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Sergipe colonial: Uma Capitania esquecida
Sergipe colonial: Uma Capitania esquecida
Sergipe colonial: Uma Capitania esquecida
E-book287 páginas4 horas

Sergipe colonial: Uma Capitania esquecida

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Sobre este e-book

Capitania ou comarca da Bahia, Sergipe colonial exigiu análise exaustiva da documentação desde finais do século XVI até a independência do Brasil. Naquele território se descobriam conflitos constantes entre as autoridades locais (capitão-mor, ouvidor e câmaras). Transmitiu uma imagem do desrespeito à justiça e também de violência entre os moradores que não era ostensiva mas sub-reptícia e traiçoeira.
Dois tipos de elite foram detectados: uma com base em posse de terra, inclusive com a presença de morgados, e ocupando postos na oficialidade das Ordenanças; outra com capacidade financeira para comprar a propriedade de cargos administrativos quando a precária administração dos primeiros séculos se tornou mais complexa. Nessas duas elites era visível a apetência por honras e mercês da Coroa, sobretudo pela ordem de Cristo e pelo foro de fidalgo da Casa Real.
Do ponto de vista econômico, Sergipe colonial aliou o criatório aos engenhos de açúcar, mas quer as boiadas quer as caixas de açúcar eram enviadas para a Bahia. A relação de subalternidade em relação ao governo geral fez cair no esquecimento uma capitania subalterna que agora é
relembrada em sua especificidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de out. de 2021
ISBN9786586352320
Sergipe colonial: Uma Capitania esquecida

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    Sergipe colonial - Maria Beatriz Nizza da Silva

    titulo

    MARIA BEATRIZ NIZZA DA SILVA

    Sergipe colonial

    Uma capitania esquecida

    São Paulo

    2019

    Sobre a Autora

    Rosto da escritora Maria Beatriz Nizza da Silva

    Maria Beatriz Nizza da Silva

    Formada em História e Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, fez sua carreira acadêmica na Universidade de São Paulo. Especializada em história do Brasil colonial, suas publicações mais recentes são: Ser nobre na colônia (2005); D. João, príncipe e rei do Brasil (2008); História de São Paulo colonial (2009); Bahia, a corte da América (2010); Cultura letrada e cultura oral no Rio de Janeiro dos vice-reis (2013); Pernambuco e a cultura da ilustração (2013); Vida familiar em Pernambuco colonial (2017); Família e herança no Brasil colonial (2017); Donas mineiras no período colonial (2017); Elites pernambucanas no fim do período colonial (2018); Pernambuco político: do constitucionalismo à independência (2018) e Sergipe colonial; uma capitania esquecida (2019).

    Abreviaturas

    AHU – Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa

    ANTT – Arquivo Nacional Torre do Tombo, Lisboa

    BNL – Biblioteca Nacional de Lisboa

    CA – Castro e Almeida

    HSO – Habilitações do Santo Ofício

    BNRJ – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

    ABNRJ – Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

    IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

    RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

    IL – Inquisição de Lisboa

    MCC – Manuscritos da Casa de Cadaval

    SBPH – Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica

    Table of Contents

    Capa

    Folha de rosto

    Sobre a Autora

    Abreviaturas

    Sumário

    Introdução

    1. A conquista e o povoamento do território

    2. Sergipe setecentista

    3. Os capitães-mores do século XVII

    4. Um espaço de violência

    5. A presença da Inquisição: confitentes e denunciados, familiares e comissários

    6. As missões

    7. A Coroa e a população indígena

    8. Jesuítas e franciscanos e a educação

    9. A reclusão feminina

    10. A elite social

    11. A elite administrativa

    12. A escassez de Aulas Régias

    13. Vilas e povoações

    14. Dados demográficos

    15. O clero secular e a criação de freguesias

    16. Os párocos e seus fregueses

    17. A organização militar

    18. Os capitães-mores do século XVIII e início do XIX

    19. Magistrados letrados

    20. Juízes ordinários

    21. O funcionamento da Justiça

    22. A contribuição de Sergipe para os donativos à Coroa

    23. Sergipe no fim do período colonial

    24. Ainda a submissão à Bahia

    25. Os representantes de Sergipe nas Cortes de Lisboa

    26. Sergipe e D. Pedro

    Concluindo

    I. Fontes manuscritas

    II. Fontes impressas

    III. Periódicos

    IV. Bibliografia

    Notas

    Ficha Catalográfica

    SE – Sergipe

    Introdução

    Escrever a história de Sergipe colonial apresenta as mesmas dificuldades em relação à história da Bahia já observadas na história das capitanias anexas a Pernambuco. A relação de subalternidade do ponto de vista econômico e administrativo dificulta não só a escolha da documentação como a apreensão da especificidade daquela região. Daí a escassez da historiografia de Sergipe colonial, apontada por Luiz Mott, quando comparada com a historiografia da província no período imperial. Aliás Varnhagen já reconhecia que Alagoas e Sergipe eram pouco estudadas historicamente. Talvez fosse esse o custo da dependência.

    Maria da Glória Santana de Almeida apontou claramente a relação de subalternidade de Sergipe. As terras entre o Rio Real e o São Francisco foram colonizadas, em finais do século XVI, por levas de baianos e para satisfazer os interesses baianos. Em suas pastagens criava-se gado para alimentar a população de Salvador e servir de força motriz aos engenhos de açúcar do Recôncavo. Mesmo mais tarde a produção açucareira de Sergipe era encaminhada à cidade da Bahia, "tudo sob controle da fiscalização baiana, e até incluída em dados oficiais como produção baiana".1

    A situação de dependência de Alagoas em relação a Pernambuco não impediu, contudo, que a capitania despertasse recentemente o interesse dos historiadores e fosse estudada no volume organizado por Antônio Filipe Pereira Caetano. Na introdução foi claramente expressa a intenção de analisar a constituição e formação do território alagoano antes de 1817, mesmo que ainda atrelado administrativamente à Capitania de Pernambuco. Do mesmo modo Sergipe colonial deve ser objeto de pesquisa intensiva, apesar da subordinação à Bahia.

    Sergipe se tornou capitania autônoma ainda mais tarde do que Alagoas: só em 1820 e por escasso tempo. A autonomia durou pouco devido ao movimento constitucionalista em 1821 e à dependência em relação à política baiana. Na Bahia o forte grupo dos negociantes reinóis e a tropa portuguesa contribuíram para a instalação de uma Junta Governativa em estreita comunicação com as Cortes de Lisboa que estavam preparando a Constituição, e seus membros tudo fizeram para que Sergipe regressasse à antiga sujeição.

    A história de Sergipe colonial apresenta sem dúvida dificuldades documentais pois, se no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa a documentação de Sergipe se encontra separada, isso não significa que não se tenha de recorrer constantemente à documentação baiana para completar o estudo de uma região escassamente urbanizada e com características muito próprias. Por mais que nos custe, a história de Sergipe colonial continua atrelada à história da Bahia, apesar dos historiadores que se dedicaram a ela: Felisberto Freire, Maria Thetis Nunes e Luiz Mott.

    A obra do primeiro, escrita em 1891, teve uma motivação claramente política, mas apresenta a vantagem de publicar, em notas de rodapé, abundante documentação e de anexar as cartas de sesmaria dos séculos XVI e XVII, de grande relevância para o estudo do povoamento do território. Maria Thetis Nunes, pesquisadora incansável, dedicou dois volumes a Sergipe colonial, e abordou em outros estudos dois aspectos da História de Sergipe: a educação e a presença da Inquisição. Quanto a Luiz Mott, descobriu documentos para o estudo de vários temas ainda não pesquisados. Também se dedicou à Inquisição, mas mais recentemente ocupou-se da elite sergipana e da presença de donzelas dessa elite num dos principais conventos da Bahia.

    Quanto à produção acadêmica recente, em 2011 Edna Maria Matos Antônio apresentou na UNESP de Franca uma tese de doutoramento intitulada ‘A independência do solo que habitamos’: poder, autonomia e cultura política na construção do império brasileiro, Sergipe, 1750-1831 e nessa periodização percebemos quanto Sergipe imperial surge ainda como mais atraente do que os primórdios de Sergipe colonial.

    Meu foco foi, em primeiro lugar, ressaltar a dependência em relação à Bahia, quer no povoamento, quer na economia e na administração, e finalmente na política depois de estar em pauta o constitucionalismo monárquico. Procurei deste modo complementar as pesquisas dos historiadores que me precederam. Mas não deixei de atentar nas características da capitania, sobretudo em seu povoamento esparso em fazendas de criatório, o que dificultava a fundação de vilas. Ressaltei a criação das freguesias e a atividade missionária numa região ainda povoada por várias nações indígenas. Chamou a atenção uma magistratura sempre em conflito com os capitães-mores e frequentemente mais preocupada com seus proventos do que com a justiça nas correições. A fama de território violento e sem lei foi ressaltada pelo historiador inglês Southey nos primórdios do século XIX. Constatei a escassa presença de sergipanos na Universidade de Coimbra reformada e lamentei a ausência de uma imprensa local quer para a publicação de periódicos quer para a divulgação de livros. Os autores locais precisaram de recorrer a outros meios para divulgar seus escritos.

    Não tendo condições atualmente de pesquisar nos arquivos sergipanos, minhas fontes encontram-se principalmente no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, embora nesta instituição a documentação da Bahia seja muito mais abundante do que a de Sergipe. Todos os documentos desta capitania estão hoje guardados em apenas 6 caixas, cada caixa com uma numeração sequencial em relação ao conteúdo da primeira. No catálogo dos documentos avulsos de Sergipe constam as duas cotas, a atual e a usada pelos pesquisadores que me antecederam. Estes depararam-se com uma distribuição em 9 caixas, cada qual com sua numeração própria.

    Recorri parcialmente ao Arquivo Nacional Torre do Tombo em Lisboa, sobretudo para as habilitações ao Santo Ofício, as leituras de bacharéis e a concessão de foro de fidalgo e de ordens militares. A pesquisa nesta instituição foi prejudicada por uma digitalização total da documentação, que dificulta a leitura de documentos cuja tinta se encontra quase apagada. Essa digitalização não teria consequências de maior se fosse também permitido ao pesquisador o acesso direto aos manuscritos. Desisti de pesquisar no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro devido às dificuldades encontradas para ali consultar os documentos pertinentes. Quanto ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro sua contribuição foi escassa: apenas umas Notas corográficas não datadas, mas às quais se atribuiu a data de 1817; e a Relação abreviada da cidade de Sergipe d’el-rei, povoações, vilas, freguesias e suas denominações pertencentes à mesma cidade e sua comarca, escrita a 8 de maio de 1817 por José Teixeira da Mata Bacelar.

    Meu gosto pela microhistória adaptou-se perfeitamente a um território culturalmente desvalorizado no período colonial, e por isso mesmo esquecido, sem uma produção literária que fosse além de um ocasional sermão, e também no qual a população branca era escassa ao lado de uma abundância de negros e pardos escravos e forros. A população indígena, outrora abundante, foi sendo dizimada ou domesticada em algumas aldeias. Era preciso conferir a fama de uma população vivendo sem lei e cujas autoridades de nomeação régia (capitães-mores e ouvidores) constantemente querelavam umas com as outras, acusando-se mutuamente de usurpação de sua área de jurisdição. A elite administrativa mereceu aqui uma análise mais ampla do é habitual para se poder compreender como os cargos ou ofícios eram obtidos na sequência de serviços prestados à Coroa ou mediante pagamento à Fazenda Real, podendo em alguns casos sua propriedade tornar-se hereditária. A elite local concentrava-se nas câmaras, apresentando suas reclamações à Coroa quando surgiam conflitos com ouvidores ou capitães-mores, e também ocupava postos na oficialidade sobretudo nas Ordenanças e nos Regimentos de Cavalaria Auxiliar. O clero secular das igrejas matrizes mereceu especial atenção porque o número de freguesias era superior ao das vilas da comarca e porque frequentemente mantinha relações conflituosas com seus paroquianos.

    Na escrita historiográfica a interpretação dos documentos depende muito da interpretação semântica, não só porque muitos termos usados deixaram de o ser, mas também porque seu significado mudou e seu campo semântico também. Quando não se presta atenção às dificuldades linguísticas, é muito possível errar e interpretar documentos fora de seu contexto. Daí o número elevado de minhas citações e por vezes de explicações acerca dos termos usados Por outro lado, é preciso conhecer profundamente a estrutura administrativa na sociedade colonial e suas mudanças através da legislação, estudos que ultimamente têm vindo a ser desenvolvidos em maior profundidade.

    Devo esclarecer que, muito embora o domínio da História da Família seja aquele que mais me tem ocupado ultimamente, a documentação de Sergipe no Arquivo Histórico Ultramarino não possibilitou mais do que um ou outro apontamento sobre filhos ilegítimos. Aliás, Luís Mott, ao pretender fazer o estudo do casamento em Sergipe colonial, só encontrou no Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, na documentação sobre dispensas matrimoniais, 4 processos nas seguintes datas: 1807, 1809, 1815 e 1816.2 O que é muito pouco para se saber alguma coisa sobre os antecedentes familiares dos futuros esposos. Creio ser só possível estudar a vida familiar sergipana com a ajuda dos arquivos locais, civis ou eclesiásticos.

    Não deixarei, contudo, de mencionar nesta introdução o único documento relevante para a História da Família em Sergipe. Maria de Ávila, viúva do capitão Jorge Martins de Oliveira, ficou como tutora de suas duas filhas e recorreu à Coroa pedindo justiça. O caso era o seguinte. O marido comprara uma sorte de terras nas margens do Rio Real, no sertão do dito rio para a parte do Norte, e depois de sua morte passou essa propriedade para as filhas menores, ficando a mãe como administradora por serem moças donzelas de uma das famílias principais do Estado do Brasil, podendo portanto a mãe ser tutora sem necessidade de recorrer a um membro masculino da família. Mas um capitão fizera uma compra dolosa e simulada daquela propriedade a um indivíduo que na região nada possuía, usurpando deste modo o que era das jovens. Tratava-se de um homem malévolo e de má consciência conhecido por tal, e começou levantando casas de palha e cercas, vendo que, por serem mulheres, lho não poderiam impedir. Mas elas, por não deixarem perder o que é seu, dentro do tempo que permite a lei, se desforçaram, mandando por escravos seus derribar as tais casas de palha e cercas. Para evitar um processo em Juízo, o capitão dissimuladamente chamou a sua casa o ouvidor para que este tirasse uma devassa contra a mãe e as filhas. De acordo com Maria de Ávila, o capitão e o ouvidor tinham um comportamento suspeito: o magistrado chamava-lhe pai, e o capitão dava-lhe o nome de filho. Nessa devassa as donas não foram ouvidas e, o que também era grave, o ouvidor mandou pôr em pregão na casa do capitão, e não num local público, uma fazenda de gado que lhes pertencia para com os 193$300 réis da venda pagar o que dizia ser o custo da devassa. Ora, infalivelmente à sua revelia lhes seria rematada a sua fazenda sem serem ouvidas. Mas um capitão maior, ou seja, com patente superior, arrematou a fazenda para elas. Dada a opressão de que tinham sido vítimas por serem mulheres, pediam justiça: revisão da devassa tirada pelo ouvidor, e também que lhes fosse restituída a quantia paga, repondo o ouvidor o que tinha embolsado, e finalmente que fossem conservadas na sua posse antiga.3

    Este único documento para a história da família em Sergipe revela a dificuldade de sobrevivência feminina, numa sociedade caracterizada pela violência, quando não havia um elemento masculino que defendesse o patrimônio familiar. Talvez a falta de documentação para o estudo da família em Sergipe colonial esteja relacionada com o papel inferior que era atribuído às mulheres, mesmo às de condição nobre. Em nenhuma outra capitania ocorreu tal carência documental nos estudos por mim publicados.

    1

    A conquista e o povoamento do território

    Durante a maior parte do século XVI Sergipe permaneceu território despovoado. Gabriel Soares de Sousa relatou ter o rei D. Sebastião ordenado a Luís de Brito, governador geral, que mandasse povoar o Rio Real. Este por sua vez encarregara Garcia de Ávila, um dos principais moradores da Bahia, de assentar ali uma povoação, onde lhe parecesse melhor, com homens das ilhas e da terra. Essa povoação ficou localizada a 3 léguas rio acima. O governador a ela se dirigiu quando foi em pessoa dar guerra ao gentio daquela parte, mas não gostou de sua situação por se encontrar longe do mar e não ter uma terra boa que produzisse alimentos. Brito conseguiu aniquilar os chefes indígenas sem lhe custar a vida mais que a dois escravos, e os índios que escaparam com vida ficaram cativos. Em consequência desta guerra, se despovoou esse princípio de povoação sem se tornar mais a bulir nisso. 4

    Segundo o mesmo cronista a terra ao longo do mar não servia senão para criação de gado, mas 2 léguas para o interior tornava-se sofrível para mantimentos. Depois do Rio Itapicuru encontrava-se uma enseada cujo nome era Tatuapara. Aqui tinha Garcia de Ávila uma povoação com grandes edifícios de casas de sua vivenda e uma igreja de Nossa Senhora mui ornada. Toda a sua riqueza consistia em criações de vacas e éguas, calculando-se uns dez currais.5

    Fr. Vicente do Salvador apresentou, no capítulo XIX da História do Brasil, sua versão do governo de Luís de Brito e da ida ao Rio Real para dali lançar os gentios inimigos e povoá-lo como el-rei lhe tinha mandado. Como havia gentio contrário, foi o governador em pessoa com muitos moradores da Bahia, tendo alcançado uma vitória sobre o chefe indígena de nome Sorobi, queimando-lhe as aldeias, matando e cativando a muitos. Também refere o fato de Brito ter encarregado Garcia de Ávila de povoar a região. Este iniciara tal tarefa, mas nunca se acabou de povoar senão de currais de gado.

    Quando a metrópole tardou em nomear o novo governador geral, assumiram em 1588 o governo interino na Bahia o bispo D. Antônio Barreiros, o provedor-mor Cristóvão de Barros e o ouvidor Martim Leitão. De acordo com Coisas notáveis do Brasil, governaram pouco mais de 4 anos. A este governo se deveu a fundação da Capitania de Sergipe d’el-rei, depois da luta contra os indígenas, aprovada pela Corte de Lisboa que considerou justa aquela guerra, o que permitia escravizar os índios que resistissem. Em fins de 1589 foi reunida uma força considerável e bem armada, conforme se pode ler no Livro que dá razão do Estado do Brasil: 6 peças de artilharia de bronze, falcões de dado de 6 e 7 quintais, e uma peça de colher de bronze de 15 quintais, que joga 4 livras. Esta foi a artilharia que levou Cristóvão de Barros quando partiu à conquista daquele território.

    Segundo fr. Vicente, no capítulo XX intitulado Da guerra que Cristóvão de Barros foi dar ao gentio de Sergipe, este conseguiu levar consigo à guerra muitos homens desta terra e alguns de Pernambuco, e o frade confirma ter sido esta luta aprovada pelo rei por se tratar de uma guerra justa, permitindo deste modo escravizar índios. Determinando Cristóvão de Barros ir ao longo do mar, mandou primeiro pelo sertão dois guerreiros com 150 homens brancos e mamelucos e 1.000 índios, e estes conseguiram atrair 3.000 frecheiros. Finda a guerra, este chefe militar armou cavaleiros, por provisões d’el-rei que para isso tinha, e distribuiu os cativos e as terras, ficando ele com um bom quinhão: fez ali uma grande fazenda de currais de gado. Outros companheiros procederam do mesmo modo, e foram tantos os currais que mandavam bois para os engenhos da Bahia e de Pernambuco, além de fornecerem carne para os açougues.

    Quer no manuscrito de Madrid das Coisas notáveis do Brasil, datado de 1590, quer no de Coimbra, de 1591, não se encontram quaisquer referências à conquista do território de Sergipe, nem à presença de brancos na região. Apenas no segundo documento se fala da gente de Serigipe, que eram mais de 20 mil almas e tinham já mandado dois recados aos nossos padres que os fossem buscar para nossas aldeias, que doutra maneira não haviam de vir. Na sequência deste pedido indígena, os jesuítas da Bahia solicitaram licença ao governador, e os índios de Sergipe se dirigiram para as missões jesuíticas com muito gosto dos moradores e pobres pois todos se servem deles.6

    A vantagem da conquista deste território segundo fr. Vicente foi, por um lado, expulsar os franceses que ali vinham buscar pau brasil, e por outro abrir um caminho das capitanias do nordeste para a Bahia, pois dantes ninguém caminhava por terra que o não matassem e comessem os gentios. Alcançada a vitória retornou Cristóvão de Barros para a Bahia, deixando Rodrigo Martins em Sergipe para acabar de recolher os gentios que da guerra haviam fugido, dos quais se haviam passado muitos para a outra parte do Rio São Francisco, que é da capitania de Pernambuco. 7 Este Rodrigo Martins era mameluco, senhor de um engenho de água mui bem acabado, segundo Gabriel Soares de Sousa. Mais tarde, a 24 de dezembro de 1607, o rei agraciou-o (bem como ao irmão Álvaro Rodrigues) com o título de cavaleiro fidalgo da Casa Real, com 20$200 réis de moradia, e concedeu-lhe também o direito de usar brasão de armas de nobreza, além do hábito de Avis com 20$000 de tença.

    Terminada a fase de conquista teve início o povoamento. Junto à foz do Rio de Sergipe foi construído um forte e em sua proximidade surgiu um arraial a que foi dado o nome de cidade de São Cristóvão. E começou a distribuição de sesmarias. Segundo Varnhagen, Cristóvão de Barros concedeu uma a seu filho Antônio Cardoso de Barros, e outras foram distribuídas a João Dias, a Manuel da Fonseca, a João Filipe, a Diogo Lopes de Ulhoa e ao alcaide-mor da Bahia Duarte Moniz Barreto, que o tinham auxiliado a ganhar a terra ao gentio e aos franceses.8 Mas o historiador só citou as sesmarias concedidas aos personagens mais importantes, sem referir as terras distribuídas aqueles que queriam povoar o novo território. Capistrano de Abreu mencionou de maneira pouco elogiosa a distribuíção de terras: A conquista de Sergipe, na última década do século XVI, franqueou um amplo espaço, logo distribuído em sesmarias, distribuídas sem o mínimo escrúpulo, sem um ligeiro vislumbre. sequer de inteligência, desde que Sergipe teve capitão-mor próprio e desabusado.9 Evidentemente ele ainda não conhecia o valioso anexo de documentação sobre a concessão de sesmarias publicado por Felisberto Freire em 1891.

    A distribuição de terras prolongou-se pelo final do século

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