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Rio Grande do Norte: Subalternidade no período colonial
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E-book364 páginas8 horas

Rio Grande do Norte: Subalternidade no período colonial

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Sobre este e-book

Sendo a Capitania de Pernambuco a mais florescente entre as capitania do Norte, foi inaugurado um sistema de subalternidade
daquela que lhe estavam mais próximas: Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Alagoas.
Neste estudo são abordadas múltiplos temas desde a época em que o Rio Grande do Norte era uma capitania donatarial até o momento em que aderiu ao constitucionalismo monárquico, contribuindo deste modo para completar uma bibliografia recente muito rica e variada sobre temas específicos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de out. de 2021
ISBN9786586352344
Rio Grande do Norte: Subalternidade no período colonial

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    Rio Grande do Norte - Maria Beatriz Nizza da Silva

    1

    Capitania donatarial

    Embora a costa do Rio Grande tenha sido abordada pela frota de Américo Vespúcio em agosto de 1501, só bem mais tarde começaram as tentativas para sua exploração. E ainda mais tardio foi o interesse por sua colonização. Em finais da década de 1520 a Coroa viu-se pressionada por aqueles que pretendiam povoar a terra de Santa Cruz. Um desses indivíduos queria pôr em duas viagens mil moradores à sua custa e apontava o interesse do rei nessa iniciativa por lhe ganhar uma terra de que não tirava nenhum proveito, quando podia ter muito. As pessoas que o acompanhariam seriam de muita sustância e abastadas, podendo levar consigo muitas éguas, cavalos e gados e todalas cousas necessárias pera o frutificamento da terra. Mas esses indivíduos não se confundiam com os futuros moradores. Eles prezavam suas honras no Reino e não se contentariam com terem quatro índias por mancebas e comerem dos frutos da terra. Por essa razão se limitariam a enviar à sua custa gente para iniciar o povoamento, propondo contribuir com um número suficiente de povoadores. 1

    Na autobiografia escrita por Martim Afonso de Sousa lemos: Por el-rei ter novas que no Brasil havia muitos franceses, me mandou lá em uma armada, onde lhes tomei quatro naus, que todas se defenderam mui valentemente e me feriram muita gente. E assim nisto como no descobrimento de alguns rios que el-rei me mandava descobrir, tardei perto de três anos passando muitos trabalhos, e muitas fomes e muitas tormentas.2 Acompanhou-o nesta expedição seu irmão Pero Lopes de Sousa, que em 1530 deixou um relato onde menciona o carregamento de pau brasil pelos franceses, e também a já existente feitoria de Pernambuco.

    De acordo com uma carta régia transcrita por Varnhagen, a decisão de dividir o Brasil por donatários data de 1532, embora a concessão das cartas de doação só tivesse início em 1534. Dirigida a Martim Afonso de Sousa depois de ele ter partido para correr a costa brasileira até o Rio da Prata, merece relevo o seguinte trecho: Depois de vossa partida se praticou se seria meu serviço povoar-se toda essa costa do Brasil, e algumas pessoas me requeriam capitanias em terra dela. Mas nesta missiva não se pensava ainda na costa a norte de Pernambuco, tendo o rei D. João III determinado apenas marcar de Pernambuco até o Rio da Prata cinquenta léguas de costa a cada capitania e aqueles que as recebessem seriam obrigados a levar gente e navios à sua custa.3 Martim Afonso de Sousa receberia 100 léguas de costa e seu irmão 50. Outras pessoas que tinham pedido terras receberiam 50 léguas cada uma.

    Já havia contudo alguma notícia da costa a norte das feitorias de Pernambuco e Itamaracá, região que aparece nas cartas de doação a João de Barros, Aires da Cunha e Fernão Álvares e também na carta de doação das minas de ouro e prata das respectivas capitanias de João de Barros e outros, datada de 18 de junho de 1535. Neste último documento se lê: e ora o dito Aires da Cunha em seu nome e dos ditos Fernão Álvares de Andrade e João de Barros se preste para com a ajuda de Nosso Senhor ir às ditas suas capitanias e terras a tomar posse delas para onde leva navios de armada com muita gente assim de cavalo como de pé, e artilharia e armas e munições de guerra tudo à própria custa e despesa.4

    Fr. Vicente do Salvador menciona a doação de 50 léguas por costa feita a João de Barros, o qual, cuidando de se aproveitar a si e os seus amigos, Fernando Álvares de Andrade e Aires da Cunha, mandou este último por capitão da empresa com dois filhos seus em uma frota de 10 navios em que vinham 900 homens. Acrescentou o historiador: E com todo o necessário para a jornada e para a povoação que vinham fazer, se partiram de Lisboa no ano de 1535. Naufragaram mas escapou muita gente com a qual os filhos de João de Barros se recolheram a uma ilha que então se chamava das Vacas, e agora de São Luís, donde fizeram pazes com o gentio tapuia que então ali habitava. Chegaram mesmo alguns a ter filhos com as tapuias. As terras doadas a João de Barros faziam divisa com a Paraíba e o frade fornece um pormenor pouco conhecido: que todas as capitanias que se deram naquela época eram contíguas umas com as outras e os donatários herdeiros uns dos outros.5

    João de Barros referiu-se mais tarde aos prejuízos sofridos com a armada enviada. Por ele ter uma das capitanias, esta lhe custara muita substância de fazenda por razão de uma armada que em parceria de Aires da Cunha e Fernão Álvares de Andrade, tesoureiro-mor deste reino, todos fizemos para aquelas partes no ano de 1535. Ela compunha-se de 900 homens em que entravam 300 a cavalo. E comentou a grandeza do empreendimento: cousa que para tão longe nunca saiu deste reino. A expedição só lhe deixou na memória o grande custo desta armada, sem fruto algum.6

    O historiador Antônio de Vasconcelos Saldanha decompõe as cartas de doação em três partes: a base territorial de propriedade e jurisdição, a autoridade investida nos capitães e o rendimento econômico destes. Ele chama a atenção para o documento em que o rei faz mercê irrevogável doação entre vivos valedora deste dia para todo o sempre, de juro e herdade para ele..., havendo necessidade de confirmação expressa e escrita do ato de doação pelos sucessores do monarca.

    Quanto ao triplo empreendimento de João de Barros, Aires da Cunha e Fernandes Álvares mencionado por fr. Vicente do Salvador, foi publicado por Antônio Baião em anexo a sua edição da Ásia João de Barros. Interessados em promover a colonização das terras doadas, homens (900) e cavalos fizeram parte da expedição comandada por Aires da Cunha e integrada pelos filhos de João de Barros e um representante de Fernando Álvares de Andrade, mas este empreendimento não alcançou o êxito pretendido por várias razões. Durante a navegação para norte, a nau capitânia naufragou, morrendo Aires da Cunha. Os restantes 9 navios chegaram a bom porto e os portugueses foram bem recebidos pelos índios, exploraram os rios da região mas, como visavam mais a descoberta de ouro do que a colonização, após três anos decidiram regressar ao reino. Dificuldades da navegação levaram alguns navios até um das ilhas das Antilhas, e muitos homens se perderam nesta viagem. Os filhos de João de Barros, que se salvaram, puderam voltar, mas os potiguares impediram então a conquista daquele território, sendo o investimento perdido pelo donatário.

    Os poderes dos donatários eram muito amplos. Podiam cativar gentios para seu serviço e de seus navios e também mandar cerca de 30 índios para Portugal a fim de ali os vender; dar sesmarias e criar vilas; nomear ouvidores, meirinhos e mais oficiais de justiça, além de tabeliães do público e judicial; escolher os alcaides e delegar-lhes o governo militar das vilas; tinham alçada, sem apelação nem agravo, em causas crimes até morte natural para plebeus, escravos e índios; podiam impor 10 anos de degredo e 100 cruzados de pena às pessoas de maior qualidade, e nas causas cíveis com apelação e agravo quando os valores excedessem 100 mil réis. Cobravam a vintena do pescado, a redízima dos produtos da terra e a vintena do pau brasil vendido em Portugal.

    Varnhagen acrescenta alguns outros poderes. Vejamos quais. Possuir entre 10 e 16 léguas de terra na costa, desde que fossem em porções separadas entre si pelo menos 2 léguas, e desta posse não pagava o donatário mais do que o dízimo. Cobrar o direito das barcas de passagem dos rios caudalosos; o dízimo do quinto dos metais e pedras preciosas encontrados. Influir nas eleições dos camaristas das vilas, apurando as listas dos homens bons que os deviam eleger.7 Mas como João de Barros não se ocupou diretamente de sua capitania, estes poderes não foram por ele exercidos.

    Os forais diziam respeito aos direitos, tributos e cousas, que na dita terra se hão de pagar. Os moradores só pagavam o dízimo pelas sesmarias recebidas; tinham isenção de sisas e de outros tributos não constantes do foral. Os produtos por eles enviados para venda em Portugal só pagavam a sisa quando se vendessem. Era livre o comércio entre os moradores de diferentes capitanias. Os produtos importados do Reino não pagavam direitos se não fossem transportados em navios estrangeiros, caso em que era cobrado o dízimo de entrada. Só os moradores podiam negociar com os índios. Cada capitania era considerada um couto, não podendo ninguém ser ali perseguido por crimes ou delitos anteriores. Do ponto de vista social a carta de doação e o foral reconheciam, além do donatário com seus privilégios, três grupos de habitantes: os fidalgos, os peões (plebeus) e os gentios.8

    Como vimos acima, inicialmente a Coroa não pensou em explorar o litoral a norte de Pernambuco. Em 1531 Diogo Leite, ao regressar de sua exploração da costa, escrevera: não se achou coisa de proveito, e depois de visitada uma ou duas vezes, não se voltou mais a ela.9 Mas a presença de corsários ingleses e franceses ameaçando a Paraíba, fez mudar a política da Coroa.

    É relevante para esta primeira fase o alvará de 5 de março de 1561, que refere a mercê feita a João de Barros por D. João III de uma capitania na costa do Brasil onde chamam os Pitiguares. Para esta região o donatário encaminhara uma armada vinte anos atrás, portanto em 1541, em que despendeu muito de sua fazenda, e cinco anos antes, portanto em 1556, outra em que foram dois filhos seus a povoar a dita terra, o que não houve efeito por os gentios dela estarem escandalizados por os portugueses irem ali fazer saltos e roubos cativando os gentios da terra e fazendo-lhe outros insultos. Por essa razão, querendo os filhos de João de Barros fazer um porto na dita sua capitania para se proverem do necessário, por os ditos gentios estarem escandalizados e de pouco tempo salteados de gente portuguesa, lhe mataram um língua com outro homem, e lhe feriram outros e trabalharam para matar a todos para se vingarem dos males e danos que tinham recebido de navios com que no dito porto lhe tinham feito saltos.10 Não tiveram portanto êxito as tentativas de ocupar a capitania doada e Gabriel Soares de Sousa também comentou que João de Barros gastara muita soma de mil cruzados sem desta despesa lhe resultar nenhum proveito.

    João de Barros não tomou posse de sua capitania e em 1553 o primeiro governador geral Tomé de Sousa aconselhava a D. João III uma ordem para que os donatários residissem em suas capitanias e, quando isso não fosse justificadamente possível, que eles pusessem em seu lugar pessoas competentes. Também no Regimento daquele governador geral, datado de 1548, se criticava a livre circulação de pessoas e de caravelas entre uma capitania e outra com o claro objetivo de assaltar indígenas, razão pela qual surgiam guerras entre os índios e os colonos. Na terra dos potiguares havia quem resgatasse índios para os vender nas ilhas Canárias, de acordo com um documento de 1555 intitulado Sumário de testemunhas onde consta uma declaração sobre resgate de índios na capitania de João de Barros. Um morador de Pernambuco declarou ter ouvido dizer que à terra dos potiguares fora um indivíduo da Bahia em uma galé e resgatara 80 ou 90 peças de escravos, levando-os para aquelas ilhas e o mesmo tinham feito outros indivíduos.

    Apesar de João de Barros não estar presente em sua capitania, queria ter sua autoridade reconhecida naquele território e por esse razão o rei ordenou: que pessoa alguma sem licença do dito João de Barros, ou de quem para isso seu poder tiver, não vá tratar nem resgatar às terras da dita capitania, apesar de não estar povoada. Se alguém ali fosse tratar, resgatar ou saltear, incorreria nas penas contidas nos forais das capitanias da dita costa do Brasil. Era defeso ir resgatar com os gentios da terra, só o podendo fazer com os moradores dos lugares povoados.11

    Não há dúvida de que o donatário não se descuidou de suas terras no Brasil. Ele tinha um procurador, Antônio Pinheiro, cujo nome aparece numa Certidão referente a uma questão por causa dos limites da capitania de João de Barros. Ao que parece a viúva do donatário de Itamaracá estava concedendo licenças a algumas pessoas para explorarem a região conhecida como Porto dos Búzios. Ora aquela área, conhecida pelo nome indígena de Pirangipe, estava fora da demarcação da viúva e João de Barros tinha a posse daquele porto havia muitos anos. Seus procuradores arrecadavam o pagamento das licenças por eles concedidas por sua utilização em dinheiro, escravos e em búzios. Aliás a carta de doação de João de Barros determinava que ele e seus sucessores poderiam arrendar e aforar suas terras pelos foros que quisessem. Testemunhas foram ouvidas. Uma delas declarou que sempre ouvira dizer que aquele porto fora vendido por Pero de Góis a João de Barros e, quando algumas pessoas queriam ir ao dito porto buscar búzios, pediam licença aos procuradores do donatário. Soubera também que aquela terra tinha sido arrendada a Martim Ferreira. Em estudo recente Elenize Pereira esclareceu a questão do arrendamento, chamando a atenção para o fato de João de Barros, apesar de não estar presente em sua capitania, procurar garantir a posse de seu território e ainda obter lucro com o Porto de Búzios. 12

    Em seu testamento, não datado mas posterior a 1567, João de Barros refere suas muitas dívidas, esperando que sua mulher e filhos as liquidassem pois as tinha feito para seu sustento. Dado o processo sucessório das capitanias, o filho mais velho, Jerônimo de Barros, seria o novo donatário das terras no Brasil. Barros morreu a 20 de outubro de 1570 e, numa carta de mercê de 1571, registrada na Chancelaria de D. Sebastião, foi concedida uma tença de 50 mil réis à viúva para seu sustento, e no mesmo ano uma outra carta determinava uma tença de 150 mil réis para Jerônimo de Barros, que deveria ser paga até o momento em que este recebesse uma comenda da ordem de Cristo, ou coisa que o valha. O valor da tença seria 180 mil réis e, se ele fosse provido na ordem de Cristo, essa tença seria aumentada.13 Filhado na Casa Real como moço fidalgo em 1552, Jerônimo de Albuquerque passou em 1574 a ter o foro de fidalgo cavaleiro, o mesmo foro que seu pai tinha tido. Mas não há notícia de ter recebido a comenda da ordem de Cristo

    O que importa aqui avaliar é seu grau de interesse pelas terras do Brasil. Numa petição, provavelmente ao cardeal D. Henrique, dizia ter uma capitania no Brasil de 50 léguas, na terra dos potiguares, e 25 léguas na boca do rio Maranhão. Ele queria ir povoar por ter experiência daquela costa no tempo que nela andou, de que ficou tão despeso que sem a ajuda de Vossa Alteza não pode povoar. E apresentava uma série de argumentos para a obtenção desta ajuda. Era urgente mandar povoar aquela capitania antes que os franceses o fizessem, pois todos os anos vão a ela a carregar de brasil por ser o melhor pau de toda a costa e fazem já casas de pedra. E comerciavam com o gentio. Anos atrás tinham enviado 17 naus de França a carregar o pau brasil, levando até as raízes porque estas tingiam mais, e agora tomaram nos Pitiguares 3 mil quintais de brasil que os portugueses tinham na praia feito à sua custa para carregar. Os franceses representavam um perigo a evitar: antes que os franceses façam uma fortaleza que obrigue depois a muito, parece que será bom povoar-se por nós, e com isto feito lhe não levarão este pau a França e ficará então rendendo mais a Vossa Alteza.

    Para povoar a região, Jerônimo pedia à Coroa 100 moradores dos 800 que o contratador do Brasil é obrigado a pôr lá. E ainda 50 escravos de São Tomé. Como adjutório para tal empreendimento, pretendia tirar anualmente mil quintais de pau brasil durante os primeiros 10 anos. Quanto à ajuda militar, pedia 2 peças de artilharia, e daquela que se encontrava em Pernambuco 8 peças para defesa da fortaleza. Ele daria fiança para aquela artilharia, lembrando que muito mais e maiores mercês se fizeram aos capitães que povoaram no Brasil, com fortalezas feitas e artilhadas e navios com que defender a costa.14

    Como seu pedido de ajuda para o povoamento de suas terras no Brasil não teve retorno, Jerônimo de Barros, a partir do governo de Filipe II de Espanha (I de Portugal) em 1581, desinteressou-se do assunto, tendo morrido a 20 de agosto de 1586. Conforme fr. Vicente do Salvador escreveu em sua História do Brasil, aquela capitania já agora é de Sua Majestade, por cujo mandado depois se conquistou e se ganhou ao gentio potiguar à custa de sua Real Fazenda.


    ¹ Johnson e Nizza da Silva, 1992, pp.338-339

    ² Sousa, 1989, p.69

    ³ Varnhagen, 1975, tomo 1, pp.138-140

    ⁴ Elenize Trindade Pereira, Dissertação de Mestrado, Natal, 2018, pp.66-67

    História do Brasil, cap.XIII

    ⁶ Varnhagen, 1975, tomo I, p.151

    ⁷ Citação em Pereira, 2018, pp.68-69

    ⁸ Saldanha, 2001, pp.49 e 69

    ⁹ Varnhagen, 1975, tomo I, p.192, nota 1

    ¹⁰ Ibid., p.206, nota III, de Rodolfo Garcia

    ¹¹ Pereira, 2018, pp.89-93

    ¹² Ibid., cap.2: 2.2

    ¹³ Ibid., cap.3: 3.1

    ¹⁴ Ibid., pp.132-134

    2

    Capitania da Coroa

    Segundo Aires de Casal a conquista do Rio Grande, que era uma parte das terras de João de Barros, teve início em 1597, por ordem de Filipe I de Portugal com o intuito de impedir os franceses de carregarem pau brasil, e também de domar os potiguares que destruíam as lavouras dos moradores da Paraiba. D. Francisco de Sousa, governador do Estado do Brasil, contribuiu com tudo o que era necessário à custa da Fazenda Real. A esquadra, que se organizou em Pernambuco e levava um jesuíta por engenheiro e um franciscano por intérprete da língua dos indígenas, navegou até à embocadura do rio Grande, que era o ponto mais visitado pelos corsários. 15

    Neste projeto de conquista colaboraram não só o capitão-mor de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homem, como o da Paraíba Feliciano Coelho. O primeiro saiu de Olinda para a Paraíba por terra com 3 Companhias de homens de pé e uma de cavalo. Este contingente encontrou-se ali com as 11 embarcações que o governador geral D. Francisco de Sousa mandara da Bahia. Mascarenhas embarcou nesta frota. Quanto a Feliciano Coelho continuou a missão por terra com 4 Companhias de Pernambuco e uma da Paraíba, o que perfazia 178 guerreiros, além dos índios, que eram mais de 800. Mas devido a uma epidemia de bexigas estes homens viram-se obrigados a recuar. John Hemming cita um outro documento que confirma o número de 178 portugueses, uns a pé e outros a cavalo, e apresenta os números dos índios como sendo 90 arqueiros das aldeias de Pernambuco e 730 das aldeias da Paraíba. Por seu lado Mascarenhas desembarcava no rio Grande e entrincheirava-se, sendo atacado passados poucos dias por potiguares acompanhados de cerca de 50 franceses. Entretanto chegou uma urca de Portugal em auxílio dos portugueses.16

    Em abril de 1598 Feliciano Coelho avançou para norte com um reforço de 14 cavaleiros, 60 arcabuzeiros e 350 índios com arcos e flechas. E foi decidido acabar o forte do rio Grande com turnos alternados de índios chefiados por um branco. Era a fortaleza dos Reis. O mameluco Jerônimo de Albuquerque ficou com o encargo deste forte e começou logo a pensar no melhor modo de terminar aquela guerra com os potiguares. O tratado de paz, aprovado pelo governador geral da Bahia, foi assinado na Paraíba a 11 de junho de 1599. Fr. Vicente do Salvador dedica o capítulo XXXIII de sua História do Brasil ao seguinte tema: De como Jerônimo de Albuquerque fez pazes com os potiguares e se começou a povoar o Rio Grande. Esse povoamento teve início com uma povoação a uma légua do forte dos Reis, como veremos no capítulo seguinte.

    Podemos considerar o sargento-mor do Estado do Brasil, colaborador do governador geral D. Diogo de Meneses (1608-1612), como o grande defensor da passagem da Capitania do Rio Grande para a Coroa. Começou por escrever uma Relação das praças fortes, povoações e cousas de importância que Sua Majestade tem na costa do Brasil, fazendo princípio dos baixos ou ponta de São Roque para o Sul, do estado e defensão delas, de seus fruitos e rendimentos, feita pelo sargento-mor desta costa Diogo de Campos Moreno no ano de 1609. Nesta descrição define o que eram capitanias: doações largas que os anteriores reis de Portugal tinham concedido a seus vassalos. Dá notícia também de que o rei ordenara a D. Diogo de Meneses que organizasse um livro no qual se assentassem todas as capitanias do Estado do Brasil, declarando-se as que são da Coroa e as que são de donatário.

    Atribuído também a Diogo de Campos Moreno, já crítico das capitanias donatariais, o texto Razão do Estado do Brasil, de 1612, publicado em 1999 em Lisboa pelas Edições João Sá da Costa, explica o fracasso do sistema donatarial: entendemos que tudo o que neste Estado não for de Sua Majestade crescerá devagar e durará muito pouco. E acrescenta: gozarão de mais aumento aquelas que o braço real tomou mais à sua conta quando, no povoar e conquistar, faltaram seus donatários. No caso do Rio Grande era claramente o povoamento que estava faltando.

    Quando Diogo de Campos Moreno escreveu o Livro que dá razão do Estado do Brasil, eram já duas as capitanias da Coroa: Paraíba e Rio Grande. Quanto às doações largas criticadas pelo sargento-mor, foram depois divididas em sesmarias destinadas aqueles que pretendiam nelas fixar-se. O personagem Brandônio dos Diálogos sobre as grandezas do Brasil explicitava, em 1618, o sistema das sesmarias então vigente: os capitães-mores, que são sesmeiros por Sua Majestade, cada um na capitania de sua jurisdição, repartiram e repartem ainda agora as terras com os moradores, dando a cada um deles aquela quantidade a que suas forças e possibilidades são bastantes para as grangear.

    Nesta época era grande a desconfiança em relação aos estrangeiros, sobretudo franceses, que ainda apareciam na costa brasileira para cortar e levar pau brasil, e também aos que se fixavam no território, como se pode ver no Memorial de todos os estrangeiros que vivem nas capitanias do Rio Grande, Paraíba, Itamaracá e Pernambuco e Bahia dos quais se não pode ter suspeita. No Rio Grande encontrava-se apenas um certo João Lostão: Justificou ser de nação navarro posto que se tem por francês. Vive naquela capitania depois que se conquistou. Tem roças, reside na praia onde pesca com uma rede. Não foi obrigado a ir para o sertão devido à informação a seu respeito fornecida pelos padres da Companhia de Jesus, apontando sua muita fidelidade. Era já velho e dos da governança da capitania.17 De acordo com o recente estudo de Ana L. da Silva Morais, João Lostão recebeu 8 sesmarias entre 1601 e 1608. Com 1.500 braças ao sul do rio Pirangi e 4.000 braças ao sul do rio Trairi, possuía também terras nas margens da lagoa de Guaraíras.18


    ¹⁵ Corografia brasílica, tomo II, p.207

    ¹⁶ Johnson e Nizza da Silva, 1992, p.181; Hemming, 1987, p.169

    ¹⁷ Livro 1º do governo do Brasil, p.221

    ¹⁸ Morais, 2014, p.199

    3

    No início uma fortaleza e uma povoação

    Em 1587, no Tratado descritivo do Brasil , Gabriel Soares de Sousa só se refere ao rio Grande dos tapuias: se navega um grande espaço pela terra adentro e vem de muito longe, o qual se chama dos tapuias por eles virem por ele abaixo em canoas a mariscar ao mar. O rio Grande, além de vir de muito longe, era muito caudaloso por se meterem nele muitos rios e, segundo a informação do gentio, nasce de uma lagoa em que se afirma acharem-se muitas pérolas. Por este rio Grande entravam navios da costa: têm nele boa colheita, o qual se navega com barcos algumas léguas. 19

    A conquista do Rio Grande, em 1597, foi tentada com um fortim de madeira onde mais tarde se ergueu a fortaleza dos Reis. Jerônimo de Albuquerque, que comandava as tropas, travou renhidos combates com os índios até fazer amizade com um chefe. Teve então a oportunidade de lançar os fundamentos de um núcleo urbano, mas a falta de bons portos, a qualidade do terreno e a natureza dos índios, tão inúteis quando amigos, como fatais enquanto inimigos, fizeram que, segundo Aires de Casal, o empreendimento não tivesse sucesso.20

    Numa correspondência entre dois jesuítas, datada de maio de 1599, é feita referência a uma futura cidade. Mencionam a nova cidade que agora se há de fundar, obra de meia légua do forte do Rio Grande.21 O termo cidade parece então totalmente inadequado, a menos que se trate de uma tradução do latim. O povoamento no Brasil colonial nas várias capitanias foi marcado pelo surgimento de arraiais ou povoações, pela criação de vilas com suas câmaras e finalmente pelo o aparecimento de cidades quando as capitanias estavam suficientemente povoadas. Foi o que aconteceu por exemplo na Capitania de São Paulo, onde a vila só passou a cidade no início do século XVIII. Ao analisar a questão num recente artigo intitulado Natal, vila ou cidade?, Rubenilson Brazão Teixeira cita a definição de vila no Vocabulário português e latino de Rafael Bluteau, na qual sublinho o seguinte trecho povoação aberta ou cercada, que nem chega a ser cidade, nem é tão pequena como a aldeia. O que significa que, mesmo na época, uma povoação com 25 moradores não poderia ser considerada uma cidade.

    São dois os mapas que acompanham a Relação elaborada pelo sargento-mor Diogo de Campos Moreno em 1609: Rio Grande, planta da fortaleza dos Reis Magos; e Mapa da

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