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Capitania da Paraíba: O Problema da Subalternidade
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Capitania da Paraíba: O Problema da Subalternidade
E-book548 páginas5 horas

Capitania da Paraíba: O Problema da Subalternidade

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Sobre este e-book

A história colonial da Paraíba revela que a proximidade de Pernambuco, capitania mais comercial e desenvolvida, não prejudicou sua autonomia graças à vasta extensão territorial da comarca paraibana. Só no governo pombalino a Paraíba foi declarada subalterna a Pernambuco, subalternidade que terminou em finais do século XVIII."
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de jun. de 2022
ISBN9786586352481
Capitania da Paraíba: O Problema da Subalternidade

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    Capitania da Paraíba - Maria Beatriz Nizza da Silva

    1

    A conquista da Paraíba: lutas com índios e franceses

    Este capítulo assenta principalmente em documentos já publicados, como por exemplo a Notícia do Brasil , de Gabriel Soares de Sousa, a História do Brasil de fr. Vicente do Salvador ou o Sumário das armadas. A presença de franceses na costa nordestina foi constatada logo nas primeiras décadas do século XVI. Na autobiografia de Martim Afonso de Sousa, escrita em 1557, lemos que em 1529 D. João III, por ter novas que no Brasil havia muitos franceses, o mandara lá com uma armada. Nessa época existia apenas uma feitoria em Pernambuco e os portugueses tomaram 4 naus francesas. Na luta contra os intrusos, e também no descobrimento de alguns rios como o rei ordenara, permanecera Martim Afonso no Brasil perto de 3 anos, passando muitos trabalhos e muitas fomes e muitas tormentas. O rei então ordenara seu regresso a Lisboa, onde chegou em agosto de 1533. 1 No diário da navegação escrito por seu irmão Pero Lopes de Sousa surge apenas uma referência ao litoral pernambucano: E o capitão irmão foi ao rio de Pernambuco e mandou levar todos os doentes a uma casa de feitoria que aí estava. É pouco provável que se acercasse do rio Paraíba, embora Martim Afonso tivesse enviado duas caravelas para que fossem descobrir o rio de Maranhão, sem que haja notícia do resultado desse envio, nem de como o nome desse rio fora então atribuído. 2

    Segundo Varnhagen, o território que veio a formar a Capitania da Paraiba, incluindo a ilha de Itamaracá, foi dividido entre Pero Lopes e a parceria de João de Barros e Aires da Cunha.3 Para Itamaracá Pero Lopes enviou João Gonçalves como seu loco-tenente e este ali fundou uma vila que denominou da Conceição. Numa nota de Rodolfo Garcia lemos que este João Gonçalves recebeu, em 1538, a mercê dos ofícios de feitor e almoxarife da feitoria e almoxarifado da capitania dos Bitiguares que Pero Lopes tem no Brasil, numa alusão aos índios Potiguares da região.4

    A partir de 1572 houve dois governadores gerais para o Brasil, um para o Estado do Norte e outro para o Estado do Sul, ficando a Capitania de Porto Seguro já pertencente a este último. Para o governo do Norte foi nomeado Luís de Brito de Almeida, que tentou avançar para além de Itamaracá. Diogo Dias aventurou-se a ir estabelecer um engenho em Tracunhaem, na fronteira norte de Itamaracá, mas segundo Varnhagen veio o gentio da Paraiba e deu cabo de tudo.

    Gabriel Soares de Sousa não deixou de mencionar os índios, dedicando o capítulo XIII de sua descrição à vida e costumes dos Potiguares: este gentio senhoreia esta costa do rio Grande até ao da Paraíba, e tinha feito muito mal à gente dos navios que se perderam pela costa da Paraíba até o rio do Maranhão. Tratava-se de um gentio muito belicoso, guerreiro e atrevido e amigo dos franceses. Fr. Vicente do Salvador refere igualmente a guerra dos Potiguares em 1574, no governo de Luís de Brito de Almeida, e dela se seguiram tantas que duraram 25 anos.5

    Luís de Brito de Almeida mandou fazer alardo, ou seja reunião da gente de guerra, em Pernambuco para pelas armas pôr cobro a essas ameaças do gentio ocupando o rio Paraíba. A primeira tentativa por terra fracassou. Reuniu em seguida na Bahia uma frota de 12 navios, embarcando em setembro de 1575, mas as embarcações dispersaram-se sem qualquer resultado.6

    Foi em seguida resolvido, a 12 de abril de 1577, reunir os dois Estados (Norte e Sul) num só, sendo nomeado Lourenço da Veiga governador geral de todas as capitanias do Brasil (1583-1587). No início de seu governo chegou a dar ordens ao ouvidor geral e ao provedor-mor para cuidarem dos meios de se efetuar uma nova expedição à Paraíba. Apresentou-se para tal empresa Frutuoso Barbosa, rico proprietário de Pernambuco, que se comprometeu a colonizar a região à sua custa, impondo como condição ser capitão-mor por 10 anos e cobrar todas as rendas, com o que a Coroa concordou em 25 de janeiro de 1579. Preparou Frutuoso Barbosa quatro navios com famílias para o povoamento, com soldados para a defesa e com clérigos e religiosos para as funções da religião, mas diante do Recife uma tormenta dispersou as embarcações e ele regressou a Portugal. O governador geral Lourenço da Veiga faleceu na Bahia em 4 de junho de 1581.

    Frutuoso Barbosa voltou a Pernambuco e dali partiu por mar para a Paraíba, enquanto Simão Rodrigues Cardoso, com 200 homens de pé e de cavalo e muito gentio, foi por terra. Encontravam-se na região naus francesas que foram queimadas e na luta travada morreu Manuel de Azevedo, proprietário da ilha então chamada da Conceição na boca do rio Paraíba. Já preparavam um ataque ao arraial onde se encontrava Barbosa, do lado norte do rio, defronte do Cabedelo, quando ele resolveu retirar-se e, segundo Varnhagen, a arrogância dos índios cresceu, sendo destruídos 3 engenhos que moíam.7

    O barão do Rio Branco resumiu do seguinte modo a presença francesa na Paraíba. Em 1580 a união das duas Coroas com Filipe II de Portugal provocou os ataques ao Brasil pelos inimigos da Espanha. Na costa da Paraíba as hostilidades entre franceses e portugueses se prolongaram até 1607. Foram queimados 11 navios franceses em 1579 e 5 em 1581. Em 1584, o almirante espanhol Diego Flores Valdez e os portugueses de Pernambuco apropriaram-se de um fortim que os franceses tinham construido perto do rio com a ajuda dos índios e destruíram-lhes 7 navios. Um forte foi ali construido, sendo abandonado no ano seguinte. Um outro forte, na entrada do rio, foi edificado em 1586 e recebeu o nome de Cabedelo e este resistiu em 1596 a um ataque dos franceses que tinham desembarcado em 13 navios.8

    É necessário, contudo, examinar com mais pormenor o que se passou na região. Segundo Gabriel Soares de Sousa, os moradores de Pernambuco e de Itamaracá pediram ao governador geral do Estado do Brasil Manuel Teles Barreto (1583-1587) socorro contra o gentio potiguar que os ia destruindo com a ajuda dos franceses. Estes mantinham no rio Paraíba quatro navios para carregar pau brasil. Como na Bahia se encontrava Diego Flores Valdez, recém-chegado do estreito de Magalhães com 6 naus, e também Diogo Vaz da Veiga com 2 naus do transporte do governador geral, esta armada foi enviada para Pernambuco, incluindo na expedição o ouvidor geral Martim Leitão e o provedor-mor Martim Carvalho. O grupo dividiu-se em uma parte terrestre e outra marítima, seguindo Valdez nesta última. Quando os franceses viram a armada, puseram fogo às suas naus e tentaram com o gentio impedir o desembarque, o que não conseguiram. A expedição por terra da gente de Pernambuco e de Itamaracá incorporou muitos escravos. Valdez ali deixou mais de uma centena de homens com um capitão chamado Francisco Castrejon, que se desentendeu com Frutuoso Barbosa, não o reconhecendo como governador. Barbosa ali o deixou em um forte de terra e faxina que tinham construido e regressou a Pernambuco. E sendo ausente Frutuoso Barbosa, veio o gentio por algumas vezes afrontar este forte e pô-lo em cerco, o qual sofreu mal o capitão Francisco Castrejon e, apertado de trabalhos, desamparou este forte e o largou aos contrários passando por terra à Capitania de Itamaracá.

    Tendo notícia os moradores de Pernambuco do sucedido, reuniram-se e voltaram ao rio Paraíba com Frutuoso Barbosa e tomaram outra vez posse do forte, que o rei socorreu com gente, munições e mantimentos. Termina Gabriel Soares de Sousa seu relato apontando ser muito necessário fortificar-se aquele rio, por um lado para tirar esta ladroeira dos franceses, e por outro para se povoar, pois é a terra capaz para isso, onde se podem fazer muitos engenhos de açúcar.9

    E tudo ficou como estava antes: no rio Paraíba não havia uma só habitação. O ouvidor geral Martim Leitão decidiu ir com muita gente povoar a terra e, com o mestre das obras d’el-rei Manuel Fernandes, escolheu novo local para o forte em 4 de novembro de 1585. O oficial alemão Cristóvão Linz ficou dirigindo a obra com os trabalhadores, enquanto os militares, em suas expedições, chegaram muito além da baía da Traição, destruíram três ferrarias, venceram os índios antagônicos e trouxeram mantimentos. Numa dessas expedições, em dezembro de 1586, os portugueses atacaram os índios na serra da Copaoba, situada a cinco jornadas para o sertão.

    O texto mais informativo sobre a conquista da Paraíba é o Sumário das armadas, cujo título completo é Sumário das armadas que se fizeram, e guerras que se deram na conquista do rio Paraíba, escrito e feito por mandado do muito reverendo padre em Cristo, o padre Cristóvão de Gouveia, visitador da Companhia de Jesus, de toda a Província do Brasil, texto que foi publicado em Campina Grande, em 1983, com o título História da conquista da Paraíba.

    Trata-se do relato das guerras e das armadas contra o gentio potiguar, senhor de mais de 400 léguas por costa deste rio Paraíba até o do Maranhão. As lutas tinham começado no tempo de Luís de Brito de Almeida, governador geral do Estado (1572-1577), e terminado no tempo do licenciado Martim Leitão, ouvidor geral. Também se afirma neste documento que fora por mandado do rei Filipe que a região fora conquistada e povoada.

    O rio Paraíba nas cartas de marear aparecia como rio São Domingos. Seu fundo era de areia, muito limpo e sem nenhuma pedra, e por essa razão era muito maior porto, e capaz de maiores embarcações que o de Pernambuco e Tamaracá. Terminava na ponta do Cabedelo. Pelo rio acima tinha uma ilha formosa, de arvoredo, diante da qual se encontrava o surgidouro ou porto das naus, capaz de grande quantidade delas, e abrigado de todos os ventos. Da parte do sul fazia o rio um formoso canal, pelo qual acima 2 léguas podem ir navios de cem tonéis, e outras 3 mais acima grandes caravelões. Referiu o autor o forte construido por ordem do general Diego Flores Valdez.

    E salientou também as possibilidades produtivas da região. Uma extensa várzea, toda retalhada de esteiros e rios caudais de água doce, poderia abrigar mais de 40 engenhos de açúcar por toda a terra ser singular para cana. Os rios subsidiários eram muitos e proveitosos por abundarem de muitos pescados e mariscos, com outras muitas terras para canas, mantimentos, pastos e lenhas, que só a dos mangues as dá infinitas. O autor mencionou a várzea porque esta é somente a boa terra do Brasil, que os outeiros ou altos não dão cana, ao menos nestas capitanias do Norte. Além do rio Paraíba, menciona outro a que davam o nome de Manguape, que entrava no mar na baía da Traição. Este também possuía muitas e boas várzeas até Copaoba. No Paraíba se encontrava o melhor pau brasil, e ele seria mais facilmente retirado por lá do que por Pernambuco, onde o carreto dele fica muito longe e muito custoso e dificultoso.

    Quanto aos índios ressalta os Pitiguares, o maior e mais guerreiro gentio do Brasil que ocupa do Paraíba ao Maranhão 600 léguas. Tinham sido eles a ajudar a ladroeira e colheita de pau brasil, carregado todos os anos por 20 a 30 naus francesas. Além de ser o paraibano o melhor, o pau brasil revestia-se de mais importância que o pastel para todas as tintas por se darem com ele quase todas, e um só pau dá 5. A experiência tinha mostrado que para a Europa bastavam anualmente 30 mil quintais, lembrando que nas outras capitanias o pau brasil não dava mais que duas tintas e por respeito deste pau trataram e procuraram tanto os franceses permanecer na terra.

    Feita esta introdução passou o autor a descrever as armadas enviadas para a conquista da região e as guerras nela travadas. O rei D. Sebastião, receoso de que os franceses se fortificassem no rio Paraíba, tinha ordenado ao governador geral Luís de Brito de Almeida que fosse examiná-lo e elegesse sítio para a povoação. Como este não pudera ir, e o ouvidor geral Fernão da Silva se dirigia a Pernambuco, o governador encarregou o autor do Sumário dessa tarefa. Este, com todo o poder de gente de pé e de cavalo da dita capitania, e muitos índios, que ainda então havia, foi no ano de 74 vê-lo, e castigar os índios Petiguares que naqueles dias haviam assolado um engenho, que um Diogo Dias, lavrador muito rico, começava com grande fábrica no rio Rucunhaem, dez léguas do Paraíba, e como ia tão poderoso correu-os.

    Regressando o ouvidor geral Fernão da Silva à Bahia e informado Brito de Almeida da importância da questão, conformando-se com a ordem que tinha d’el-rei, se resolveu e determinou de ir em pessoa conquistar e povoar o Paraíba. Para esse efeito reuniu na cidade da Bahia uma armada de 12 velas com toda a gente que pôde juntar, levando toda a nobreza da cidade, oficiais da Justiça e Fazenda, com todos os petrechos e mantimentos necessários. Partiu no mês de setembro de 1575, mas com tempos contrários viu-se obrigado a arribar à Bahia, todos os homens com suas matalotagens gastadas, e gastado muito cabedal, que da fazenda d’el-rei nosso senhor se meteu na armada, que se afirma que foi de muitos mil cruzados.

    Depois, em 1578, se fez nova tentativa, sem nenhum sucesso. Quando governava o cardeal D. Henrique, Frutuoso Barbosa, que já havia ido algumas vezes ao Paraíba carregar pau brasil no tempo das pazes que os Petiguares lhe fizeram, foi encarregado pelo rei da conquista e povoamento do Paraíba, por contrato que fez em sua fazenda dando-lhe para isso as provisões necessárias, naus e mantimentos, e em conquistando o Paraíba a capitania dele por dez anos.

    Frutuoso Barbosa, em um formoso galeão e uma zavra, e outros dois navios, com muita gente portuguesa, assim soldados como povoadores casados, e também um vigário recebendo de ordenado 400 cruzados, e religiosos de São Francisco e São Bento, chegou a Pernambuco. Mas ali, vendo-se infunado e cheio de senhoria, esqueceu-se de sua obrigação e regressou ao Reino. Teve contudo de voltar à região em 1582 por ordem do rei para novamente tentar a empresa.

    Chegando com a armada à barra do Paraíba, alcançou uma primeira vitória por se encontrar no sertão a maior parte da gente das naus francesas e dos índios seus aliados. Descuidados depois deste sucesso, caíram numa cilada armada pelos índios que, dando neles, os iam matando até à praia, onde eles se iam recolhendo nos batéis e foi coisa lastimosa ver matar mais de 40 homens portugueses (...) e alguns espanhóis nobres. Frutuoso Barbosa, receoso, partiu com toda a armada e mais uma vez não se obteve nenhum sucesso.

    No princípio de junho de 1583 chegou à cidade da Bahia com 8 naus Diego Flores de Valdez, a quem pretendiam encarregar a conquista e povoação do Paraíba. Logo se assentou, em casa do governador geral Manuel Teles Barreto (1583-1587), que fosse o general Valdez, e em sua companhia o licenciado Martim Leitão, com todos os poderes para aquele efeito. Partiram de Salvador em 1º de março de 1584. Em Pernambuco se reuniu a câmara para organizar a jornada e reunir gente, quer de Itamaracá quer da vila de Igaraçu. Perto do rio Paraíba tiveram um encontro com os Potiguares.

    Como o objetivo principal era o povoamento, assentaram fazer-se um forte para que, à sua sombra, se povoasse a terra. Recebeu o nome de São Filipe e São Tiago. Decidiu-se também a gente que ali ficaria com o alcaide Francisco Castrejon: 110 soldados espanhóis, todos arcabuzeiros, e mais 50 portugueses, mamelucos e outra gente miúda. O forte estava terminado no fim de maio, ficando-lhe de presídio e guarnição perto de 170 homens, e alguns de cavalo. O arraial foi montado a três léguas do forte, mas os soldados regressaram a Pernambuco, no mês de junho, de todo desbaratados. No forte as coisas também não corriam bem e seus ocupantes, apertados da guerra e fome, até cavalos comiam.

    Os franceses não desistiam do pau brasil, entrando com duas naus no rio Paraíba em novembro de 1584, mas vendo o forte e uma grande nau portuguesa com dois patachos que Valdez deixara, foram ancorar três léguas abaixo da boca da baía da Traição. Viram que nem naquela baía haviam de colher o pau brasil, e também os Petigures se desenganaram de poderem ter comércio com os franceses lançados do Paraíba.

    No fim de janeiro de 1585, relatou o alcaide do forte a presença maciça do gentio que se defendia da artilharia com três grandes cercas de palmeiras grossas, e todas as noites ia avançando e ganhando terreno. Sem se poderem valer da artilharia, os soldados também nada podiam fazer numa luta direta, por no forte haver muitas doenças, por respeito do ruim sítio, água e fomes, com o que muita gente, principalmente espanhóis, tinha morrido.

    Foi então requerido ao ouvidor geral Martim Leitão que fosse em socorro do forte e ele passou a requisitar gente para a jornada, a quem deu sempre à sua custa de comer, e todo o mais necessário, e proveu de armas, por não acreditar nas promessas do provedor da Fazenda Martim Carvalho. Em 1º de março tinham sido reunidos cerca de 500 homens brancos que se puseram a caminho no meio do mato. Caminhavam uns atrás dos outros, e com a gente ser tanta, que tomava mais de meia légua de comprido, em um momento se sabia em todo o exército tudo o que em alguma parte dele sucedia.

    O ouvidor geral Martim Leitão foi a figura mais relevante neste período, tendo mesmo recebido cartas do rei que se mostrou satisfeito por sua ação no povoamento do Paraíba. A povoação recebeu dos moradores o nome de cidade de Nossa Senhora das Neves. Partiu em seguida do Paraíba para Copaoba onde estavam localizadas 50 aldeias de Potiguares todas umas pegadas nas outras, ficando estas destruídas. Em 1587 foi o ouvidor geral ao rio Tiberi, 2 léguas acima da cidade, fazer um forte para o engenho de açúcar d’el-rei que ele lá tinha começado. Esse forte foi chamado de São Sebastião. Aliás o rei já recebia anualmente do Paraíba 40 mil cruzados só do contrato do pau brasil.

    Na época da elaboração deste minucioso Sumário das Armadas, a região tinha 50 moradores portugueses casados, e outros tantos solteiros, postos todos lá à custa de Martim Leitão, como o também foram os fortes que fez, porque em tudo isto se não gastou um real da Fazenda de Sua Majestade. Martim Leitão deixara a capitania da Paraíba conquistada, com fortaleza e guarnição, e povoada também de numerosos índios que para ela desceram e que o ouvidor soubera conservar, com o que fica com mais gentio, e assim mais segura que todas as capitanias do Brasil. Aquele gentio era muito doméstico aos brancos e os ajudava em tudo, fazendo-lhes suas casas e mantimentos, e finalmente servindo-os como cativos. Finaliza o autor seu relato exprimindo sua admiração pelo licenciado Martim Leitão, admiração essa partilhada por frei Vicente do Salvador em sua História do Brasil (1500-1627).

    Varnhagen, que também elogiou o ouvidor geral, forneceu mais alguns pormenores. Com a ajuda de Manuel Fernandes, o mestre das obras do rei, em 4 de novembro de 1585 escolhera o local para o novo forte, sendo previstas duas guaritas ou baluartes e sobre a porta se levantou uma torre para o capitão e também se construiu uma casa com armazém para o almoxarife. O oficial alemão Cristóvão Linz ficou dirigindo a obra, acompanhando a construção de outro forte e de um engenho no Tiberi.10

    Segundo este historiador, a Paraíba, depois de pacificada, foi entregue ao seu capitão-mor de direito Frutuoso Barbosa (1588-1591), mas os índios, sempre auxiliados pelos franceses, ameaçaram de novo tomar conta da capitania. Com o parecer favorável do ouvidor geral Antônio Coelho de Aguiar, resolveu Barbosa em 1591 transferir-se para junto do Inhobi, levando para o forte que aí construiu soldados do Cabedelo. Para este se dirigiram então os índios que o arrasaram, assim como todas as obras que na ilha da Restinga, então chamada da Conceição, tinha feito um Manuel de Azevedo que a recebera em sesmaria. Feliciano Coelho de Carvalho, então capitão-mor, salvou a capitania em 1592, mas em 1593 viu-se obrigado a expulsar os jesuítas.11

    Essa expulsão teria ocorrido na sequência dos capítulos, ou seja, das informações que Gabriel Soares de Sousa apresentou em Madrid contra os padres da Companhia de Jesus. Eles eram beneficiados por governadores, bispos e mais autoridades, que lhes davam para sua mantença todos os mantimentos e também ajuda para outras despesas, fazendo-lhes suas obras e recolhimentos. O rei também os ia favorecendo com suas esmolas e outros favores até que chegaram a ter os três colégios da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, recebendo 8 mil cruzados por ano e muitas terras de sesmarias, concedidas pelos governadores. E também alguns moradores lhes doaram suas fazendas. Só pensavam os padres em seu proveito: demarcar terras, fazer casas de prazer para sua recreação, haver provisões d’el-rei com grandes isenções, e jurisdição nas aldeias dos índios forros. Eles próprios demarcavam suas terras como queriam, com a qual demarcação entraram por muitas herdades alheias e lançaram fora delas os que as possuíam, sem serem ouvidos em juízo de sua justiça, tendo os possuidores títulos das mesmas terras. Os padres diziam que não tinham outro juiz senão em Roma, ou seja, o papa.

    Quando o governador Luís de Brito criticara o procedimento destes religiosos, queixaram-se dele ao rei. Ora os padres não precisavam dos 4.500 cruzados anuais concedidos pela Coroa pois tinham propriedades e currais que lhes garantiam 500 ou 1.000 cruzados em dinheiro, e muitos escravos da Guiné. Além disso o gentio das aldeias por eles governadas caçava para os padres. Do Reino eles precisavam apenas de roupa, vinho, azeite, cera para os altares e farinha para as hóstias, pagos com courama e açúcar.

    Tinham os jesuítas insistido com o rei D. Sebastião para criar um colégio em Pernambuco, quando eles já tinham ali um convento que podia abrigar 30 religiosos. Para essa fundação pediam apenas 1.000 cruzados, mas como na terra não circulava dinheiro, pretendiam receber aquela quantia em açúcar, apresentando para este um valor superior ao que na realidade tinha. O colégio de Pernambuco era desnecessário, bastando ao Estado do Brasil o da Bahia, que aliás era pouco concorrido pois não acabaram o curso das Artes mais que 6 ou 7 pessoas, e alguns destes se receberam na Companhia. Quanto à Teologia, tinha apenas 4 estudantes de fora e só um terminara os estudos.

    Além disso os padres dispunham de residências em várias capitanias, inclusive na Paraíba, as quais casas estão muito abastadas e providas do necessário com a grangearia dos índios forros e também com as esmolas dos moradores. Nessas capitanias, contudo, os colonos pediam em vez dos jesuítas padres franciscanos e beneditinos, que já começavam a fundar seus conventos.

    Segundo Gabriel Soares de Sousa, os primeiros padres da Companhia tinham batizado os índios aos milhares mas estes, se facilmente se faziam cristãos, com a mesma facilidade se tornavam a suas gentilidades e voltavam para o sertão. Deste modo, em 1592, das 50 aldeias de índios cristãos, não existiam mais que 3. A ideia do autor dos capítulos contra os jesuítas era que os índios cultivasssem suas roças ou trabalhassem nas fazendas dos portugueses mediante uma soldada e que os padres não entendessem com os índios mais que os ensinar a doutrina cristã.

    Eram só os jesuítas que tiravam proveito dos índios em atividades variadas: empregavam-nos a pescar e a caçar, serviam-se deles como marinheiros de seus barcos, e como guardadores de seus currais, utilizavam-nos em suas olarias fazendo telha, ladrilho e louça, e ainda procurando âmbar nas praias o que lhes dava bom lucro.12

    Nesse mesmo ano de 1592, o governador geral do Estado do Brasil, D. Francisco de Sousa, tomou algumas medidas em Salvador a respeito dos índios da Paraíba. Durante um ano eles receberiam mensalmente 20 mil réis por mês para comprarem com eles algumas cousas necessárias para seu sustentamento e para os ter contentes enquanto não chegava o capitão-mor provido pelo rei. Esse pagamento seria feito pelo almoxarife da Capitania de Pernambuco por mandado do provedor da Fazenda Real daquela capitania e depois de serem passadas certidões dos padres acerca do modo como se dispendia o dinheiro com os índios daquelas fronteiras. Mas o capitão-mor Feliciano Coelho de Carvalho julgou ser mais conveniente serem as justificações daquelas despesas passadas por ele e não pelos padres. E ele assim o fez. Gastara com os índios de paz aquela quantia mensal desde o 1º de janeiro até o último dia de junho de 1592, ou seja durante 7 meses. Naquele ano de 1592 os pagamentos destinados aos índios somavam 140 mil réis. Nesta data os padres em questão eram beneditinos e aquela quantia destinava-se à doutrina e cristandade do gentio das aldeias da capitania. Como os beneditinos eram 4, foi decidido em 1600 que cada um receberia 20 mil réis.13

    A 20 de março de 1597 chegou um galeão com um Regimento ou lei para o governador geral, declarando livre o gentio do Brasil, proibindo a ida ao sertão descer índios e limitando a ação dos padres da Companhia à doutrinação e a encaminhá-los à vivenda comum e comércio com os portugueses. Segundo o provincial da Companhia de Jesus, os franceses tinham, nos últimos anos, feito muito dano em toda a costa, assim nos navios que navegam por estes mares, como na terra, saqueando alguns lugares.14

    A presença francesa foi constatada também pelo corsário inglês James Lancaster que atacou o Recife para saquear seus armazéns. Quando suas naus saíram, dirigiram-se para Peren-Jew ou Peranjew, nomes certamente estropiados, a 40 léguas ao norte de Pernambuco onde pretendiam fazer aguada e se abastecer. Teve Lancaster o cuidado de antes se informar sobre a região: para lá tinham sido mandados, na frente, os dois franceses de Dieppe que falavam tupi e que provavelmente já tinham estado neste porto onde os franceses enchem três ou quatro navios todo o ano de pau brasil. Os editores deste relato da viagem em 1594, numa nota, sugerem tratar-se de Pitimbu antes conhecido como Porto dos Franceses.15

    No início do século XVII o interesse dos franceses pelo pau brasil mantinha-se. Em 1613 chegara ao Reino, à cidade do Porto, um patacho carregado de pau a eles apreendido e enviado pelo governador geral do Estado do Brasil.16 Da busca por essas árvores resultou uma prancha de madeira esculpida em baixo-relevo que se encontra num museu de Rouen, onde se vêem índios e mesmo índias entregues à tarefa de as cortar e transportar.


    ¹ Martim Afonso de Sousa, p.69

    ² Ibid., p.95

    ³ Varnhagen, História geral do Brasil, tomo 1, p.143

    ⁴ Ibid., p.185, nota V

    ⁵ Fr. Vicente do Salvador, História do Brasil, capítulo 22, Do princípio da rebelião e guerras do gentio da Paraíba. Sobre os Potiguares, ver o capítulo 8 de John Hemming, Red Gold. The Conquest of the Brazilian Indians

    ⁶ Gonçalves, 2007, pp. 28-29

    ⁷ Varnhagen, ob. cit., tomo 1, p.360

    Esquisse..., pp.36-37

    Notícia do Brasi, capítulo XII

    ¹⁰ Varnhagen, História geral do Brasil, tomo 1, pp.386-387

    ¹¹ Ibid., tomo 2, pp.44-46

    ¹² ABNRJ, 62: 347-381

    ¹³ Boletim do Arquivo Histórico Colonial, vol.I, pp.367-368

    ¹⁴ ABNRJ, 20: 255-265

    ¹⁵ França e Hue, 2014, pp.84 e 190, nota 73

    ¹⁶ Cartas para Álvaro de Sousa e Gaspar de Sousa, p.194

    2

    Capitania Real: a Paraíba no século XVII

    Inicialmente era o governador geral do Estado, sedeado na Bahia, que tomava medidas em relação ao território paraibano e assim, a 10 de novembro de 1593, D. Francisco de Sousa determinou que a quantia recebida para o sustento dos índios pelo capitão-mor da Paraíba Feliciano Coelho de Carvalho fosse apresentada como despesa ao almoxarife de Pernambuco, Duarte Reimão. 1

    Anos mais tarde, contudo, a Paraíba já dispunha de um provedor da Fazenda Real, pois em março de 1600 o capitão-mor ocupava também este cargo, determinando ao feitor e almoxarife Gomes Dias o pagamento de 46 mil réis ao padre frei Anastácio, presidente dos padres da Ordem de São Bento, à conta da esmola que lhe tinha sido prometida para a doutrinação dos gentios aldeados, confirmando deste modo que depois da conquista da Paraíba tinham sido os beneditinos encarregados da missionação, provavelmente transformando as aldeias indígenas, que frequentemente mudavam de lugar na busca por caça e pesca, em aldeias mantidas num mesmo local.2

    No início do século XVII, contudo, no caso da Paraíba interessava menos à Coroa a presença dos missionários do que a defesa do território recém-conquistado. Diogo de Meneses tornou-se em 1608 governador geral do Estado e provavelmente a seu pedido o sargento-mor Diogo de Campos Moreno elaborou, em 1609, uma Relação das praças fortes, povoações e cousas de importância que Sua Majestade tem na costa do Brasil..., acompanhada de uma legenda explicativa do mapa da Paraíba e também de uma planta da fortaleza do Cabedelo. Na legenda foram incluídos os seguintes tópicos.

    (A) Forte de Cabedelo sobre areia fundado de madeira e de taipa mui forte

    (B) Barra do norte por entre os recifes de 25 palmos de água

    (C) Barra do sul de barcos

    (D) Baixos de areia que de baixamar se descobrem

    (E) Rio Paraiva (sic) de 4 léguas até à cidade e mais 3 acima navegável e um quarto de légua de largo, há partes por onde vão navios grandes

    (F) Cidade 4 léguas da barra em um alto com uma notável fonte que sara a pedra

    (G) Tudo matos de grandes madeiras mui grossas, ao longo do rio muitos e mui grossos mangues

    Fonte: RIAHGPE, vol.54, pp. 191-192

    No texto é ressaltado o fato de tratar-se de uma capitania da Coroa, e não de donatário, uma vez que o rei a conquistou e tirou das mãos dos Pitiguares gentios da terra e dos franceses com guerras e mortes de muitos anos.

    No comentário da legenda lemos que, pela barra do norte, entravam navios de bom porte, 6 léguas pelo rio acima até à cidade, e até às fronteiras que chamam de Iniobi, donde estão os engenhos e lá começam de tomar carga, o que significa a produção de açúcar logo no início do povoamento. Na entrada desta barra encontrava-se o forte do Cabedelo numa ponta de areia. Seu capitão recebia de ordenado 100 mil réis, e encontravam-se ali um alferes, um sargento e oficiais menores. No forte tinham de permanecer 20 mosqueteiros e na cidade, 4 léguas rio acima, onde residia o capitão-mor, havia 30 soldados arcabuzeiros, os quais aos rebates se dirigiam logo para o forte, enquanto se juntavam os moradores que viviam mui espalhados por suas fazendas. A cidade tinha poucos habitantes, mas nela estavam prontos 20 soldados para acudir às fronteiras, donde estão as aldeias dos negros da terra, que a cada hora têm novidades. Note-se que os índios eram então designados como negros da terra. A Fazenda Real dispendia com a parte militar, com os oficiais fazendários e com o pagamento aos eclesiásticos (vigário e religiosos dos conventos) 2.091$800 réis. O termo fronteiras significava o ponto para além do qual cessava a presença dos brancos e onde se encontravam os índios ainda não contactados nem domesticados.

    Um forte tão estratégico como o do Cabedelo deveria, segundo Campos Moreno, ser construído de pedra e cal, para que se evitassem os gastos periódicos de madeira, mas naquela época ele era ainda de grossas vigas e traves de madeira com taipas de entulho entre uma e outra parede. O forte, contudo, se defendera bem contra 11 navios de corsários franceses e os afugentara. Em 1609 nele se encontravam 11 peças de bronze e de ferro. Os moradores estavam repartidos em 3 Companhias, uma da cidade e duas de fora, com seus capitães e oficiais da Ordenança. Além do capitão-mor havia um sargento-mor com 80 mil réis de ordenado.

    Quanto à cidade, situada rio acima, a 4 léguas do porto, recebera o nome de Filipeia de Nossa Senhora das Neves e dispunha para sua defesa de 3 peças pequenas, junto às casas do capitão-mor, onde em tempos passados fora construido um forte de terra contra o gentio. Em outro local encontravam-se 5 falconetes de bronze, os quais, na definição de Antôno de Morais Silva, eram peças de Artilharia menores do que os falcões. Por ocasião do alardo geral reuniam-se 260 homens de pé, arcabuzeiros, e 30 de cavalo, além daqueles que ficavam de guarda às fazendas por amor de seus escravos.

    Para Campos Moreno, Filipeia não era verdadeiramente uma cidade, e sim uma povoação. Tinha 3 mosteiros, um já pronto, de São Francisco, que bastava por poder alojar muitos religiosos, e outros dois, ainda por terminar, de religiosos do Carmo e de São Bento. A Casa de Misericórdia estava mui bem lavrada, mas a sé, ou seja, a igreja matriz, era a mais pobre de todas as construções. Na rua principal encontravam-se mui boas casas de pedra e cal que se iam acabando, e outras de taipa, prometendo vir a ser lugar formoso, bem assentado, muito sadio e muito abundante e por todas estas cousas há-de ser mui povoado, se o ajudarem e tiver bom governo. Faz ainda menção a uma fonte tida por milagrosa por sarar os doentes do mal de pedra.

    Todo o terreno em torno da cidade era excelente para canas, legumes e hortaliças, frutas de espinho e da terra, muitas criações e gados. Os matos abundavam em caça e na costa do mar havia grande variedade de peixes, inclusive o peixe-boi, que é o tal que se guisa como carne de todos os modos, e tem o mesmo cheiro, gosto e parecer depois de cortado, que é cousa de admiração a quem o não conhece.

    Já nesta data os engenhos de açúcar mereceram atenção especial do sargento-mor, pois davam grande proveito a seus donos e à capitania. Enquanto no manuscrito de Madrid de Coisas notáveis do Brasil, datado de 1590, a Paraíba tinha apenas 2 engenhos, Campos Moreno enumerou os 10 já existentes e os 9 senhores de engenho, dado que Ambrósio Fernandes Brandão era senhor de dois. Também o número de brancos tinha aumentado desde 1590, quando eram apenas 150. Ali viviam mais de 500 moradores brancos e novos engenhos se estavam erguendo.

    "Engenho de Francisco Tomás no Goramame

    o de Gaspar Carneiro nas fronteiras de Tiberi

    no mesmo posto o de João da Paz

    o de Ambrósio Fernandes Brandão em Niobi

    outro do mesmo, no mesmo posto

    o de Duarte Gomes, na várzea do rio Paraíba

    o de Lopo do Barco na mesma várzea

    o de Jorge Camelo na mesma

    o de Afonso Neto na mesma

    o de Antônio Valadares"

    Numa nota, José Antônio Gonsalves de Melo esclarece que 3 destes senhores de engenho eram cristãos-novos: Francisco Tomás, João da Paz e Ambrósio Fernandes Brandão, a quem se atribui a autoria dos Diálogos das grandezas do Brasil.3

    Termina Campos Moreno sua descrição afirmando que na Paraíba, onde estava começando o povoamento, tudo eram fazendas de portugueses que, sem nenhum apoio da Coroa, entregavam a esta anualmente de 8 para 9 mil cruzados de dízimos. Menciona, porém, um inconveniente que começava a ser sanado na capitania: Até agora todo o açúcar que nela se fazia se levava em barcos a carregar em Pernambuco, porque ali moravam os homens de negócio mais caudalosos. Naquela época, contudo, fora decidido: que nenhum açúcar saia pela barra fora senão nos navios em que houver de ir para o Reino. Muito precocemente a Capitania da Paraíba procurava já eximir-se da interferência de Pernambuco em seu comércio do açúcar.

    Repetiu a informação de que militarmente os homens estavam repartidos em 3 Companhias, uma na cidade e duas de fora, com seus capitães e oficiais da Ordenança. E é interessante lembrar aqui o Regimento das Ordenanças, de 1569, determinando os cavalos e as armas para com elas os moradores se exercitarem. Os senhores, ou alcaides-mores, de acordo com o § 1, serviriam de capitães-mores e a eleição dos capitães das Companhias, alferes, sargentos e mais oficiais seria feita em câmara pelos camaristas. Cada capitão-mor saberia ao certo, com muita diligência e brevidade, o número dos homens obrigados a ter armas, sendo feito seu assento pelo escrivão da câmara, contanto que não sejam pessoas eclesiásticas, nem fidalgos, nem outras pessoas que continuamente tenham cavalo, nem outras de 18 anos para baixo, nem de 60 para cima. Aqueles que tinham a obrigação de fazer parte da Ordenança não se podiam escusar por razão de privilégio algum de qualquer qualidade que seja. (§ 9)

    Todos seriam repartidos por esquadras de 25 homens, tomando para isso os mais vizinhos. E para cada esquadra escolheria o capitão da Companhia um homem da terra que seria cabo, ao qual seriam obrigados a acudir os 25 da esquadra. (§ 10) Cada Companhia seria composta de 250 homens, 10 esquadras, e teria um capitão, um alferes, um sargento, um meirinho, um escrivão e 10 cabos. (§ 11).

    Dada esta organização, o Regimento determinava ainda como estes homens se exercitavam e aprendiam o uso das armas e também o cuidado a ter com elas: a cada 8 dias haveria exercícios num domingo ou dia santo. E são mencionados arcabuzeiros, besteiros, lanceiros e piqueiros. (§§ 19 e 20) Além destes era preciso exercitar também a gente de cavalo, listada no mesmo livro que a gente de pé. (§ 21)

    A despesa com a pólvora e chumbo para os arcabuzeiros e espingardeiros na época dos alardos seria paga com os rendimentos do concelho, mas se não houvesse dinheiro para esse pagamento o rei concedia para tal fim o imposto sobre os vinhos ou as carnes. (§ 27) O que vigorava na Capitania da Paraíba era deste modo uma tropa não paga pela Fazenda Real e sim pelos moradores e parcialmente pelas rendas da câmara. Só pertencia à tropa paga a guarnição do forte do Cabedelo.4 É de crer que, sendo ainda a capitania pouco povoada, o número de Companhias fosse menor do que o determinado pelo Regimento.

    Varnhagen leu o manuscrito Razão do Estado do Brasil, então ainda em grande parte inédito. Dele existem 5 cópias manuscritas, sendo a mais antiga, de c. 1616, a da Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP). Escrevia ele: é uma verdadeira estatística, respectiva ao ano de 1612. Foi escrito em Lisboa em 1613, incluindo ainda algumas informações referentes ao ano anterior. Menciona as 8 capitanias desde Porto Seguro para o norte, descrevendo seus limites, rendimentos, cultura, população, armamento e municiamento. Contém 17 mapas, entre eles um da entrada da Paraíba. Foi feita uma edição no Rio de Janeiro em 1968 utilizando a cópia do IHGB.

    O título completo da cópia da BPMP, Cod.126, era: Rezão do Estado do Brasil no Governo do Norte somente assim como teve Dom Diogo de Meneses até o ano de 1612. Começava com a localização geográfica: O Estado do Brasil (Províncias de Santa Cruz) é a parte oriental do Peru. E o primeiro capítulo terminava do seguinte modo: Pera que melhor todas as coisas ditas se entendam e pratiquem seguiremos o que vale e pode em particular cada capitania com seus povoados, e despovoados, com suas despesas, e rendimentos, e com seus portos e sondas deles vindo correndo a costa do sul para o norte no governo do dito Dom Diogo de Meneses somente como parte vista e visitada por quem fez esta Relação, e posta pelo dito governador na rezão em que hoje a vemos. O mapa 15 é indicado: Praíba Capitania de Sua Majestade e com a legenda Paraíva ou Rio de S. Domingos.5 É atribuído a Diogo de Campos Moreno este manuscrito.

    Logo no início se lê que tinham tido mais aumento aquelas capitanias "que

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