Teoria e prática da política
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Teoria e prática da política - CRISTIANE CORRÊA BATISTA SANTOS
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2017 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS - SEÇÃO CIÊNCIA POLÍTICA
Às/aos nossas/os estudantes de Ciência Política
Educação não transforma o mundo.
Educação muda pessoas.
Pessoas transformam o mundo.
(Paulo Freire)
PREFÁCIO
Jovens professores e pesquisadores da Escola de Ciência Política da Unirio reúnem, neste livro, capítulos sobre os principais temas, atuais e clássicos, da Ciência Política. Trata-se de coletânea destinada a ser utilizada nos cursos de graduação em Ciências Sociais em geral e de Ciência Política em particular nas instituições de ensino superior no País. De especial mérito é a utilização de linguagem clara, sem abrir mão do rigor conceitual. Nesse sentido, o livro também incorpora a perspectiva de divulgação científica.
Ao tratar de temas contemporâneos e clássicos, a coletânea tem o propósito de apresentar o estado da arte
de campos temáticos expressivos nas Ciências Sociais e na Ciência Política. Temas como teoria política, ideologias, direitos humanos, instituições, partidos, sistemas partidários, eleições, movimentos sociais, relações internacionais, políticas públicas, pensamento político e sociologia política são apresentados no melhor estilo da Ciência Política. Além desses temas, um dos capítulos trata da importante questão da metodologia que deve guiar as análises dos estudos da área.
O livro tem tudo para atrair a atenção de alunos e de todos aqueles interessados em desvendar de forma mais cuidadosa questões teóricas, conceituais e metodológicas que ajudarão o leitor a entender a política como ciência.
Por fim, a coletânea tem dois outros atrativos. O primeiro é a diversidade de temas, e o segundo é oferecer ao leitor um retrato abrangente, mas rigoroso, dessas questões.
Esta não é uma empreitada fácil e a expectativa é de que os organizadores e os autores dos diversos capítulos não parem por aqui e continuem perseguindo e disseminando o melhor entendimento do mundo da política na sua perspectiva científica.
Professora doutora Celina Souza
Pesquisadora associada do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Cristiane Batista e Enara Echart Muñoz
CAPÍTULO 1
A POLÍTICA E SEUS VÁRIOS SIGNIFICADOS: ALGUMAS NOTAS INTRODUTÓRIAS
André Coelho
CAPÍTULO 2
TEORIA POLÍTICA
Marcia Ribeiro Dias
CAPÍTULO 3
IDEOLOGIAS POLÍTICAS E DECLARAÇÕES DE DIREITOS
Fernando Quintana
CAPÍTULO 4
INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE ALIENAÇÃO EM HEGEL E EM MARX
Clarisse Gurgel
CAPÍTULO 5
A INCESSANTE DISPUTA: AS IDEOLOGIAS POLÍTICAS E O QUE DEVE SER FEITO
Guilherme Simões Reis
CAPÍTULO 6
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Fabricio Pereira da Silva e Luciana Fernandes Veiga
CAPÍTULO 7
OS SISTEMAS POLÍTICOS E AS PRIORIDADES DA CIÊNCIA POLÍTICA
Guilherme Simões Reis
CAPÍTULO 8
INSTITUIÇÕES POLÍTICAS BRASILEIRAS
Cristiane Batista
CAPÍTULO 9
OS PARTIDOS POLÍTICOS
José Paulo Martins Junior
CAPÍTULO 10
ELEIÇÕES, CAMPANHAS ELEITORAIS E VOTO
Felipe Borba
CAPÍTULO 11
POLÍTICAS PÚBLICAS E O CONHECIMENTO DO ESTADO EM AÇÃO
João Roberto Lopes Pinto
CAPÍTULO 12 MOVIMENTOS SOCIAIS E AÇÃO COLETIVA
Enara Echart Muñoz | Clarisse Gurgel | João Roberto Lopes Pinto
CAPITULO 13
SÍNTESES TEÓRICAS, MUDANÇA SOCIAL E RELAÇÕES DE PODER
Cesar Sabino
CAPÍTULO 14
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Enara Echart Muñoz
CAPÍTULO 15
POLÍTICA E SOCIEDADE NA AMÉRICA LATINA
Fabricio Pereira da Silva
CAPÍTULO 16
POLÍTICA E SOCIEDADE NA AMÉRICA LATINA
Luciana Fernandes Veiga
SOBRE OS AUTORES
INTRODUÇÃO
Cristiane Batista e Enara Echart Muñoz
O interesse pela política, essencial em uma democracia, deve ser acompanhado de um maior conhecimento dos processos decisórios, das instituições políticas e da atuação dos diferentes atores nos variados níveis de governo (local, estadual, federal, regional e internacional). Como docentes e pesquisadores da área de Ciência Política, comprometidos com a construção de uma consciência crítica e de uma cidadania informada, voltadas para uma participação mais ativa dos processos políticos democráticos, nós, professores/as do Departamento de Estudos Políticos da Escola de Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), elaboramos este livro com o intuito de contribuir para esse aprendizado.
A ideia norteadora do livro é oferecer uma visão geral da Ciência Política como campo de conhecimento. O objetivo é, por um lado, propor um primeiro contato com alguns conceitos centrais do arcabouço teórico e empírico da Ciência Política, assim como com os instrumentos básicos para a reflexão política autônoma. Por outro lado, visa servir de material docente para os Cursos de Ciência Política. Para isto, o livro foi organizado de forma a abranger alguns dos temas principais da área, tais como Teoria Política, Ideologias Políticas, Direitos Humanos, Instituições Políticas, Partidos e Sistemas Partidários, Teoria das Relações Internacionais, Políticas Públicas, Sociologia Política, dentre outros. Cada um dos capítulos foi redigido por um/a professor/a do Curso de Ciência Política da Unirio especialista nas diversas áreas.
O Curso de Bacharel em Ciência Política da Unirio foi criado em 2008, no contexto do Programa de Apoio e Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Único na área no estado do Rio de Janeiro, o curso surge para atender à necessidade de se formar um número mais expressivo de profissionais qualificados para promover a investigação científica e tornar o conhecimento da Ciência Política um conhecimento aplicado, operativo, capaz de intervir na realidade que estuda, trazendo soluções
(como defende a Justificativa do Projeto Pedagógico do Curso). Visa formar quadros capazes de atuar em diferentes domínios, tais como gestão em políticas públicas, consultorias políticas, organismos interacionais, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, dentre outros. Através do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cinquenta alunos/as ingressam no curso a cada semestre. Muitos dos egressos já estão incorporados a programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em instituições acadêmicas de todo o país, como o Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade Federal Fluminense (UFF); Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal da Bahia (UFBA), para citar alguns.
No que diz respeito às parcerias institucionais, a Escola de Ciência Política vem tomando iniciativas a fim de atualizar e concretizar convênios e acordos de cooperação com as demais instituições, públicas e privada, nacionais e internacionais, tais como a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal de Pelotas, o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS/Ulisboa); a Universidade Complutense de Madrid (UCM); a Universidad Nacional de San Martín (Unsam); a Universidad de San Andrés (Unsan); e a Universidade Católica de Córdoba (UCC), as três últimas argentinas.
Atualmente, o curso de Ciência Política da Unirio conta com um corpo docente composto por treze professores, doutores em Ciência Política ou áreas afins, que desenvolvem atividades de ensino, de pesquisa e de extensão. Estão inseridos em importantes redes acadêmicas e participam ativamente de Encontros e Congressos acadêmicos, nacionais e internacionais, tais como Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), Associação Latino-Americana de Ciência Política (Alacip), Sociedade Argentina de Ciência Política (Saap), Latin American Studies Association (Lasa), International Political Science Association (IPSA), American Political Science Association (Apsa) etc. Desenvolvem pesquisas e publicam nas mais diversas áreas da Ciência Política, que são apresentadas aqui de maneira introdutória. Assim, o livro, como um todo, encontra-se estruturado na forma descrita a seguir.
A primeira parte se dedica a explorar algumas questões mais teóricas em torno da ciência política e alguns de seus elementos centrais: a política, a ideologia, os direitos humanos, a alienação. No primeiro capítulo, A política e seus vários significados: algumas notas introdutórias, André Coelho apresenta alguns dos conceitos mais básicos sobre o entendimento acadêmico acerca do que é a Política. Desde o surgimento da reflexão sobre a Política na Grécia Antiga até a tipologia moderna das formas de poder, o autor analisa a relação entre Política, Poder e Estado. Para além desta visão clássica, adota-se uma aproximação mais holística, que exige levar em conta a relação mais ampla entre política e interesse público, mostrando a influência da política nos mais diversos fenômenos sociais.
O segundo capítulo, de Marcia Ribeiro Dias, apresenta um panorama geral do desenvolvimento da Teoria política. Esta teoria reúne um conjunto de conceitos básicos do pensamento humano centrais para a compreensão da interação política: quem somos, que lugar ocupamos no mundo e como nos relacionamos com os demais. Natureza, liberdade, igualdade, justiça e lei são alguns dos conceitos que a teoria política fornece e que servem de lente analítica para a interpretação de movimentos políticos, sistemas de governo, ideologias, da cooperação, do conflito e da competição política.
No terceiro capítulo, Ideologias políticas e declarações de direitos, Fernando Quintana analisa a afirmação histórico-normativa e justificação político-ideológica dos direitos humanos, que pode ser observada quando se estuda a sua trajetória histórica e as correntes ideológicas que animam as diversas declarações de direitos. O autor mostra como os direitos humanos podem ser situados historicamente, pensados teoricamente, praticados socialmente, concretizados juridicamente e institucionalmente, bem como polemizados ideologicamente.
O quarto capítulo, de Clarisse Gurgel, oferece uma Introdução ao conceito de alienação em Hegel e Marx. Apesar de ser um conceito amplamente utilizado (seja como desconhecimento das forças que influem em nosso modo de viver ou como privação e obstáculos para a autodeterminação), seu sentido nem sempre é entendido adequadamente. Pela relevância do conceito para o entendimento da política, são abordadas no capítulo as noções de alienação (Entfremdung) e estranhamento (Entausserung), a partir das reflexões dos dois filósofos, Hegel e Marx.
No quinto capítulo, Guilherme Simões Reis apresenta A incessante disputa: as ideologias políticas e o que deve ser feito. Trata-se de uma tentativa de mapear algumas das diferentes formas de se entender ideologia, para, a partir daí, discutir suas funções, sua importância, e a recorrente negação dela. Completado esse exercício, discorre-se sobre as principais visões sociais do mundo, algumas delas voltadas para a manutenção do status quo, enquanto outras procuram a transformação da realidade. A análise foca nas linhas conservadoras, liberais e socialistas.
O capítulo seis, de Fabricio Pereira e Luciana Veiga, apresenta o Pensamento político brasileiro, discutindo questões básicas em torno da delimitação dessa área de estudos, notadamente as reflexões em torno de sua definição enquanto teoria
ou pensamento
e seus recortes em torno do político
ou do social
. Na sequência, aponta algumas das grandes chaves analíticas tratadas por essa literatura e seus estudiosos (tais como nação
, modernização
, democracia
e ordem
). Finalmente sugere-se uma bibliografia básica de autores considerados clássicos
e trabalhos de estudiosos do tema.
A partir do capítulo sétimo são apresentados os principais sistemas, processos e atores políticos, com foco no caso brasileiro. Guilherme Simões Reis analisa Os sistemas políticos e as prioridades da ciência política, mostrando as fortes interações e mútuas influências entre os diferentes sistemas que compõem um sistema político, como o eleitoral (majoritário ou proporcional), o partidário (dependendo do número de partidos) e o de governo (parlamentarista ou presidencialista). O debate em torno da estabilidade ou instabilidade permeia as preocupações deste capítulo.
O capítulo oitavo, de Cristiane Batista, dedica-se às Instituições políticas brasileiras, mostrando o impacto das instituições políticas (Executivo e Legislativo) no processo decisório brasileiro e na formulação e implementação da agenda do Executivo. O capítulo visa à compreensão das principais características do legislativo brasileiro, dos diferentes tipos de votação legislativa, bem como dos poderes legislativos do presidente no Brasil e os efeitos das instituições políticas sobre a produção de políticas públicas.
O capítulo nove apresenta Os partidos políticos. José Paulo Martins Junior analisa os partidos políticos e os sistemas partidários nas democracias contemporâneas, oferecendo uma visão panorâmica de suas origens, desenvolvimento e transformações e da maneira como eles desempenham seus papéis nas sociedades contemporâneas. Para tanto, é necessário apresentar os partidos, tanto em seus aspectos teórico-conceituais como nos histórico-comparativos, focando em como eles têm sido abordados em estudos das experiências nas democracias consolidadas e no Brasil.
Felipe Borba analisa, no décimo capítulo, Eleições, campanhas eleitorais e voto. O objetivo é debater os principais conceitos associados às explicações da decisão do voto: por que os indivíduos votam da maneira que votam? O que motiva o eleitor a escolher determinado candidato ou partido em detrimento de outros? As campanhas exercem influência sobre o comportamento do eleitor? Tais questões, embora de aparência simples, têm estimulado importantes debates em torno das principais teorias do voto e como elas influenciaram os estudos sobre eleições no Brasil.
No capítulo onze, João Roberto Lopes Pinto apresenta as Políticas públicas e o conhecimento do Estado em ação
. Centra-se no estudo dos programas governamentais, particularmente suas condições de emergência, seus mecanismos de operação e seus prováveis impactos sobre a ordem social e econômica, ou seja, no ciclo das políticas públicas
, que envolveria, pelo menos, três momentos: formulação, implementação e resultados. Inclui, para tal, a análise da dimensão material da política (policy), a institucional (polity) e a do processo político (politics).
O capítulo doze, de Enara Echart Muñoz, Clarisse Gurgel e João Roberto Pinto, dedica-se a Movimentos sociais e ação coletiva. Apesar de invisibilizada nas análises clássicas da Ciência Política, a ação coletiva dos movimentos sociais tem um impacto importante na vida política, nos processos de democratização e na discussão sobre as políticas públicas. Essa ação coletiva é estudada a partir de diversas concepções (conservadoras, socialistas, comunistas, anarquistas, autonomistas etc.) e em várias dimensões para dar conta da complexidade de relações entre os atores sociais e as instituições do Estado.
César Sabino oferece uma análise das Sínteses teóricas, mudança social e relações de poder no capítulo treze. Para tal, apresenta alguns aspectos das teorias sociais de três dos mais destacados autores contemporâneos em Sociologia (Talcott Parsons, Anthony Giddens e Pierre Bourdieu) e seus debates relacionados às relações de poder, suas configurações e ligações com as mudanças e permanências das estruturas sociais. O capítulo sugere que as narrativas teóricas em ciências sociais apresentam relação indireta ou direta com elementos filosóficos ou metateóricos presentes nas entrelinhas dos discursos praticados pelos autores.
Os seguintes capítulos oferecem um marco de análise internacional e regional da política.
No capítulo quatorze, Enara Echart Muñoz realiza uma introdução ao campo teórico das Relações Internacionais, analisando as principais escolas, temas, correntes e perspectivas que organizam os grandes debates da disciplina (realismo, liberalismo, estruturalismo, teoria crítica, construtivismo, teorias pós-modernas etc.). Para isto, será apresentada a evolução da disciplina em função das mudanças no contexto histórico internacional, desde o final da Primeira Guerra Mundial até a atualidade.
Fabricio Pereira da Silva dedica o capítulo quinze a Política e sociedade na América Latina. Apresenta panoramicamente o surgimento e desenvolvimento do conceito de América Latina
, discutindo em que sentido ele pode ser útil nos dias de hoje. Na sequência, destaca os principais temas trabalhados atualmente pela literatura especializada sobre a região (democracia; integração regional; novas identidades e movimentos sociais; e pobreza e desigualdade), sugerindo uma bibliografia básica para cada um deles.
Finalmente, o capítulo dezesseis, de Luciana Fernandes Veiga, oferece uma aproximação à Metodologia em Ciência Política. O capítulo se inicia com o debate sobre epistemologia e os principais paradigmas das Ciências Sociais; com destaque para como a escolha dentre tais paradigmas estrutura o estudo científico. O objetivo principal é detalhar como se elabora um desenho de pesquisa: definição de seu objetivo; escolha e operacionalização acuradas de conceitos teóricos e variáveis; seleção adequada das técnicas de observação, assim como noções para redação científica.
Todos os capítulos do livro foram redigidos em uma linguagem acessível, apresentando os diferentes conceitos de forma clara e didática. No final de cada capítulo encontram-se suas ideias básicas e pontos de síntese, além de sugestões de leituras para aprofundar cada temática. Como material docente adicional incluem-se perguntas para discussão e propostas de exercícios em sala de aula.
Com este livro, procuramos oferecer informação e conhecimento de qualidade dos processos políticos, contribuindo para uma melhor qualidade dos debates e da atuação política das pessoas e comunidades. Cumpre-se, assim, a missão da educação superior de educar para a cidadania e a participação plena na sociedade com abertura para o mundo, visando construir capacidades endógenas e consolidar os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz em um contexto de justiça
, conforme previsto na Declaração mundial sobre a educação superior no século XXI, adotada pela Unesco em 1998. Acreditamos na educação como um instrumento essencial para enfrentar com êxito os desafios do mundo moderno e para formar cidadãos capazes de construir uma sociedade mais justa e aberta, baseada na solidariedade, no respeito aos direitos humanos e no uso compartilhado do conhecimento e da informação. Esperamos que este livro seja útil a todos/as aqueles/as interessados/as nas discussões políticas.
Não poderíamos encerrar esta introdução sem agradecer aos/às nossos/as estudantes da Unirio, que nos incentivaram na elaboração deste livro, contribuindo com suas perguntas e reflexões para o enriquecimento das discussões que aqui se apresentam. Dentre eles, merece especial destaque Matheus Ribeiro, também conhecido como Ribs, que ilustra a presente obra com as suas sempre instigantes charges.
CAPÍTULO 1
A POLÍTICA E SEUS VÁRIOS SIGNIFICADOS: ALGUMAS NOTAS INTRODUTÓRIAS
André Coelho
Escrever um artigo introdutório sobre o significado da política definitivamente não é algo fácil. Mesmo tendo toda uma vida profissional dedicada à Ciência Política – graduação, mestrado, doutorado e alguns anos de docência na área – ainda acredito que reduzir toda a complexidade da política em poucas páginas seja uma tarefa extremamente difícil. Como afirmou João Ubaldo Ribeiro (2010), se escreveu muito pouco no mundo mais do que política (talvez religião e amor, que também podem ser percebidas como formas de se fazer política). Dessa maneira, esse capítulo é uma tentativa de diálogo com diversas tradições teóricas e ideológicas sobre o que é a política, buscando discutir suas várias possíveis definições sem, contudo, ter nenhuma pretensão de esgotar o tema.
A invenção da política
Inicialmente, cabe dizer que mesmo a definição sobre o que é a política
não é tarefa simples ou considerada pacífica entre os especialistas da área. Podemos começar com os escritos de Bobbio (2000, p. 954), que afirma que a origem etimológica da palavra Política é a palavra grega Pólis, que tem seu significado relacionado a tudo o que se refere à cidade e, consequentemente, ao que é urbano, civil, público.
De acordo com Ivone Lixa (2003), o nascimento da reflexão sobre a política resultou das condições específicas do modo de vida grega ateniense: a existência da já citada Pólis (Cidade-Estado) e o logos – racionalização do mundo circundante; ambas constituindo distintas dimensões de liberdade e da pluralidade humana. Assim, a experiência grega ocorrida entre os séculos IV e VI a.C. foi decisiva para que autores fundacionais da disciplina como Platão e Aristóteles pudessem compreender o que Ivone Lixa (2003) chama de choque de interesses
. A partir daí a política teria sido construída como uma abstração racional acerca do conflito coletivo humano. Exatamente nesse contexto foram criadas as bases teóricas do pensamento político ocidental. Como as primeiras discussões sobre os sentidos da Política datariam de mais de dois mil anos atrás, alguns entusiastas do tema afirmam que não existiria Ciência mais antiga no mundo do que a Política.
Para Ivone Lixa (2003), os primeiros diálogos de A República
de Platão mostram sua preocupação em encontrar um melhor caminho para o governo da cidade. Afirma a autora que, ao instituir a política como ciência, Platão buscou estabelecer princípios teóricos para o bem governar e este foi o início de uma reflexão legada a toda a geração de teóricos que o sucederam.
De acordo com Bobbio (2000 p. 934), o termo Política teria se expandido com Aristóteles, que publicou obra com o mesmo título, que deve ser considerada como o primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisão do Estado, e sobre as várias formas de governo, com a significação mais comum de arte ou ciência do governo
. Na época moderna, entretanto, teria perdido seu significado original, sendo substituído pouco a pouco por outras expressões como Ciência do Estado, doutrina do Estado, Ciência Política, Filosofia Política – todas estas atividades ligadas de alguma maneira ao Estado e à Pólis – sendo a Pólis por vezes sujeito, por vezes objeto.
Buscando retomar as definições sobre os significados da Política, João Ubaldo Ribeiro (2010) nos dá uma ótima pista ao afirmar que a Política pode ser entendida como o exercício de alguma forma de poder e, naturalmente, às múltiplas consequências desse exercício. Talvez a palavra mais importante da afirmação acima – poder – seja uma das chaves para se compreender o que é a política.
Política e poder
Quando falamos de poder, devemos necessariamente aludir à tipologia moderna das formas de poder formulada por Bobbio (2000) a partir dos meios pelos quais o poder é exercido. O primeiro seria o Poder Econômico, que significaria a posse de bens necessários ou considerados assim em uma situação de escassez, podendo induzir aqueles que não os possuem a certo comportamento ou principalmente certo tipo de trabalho. Em geral, aquele que possui em abundância determina a vida daquele que vive na penúria, mediante promessa e concessão de vantagens (BOBBIO, 2000, p. 955).
O segundo tipo seria o Poder Ideológico, onde o mais importante seria a influência das ideias – formuladas de certa maneira, por pessoa(s) investida(s) de alguma autoridade e difundida mediante determinados processos –, sobre o comportamento dos comandados (BOBBIO, 2000, p. 956).
Finalmente o Poder Político seria caracterizado pela posse dos instrumentos pelos quais se exerce a força física, isto é, por meio das armas de qualquer espécie e grau. Trata-se do monopólio autorizado e exclusivo do uso da força – é o poder de coação – que será discutido mais detalhadamente nas próximas páginas.
Todos esses poderes mantêm uma espécie de sociedade desigual. O Poder Econômico, uma sociedade dividida entre ricos e pobres; o Poder Ideológico, entre sábios e ignorantes e o Poder Político, entre fortes e fracos. Genericamente, entre superiores e inferiores.
Segundo Bobbio (2000, p. 954) o conceito de Política estaria estritamente ligado ao de poder. A Política estaria relacionada com o domínio da natureza e o domínio de homens sobre outros homens ou, em outras palavras, com a relação entre dois sujeitos, na qual um impõe sua vontade ao outro e lhe determina o comportamento. O poder político estaria enquadrado na categoria de poder de um homem sobre outro homem. Essa relação poderia se constituir de mil maneiras, como afirmava Aristóteles em sua referida obra clássica: governantes e governados, soberano e súditos, Estado e cidadãos, autoridade e obediência etc.
Política, Poder e Estado
Weber (2004) também afirma que o conceito de Política é extraordinariamente amplo e que abrange toda espécie de atividade diretiva humana. No entanto, em sua definição, o papel do Estado é absoluto. Vejamos: por política entenderemos tão somente a direção de um agrupamento político hoje denominado ‘Estado’ ou a influência que se exerce nesse sentido
(WEBER, 2004, p. 59). Dito isto, temos que pensar em outro conceito muito importante para a política – o Estado. Ainda citando Weber (2004), descobrimos que o Estado, sociologicamente falando, não se deixa definir por seus fins, mas sim pelo meio específico que lhe é peculiar.
Desenvolvendo um pouco mais sua argumentação, o autor afirma que o Estado consiste em uma relação de dominação do homem pelo homem, com base no instrumento da violência legítima – ou seja, da violência considerada como legítima
(WEBER, 2004, p. 59). Dessa maneira, o Estado só existiria sob a condição de que os homens dominados se submetessem à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores. Assim, o Estado se transformaria na única fonte do direito a violência
. Por conseguinte, teríamos outra definição de política: o conjunto de esforços feitos visando participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado
(WEBER, 2004, p. 60).
Daí deriva uma das definições clássicas da política, que é justamente aquela aludida por tantos autores, desde Maquiavel a Weber, de que a política pode ser resumida como o ato de convencimento de um sujeito sobre o outro (que também pode ser de um grupo sobre o outro) a realizar a(s) vontade(s) do primeiro. Em outras palavras, um bom político deve convencer outras pessoas a fazer aquilo que ele deseja. Tal convencimento pode vir por meio da exposição clara de argumentos, pelo carisma, pelo uso da lei e por uma série de outros motivos percebidos como legítimos – mas, em última instância através do uso da força.
Assim, o que caracterizaria o poder político do Estado é sua exclusividade, isto é, o monopólio do uso legítimo da força em relação a todos os outros grupos sociais em determinado contexto social. Esse processo ocorre obrigatoriamente ao mesmo tempo em que se desenvolve a metodologia de criminalização e punição do uso da força, dos atos de violência cometidos por todos aqueles que não forem autorizados a isso pelo Estado.
Karl Deutsch (1983, p. 12) conceitua a política como sendo o controle mais ou menos imperfeito do comportamento humano, controle que resultaria de hábitos voluntários de aquiescência combinados com a ameaça de uma coerção provável. Em essência, a política se fundamentaria, portanto, na interação de hábitos de cooperação moldados por ameaças que, com o tempo, tenderiam a se tornar inconscientes. Para Deutsch (1983), sem a existência de tais hábitos na maioria das pessoas, não poderia existir lei ou governo da forma como os conhecemos.
Quando pensamos nas definições de política, poder e violência, devemos refletir também na questão do comando. Ao refletir sobre a noção de controle, somos obrigados a refletir sobre um dos significados do que é a política. O surgimento do Estado é provavelmente o aparecimento da mais perfeita forma de controle que já existiu. Como bem diz Weber, com o uso permitido e legal da força, a classe dominante pode sempre se perpetuar no poder. Para tanto, constrói regras e instituições para aprimorar constantemente sua forma de controle.
Bobbio (2000, p. 956) afirma que, embora a possibilidade de recorrer à força seja o elemento que distingue o poder político de outras formas, isso não quer dizer que ele sempre se resolva com o uso da força. Ou seja, tal possibilidade é uma condição necessária, mas não suficiente, para a existência do poder político. Nem todos que podem usar a força têm condições de perpetuar esse domínio e transformar força em poder político. Maquiavel, em O Príncipe, já dizia que o governante não pode abrir mão de usar a força e a violência quando necessário, mas deve ter necessariamente em mente que o uso exagerado da força pode ter o efeito contrário, aumentando o risco de revolta dos governados contra a tirania do príncipe.
Política e interesse público
João Ubaldo Ribeiro (2010), no entanto, afirma que definir a política apenas como algo relacionado a poder não chega a ser satisfatório. Até porque saber exatamente o que é o poder também não é tarefa nada fácil. Assim, busca reduzir um pouco mais o escopo dos significados anteriores, afirmando que a Política deve estar ligada necessariamente ao conceito de interesse público.
Refinando seus argumentos, o referido autor retoma a discussão do conceito de política, em novas bases: A política passa a ser entendida como um processo através do qual interesses são transformados em objetivos e os objetivos são conduzidos à formulação e tomadas de decisão efetivas, decisões que ‘vinguem’
(RIBEIRO, 2010, p. 10). Em linguagem mais formal, o que interessa é o processo de formulação e tomada de decisões.
Essa percepção é exatamente aquela defendida por Karl Deutsch (1983, p. 28), ao afirmar que a palavra Política
enfatizaria o processo de tomada de decisões no que diz respeito a atividades públicas, enquanto a palavra governo
acentuaria os resultados desse processo em termos de controle e autocontrole da comunidade – seja uma cidade, Estado ou nação. Cabe ressaltar que, para o autor, inspirado por Aristóteles, qualquer comunidade maior que a família contém elementos de política.
Para João Ubaldo Ribeiro (2010) a política deve então ser vista como o estudo e a prática da canalização de interesses com a finalidade de conseguir decisões. Isto já foi chamado de arte; requer talento, sensibilidade, uso da razão, do poder de influenciar, seduzir e fazer com que sua vontade prevaleça sobre a outra.
Karl Deutsch (1983, p. 27) afirma que a Política é, em certo sentido, a tomada de decisões através de meios públicos, em contraste com a tomada de decisões pessoais, adotadas particularmente pelo indivíduo, bem como em relação às decisões econômicas, geradas como resposta a influências impessoais, tais como o dinheiro, condições de mercado e escassez de recursos.
Refletindo nessa direção, Bobbio (1999) afirma que a política deve ser percebida como ética de grupo, por estar referida ao interesse público, e não ao interesse e ação individual. E onde residiria a diferença entre essas duas éticas (a de grupo e a individual)? Para o autor, o critério da ética da convicção é geralmente usado para julgar as ações individuais, enquanto o critério da ética da responsabilidade é usado ordinariamente para julgar ações de grupo ou praticadas por um indivíduo, mas em nome e por conta do próprio grupo, seja ele o povo, a nação, a igreja, a classe, o partido etc. O que diferenciaria a ética individual e a ética de grupo seria a ação voltada para a sobrevivência do grupo, do coletivo.
Aquilo que é obrigatório para o indivíduo, não necessariamente o é para o grupo ao qual pertence. Por exemplo, a violência individual é condenada. Já a violência das instituições, geralmente é justificada. Em outras palavras, não há necessidade de violência individual, porque basta a violência coletiva. A moral pode resolver ser tão severa com a violência individual porque se fundamenta na aceitação de uma convivência que se rege pela prática contínua da violência coletiva. Logo, a política é a razão do Estado e a moral, a razão do indivíduo. Por razão do Estado
Bobbio compreende:
Aquele conjunto de princípios e máximas segundo os quais as ações que não seriam justificadas, se praticadas só pelo indivíduo, são não só justificadas como também por vezes exaltadas e glorificadas se praticadas pelo príncipe ou por quem quer que exerça o poder em nome do Estado (BOBBIO, 1999, p. 962).
Totalidade da política
Ao refletir sobre a influência da política em nossa vida cotidiana, o leitor pode se surpreender com a abrangência e a totalidade da presença dos fenômenos políticos na grande maioria das ações que exercemos e no ambiente em que vivemos. Para Francis Wolff (2003, p. 26), todos os povos vivem politicamente; a partir do momento em que existiu humanidade em alguma parte da terra, houve política.
Karl Deutsch (1983, p. 27), por exemplo, afirma que nossas cidades constituem uma malha política
. Da água que bebemos ao ar que respiramos, passando pela segurança de nossas ruas e a dignidade de nossos pobres ou a saúde dos nosso idosos, bem como a esperança para os grupos minoritários, tudo está em estreita ligação com as decisões políticas feitas pelo Estado (no caso brasileiro, por exemplo, pelos três entes federativos – União, Estados e Municípios).
João Ubaldo Ribeiro (2010) vai mais além: afirma que é impossível para o cidadão fugir da política. Em uma passagem de sua obra, garante que mesmo aqueles que se dizem apolíticos
, não o são realmente. O que existiria, na verdade, seria uma posição de indiferença em relação à política por parte do indivíduo que assim age. Tal atitude, na verdade, permitiria que outros grupos, eleitos ou não, agissem em seu nome e em seu lugar, sem que o cidadão tivesse controle algum sobre isso. Curiosamente, o significado etimológico da palavra idiota
deriva do grego e sua definição está relacionada inicialmente aquele indivíduo que não participava da Pólis e por isso seria incapaz de exercer qualquer ofício público, passando depois a ser compreendido como homem comum
– sem especial distinção – e finalmente sujeito ignorante, de pouca inteligência e pouca valia
. Resumidamente, o idiota
pode ser percebido também como aquele que não se interessa pelos assuntos públicos, somente pelos privados. Seria então o apolítico um idiota?
Se tomarmos como exemplo a participação na política através do processo eleitoral, perceberemos que mesmo a recusa do cidadão em exercer seu direito ao voto já é uma posição política claramente definida. Sua abstenção individual não irá cancelar o processo eleitoral. Tornar-se indiferente ao processo fundamental da democracia representativa¹ – as eleições – permite que os representantes eleitos possam fazer tudo o que bem desejarem, já que não existiria nenhum