Os garotos da calçada
De Ton Zattoni
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Sobre este e-book
As dificuldades e conflitos da juventude os levam ao mundo do rock e ao sonho de formarem uma banda. É em meio à total falta de horizontes que ocorrem os mais inusitados acontecimentos.
Eis os dilemas das primeiras fases da vida. Eis os últimos momentos de pureza da fase adulta.
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Pré-visualização do livro
Os garotos da calçada - Ton Zattoni
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Agradecimentos
Valderi Sérgio Joaquim,
Rafael Lisboa de Freitas
e Priscila Miranda Zattoni
Agradecimento especial
Tadeu Giovannetti
Dedicado ao meu melhor amigo,
meu amado filho, Gabriel José Zattoni.
Prefácio
Na realidade difícil de uma pacata cidade, Tony conta a sua história e a de seus amigos, em especial as aventuras envolvendo o inseparável Lico.
As dificuldades e conflitos da juventude os levam ao mundo do rock e ao sonho de formarem uma banda. É em meio à total falta de horizontes que ocorrem os mais inusitados acontecimentos.
Baseado em fatos reais, o livro registra um tempo em que ainda existiam amizades verdadeiras e denota de forma saudosista as fases mais sutis da infância e adolescência, convidando-lhes a refletir sobre as facilidades e apatia dos jovens de hoje.
Eis os dilemas das primeiras fases da vida. Eis os últimos momentos de pureza da fase adulta.
Convido-lhes a adentrar as profundezas de suas próprias memórias, assim, minarão suas mais singelas sensações e lembranças.
1. R
elembrar é reviver
Era um dia qualquer do mês de agosto de 2018. O inverno discutia com o sol, e eu com minha blusa. Se a vestia, suava. Se a tirava, o vento frio me contradizia.
Meu filho brincava próximo ao jardim. Discutia com os espinhos de uma roseira, afinal, ali passaria a estradinha para seus carrinhos.
Mais ao fundo da praça, a fonte apresentava seus hídricos ornamentos.
Duartina, a cidade tão tranquila de sempre!
Com um olhar saudoso, assisto e analiso tudo ao meu redor.
Algumas pessoas odeiam o próprio passado, mas eu não. Eu sempre adorei relembrar e reviver, contar sobre minhas raízes. Por isso, sempre revivo as histórias daquela época.
A cidade era a mesma, sempre foi, mas as pessoas que agora habitavam o local haviam mudado bastante. Não sei se eram meus jovens fios brancos ou a ausência de alguns fios que me levaram a refletir tão profundamente sobre minha juventude.
Ali naquela pequena cidade havia passado minha infância, muito daquele lugar já estava impregnado em meus genes e em minha alma.
Naquele dia, viam-se muitos jovens, casais, as tradicionais pessoas com suas sacolas de supermercado, os ociosos taxistas, mas quase não havia mais diálogo entre as pessoas.
Ouviam-se risos, mas eram um tanto quanto esparsos. Alguns vinham de um banco de concreto bem próximo ao que eu estava, porém ninguém ria sobre mesma coisa. Todos cabisbaixos olhavam para seus respectivos smartphones.
Pois é, a tecnologia que há tanto tempo procurávamos quando jovens, chegou a passos largos e havia se tornado um caminho curto e cheio de atalhos aos jovens de agora, deixando-os letárgicos, preguiçosos e isolados uns dos outros. Juntos aos bandos, porém praticamente sem nenhuma conexão vital, apenas eletrônica.
No meu tempo não era assim, não, era bem complicado. Mas creio que, se voltasse atrás, não seria essa a facilidade que eu levaria para meu passado.
Como era difícil marcar uma voltinha à noite e, mesmo assim, quase sempre encontrávamos um ou outro colega. Se não encontrava, era voltar para casa e ver televisão, torcendo para passar um bom filme em algum dos seis canais abertos que pegavam, por vezes, bastante chuviscados.
As coisas aconteciam de forma bastante natural.
— E agora? Vou na casa do Fulano ou do Ciclano? Alguém veio na minha? Se eu sair para ir na casa do Ciclano, pode ser que o Fulano venha, aí vamos nos desencontrar!
O negócio era fazer o mesmo caminho sempre, e muitas vezes os amigos se encontravam pelo percurso.
Pedalando ou a pé, visitava meus poucos amigos, geralmente nos períodos da tarde, já que eu estudava no período diurno. O motivo da visita era quase sempre o mesmo: jogar conversa fora, falar sobre a vida ou combinarmos de sair à noite.
Marcávamos os horários, o local, e lá estávamos. Nosso principal ponto de encontro: a rua central da cidade.
Ficávamos assistindo as pessoas indo e vindo no bobódromo
, local assim apelidado, pois ali os habitantes tecnicamente circulavam feito bobos, quer fossem motorizados ou não.
Era ali também que a paquera rolava solta, e os encontros com outros colegas se faziam espontâneos.
Os olhos sempre nos olhos. Nada de jovens cabisbaixos, tecnologicamente escravizados por seus aparelhos mentalmente atrofiantes. Éramos garotos com diversas dificuldades, porém relativamente felizes e bastante sedentos por uma boa diversão.
Na minha época adolescente, alguns bebiam, outros fumavam, e outros se viciavam em não ter vício algum. Naquele tempo surgiam as drogas, mas não tínhamos qualquer tipo de contato com aquilo, parecia algo de outro mundo para nós.
As cervejas eram caras, ou, melhor dizendo, nós que não tínhamos dinheiro para nada. Melhor ter sido assim.
O gostoso das recordações é que, assim como encontramos os amigos pelo caminho, encontramos os pensamentos pelas veredas da memória, sem qualquer ordem cronológica. E pensar agora na adolescência também me trouxe deliciosas lembranças da infância.
É aí que eu me lembro do Lico.
2. Tony e Lico
Lico e eu nos conhecemos no colégio. Naquele tempo, os estudos eram levados a sério, os professores respeitados, e quem tirava notas ruins, era reprovado.
Nossa diretora, a dona Marlene, colocava a molecada no laço. Ela não exigia respeito algum dos alunos, pois não precisava disso para ser temida e obedecida por todos. Era natural obedecê-la. Em sua ausência, o vice-diretor Luiz Antônio não fazia diferente. A escola era rígida, mas a merenda era maravilhosa.
Lembro-me bem do cardápio que até hoje chef nenhum conseguiu repetir. Aquele tempero despertava gula até nas crianças que viviam com as lancheiras abarrotadas.
Segunda-feira era arroz com frango e batatinha, ou arroz com molho de salsicha. Terça-feira, macarronada com carne moída. Quarta-feira, sopa de macarrão. Quinta-feira, arroz carreteiro (esse era o melhor dia de todos para muitos). E sexta-feira, polenta com molho. Pouquíssimas vezes este menu variava.
Foi assim que eu fiz amizade com o Lico. Dividimos uma mesa do refeitório e fizemos campeonato para ver quem comia mais rápido para pegar o fim da fila novamente. Tentativa frustrada, pois em nossa escola, um tal de Luciano era imbatível. Muitas vezes eu entrava na fila do refeitório e o Luciano já estava com seu prato sujo para repetir a refeição. Ele era literalmente um destruidor de merendas.
Recordo-me que eu vestia apenas o uniforme do colégio, que eu usei por muito tempo como uniforme para a vida. Não sabia, ou melhor, nós todos não sabíamos a diferença entre humildade, pobreza, desleixo ou desapego. Era só um uniforme qualquer. Era uma roupa. Aquilo já bastava.
Eu sempre calçava os sapatos que meu pai me dava, que, às vezes, duravam apenas algumas semanas. Outros, nem isso. Eram tênis que imitavam marcas consagradas, mas que não custavam quase nada e rasgavam muito rápido. Eu tentava remendar com cola para usá-los o máximo de tempo possível.
Por esse motivo eu sofria algumas chacotas na escola, que em nenhum momento me deixaram triste ou me fizeram ser uma pessoa traumatizada. Fazer os colegas rirem era o máximo para mim, afinal, não era algo tão maldoso. Eu aprontava também, e zombava dos mesmos que me zoavam, e assim ficava tudo certo!
O Lico tinha uma condição financeira bem ruim, era de família bastante humilde. Mesmo assim, sem nenhum tipo de incentivo, ele era um dos primeiros da turma.
Franzino e despenteado, tinha dias que lembrava mais um trombadinha do que um aluno da Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau Benedito Gebara
. Na escola nos ensinaram a colocar aspas no Benedito, mas hoje ninguém nem mais se importa ou aprende certas regras.
Depois de uma briga boba de crianças, fiquei alguns meses sem encontrar o Lico, até que um dia ele passou com sua mãe na rua de minha casa, onde eu jogava bola com um colega vizinho.
Um rebote fez a bola ir em direção a ele. Nos fitamos até que o Lico puxou assunto:
— Olá, Tony! Há quanto tempo não te vejo, amigo?
— Sim, quanto tempo, Lico!
— Pois é...
— Vem em casa jogar bola qualquer dia, Lico!
O Lico abriu um sorriso e já estava selada a paz entre nós.
É impressionante como as crianças sabem