Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Está em nossa frente mas não vemos
Está em nossa frente mas não vemos
Está em nossa frente mas não vemos
E-book173 páginas2 horas

Está em nossa frente mas não vemos

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Não se trata de autoajuda, política, religião, biografia ou qualquer outro texto com um objetivo dirigido. Aqui, apenas literatura brasileira. Seguindo a trilha dos nossos grandes cronistas. Textos sobre as observações e a vida do autor e, por que não, da vida de todos nós. Para ler a qualquer tempo, em qualquer lugar. Várias histórias com temas diversos, que prendem a atenção do leitor do início ao fim. Relata histórias com diversos tipos de pessoas, ocorridas nos mais variados contextos e lugares brasileiros. Um livro para refletir a existência humana, para sorrir, para se emocionar.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de dez. de 2016
ISBN9788583383475
Está em nossa frente mas não vemos

Relacionado a Está em nossa frente mas não vemos

Ebooks relacionados

Biografias literárias para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Está em nossa frente mas não vemos

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Está em nossa frente mas não vemos - Ulisses Moroni Junior

    melhor

    Uma cena dos dias dos namorados

    No dia 12 de junho comemora-se o Dia dos Namorados no Brasil. Neste ano de 2016 será um domingo. Uma cena distante surge em minha memória sobre essa data. Cena que vi há uns vinte anos. Maravilhas do computador da memória, algo especial arquivado. Basta um gatilho, um filme surge defronte aos nossos olhos. 

    Nessa época eu trabalhava como vendedor de publicidade de jornal. Andava a pé para baixo e para cima na cidade onde morava, interior do estado de Minas Gerais. E usava uma pasta de couro embaixo do braço, que não tinha alça. A verdadeira mala sem alça. Só que eu gostava tanto dessa pasta que preferia assim mesmo. 

    Não ganhava muito dinheiro com esse trabalho, mas mantinha a forma física, pelo tanto que eu andava. Um período de cerca de três anos de minha vida. Eu preferia andar a pé mesmo para onde precisasse ir. Mas, como a cidade não era pequena, muitas das vezes andava de ônibus. Por sinal, um bom sistema de transporte coletivo havia por lá, utilizando apenas ônibus.

    Estávamos na semana do Dia dos Namorados, e o jornal fez algumas promoções de anúncios. Tanto para comerciantes como para os amantes, com uma seção especial para mandarem felicitações aos seus amados! Não fui lá muito bem, minhas vendas não foram como eu queria. Mas deu para ganhar alguma coisa. 

    O Dia dos Namorados naquele ano foi um dia de semana, portanto, dia de trabalho. Tinha uma grande expectativa para as vendas daquela semana, que não se confirmou. Agora, era aguardar até o evento seguinte.

    Eu estava num ônibus coletivo, sentado, indo atender um cliente. Feliz por trabalhar, mas sem lá um grande sorriso nos lábios. Meu banco era ao lado de uma das janelas, um vidro grande que deixava ótima visibilidade do exterior. Dia de sol quente, céu azul, meio da tarde, talvez umas 3 horas da tarde.

    A rua por onde eu seguia, uma das muitas avenidas Floriano Peixoto existentes no Brasil, passava ao lado de uma pracinha. Na realidade não era exatamente uma praça, era um prolongamento da calçada. Um local onde ficavam algumas lanchonetes e sorveteria. Reunia, à noite e aos domingos, muita gente que saía para passear e namorar. Havia ali alguns canteiros com plantas ornamentais, e bancos de cimento. 

    Na esquina, um semáforo, onde parou o ônibus em que eu estava. Parou ali, e fiquei olhando aquela praça, a Praça da Bicota, como chamavam. Meio que involuntariamente, pois era o que estava defronte aos meus olhos. Era meio da tarde, e havia muita gente lá, ou parada, ou caminhando. 

    Notei uma pessoa de roupa verde e percebi que era um dos limpadores de rua que trabalhavam no setor. Também chamados garis, usavam roupas verdes naquela cidade. Com ele, as inseparáveis vassoura e lixeira de rodas que os garis utilizam. Seu instrumento de trabalho, diga-se de passagem. 

    O sinal ficou verde, e o ônibus acelerou para seguir, quando escutamos um barulho, e o ônibus parou. Um pequeno impacto, e o motor desliga. Muito movimento na rua naquele momento, ali era a parte mais central daquela cidade. Levanta-se o motorista e anuncia para os passageiros a situação: quebrou a embreagem do ônibus. 

    Ele explica que vai descer e procurar um telefone para avisar a empresa. SIM, NAQUELE TEMPO NINGUÉM SABIA O QUE ERA UM TELEFONE CELULAR! O motorista iria procurar em alguma loja um telefone fixo que pudessem lhe emprestar. Ou então procurar um orelhão, como eram chamados os telefones públicos.

    Foi sincero com todos os passageiros: disse que iria demorar para consertar o veículo. E também disse que seria igualmente demorado chegar um carro reserva. Assim, sugeriu aos passageiros com muita pressa que descessem e dessem cada um seu jeito

    Da mesma forma, sugeriu para os que iriam descer nos pontos seguintes que seguissem a pé. Chegariam mais rápido, e estávamos numa bela tarde de outono, sem chuvas ou frio. 

    Eu, por minha vez, iria descer bem distante dali, aliás, na última parada do ônibus. Eu não tinha pressa, pois meu expediente já estava finalizado naquele dia. Havia o principal detalhe da situação: eu estava sem dinheiro no bolso! Nada mesmo, nem os passes de ônibus, que utilizávamos na época. 

    Então, se eu descesse, teria que seguir a pé, não poderia pegar outro ônibus. Teria que andar muito, pois a parada final era bem longe. Apesar de gostar de caminhar, eu estava de sapatos com sola de couro. O melhor a fazer era permanecer no ônibus e aguardar o conserto. 

    Eu estava sentado do lado da sombra, janela aberta, com boa ventilação. Depois que muitos saíram, o local ficou até agradável, não seria nenhuma tortura permanecer ali. Passei a observar aquela pracinha, ou calçadão, ao meu lado, ou à minha frente. Notar a vida daquelas várias que ali estavam. Muitas pessoas ali caminhavam, uma cena de alguns segundos de suas vidas. Da vida deste planeta, então, deveria ser uma fração minúscula de alguns segundos. 

    Passei a testemunhar aquele momento, observando cada pessoa que passava caminhando ou estava ali. Sim, pois nem todos caminhavam. Havia pessoas paradas, em pé, fazendo algo, ou então fazendo nada. Talvez relaxando apenas. Pessoas que conversavam entre si, ou olhavam as horas, ou mulheres, para variar se observando num espelho. Quem sabe já se preparando para algum encontro naquele dia especial.

    Muitos estavam sentados nos bancos de concreto daquele lugar. Lendo, jogando cartas, conversando, uns trabalhando, é o que dizia o uso de calculadora e cadernetas. Talvez somando as vendas do dia até o momento.  

    O que não havia era gente usando aparelho celular! Pois não existia. Se fosse hoje, talvez uns noventa por cento, ou mais, daquela gente estariam presos a um celular!

    A primeira conclusão é que não dava para ficar atento a todas as pessoas. Quando a gente presta atenção em cada pessoa de um grupo, nota que há mais pessoas do que imaginamos inicialmente. Cada um com um movimento rápido, não dá para analisar todos ao mesmo tempo. Tem que concentrar o olhar em uma só pessoa, ou então em um só espaço físico, bem delimitado. 

    Não sei por que, mas chamou minha atenção aquele gari de uniforme verde. Varria a sarjeta com toda a cautela, levando para a lixeira toda a sujeirinha. Olhando bem, dava para notar que ele não se limitava a passar a vassoura uma só vez sobre o solo. Passava uma vez, depois ficava procurando algum objeto pequeno que porventura não fora carregado na primeira vassourada. Limpava a rua como limpava a casa dele, ou como limpamos nossa casa. Um profissional zeloso!

    Será que seus patrões notavam essa qualidade nele? Usava boné, pois o sol estava bem quente. Transpirava muito. Chegou ao final da rua e subiu o carrinho-lixeira na calçada. Foi até um banco de cimento, embaixo de uma árvore grande, e lá sentou-se. Era o merecido descanso à sombra no meio da tarde. Depois de varrer metros e metros de rua, hora de sentar-se um pouco.

    E novas descobertas. Aquele carrinho-lixeira dele tinha um porta-objetos junto com a lixeira. Nunca havia observado isso. E nosso gari abriu tal compartimento e de lá retirou uma toalha, que usou para enxugar o rosto. Foi até a sorveteria e de lá trouxe uma garrafa de água e um copo. Dava para notar que era gelada, água do filtro, e não mineral.

    Certamente a sorveteria dava para os garis um pouco de água, como política de boa convivência, e também solidariedade. A praça limpa em frente certamente trazia mais clientes. Depois de uma água gelada, nosso gari vai limpar melhor, e mais feliz, aquela local. 

    Conheço lanchonetes que dão descontos para policiais em serviço. Em troca, têm sempre um policial por perto para emergências. Diz o ditado: Não existe almoço grátis!.

    O carrinho-lixeira ficou ao lado do banco de cimento, guardando o lugar, e o gari para lá voltou. Sentou-se, bebeu sua água. Enxugou novamente o rosto com a toalha e foi novamente até o porta-bagagem da lixeira. De lá retirou um perfume e pente de cabelos. Também descubro que ali havia um pequeno espelho! Talvez o inusitado porta-objetos secreto guardasse mais coisas que bolsa de mulher.

    Passou bastante o perfume no corpo e penteou os cabelos. Olhando no espelho claro. O detalhe final no seu toque de amor próprio foi passar o pente nas sobrancelhas! Ficou um novo homem! Pronto para... Pronto para o quê? Boa pergunta...

    Guardou tudo novamente no porta-objetos secreto. Passou a observar atentamente um canto da praça. Ali era outra rua, que seguia adiante.

    De repente seus olhos brilham, um pequeno sorriso se abre nos seus lábios. O semblante não deixava dúvidas: encontrou o que buscava. Momentos depois eu descobriria que ele encontrara QUEM buscava!

    Uma mulher entra na praça vinda daquela rua que ele observava. A mulher vestia igualmente roupa verde. E também empurrava um carrinho-lixeira. Era, como ele, gari, limpadora de nossas ruas.

    Ela chegou por uma rua diferente daquela pela qual ele tinha vindo. Nosso gari estava trabalhando na mesma rua onde estava o ônibus quebrado, dentro do qual eu estava, observando a cena. Já a mulher gari chegou por outra rua. Provavelmente cada gari tinha uma rua para limpar, ou um conjunto delas. E aquela praça era um ponto em comum entre essas duas vias públicas.

    Nosso gari subiu no banco de concreto, logo se destacando em meio àquela pequena multidão. Passou a acenar para sua colega gari, recém-chegada à praça. Ela rapidamente nota o aceno e segue em direção a ele. Sorri e aceita um convite para sentar-se ao seu lado. Enquanto ela se aproxima, nosso gari se levanta para recebê-la. Abre os braços, demonstra intenso carinho e receptividade. Sem ouvir suas palavras, devido à distância, mas vendo seus gestos, diria que ali estava um perfeito cavalheiro.

    Um livro que eu li há alguns anos, O corpo fala, publicado pela Editora Vozes, veio a minha mente naquele momento. Como diz o título, tenta descrever a comunicação e sentimentos humanos por meio das expressões corporais. Mostra como uma pessoa pode demonstrar que está gostando de algo. Ou, ao contrário, está repelindo uma situação. Apenas com a expressão corporal. No caso da rejeição, os braços irão cruzar-se, as pernas se fecham, a inclinação do corpo tenderá para trás, o rosto terá expressões não sorridentes.

    Tal qual uma luta de boxe, o corpo se fecha defensivamente. Se o outro interlocutor usar da observação, notará que não está agradando. Inclusive mostra que a expressão corporal não mente, ao contrário das palavras. Na situação exemplificada, essa pessoa poderá dizer que está gostando daquela situação, mas na verdade não está nem um pouco.

    Não se trata de algo simples essa interpretação dos gestos corporais. Envolve combinações de várias posturas e dentro de diversos contextos sociais. Definitivamente não é uma ciência exata. Mas certamente é um conhecimento bastante enriquecedor.

    Tão prestigiada é essa obra que hoje, passados mais de trinta anos que a li pela primeira vez, ainda vejo exposta à venda nas livrarias. E sempre com nova edições. Sinal de que vende muito e, portanto, se trata de obra muito valorizada pelo público.

    Mas, voltando ao nosso gari. Ele não puxou uma cadeira para sua colega também gari, pois os bancos ali eram de cimento, fixos no solo! Porém, o gari demonstrou toda a gentileza com ela: abraçou-a, beijou sua face, deu a toalha para ela secar o rosto, convidou-a a sentar-se, o que foi prontamente aceito. Colocou água gelada num copo e serviu a ela.

    Nesse momento, passei a suspeitar que havia um sentimento a mais – e certamente maior – naquela cena, além de cortesia...

    Eles não eram muito jovens. Diria que a idade deles

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1