outras maiores ocupações, passando a perceber o soldo mensal de 46$400²²

    Mas, ao mesmo tempo em que o nomeava para o comando do terço da Beira, por despacho do dia anterior ao da nomeação – isto é, em 22 de agosto de 1646 – D. João IV, decidindo acerca da criação de um novo terço de infantaria no Alentejo, em consulta do Conselho de Guerra, determinava: Nomeio a Francisco Barreto para servir enquanto durar esta campanha e acabada ela far-se-á despedir a gente e passará a servir o posto em que está nomeado, isto é, de Mestre de Campo na Beira. É interessante nesta consulta o indicativo da confiança que o Rei depositava em Barreto. A enumeração dos nomes sugeridos pelos cinco Conselheiros para o posto de Mestre de Campo do terço que se pretendia criar no Alentejo,²³ eram:

    Uma carta do Conde de Alegrete, datada de Elvas, 25 de setembro de 1646, relaciona os efetivos do Exército do Alentejo, especificadamente por terços, sob os comandos de:

    Naquele ano de 1646 estava em Lisboa um Procurador da Câmara de Olinda e do Povo de Pernambuco, Francisco Gomes de Abreu, para solicitar, entre outras coisas, a ajuda régia para a campanha iniciada em Pernambuco contra os holandeses e a designação de pessoa para comandar os insurretos. Além das queixas chegadas ao Rei contra João Fernandes Vieira, que dirigia a guerra, havia na metrópole o receio de que, em momento de desespero, os moradores viessem a recorrer a alguma potência estrangeira, como já haviam tentado. Por isso e pela conveniência de manter sob controle a mais rica capitania brasileira, o Rei decidiu atender ao pedido apresentado pelo procurador dos pernambucanos. Mas, em consequência do tratado de paz com a Holanda e da cooperação prestada por esta a Portugal na campanha contra a Espanha, D. João IV não podia oferecer ajuda manifesta aos rebeldes e só dissimuladamente o podia fazer.²⁴ O Conselho Ultramarino opinou em favor da nomeação de um chefe militar, tendo o Rei decidido, em novembro ou princípios de dezembro de 1646, designar para tal encargo Francisco Barreto de Menezes. A escolha sofreu restrições no Conselho de Estado; de fato, os conselheiros Matias de Albuquerque, então Conde de Alegrete, D. Francisco Mascarenhas e os Marqueses de Niza e de Gouveia representaram ao Rei que Francisco Barreto, pondo-se de parte a sua qualidade, valor e merecimento, não tinha a idade, autoridade e experiência necessárias para ocupar tal posto, acrescentando Albuquerque que entendia que ele não seria bem recebido no Brasil. O Conselho considerou, também, se o chefe designado deveria partir de Lisboa diretamente para Pernambuco ou se deveria demandar à Bahia, e daí, com o pretexto de retirar de Pernambuco os terços da Bahia, sob o comando de Martim Soares Moreno e André Vidal de Negreiros, alcançar o verdadeiro objetivo. Decidiu-se o Rei pela Bahia.²⁵ Em 12 de fevereiro de 1647 foi expedida a patente pela qual Barreto era nomeado Mestre de Campo General do Estado de Brasil, não sendo conhecidas, porém, as instruções secretas que certamente lhe foram entregues.²⁶ Com ele foram nomeados Filipe Bandeira de Melo, para Tenente de Mestre de Campo General; Simão Alvares de Lapenha Deusdará, para Auditor de Pernambuco e Frei Mateus de São Francisco, para Administrador-geral do Exército de Pernambuco.²⁷

    Aprestaram-se em Lisboa quatro caravelas para levarem ao Brasil os nomeados, às quais se juntaram dois patachos e uma caravela saídos do Porto. Iam embarcados uns poucos soldados, gente bisonha na maior parte; os pormenores da viagem são conhecidos graças as cartas de Frei Mateus e de Filipe Bandeira de Melo.²⁸ A partida de Lisboa ocorreu a 26 de março de 1647 e a viagem decorreu sem dificuldades até as proximidades da Bahia, quando os navios avistaram, a 6 de maio, duas fragatas holandesas fortemente artilhadas. Barreto e Melo tinham se passado, na véspera, para os patachos São Francisco Xavier e Nossa Senhora da Piedade, respectivamente, dos quais esperavam defender melhor as caravelas. Foram eles atacados pelas fragatas, o que permitiu que as caravelas alcançassem a Bahia e se salvassem. Depois de alguma luta os dois patachos foram tomados pelos holandeses, estando Barreto ferido com uma bala de mosquete na cabeça e desacordado. O relatório do Capitão Slickman, que comandava as duas fragatas, refere que os portugueses tiveram 25 mortos e muitos feridos e os holandeses 5 mortos e 15 feridos.²⁹

    A chegada ao Recife das fragatas e do patacho São Francisco Xavier (o outro afundou) ocorreu no domingo 12 de maio, ficando presos Barreto, Melo, Lapenha e Frei Mateus. O primeiro foi recolhido à Fortaleza do Brum, passando a receber, com seu criado, quatro florins de ração diária; do sucedido o governo holandês do Recife deu imediato conhecimento ao Conselho dos XIX pela Générale missive de 25 de maio.³⁰ Em 12 de agosto Barreto foi transferido, para maior segurança, para o Forte Ernesto, ficando responsável por ele o respectivo comandante, Major Beijer.³¹ Em 5 de setembro o Coronel Hendrick van Haus trouxe ao governo a denúncia de que Barreto e Lapenha tinham tentado subornar um soldado, sendo este último transferido para a cadeia, onde estava Frei Mateus.³² Como os luso-brasileiros tivessem realizado um forte ataque contra o Forte Ernesto, o Mestre de Campo General foi tirado daí e instalado provisoriamente na residência do Secretário do Governo, Jacob l’Hermite, em 9 de novembro.³³ Três dias depois resolveu-se transferir Barreto, Filipe Bandeira de Melo e o Almirante Jerônimo Serrão de Paiva – prisioneiro desde 1645 – para lugar seguro, sendo escolhido o alojamento onde residia Jacques de Brae, sendo feitas para isso as obras necessárias à segurança dos presos e colocadas sentinelas de guarda.³⁴ Daí os dois primeiros fugiram a meia noite do dia 23 de janeiro de 1648,

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